Israelita feito refém pelo Hamas pediu “extrema urgência” na concessão de nacionalidade portuguesa

Ofer Calderon está na lista de espera para obter a nacionalidade portuguesa ao abrigo da lei dos sefarditas. A 7 de Outubro, foi raptado e levado para a Faixa de Gaza com dois filhos menores, Sahar, de 16 anos, e Erez, de 12. A possibilidade de o Hamas libertar os cidadãos israelitas com dupla nacionalidade deu alguma esperança à família, que solicitou, na sexta-feira, um “pedido de extrema urgência” à Conservatória dos Registos Centrais (CRC) para que lhe seja atribuída a naturalização.

Os três elementos da família Calderon foram vistos pela última vez quando tentavam escapar aos homens do grupo palestiniano que tinham invadido o kibutz Nir Oz, no Sul de Israel, onde viviam, segundo revelou o jornal The Israel Times. Foi nesta altura que Sahar conseguiu enviar uma mensagem à sua irmã mais velha, Gaia Calderon, a dizer que estavam a tentar esconder-se nos arbustos à porta de casa: “Gaia, eles estão em casa. Estamos escondidos cá fora, não mandes mais mensagens.”

Horas antes, às 8h30, Ofer, de 53 anos, tinha telefonado à sua namorada a dizer que os terroristas estavam em sua casa e prestes a arrombar a porta da sala de segurança, acabando por deixar entender, mais tarde, que teriam escapado da habitação. Mas as mensagens terminaram, contou Sharon Calderon, uma tia das crianças. A história desta última troca de mensagens foi também contada pelo jornal The Washington Post.

Um dia depois do ataque do Hamas, que terá vitimado mais de 1300 pessoas em Israel, uma amiga de Sharon enviou-lhe um vídeo onde se podia ver o seu sobrinho Erez a ser levado para a Faixa de Gaza. Segundo a tia, as imagens foram publicadas nas redes sociais e mostram durante 16 segundos o jovem de 12 anos a ser agarrado pelas axilas por um membro do grupo palestiniano. Sahar e Erez terão também nacionalidade francesa, como a mãe.

“Levaram metade da minha família”, lamentou Gaia Calderon, durante uma conferência de imprensa, não controlando o choro: “O meu pai criou-me, é o meu melhor amigo, não tenho ninguém com quem falar.”

Na quinta-feira, o Governo israelita adicionou formalmente os três elementos da família Calderon à “lista dos cidadãos desaparecidos identificados como reféns”, num documento a que o PÚBLICO teve acesso, assinado pelo brigadeiro-general Amir Vadmani, das IDF (Forças de Defesa de Israel). Um documento que foi entregue pela advogada portuguesa de Ofer na CRC, que está sob alçada do Ministério da Justiça.

No total, Israel confirma que o Hamas raptou 210 pessoas. Na última terça-feira, o jornal americano The New York Times referiu, citando um alto funcionário militar israelita, a existência da possibilidade de libertar os cerca de 50 reféns com dupla nacionalidade, independentemente de qualquer outro acordo mais amplo que venha a ser negociado. Este terá sido um tema central nas conversações que os Estados Unidos tiveram com o Qatar, país que tem estado a servir como mediador, e que na sexta-feira levaram já à libertação de duas cidadãs americanas – Judith Tai Raanan e a filha, Natalie Shoshana Raanan.

Uma libertação que trouxe alguma esperança à família Calderon. Mas, para que esta possibilidade se coloque, é preciso que as autoridades portuguesas sejam céleres.

Até agora, o processo de nacionalidade mais rápido ao abrigo da lei dos sefarditas – que permite a naturalização aos descendentes dos judeus que receberam ordem de expulsão de Portugal no final do século XV – foi (de longe) o do oligarca russo Roman Abramovich, concedido em menos de três meses, mesmo sem que a urgência do pedido tenha sido justificada. Uma situação revelada pelo PÚBLICO em Dezembro de 2021, que levou o Ministério Público a abrir uma investigação no início de 2022, que ainda decorre.

“Se existe algum motivo para que um pedido de urgência possa ser acolhido é este”, sublinhou ao PÚBLICO Carina Correia, advogada portuguesa que representara Ofer no pedido inicial de naturalização, que deu entrada na CRC a 6 de Setembro de 2021. Foi agora contactada pelo representante dos Calderons em Israel para solicitar o pedido de urgência.

Além de Ofer e dos seus dois filhos, há outros membros da família Calderon que também se encontravam no kibutz Nir Oz, noutra casa, e que foram mortos de imediato. Carmela Dan, avó das crianças, de 80 anos, e Noya Dan, prima dos jovens, com 12 anos, foram assassinadas no dia do ataque, segundo anunciou o Exército israelita.

“Estamos arrasados ao anunciar que os corpos de Noya e da sua avó Carmela foram descobertos ontem. Obrigado a todos os que compartilharam a sua história para nos ajudar a trazê-las para casa. Os nossos corações estão destroçados”, lamentou, na quinta-feira, uma nota na página da rede X (antigo Twitter) do Estado de Israel.

Antes da confirmação da morte, Noya Dan tinha surgido numa foto nas redes sociais com uma máscara da personagem Harry Potter, criada pela escritora britânica JK Rowling, de quem era grande fã. A própria autora chegou a mobilizar-se contra o eventual sequestro da criança, que sofria de autismo. “Por razões óbvias, esta foto impressionou-me”, referiu Rowling, citada pela televisão Sky News.

Mais sorte teve Sharon Calderon, de 49 anos, cunhada de Ofer, que sobreviveu ao massacre a poucos quilómetros de Nir Oz. “Os terroristas gritavam ‘vocês são judeus e viemos para vos matar'”, contou ao jornal norte-americano Politico.

Os homens do Hamas batiam nas portas e janelas e Sharon chegou mesmo a escrever cartas de despedida. Acabaria por escapar no abrigo da sua casa, onde permaneceu durante quase 12 horas, sem comida ou água. “Tenho medo de ir dormir. Quando adormeço, volta tudo. Não dormi durante três dias.”

21/01/2025 06:12:03