Parecer n.º E-35/03
20 de fevereiro, 2004
I.1.- A Exma. Sra. Conservadora da Conservatória do Registo de Automóveis do Porto solicita informação sobre “se os senhores advogados podem utilizar selo branco nos reconhecimentos de assinaturas bem como nas certificações de fotocópias”. Este pedido de informação estriba-se no entendimento aí plasmado por aquela Sra. Conservadora de que “o uso do selo branco é exclusivo do Estado ou entidades equiparadas”.
I.2.- Instruindo aquele seu pedido de informação juntou a Sra. Conservadora duas fotocópias: uma certificação de fotocópia e um reconhecimento de assinatura feitas por uma Sra. Advogada, ao que se crê com a aposição de um selo branco (que as fotocópias juntas não permitem confirmar).
II.1.- O selo sempre foi entendido como uma marca identificativa ou um sinal distintivo. Originariamente esse sinal esteve associado a funções de autoridade e à identificação e reconhecimento de quem as exercia. Por via dessa associação o selo passou a constituir uma divisa pública (p. ex., selo real ou selo imperial), atestando a origem, a autenticidade e a força impositiva dos documentos que chancelava.
A estampagem do selo nos documentos era, como é sabido, feita por uma peça geralmente metálica onde aquele (composto por caracteres e/ou desenhos) se encontrava gravado, peça habitualmente designada por ferro, sinete, chancela ou cunho.
II.2.- Todavia – e já nos séculos mais recentes --, o selo, como sinal identificador e distintivo, passou a ser utilizado por particulares, mormente no âmbito das relações e transacções comerciais em crescente e acelerado desenvolvimento. Pense-se, v. g., no cunho de selagem utilizado para cera, lacre derretido ou obreia, utilizado para a confidencialidade das cartas comerciais; ou nos carimbos de tinta que selavam contratos daquela natureza; ou ainda nos contrastes inicialmente utilizados por artistas nas cunhagens das suas obras em metais preciosos ou jóias.
O selo passou a ser não só um sinal distintivo dos poderes públicos, mas, também, um meio de identificação de particulares, principalmente no giro mercantil.
III.1.- O denominado selo-branco não passa de uma mera técnica de aposição do selo em documentos. Tal como o sinete, o cunho, o ferro, a chancela ou o carimbo, o selo-branco é apenas mais um meio de estampagem do selo em documento, concretizando-se pela introdução de demarcação deformadora, através de caracteres e/ou desenhos, no próprio papel onde é aposto.
III.2.- Ora, como é bom de ver, não será o meio utilizado para aposição do selo que pode conferir a este a sua característica de público ou de privado. O selo deverá ser entendido como público se os seus caracteres e/ou desenhos identificarem ou forem exclusivos de uma entidade pública; será privado, se esses caracteres se destinarem a identificar um particular ou uma entidade privada.
Porém, qualquer uma daquelas poderá, para aposição dos seus respectivos selos ou sinais identificativos, utilizar os vários meios que possibilitam tal aposição.
III.3.- Do que já ficou dito pode-se afirmar, sem necessidade de mais considerações, afigurar-se que o selo-branco, como um dos meios de aposição do selo, não será exclusivo do Estado ou de entidades públicas equiparadas. A não ser, evidentemente, que essa exclusividade se encontre determinada por lei.
III. 4.- Contudo, a pesquisa legislativa que, sobre o assunto, nos foi possível efectuar não permitiu obter o conhecimento da existência de qualquer diploma legal publicado que expressamente consagre a exclusividade de utilização do selo-branco ao Estado ou entidade equiparada.
Por isso, à míngua desse conhecimento e com as razões supra aduzidas, é- -nos lícito opinar que o Estado não detém a exclusividade de utilização do selo-branco, como um dos meios possíveis de aposição de selo, reconhecendo-se embora ter o Estado um sinal distintivo exclusivo e privativo que constituirá o seu selo.
IV.1.- O selo, como sinal identificativo e distintivo que inquestionavelmente é, deve subordinar-se também aos princípios da verdade e da novidade que matizam as marcas distintivas.
