Comunicado | Relatório apresentado pelo Conselho Superior da Magistratura
Comunicado | Relatório apresentado pelo Conselho Superior da Magistratura
A Bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, considera que o relatório “Carta para a Celeridade e Melhor Justiça”, publicado pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) com o objetivo de promover a celeridade e eficácia do processo penal, apresenta propostas inaceitáveis, que colocam em causa os direitos, liberdades e garantias dos/as cidadãos/ãs, bem como as prerrogativas e direitos dos/as Advogados/as.
Entre as medidas propostas pelo referido relatório encontra-se a possibilidade de os/as próprios/as Advogados/as poderem ser condenados/as em multas e alvo de participação disciplinar, por praticarem atos que possam ser considerados, pelo juiz do processo, como dilatórios, algo que a Ordem dos Advogados nunca poderá aceitar.
“Isto configura uma tentativa intolerável de condicionar o trabalho do/a Advogado/a, que assim vê a sua independência e autonomia profissionais coartadas pelo receio de poder estar a praticar um ato que possa ser sancionado, o que representa uma clara violação do direito a uma tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa”, diz a Bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro.
A possibilidade de uma restrição da instrução ao debate instrutório também não é admissível para a Ordem dos Advogados. A instrução deve ser uma fase efetiva de verificação da acusação, permitindo a produção de prova, sob pena de violação dos princípios do contraditório e do direito de defesa e de igualdade de armas no processo crime.
No relatório são ainda propostas restrições no regime de recursos, especialmente para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional. Esta limitação de recursos coloca em risco a garantia de uma decisão justa e imparcial, em processos onde está em causa a liberdade das pessoas e onde deverá haver o máximo cuidado e escrutínio possíveis.
O relatório propõe também a revisão da possibilidade de recusa de depoimento no caso de familiares próximos e cônjuge do arguido, impedindo que essas testemunhas possam valer-se daquela prerrogativa de recusa, caso tenham renunciado à mesma numa fase anterior do processo. Isto implica que vítimas de violência doméstica, por exemplo, sejam obrigadas a depor, mesmo que não o queiram fazer, podendo originar o reacendimento de um conflito que podia, entretanto, até já estar pacificado, pondo em causa a própria paz familiar e social.
A Ordem dos Advogados lamenta que este Grupo de Trabalho tenha contado com a presença de juízes e de um magistrado do Ministério Público, mas que não tenha sido integrado por qualquer Advogado/a, o que certamente teria contribuído para trazer um maior equilíbrio às propostas apresentadas.
A Advocacia não é nem nunca poderá ser vista como um entrave à realização da Justiça, como parece resultar de algumas das propostas apresentadas no relatório em questão.
Como a Ordem dos Advogados sempre defendeu, a celeridade da justiça terá de ser alcançada com reforço de meios humanos, e nunca com a limitação de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos/ãs, com obstáculos inconstitucionais ao trabalho dos/as Advogados/as, e com ataques à sua independência e autonomia profissional.
Numa altura em que o Conselho da Europa está a finalizar uma Convenção Europeia para a proteção da profissão de Advogado, criada para proteger Advogados perseguidos, não podemos admitir um regime legal que promova o medo na Advocacia, perseguindo financeiramente a Advocacia no exercício do seu mandato, que se quer livre e independente, tal como previsto desde logo no artigo 208° da Constituição.
Lisboa, 19 de fevereiro de 2025