Nova lei do tabaco adiada. Diretiva devia entrar hoje em vigor, mas Portugal atrasou-se
A Diretiva que equipara tabaco aquecido a tabaco convencional devia entrar nesta segunda-feira em vigor mas Portugal não vai cumprir o prazo para a sua transposição, adianta hoje o jornal Público. Com o processo legislativo ainda numa fase inicial, as alterações à lei do tabaco propostas pelo Governo, como a proibição de fumar ao ar livre no perímetro de hospitais e escolas, são adiadas.
O problema é que a proposta de lei só foi a Conselho de Ministros em maio deste ano, tendo sido aprovada na generalidade pelo Parlamento apenas há três semanas, em 29 de Setembro. A proposta baixou à Comissão Parlamentar de Saúde para discussão na especialidade e culminará com a votação final global para depois ser promulgada e aí sim, produzir efeitos.
O processo deverá ser demorado, dado que a discussão na especialidade, que inclui audições de várias entidades, só vai ter início amanhã e o prazo para a sua conclusão são 60 dias, sendo possível, no entanto, pedir o seu alargamento. “A primeira audição vai ser a dos representantes da Tabaqueira e será já na próxima terça-feira, 24”, adiantou ao Público o presidente do grupo de trabalho, Luís Soares (PS).
Este atraso na transposição da lei pode levar a que Portugal seja multado. Segundo a legislação da UE, caso os Estados-membros não transponham as diretivas nos prazos definidos, a Comissão Europeia pode iniciar um procedimento de infracção, que pode dar azo a uma multa e à instrução de um procedimento contra o país no Tribunal de Justiça da União Europeia.
Datas da nova lei A partir de hoje, deixaria de ser possível vender tabaco aquecido com aromatizantes e entrariam em vigor as alterações aos locais em que é proibido fumar, mas com o atraso referido acima a nova data fica por definir, não estando de certo em vigor antes de 2024.
Em janeiro de 2025 entram em vigor as alterações às proibições de venda de tabaco.
Os estabelecimentos que têm espaços reservados a fumadores podem mantê-los até 2030.
O que muda O tabaco aquecido é equiparado ao tabaco convencional no que diz respeito aos odores, sabores e advertências de saúde; É alargada a proibição de fumar ao ar livre dentro do perímetro de locais de acesso ao público ou de uso coletivo (com exceções); Passa a ser proibido criar novos espaços reservados a fumadores nos recintos onde já é proibido fumar; A proibição da venda de tabaco é extensível à generalidade dos locais onde é proibido fumar, redefinindo os espaços onde é permitido a instalação de máquinas de venda automática.
Onde será proibido fumar? De uma forma geral, a nova lei prevê a proibição de fumar nas áreas ao ar livre de estabelecimentos de qualquer nível de ensino, centros de formação e recintos desportivos e em serviços e locais onde se prestem cuidados de saúde, dado serem “frequentados por crianças, pessoas em situação de formação, pessoas em práticas desportivas ou pessoas doentes, particularmente vulneráveis à exposição ao fumo ambiental”.
Será também proibido fumar em praias marítimas, fluviais e lacustres [lagos], bem como em determinados recintos como piscinas públicas e parques aquáticos. O Governo argumenta que estes são locais de diversão e de estadia frequentados por menores e respetivas famílias.
A nova lei também elimina as “exceções atualmente previstas na lei à proibição de fumar em locais fechados de utilização coletiva”, mas mantém as que abrangem os serviços de psiquiatria, os centros de tratamento e reabilitação de pessoas com problemas de dependência e comportamentos aditivos e os estabelecimentos prisionais.
Também passa a ser proibido fumar nas áreas fechadas das redes de levantamento automático de dinheiro.
A proibição de fumar no interior dos restaurantes, bares e espaços de dança, estende-se às esplanadas ou aos pátios exteriores cobertos ou delimitados por paredes ou outro tipo de estruturas, pátios interiores, terraços e varandas, bem como junto de portas e janelas destes estabelecimentos.
As exceções e a sua justificação A nova lei mantém as exceções que abrangem os serviços de psiquiatria, os centros de tratamento e reabilitação de pessoas com problemas de dependência e comportamentos aditivos e os estabelecimentos prisionais, alegando que os “utentes destes espaços e os reclusos poderão ter dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de cumprir restrições ao fumo de tabaco”.
No caso das cadeias, podem mesmo ser criadas celas ou camaratas para reclusos fumadores, desde que satisfaçam vários requisitos previstos na lei.