Seria estulto da nossa parte atrevermo-nos explicar à Exma. Sra. Conservadora impetrante o significado, conteúdo e alcance daqueles aludidos princípios. Como diz o Povo, “ao padre não se ensina a missa”!...
Permitimo-nos apenas chamar à colação aqueles princípios para acentuar que o selo deverá identificar com precisão aquele que o usa e o apõe, sendo distinto dos restantes.
IV.2.- Com efeito, unicamente pelo recurso àqueles princípios se poderá considerar ilegítima, por exemplo, a utilização, por advogado, de um selo (por meio de sinete, cunho ou selo-branco) que contenha o brasão e o escudo identificativos da República Portuguesa e privativos dos seus orgãos públicos, ou a referência a um qualquer Cartório Notarial...
De ilegitimidade não se tratará, certamente, se esse mesmo advogado utilizar um selo (por meio de sinete, cunho ou selo-branco) que o identifique pelo seu nome e domicílio profissionais, número de cédula, ou quaisquer outras notações estatutariamente permitidas.
IV.3.- De resto, é este o sentido que se extrai do douto Parecer E–5/03 aprovado pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados em 14 de Fevereiro de 2003, que reconhece a possibilidade de utilização de selo-branco por advogado, como meio de aposição em documentos do respectivo selo onde conste o seu nome profissional e número de cédula, sem a inclusão do logotipo ou símbolo privativo da Ordem dos Advogados (ou, adiantamos nós, para o caso vertente, sem o brasão e o escudo da República Portuguesa) por forma a evitar a confusão (e assim preservar, acrescentamos nós, os referidos princípios da verdade e da novidade dos sinais distintivos).
IV.4.- Do Decreto-Lei nº 28/2000 de 13 de Março é possível colher idêntica filosofia e respaldo para o entendimento que perfilhamos.
Introduzindo mecanismos de simplificação de actos através de formas alternativas de atribuição de valor probatório a documentos, veio aquele diploma legal reconhecer aos advogados (e a outras entidades aí referidas) a possibilidade de certificação de fotocópias com os documentos originais apresentados, impondo o nº 4 do seu art. 1º a aposição ou inscrição “...no documento fotocopiado da declaração de conformidade com o original, o local e a data da realização do acto, o nome e assinatura do autor da certificação, bem como o carimbo profissional ou qualquer outra marca identificativa da entidade que procede à certificação.” (com destaque e sublinhado nossos).
Este referido Decreto-Lei contemplará – ou, pelo menos, não excluirá expressamente – a possibilidade dos advogados, certificando fotocópias, nestas aporem a sua marca identificativa (selo, p. ex.) por meio de selo-branco.
Ora, desde que o selo aposto identifique perfeitamente o autor da certificação, nada parece impedir a utilização, pelo advogado (ou por qualquer outra entidade certificadora), do selo-branco para aposição daquele selo.
IV.5.- O entendimento supra plasmado não colide, de resto, com a prática social e comercial hodierna, posto ser público que, de há muito, instituições bancárias privadas e sociedades comerciais vêm utilizando na sua documentação (comprovativo de depósitos a prazo e títulos de acções de sociedades anónimas, p. ex.) selos próprios, apostos por meio do denominado selo-branco.
Por isso, não faria qualquer sentido, nos tempos actuais, negar aos advogados a utilização desse meio para aposição do seu sinal identificativo.
EM CONCLUSÃO:
Afigura-se-nos, s.m.o., poderem os advogados utilizar selo-branco como meio de aposição de sinal identificativo e distintivo do advogado em documentos, desde que tal selo permita a correcta identificação e distinção profissional deste e não contenha símbolos ou insígnias identificadoras e privativas de outras entidades públicas ou privadas com que se possa confundir.
Esta deverá ser a informação a prestar à Sra. Conservadora da Conservatória do Registo de Automóveis do Porto, se o presente Parecer colher a aprovação do Conselho Geral.
Olhão, 29 de Janeiro de 2004
Aprovado na Sessão do Conselho Geral de 20 de Fevereiro de 2004
Relator: António Cabrita