Parecer

Na sequência do pedido formulado pelo Conselho Distrital de Lisboa ao Conselho Geral da Ordem dos Advogados, com intervenção da Comissão Nacional de Estágio e Formação, no sentido de se pronunciar sobre a competência dos Advogados Estagiários, designadamente sobre a interpretação do nº. 2 do artº. 189 do EOA, considera esta Comissão ser seu dever pronunciar-se sobre a questão suscitada, emitindo parecer nos termos que se seguem.

A competência do advogado estagiário para a prática de actos próprios da profissão é regulada pela norma do artº. 189º. do Estatuto da Ordem dos Advogados aprovado pela Lei 15/2005, de 26/01.

O actual Estatuto da Ordem dos Advogados introduziu alterações sensíveis quanto à competência do advogado estagiário, resultando manifesta, face ao regime anterior (artº. 164º. do Decreto-Lei 84/84, de 16/03, na redacção que lhe foi dada pela Lei 80/2001, de 20/08), a diminuição dessa competência na primeira fase de estágio e, em contrapartida, o alargamento do seu âmbito na fase de formação complementar.

Na interpretação da norma do artº. 189º. do EOA importará, como se impõe, atender ao princípio essencial de que a advocacia é uma profissão de interesse de público que funciona como garante da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e participa profundamente na administração da justiça constituindo o advogado interlocutor privilegiado, quando não exclusivo, do cidadão junto do poder judicial e da administração pública.

Por outro lado, haverá a considerar, igualmente, os princípios reguladores do estágio e os seus fins ou objectivos. O estágio, em particular, a fase de formação complementar, “visa uma formação adequada, complementar e progressiva dos advogados estagiários através da vivência da profissão, baseada no relacionamento com os patronos tradicionais, intervenções judiciais em práticas tuteladas, contactos com a vida judiciária e demais serviços relacionados com a actividade profissional (…)” – Cfr. artº. 188/4 EOA.

Na regulamentação das competências do advogado estagiário procurou o legislador o necessário equilíbrio entre a relevância essencial da advocacia na efectivação dos direitos e interesses dos cidadãos e o fim que visa prosseguir o estágio do advogado estagiário, preparando-o, de modo pleno e autónomo, para o exercício da profissão.

Neste sentido e, por forma a permitir a conjugação dos princípios e objectivos em presença, verifica-se, por um lado, ter sido reforçada a intervenção do patrono, em especial do patrono tradicional, na formação do advogado e, por outro lado, a possibilidade do advogado estagiário diversificar e enriquecer, sempre sob a efectiva tutela daquele, a sua experiência e conhecimento profissional pela intervenção em processos judiciais até agora reservados exclusivamente ao advogado.

Assim, restringiu-se – na fase inicial do estágio – competências anteriormente conferidas ao advogado estagiário. Mostra-se vedado ao advogado estagiário, nesta fase, a prática de quaisquer actos próprios da profissão, ainda que se trate de causa própria, do seu cônjuge, descendente ou ascendente.

Porém, na fase de formação complementar – uma vez obtida a cédula profissional – atribuiu-se ao advogado estagiário competência para a prática de actos de advogado em processos judiciais, independentemente da sua natureza ou valor, acrescentando-se uma tal prática aos actos que tradicional e “pacificamente” lhe estavam cometidos, designadamente a consulta jurídica, os actos da competência dos solicitadores, o exercício da advocacia em processos penais da competência de tribunal singular e em processos não penais quando o respectivo valor caiba na alçada da primeira instância, em processos da competência dos tribunais de menores e em processos de divórcio por mutuo consentimento.

Estabelece o artº. 189/2 EOA que “pode ainda o advogado estagiário praticar actos próprios da advocacia em todos os demais processos, independentemente da sua natureza e do seu valor, desde que efectivamente acompanhado de advogado que assegure a tutela do seu tirocínio, seja o seu patrono ou o seu patrono formador”.

Alargou-se, como referido, o âmbito de competências próprias do advogado estagiário permitindo a sua intervenção em todo e qualquer processo, independentemente do valor.

Não obstante e, na prossecução da defesa dos interesses do cidadão, a intervenção do advogado estagiário em processos penais da competência de tribunal colectivo, em processos não penais quando o valor excede a alçada da primeira instância e em processos da competência dos tribunais de família, está estritamente condicionada à verificação cumulativa de dois requisitos:

1º. o advogado estagiário apenas pode actuar em tais processos desde que efectivamente acompanhado de advogado que assegure a tutela do seu tirocínio; e
2º. o advogado que, naqueles casos, terá de acompanhar e assegurar a tutela do tirocínio, terá de ser patrono ou patrono formador do advogado estagiário.