Esta exceção permite, assim, fumar nas áreas ao ar livre, que têm de ser previamente definidas e sinalizadas, com condições para minimizar a exposição de terceiros a fumo ambiental e de modo que as emissões não afetem o ar das respetivas áreas fechadas.
A nova lei também permite a criação de salas de fumo em aeroportos, estações ferroviárias, estações rodoviárias de passageiros e nas gares marítimas e fluviais para passageiros em trânsito, dotadas de ventilação de acordo com as regras previstas.
Relativamente aos locais que tenham criado salas de fumo, e que passam a estar abrangidos pela proibição total de fumar, o diploma prevê um regime transitório até 1 de janeiro de 2030.
Alterações ao acesso ao tabaco É alargada a proibição de venda a recintos desportivos, piscinas e parques aquáticos, a salas e recintos de espetáculos, a recintos de diversão, bingos, casinos e salas de jogo e outro tipo de recintos destinados a espetáculos de natureza não artística e festivais de música, assim como as entregas no domicílio ou venda ambulante.
Atendendo a que as máquinas de venda de tabaco permitem o acesso facilitado aos mais jovens”, o diploma restringe a venda de tabaco através destas máquinas na generalidade dos locais onde é proibido fumar, com exceção de tabacarias, aeroportos, gares marítimas e estações ferroviárias. Passa a ser proibida a venda de tabaco através de máquinas de venda automática em locais situados a menos de 300 metros dos estabelecimentos destinados a menores de 18 anos, dos estabelecimentos de ensino e de centros de formação e venda à unidade de cigarros e cigarrilhas após abertura das respetivas embalagens.
Que coimas devem ser aplicadas? Em relação a coimas, mantêm-se as que já estão previstas na legislação em vigor. Começam nos 50 euros e vão até aos 250 000 euros, dependendo do tipo de infração e do infrator (fumador, proprietário do estabelecimento ou pessoas coletivas).
Recuo na proibição de venda nos postos de abastecimento de combustível Ao contrário do inicialmente anunciado pelo Governo, o diploma não prevê a proibição da venda de tabaco nos postos de abastecimento de combustíveis, uma alteração que o ministro da Saúde justificou com a falta de alternativas para aquisição em muitas localidades.
A 26 de maio, Manuel Pizarro referiu, no Porto, que “se fosse levada por diante a ideia de proibir a venda nas bombas de gasolina, havia muitas localidades onde o sítio para comprar tabaco ficava demasiado longe” e exemplificou que pessoas que por motivos laborais só pudessem comprar tabaco à noite ficariam sem oferta.
Isto é um processo de diálogo social, o que nós desejaríamos era limitar ao máximo, mas mantemos o dialogo”, disse o ministro.
Governo promete ajudar quem quer deixar de fumar O ministro da Saúde anunciou que o Governo vai anunciar “uma agenda muito ambiciosa” para ajudar quem quer deixar de fumar, o que poderá incluir a comparticipação em medicamentos de desabituação tabágica.
Manuel Pizarro acrescentou que é também objetivo “aumentar os locais de consultas” e intensificar as consultas em cenário laboral.
Enquadramento cronológico da alteração à lei original Com a presente lei, o Governo aproveita para transpor para a lei nacional uma diretiva da Comissão Europeia que data de 2022 e que fala em isenções aplicáveis aos produtos de tabaco aquecido.
Esta será a quarta alteração à Lei n.º 37/2007. Em causa a aprovação de normas para a proteção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo.
Números e alertas que explicam o objetivo da nova lei O Conselho de Ministros aprovou, em 11 de maio, um novo diploma que pretende “ir mais longe” nas restrições à venda e nas limitações ao consumo, alegando que se trata de um “seríssimo problema de saúde pública”.
Segundo o relatório do Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo da Direção-Geral da Saúde, divulgado a 31 de maio, Dia Mundial Sem Tabaco, em 2019 morreram em Portugal mais de 13.500 pessoas por doenças atribuíveis ao tabaco, das quais 10.814 homens e 2.745 mulheres.
Os resultados do Inquérito Nacional de Saúde de 2019, mostram que 17% da população residente em Portugal com 15 ou mais anos era fumadora diária ou ocasional, menos três pontos percentuais do que em 2014.
Os dados do programa da DGS estimavam ainda que 1,3 milhões de pessoas fumavam diariamente e 248 mil faziam-no ocasionalmente em Portugal.
