40 anos do primeiro Estatuto da Ordem dos Advogados | 16 de março
40 anos do Estatuto
O primeiro Estatuto da Ordem dos Advogados foi publicado há 40 anos, pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março.
No preâmbulo deste diploma referia-se que “se concretiza na Ordem dos Advogados, cujo Estatuto agora se aprova, o princípio da descentralização institucional que aproxima a Administração dos cidadãos e se articulam harmoniosamente interesses profissionais dos advogados com o interesse público da justiça.”
Nesse Estatuto, e no que respeita a alterações orgânicas, foi criado o Congresso dos Advogados Portugueses, já com as competências que hoje em dia lhe cabem.
Os restantes órgãos da Ordem eram a assembleia geral, o bastonário, o conselho superior, o conselho geral, as assembleias distritais, os conselhos distritais, os presidentes dos conselhos distritais, as assembleias de comarca, as delegações e os delegados, todos eles compostos exclusivamente por associados com inscrição em vigor.
De destacar ainda a importância dada ao Estágio, com a duração de 18 meses, e sobre o qual o preâmbulo referia que “se, por um lado, se requer a eliminação de entraves ao pleno acesso à profissão, por outro, impõe-se que o tirocínio se faça com a melhor preparação possível dos jovens advogados.”
Durante toda a sua história, e particularmente nos últimos 40 anos, a Ordem dos Advogados sempre cumpriu o seu papel com zelo, rigor e responsabilidade, assegurando a defesa do interesse público da profissão e garantindo que todos os seus associados recebiam formação adequada e desempenhavam a profissão com total respeito pelas normas deontológicas.
Nunca a Ordem dos Advogados transigiu nas suas tarefas nem se deixou contaminar por condescendências corporativistas que pudessem fazer perigar a confiança e qualidade dos serviços prestados pelos profissionais aos/às cidadãos/ãs deste país.
Por isso, volvidos 40 anos, foi com grande pasmo e preocupação que assistimos ao retrocesso e às alterações de alguns dos valores e princípios subjacentes àquele primeiro Estatuto, motivadas por alegados defeitos corporativistas ou de limitação da concorrência que, na verdade, nunca existiram.
Desde logo, com as alterações ao Estatuto atual, levadas a cabo pela Lei n.º 6/2024, de 19 de Janeiro, foi criado um Conselho de Supervisão composto maioritariamente por membros não associados, responsável por zelar pela legalidade da atividade exercida pelos órgãos da Ordem dos Advogados – uma alegada finalidade que assenta numa autêntica falácia, uma vez que a legalidade da actividade dos órgãos da Ordem dos Advogados sempre pôde ser sindicada por via de recurso judicial, como resultava já do n.º 3 do artigo 5.º daquele primeiro Estatuto de 1984.
Depois, foi alterada a composição dos órgãos com competência jurisdicional e disciplinar, com a introdução de membros não inscritos na Ordem dos Advogados, não se conseguindo compreender que conhecimentos terão essas pessoas para julgar processos sobre o exercício de uma profissão com normas deontológicas que desconhecem.
Em nome de uma alegada concorrência (valor que não deverá ser primordial, quando falamos de profissões de interesse público), foram alterados os atos próprios dos Advogados. Alguns deles, como a consulta jurídica e a elaboração de contratos foram abertos a licenciados em direito que, quando comparados com quem exerce Advocacia, carecem manifestamente da formação e experiência necessária para a prática daqueles atos. Mais grave ainda, a negociação tendente à cobrança de créditos passou a poder ser praticada por qualquer funcionário de uma sociedade comercial com essa atividade, mesmo sem qualquer formação para o efeito e apenas sujeito à pretensa supervisão de um advogado, colocando-se claramente em perigo os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Foi ainda com estupefacção e receio que constatamos a redução do tempo de estágio para 12 meses, com claro prejuízo para a formação dos advogados-estagiários, e de onde sairão, naturalmente, profissionais menos preparados para os primeiros anos de exercício da profissão, com todas as nefastas consequências daí decorrentes. Numa época como a atual, de maior profusão e complexidade legislativa, não podemos aceitar que o estágio tenha uma duração inferior àquela que foi considerada necessária e adequada em 1984.
Assim, é lamentável termos de concluir que, após a entrada em vigor das alterações da Lei n.º 6/2024, de 19 de Janeiro, teremos, infelizmente, um Estatuto muito pior do que aquele que foi aprovado e publicado em 1984. O novo Estatuto não respeita a história e a autonomia da Ordem dos Advogados, não soube reconhecer o trabalho exemplar que a instituição sempre desempenhou em defesa do Estado de Direito democrático e do interesse público da profissão e, acima de tudo, é um Estatuto que abre a porta a ameaças aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Por tudo isto, e tendo em consideração as mudanças que ocorrerão em breve na composição da Assembleia da República e no Governo, a Ordem dos Advogados pugnará para que as alterações introduzidas ao seu Estatuto pela Lei n.º 6/2024, de 19 de janeiro, sejam revisitadas e devidamente ponderadas (como antes não o foram), sem medo de se reverter todas aquelas que apenas criarão entropias ao regular funcionamento da instituição e/ou colocarão em perigo os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Fernanda de Almeida Pinheiro, Bastonária da Ordem dos Advogados
16 de março de 2024