Comunicado | Alteração da portaria do Acesso ao Direito
Conforme é de conhecimento público, a Advocacia encontra-se a levar a cabo um protesto pela atualização da tabela de honorários do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, que não é atualizada há quase 20 anos.
Com exceção da Advocacia, não há nenhuma profissão neste país, desde o trabalho mais simples até ao mais qualificado, que continue a ser remunerada com os mesmos valores de há 20 anos. Trata-se, por isso, de uma reivindicação justa, legítima e facilmente compreensível por qualquer pessoa de boa-fé e minimamente empática com o seu concidadão, como deverão necessariamente ser os titulares de cargos políticos, especialmente se esses titulares dos cargos até são pessoas que são profissionais da justiça.
Sucede que, como forma de retaliação contra este protesto justo e legítimo da Advocacia, o Governo, através do Ministério da Justiça, aprovou ontem uma alteração à Portaria que Regulamenta a Lei do Acesso ao Direito, passando a prever expressamente “a possibilidade de o Tribunal, o Ministério Público ou os Órgãos de Polícia Criminal nomearem qualquer Advogado que, sendo contactado, se manifeste disponível para aceitar a nomeação.”
Ao contrário do que sucede atualmente, em que as nomeações dos Advogados/as e a nomeação dos Advogados/as em escala, por uma questão de organização, transparência e justiça, são realizadas pela Ordem dos Advogados, o Governo pretende passar a permitir (ainda desconhecemos em que termos, uma vez que não foi ainda publicada a portaria), que tais nomeações possam ser feitas pelas referidas entidades, “em caso de indisponibilidade do sistema de informação que impeça a consulta das escalas, inexistência de escalas ou indisponibilidade do Advogado escalado ou não comparência no prazo regulamentar.”
Esta alteração é, desde logo, um regresso ao passado de que nenhum operador judiciário se deve orgulhar, deixando a porta aberta para situações de cambão, favorecimentos ilícitos e até corrupção, que se verificaram quando o sistema assim o permitia, e que naturalmente voltarão a acontecer.
A Lei do Acesso ao Direito evoluiu no sentido de ultrapassar e evitar estas situações, o que foi claramente conseguido nos últimos anos, em que as nomeações, como é suposto suceder, sempre foram geridas pela Ordem dos Advogados.
Além disso, estas alterações à Portaria comprometem claramente os Direitos, Liberdades e Garantias dos/ãs cidadãos/ãs, permitindo que as entidades que fazem as diligências de que os mesmos são alvo, sejam as mesmas que escolhem o/a seu/sua Advogado/a, pondo em causa a própria imagem e credibilidade da Justiça, a quem não bastará ser séria, mas também parecer que o é.
Por fim, estas alterações violam claramente a Lei do Acesso ao Direito, que não foi nem pode ser alterada unilateralmente pelo Governo, e muito menos através de uma Portaria, e que continua a prever que as nomeações de patrono oficioso são realizadas pela Ordem dos Advogados, sem qualquer exceção.
As alterações realizadas por Portaria são, portanto, não só ilegais, por violarem a Lei do Acesso ao Direito, como também inconstitucionais, por desrespeitarem a hierarquia legislativa – violações que assumem especial gravidade quando são promovidas pelo Ministério da Justiça.
Estas alterações completamente inopinadas e despropositadas, levadas a cabo pelo Ministério da Justiça, demonstram claramente que o protesto da Advocacia está a ter efeitos no funcionamento dos tribunais (ao contrário do que aquele Ministério tentou fazer crer), e que o Governo prefere ultrapassar os efeitos desse protesto cometendo ilegalidades, em vez de reconhecer a legitimidade das reivindicações da Advocacia e apresentar soluções para as resolver de forma célere, justa e adequada.
É absolutamente inadmissível que um Governo que teve por bandeira o combate à corrupção promova o regresso a soluções que degeneraram em casos de corrupção dentro do próprio seio da Justiça.
Esta atitude revela um profundo desconhecimento do funcionamento da Justiça, e em concreto do Sistema do Acesso ao Direito e aos Tribunais, além de se tratar de um profundo desrespeito para com a Ordem dos Advogados, a Advocacia e o/a cidadão/ã.
Este não é o respeito e a lisura que temos reconhecido aos interlocutores políticos com que a Ordem dos Advogados tem falado.
Consideramos, assim, que a Senhora Secretária de Estado Adjunta e da Justiça, que foi interlocutora da Ordem dos Advogados para os assuntos da Justiça, e com quem nunca se dignou sequer a debater esta solução (nem sequer informá-la), deverá, por respeito à dignidade do cargo que ocupa, apresentar a sua imediata demissão.
A Ordem dos Advogados desde já declara que não se vergará perante retaliações vis, principalmente de natureza (i)legal e típicas de outros regimes políticos, nem deixará de levantar a sua voz para lutar pelas reivindicações justas dos/as profissionais que representa.
Mais uma vez apelamos à união da Advocacia nesta matéria, porque sem Advogados não há Justiça!
A Bastonária e o Conselho Geral,
Lisboa, 25 de setembro de 2024