Direitos sociais e remuneração digna: nova bastonária dos advogados tomou posse

A nova bastonária dos advogados, Fernanda Almeida Pinheiro, centrou o seu discurso de tomada de posse desta segunda-feira nos direitos sociais dos advogados e na remuneração daqueles que fazem defesas oficiosas.

Para a recém-empossada dirigente, os advogados não podem continuar a ser privados de exercer os seus direitos inalienáveis de parentalidade. "E os seus filhos de receber cuidados essenciais quando nascem porque uma justiça que pára por quase tudo e por quase nada se recusa a reconhecer esta obrigação dos profissionais liberais que nela operam de acudirem às suas crianças", referiu. Nem continuarem a obrigados, quando acometidos de uma doença grave, a "agendar sessões de quimioterapia" entre idas a tribunal, por falta de um sistema de previdência que lhes permita usufruir de baixas médicas nos mesmos termos da maioria das profissões.

É a terceira vez nos seus quase cem anos de história que a Ordem dos Advogados elege uma mulher para a dirigir. Com 53 anos, solteira e sem filhos, Fernanda Pinheiro era até aqui vice-presidente da Associação Portuguesa da Advocacia em Prática Individual. Encabeçou um grupo de advogados que arregimentou mais de 3500 votos em Março de 2021 para obrigar a Ordem a fazer um referendo sobre o sistema de previdência da classe. Escrutínio em que venceu a posição que defendia, o direito de os membros da classe optarem entre o regime geral e a caixa de previdência dos advogados.

Apesar de o Parlamento já se ter pronunciado contra esta possibilidade, Fernanda Pinheiro promete pressionar o poder político a resolver o problema. Caso Governo e deputados não cedam, garantiu durante a campanha eleitoral que não tenciona desistir, nem que seja preciso a classe levantar-se contra o poder político. Enquanto não é tomada uma decisão definitiva, tenciona alterar as regras contributivas de acordo com os rendimentos de cada profissional.

Como profissionais liberais, os advogados não recebem subsídio de desemprego quando ficam sem clientela, nem têm direito a baixa médica paga quando ficam doentes. A classe não desconta para a Segurança Social mas para um subsistema próprio, a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), vocacionada sobretudo para o pagamento de pensões e cuja contribuição mínima se situa neste momento nos 268 euros mensais. Também não existem licenças de parentalidade.

Apesar de também ter tido uma lista a concorrer à direcção da CPAS Fernanda Pinheiro perdeu esta disputa, que foi ganha por Victor Coelho. Como se trata de um órgão independente do bastonário, e tendo Victor Coelho sido até aqui vice-presidente da Caixa, não será de admirar o surgimento de desentendimentos entre Fernanda Pinheiro e o novo presidente – à semelhança do que aliás se passou no anterior mandato entre o bastonário Menezes Leitão e o principal responsável da CPAS, Carlos Pinto de Abreu.

Com um curso de Direito tirado à noite, como trabalhadora-estudante, Fernanda de Almeida Pinheiro critica as grandes sociedades de advogados por não pagarem um cêntimo de contribuições relativas aos trabalhadores para a Caixa de Previdência nem para Segurança Social. O encargo é suportado na totalidade por cada advogado, por serem considerados prestadores de serviços, situação que penaliza sobretudo os mais jovens e que a nova bastonária considera vergonhosa e que quer mudar.

Fernanda Pinheiro quer ainda forçar o Governo a rever a tabela de pagamento das defesas oficiosas, que não é alterada há mais de 18 anos. "Temos de garantir uma remuneração digna para estes profissionais", defendeu Fernanda Pinheiro, que fez questão de recordar as suas origens nesta cerimónia. "Tenho a absoluta certeza de que há 50 anos uma mulher filha de uma humilde cozinheira - afastada da escola aos seis anos por ser menina - e de um modesto mecânico de automóveis que começou a trabalhar aos dez anos, sem quaisquer pergaminhos na advocacia, jamais poderia ser eleita bastonária como eu fui."

No que diz respeito à batalha que a Ordem dos Advogados trava contra a alteração do regime das ordens profissionais recentemente aprovada na Assembleia da República, coube ao antecessor de Fernanda Pinheiro no cargo e também ao novo presidente do conselho superior, Paulo Sá e Cunha, apontarem o rumo a seguir. "Em caso algum por isso se deve admitir a participação de não advogados nos órgãos da nossa Ordem e muito menos que a mesma seja controlada por um provedor estranho à advocacia", declarou o anterior bastonário, Menezes Leitão, para quem o diploma em causa constitui "um ataque à advocacia que não tem precedentes nem sequer no tempo do Estado Novo".

"Ora, um ataque à advocacia é um ataque ao Estado de Direito, na medida em que se pretende controlar os únicos profissionais que podem defender os cidadãos contra os abusos do poder", acusou.

25/03/2023 17:44:28