Base dados perfis ADN. “Aumento exponencial de dados não se verificou”pois tribunais colaboram pouco 04 jul, 2022 - 09:25 • Liliana Monteiro
Doze anos passaram desde que foi introduzido o primeiro perfil de ADN na base de dados criada para ajudar na investigação criminal e identificação civil e quem a gere lamenta que esta ferramenta ainda esteja a ser subestimada pelos tribunais.
Pedro Brito é coordenador do Centro Nacional de Coordenação da Base de Dados de Perfis de ADN (CNCBD), instalado no novo edifício do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), em Coimbra. Em declarações à Renascença, confessa que “não se tem refletido o aumento exponencial de perfis genéticos que era suposto ao longo dos anos”.
Revela que “no início é normal que não haja uma inserção de perfis genéticos em numero significativo quer no âmbito da identificação civil, quer da investigação criminal. No entanto, havendo conhecimento da lei por parte dos magistrados, era previsto que houvesse aumento exponencial de registos que não se tem verificado até ao momento”.
Contactada pela Renascença, a Associação Sindical de Juízes (ASJP) não quis prestar qualquer comentário.
A lei determina que seja feita uma recolha de amostra - para fim criminal - de arguidos condenados por crimes dolosos com pena igual ou superior a 3 anos, recolha essa que deve ser ordenada pelos juízes na sentença ou acórdão. Está ainda prevista recolha de perfis genéticos de voluntários ou para fins de identificação civil.
A Base de dados de Perfis de ADN permite o cruzamento rápido entre amostras recolhidas, por exemplo, nos locais do crime e as já existentes na plataforma permitindo identificações importantes para as investigações.
Certo é que no último ano foram inseridas 1.375 amostras, menos 1.188 que em 2022 e as amostras para investigação criminal têm diminuído, como revela o mais recente relatório do Conselho de fiscalização desta plataforma.
Os dados mais recentes apontam para cerca de 18 mil perfis genéticos inseridos. Pedro Brito, coordenador do CNCBD, adianta que destas “cerca de 13 mil são de arguidos condenados; já as amostras no âmbito da investigação criminal, cuja identificação de perfil genético não foi possível em laboratório, temos cerca de 3. 800 amostras e os restantes perfis referem-se ao âmbito da identificação civil”.
A Base de Dados de Perfis ADN não se destina exclusivamente a ajudar a área criminal mas também a civil. “Também há perfis de familiares de pessoas desaparecidas, embora este recurso não esteja a ser muito usado na base de dados, (o ministério público pode pedir introdução de perfil genético de familiares para ser cruzado com amostras já existentes de cadáveres ou vestígios humanos). Temos por fim dados de voluntários e de profissionais que trabalham ou fazem recolha em laboratórios para a base de dados”.
Neste momento, existem apenas 47 perfis de amostras não identificadas no âmbito da identificação civil e existem também amostras de 23 familiares à procura de alguém desaparecido.
Pedro Brito confessa que “uma das coisas que devemos começar a fazer brevemente é a partilha de perfis genéticos para fins civis com outros países . Nós recebemos solicitações dos outros países e se cruzássemos com outras bases de dados poderíamos ter mais resultados e isso já seria um grande avanço”.
Conta ainda que num universo de 23 comarcas apenas cinco ou seis a nível nacional fazem pedido civis.
Pedro Brito explica que “o tráfico de estupefacientes reflete a maior percentagem de condenados nas bases de dados, seguindo-se depois o furto, roubo, violência doméstica, detenção de arma legal proibida, abuso sexual, homicídio, etc…”.
Acrescenta que “a maior faixa etária será entre os 28 e os 45 anos. Grande percentagem dos indivíduos condenados são do sexo masculino, quase 90%. Relativamente a nacionalidades cerca de 80% são de nacionalidade portuguesa e temos 80 outras nacionalidades diferentes: Cabo Verde, Brasil, Guiné Bissau, Roménia”.
Só este ano, até ao fim de junho, já foi possível encontrar coincidências entre 14 situações nacionais de amostra problema para investigação criminal e perfis de arguidos condenados. Há a registar também 11 coincidências conseguidas após cruzamento da nossa base de dados e outras internacionais. Este ano promete fechar com mais cruzamentos identificados uma vez que estes tinham sido os números de coincidências registadas em todo o ano de 2021 .
Este responsável sublinha que o resultado do cruzamento de dados é comunicado ao ministério público e que depois deixam de sabe exactamente o que acontece com o processo daí para a frente, se foi uma mais valia ou não.
E exemplifica, “se houver um crime cometido e não houver suspeitos, se não for também possível determinar a identificação de perfil genético em sede de laboratório através de vestígios, as amostras devem seguir para a base de dados de perfis de ADN”, e acrescenta, “assim que é inserida a amostra ela é pesquisada contra todas as amostras que estão na base de dados no âmbito da qual foi inserida (se é criminal ou civil). Se houver coincidência isso é comunicado ao MP esteja o processo ainda a decorrer ou encerrado, na sequência disso pode até ser reaberto perante uma nova evidência ”.
Pedro Brito afirma que “qualquer amostra que entra cruza com todas as que já lá estão, há sempre um cruzamento constante”.
Como é feita a recolha de amostra?
A lei prevê que a recolha de amostras seja feita através de uma colheita de células da mucosa bocal ou de outro método não invasivo que respeite a dignidade humana e integridade física e moral individual. “É mais simples que um teste Covid!”, confessa.
Questionado sobre se a base de dados de perfis ADN é procurada por outros países, responde que “a nível internacional também se solicita acesso à base, bastantes vezes”.
Neste momento a nossa base de dados partilha os perfis de forma automática com 21 outros países. “Primeiro, em 2015, foi Espanha, mas na lista estão também os Países Baixos, Bélgica, França, Alemanha, Luxemburgo. O Reino Unido ainda não está mas a ligação está para breve.
Os dados são destruídos?
As amostras de condenados, cuja identificação se pretende no âmbito da investigação criminal, são eliminadas após 20 anos. Os familiares de pessoas desaparecidas têm perfis na base por tempo indeterminado. As amostras recolhidas pela justiça e cuja identificação se procura no âmbito civil ficam guardadas por tempo ilimitado.
Também as amostras voluntárias ficam na base para sempre a não ser que exista uma revogação do consentimento.
Que custos?
A realização de exames laboratoriais para recolha de amostras de perfil de ADN é gratuita na generalidade dos casos previstos à exceção dos voluntários, estes para introduzirem dados na base de ADN têm de suportar os custos do laboratório. Poderá ser essa uma das justificações para existirem atualmente menos de 10 inscritos nesta base de dados.
Liliana Monteiro