O legislador não concedeu autonomia ao advogado estagiário para actuar por si só nos processos judiciais de maior relevância atento o seu valor e/ou complexidade. Subordinou expressamente essa intervenção à tutela do patrono ou patrono-formador do advogado estagiário, ou seja, a quem, estando em estreita ligação funcional com aquele, possui aptidão plena – pelo menos cinco anos de exercício da profissão – para orientar, dirigir e sindicar a sua actuação (Cfr. artº. 185º/2EOA).

A ampliação das funções do advogado estagiário surge, como tal, em estreita e directa relação com a função do patrono ou patrono formador e é nesse âmbito que terá de ser atendida.

Nesse sentido, refere o Drº. Fernando Sousa Magalhães: “A possibilidade de os Advogados Estagiários poderem, a partir de agora, patrocinar acompanhados do seu patrono ou patrono formador, em qualquer processo, independentemente da sua natureza ou valor, constitui um passo muito relevante no reforço da formação em prática tutelada, ao mesmo tempo que aprofunda e dignifica a relação entre o Advogado Estagiário e o seu Patrono” – in “Estatuto da Ordem dos Advogados” anotado e comentado, pág 198.

Face ao exposto, afigura-se-nos que a tutela do tirocínio implica que a intervenção judicial do advogado estagiário nos referidos processos, só deverá ter lugar se o mandato judicial for conferido não só ao advogado estagiário, mas também ao advogado que, sendo patrono ou patrono-formador daquele, assegura e conjuntamente com este responsabiliza-se pela prática dos actos promovidos no processo.

De resto, atento o disposto nos artºs. 32º. e 34º. do Código Processo Civil sempre seria obrigatória a constituição de advogado, entre outros, nos processos de tribunais com alçada em que seja admissível recurso ordinário, sendo que só nos processos em que não é obrigatória a constituição de advogado podem as partes ser representadas por advogado-estagiário.

Assim, conclui-se no sentido de que o mandato judicial nos processos a que se reporta o artº. 189/2 EOA deverá ser conferido conjuntamente ao advogado estagiário e patrono ou patrono formador.

Por outro lado e, porque a prática tutelada do exercício profissional do advogado estagiário só é efectiva quando o patrono ou patrono formador acompanhe aquele, deve entender-se que tal acompanhamento implica a prática conjunta de todos os actos no processo, pelo que os articulados e demais peças processuais, com excepção daquelas em que não se suscitem questões de direito, devem ser subscritas por ambos.

Do mesmo modo, não poderá o advogado estagiário ser admitido a intervir oralmente no processo, seja no âmbito da audiência de discussão e julgamento da causa, seja em qualquer outra diligência passível de suscitar questões de direito, sem a efectiva presença – “acompanhamento” - do seu patrono ou patrono-formador. Os actos que se produzem oralmente no processo esgotam-se, regra geral, no momento da sua prática. Atente-se, por mero exemplo, que a arguição de irregularidades ou nulidades processuais deve ter lugar no decurso da audiência de discussão julgamento. Não se vê como poderia o patrono ou patrono formador assegurar a adequada salvaguarda dos interesses do mandante sem a sua presença física no decurso da produção daqueles actos!

EM CONCLUSÃO:

É entendimento da CNEF que o artº. 189/2 do EOA deverá ser interpretado no sentido de que a prática de actos próprios de advogado pelo advogado estagiário nos processos a que se reporta aquele normativo:
1. está condicionada ao efectivo acompanhamento pelo patrono ou patrono formador que assegura a tutela do tirocínio do advogado estagiário,
2. que a tutela do tirocínio implica:
2.1 - que o mandato judicial seja conferido conjuntamente ao advogado estagiário e patrono ou patrono formador; e
2.2 - que todas as peças processuais em que se coloquem questões de direito sejam subscritas por ambos, devendo ainda o patrono ou patrono formador estar presente em todas as diligências orais a que haja lugar.

Porto, 5 de Dezembro de 2005

À consideração superior do Conselho Geral,

A relatora,
Paula Trindade Martins


O Presidente,
Pedro Marinho Falcão


Relator: Paula Trindade Martins

23/06/2025 10:52:49