A nível mundial, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que o tabaco seja responsável por oito milhões de mortes anuais e, este ano, está a pedir aos Governos que deixem de subsidiar o cultivo da planta do tabaco e apoiem as culturas de produtos alimentares.
A OMS alerta que, enquanto mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo enfrentam a insegurança alimentar aguda, cerca de três milhões de hectares de terra são utilizados para o cultivo de tabaco, “mesmo em países onde as pessoas passam fome”.
Alertas de grossistas e associações Em comunicado conjunto divulgado a 19 de maio, oito dias depois da aprovação da proposta de lei em Conselho de Ministros, a PRO.VAR — Associação Nacional de Restaurantes e a Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (Anarec) contestaram as “medidas desiguais, excessivas e discriminatórias” previstas na nova lei do tabaco, avisando que estas podem pôr em risco 100.000 postos de trabalho.
“As medidas são consideradas por ambas as associações como desiguais, excessivas e discriminatórias, pois não se prevendo uma redução imediata do consumo, o que irá acontecer é uma direta transferência da venda do tabaco de cerca de 100.000 pequenos estabelecimentos para milhares de locais, em espaços de retalho, liderados por grandes grupos económicos, pois irão aproveitar a enorme capacidade instalada para criar novas tabacarias, um pouco por todo o país”, lia-se na nota distribuída à imprensa.
Apesar de concordarem com o desincentivo do consumo de tabaco, as duas associações lembraram que a medida irá colocar em risco a viabilidade dos pequenos negócios.
A 30 de maio, a Federação Portuguesa dos Concessionários de Praia defendeu que as regras dos locais onde vai ser proibido fumar nas praias marítimas, fluviais e lagos da nova lei do tabaco devem “ficar bem definidas” pelas autoridades competentes.
As entidades competentes, como a Autoridade Marítima [Nacional] e o Governo, vão ter que definir o que é para nós, que estamos no terreno, implementarmos, de forma responsável e segura, e cumprir as regras”, disse o presidente da federação, João Carreira.
A Federação Portuguesa de Grossistas de Tabaco (FPGT) mostrou-se preocupada com o impacto da proibição da venda de tabaco nas máquinas automáticas e alertou para o aumento da contrafação e do contrabando.
Em comunicado de 19 de julho, a FPGT considerou que “as restrições à venda de tabaco em cafés e restaurantes criam uma oportunidade para o crescimento do tráfico e da contrafação de tabaco”, o que pode constituir, “além de uma inaceitável expressão da economia paralela e da criminalidade, um sério risco para a saúde pública, uma vez que não existe qualquer fiabilidade em relação à natureza dos produtos colocados no tabaco contrafeito e à acomodação no processo de distribuição”.
Já a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) considerou, em comunicado divulgado a 22 de junho, que a proposta de alteração à lei do tabaco é desproporcional e penaliza, sobretudo, o setor da restauração.
Para a AHRESP, é desproporcional que se proíba a venda de tabaco através das máquinas automáticas nos restaurantes e cafés, “sem atender ao investimento realizado”.
Organizações ligadas à saúde e outras querem medidas sem exceções Numa carta enviada ao Governo, e divulgada a 27 junho, um conjunto de entidades encabeçado pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia, defendeu que o pacote de medidas de controlo de tabagismo aprovado pelo Governo tem que ser defendido na íntegra no parlamento, porque é “a alavanca” necessária para travar o consumo de tabaco e nicotina.
“Restrições e/ou abolições parciais comprometem seriamente o impacto destas medidas, quer na redução do consumo de tabaco, quer nos ganhos em saúde, sociais e económicos. Do mesmo modo, os ambientes livres de tabaco e de nicotina nos espaços interiores e a sua extensão aos espaços exteriores especificados na proposta de Lei deverão ser abrangentes e não conter exceções”, defenderam os signatários.
Na mesma carta, as associações criticam o marketing, promoção, patrocínio e publicidade dos produtos de tabaco e de nicotina (dispositivos eletrónicos), pedindo que seja “eliminado eficazmente”.
Também a organização não-governamental Action on Smoking and Health (ASH) endereçou uma carta ao Governo português em que alerta que o tabaco continua a ser a principal causa de morte evitável a nível mundial, matando mais de oito milhões de pessoas anualmente.
Além de impactar negativamente o direito à saúde e o direito à vida, o tabaco é prejudicial para inúmeros outros direitos humanos, como o direito ao desenvolvimento, os direitos ambientais, os direitos das crianças e os direitos das mulheres”, refere a ONG na missiva, a que a agência Lusa teve acesso.