Juízas arrasam juiz em caso de violência doméstica
Três juízas desembargadoras da Relação de Coimbra (TRC) arrasaram a argumentação de um juiz de instrução e determinaram que um ex-casal seja julgado por violência doméstica, crime pelo qual tinha sido acusado pelo Ministério Público (MP). A mulher pediu a abertura de instrução e o magistrado do Juízo de Instrução Criminal de Coimbra - Juiz 3 decidiu pela não pronúncia. O MP recorreu para o TRC e ganhou.
Para justificar a não pronúncia, o juiz de instrução frisou que a factualidade indiciada “não preenche o tipo legal do crime em causa”, “por não ter sido atingido o bem jurídico tutelado pela violência doméstica, não tendo ocorrido uma relação de domínio ou subjugação e submissão, atingindo a dignidade da pessoa humana, de um agente sobre o outro.”
Pode ainda ler-se no acórdão que a arguida, no interior da casa de família, “apelidou, por diversas vezes”, o homem de “putanheiro, porco de m..., mulherengo e pessoa ruim”. “‘Tens os cornos assentes! Tu não prestas, ninguém gosta de ti, nem os teus filhos’, e disse aos amigos e colegas de trabalho daquele que ele é um putanheiro.”
Já o arguido chamou a companheira de “ladra, porca e fraca” e disse-lhe que tinha amantes, que “dá a c... mas que ninguém a quer”.
Está igualmente escrito na acusação do MP que o homem e a mulher se “agridem fisicamente e às respetivas liberdades”. E que o arguido chegou a agarrar “com força os braços da mulher” para a colocar na rua, levantou-lhe a mão com o “propósito de a intimidar”. E também que “tentou” forçar a mulher (“de modo concreto que se desconhece”) a “manter sexo anal contra a vontade desta”.
A mulher, por seu lado, ameaçou-o - “um dia destes mato-te” -, partiu vários objetos em casa, nomeadamente louça e colocou no lixo roupa de cama, cortinados e edredões que pertenciam ao homem, rasgou o papel de parede e desferiu diversos pontapés no portão da habitação.
Perante a mesma factualidade, o TRC deu provimento ao recurso do MP, pelo que o casal vai ser julgado pelo crime de violência doméstica. As desembargadoras sublinharam que a atuação dos arguidos “não” pode “deixar de revelar inegável cariz atentatório da dignidade humana”.
E observaram que, nos “comportamentos ofensivos recíprocos”, a circunstância de cada um dos arguidos “assumir quer a qualidade de agressor quer a qualidade de vítima não impede que se tenham por verificados, em relação à concreta conduta de cada um deles descrita na acusação, os elementos constitutivos – objetivos e subjetivos – do crime de violência doméstica, nomeadamente quando os comportamentos de cada um dos arguidos não ocorre na sequência dos comportamentos do outro.”
E TAMBÉM
CRIME DIGNIDADE DA PESSOA
Segundo o Tribunal da Relação de Coimbra, o crime de violência doméstica “tutela a saúde e a dignidade da pessoa, entendida esta numa dimensão garantística da integridade pessoal contra ofensas à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima no estrito âmbito de uma relação de tipo intrafamiliar (...).”
Maria José Guerra
O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra está assinado pelas juízes desembargadoras Maria José Guerra (relatora), Teresa Coimbra e Rosa Pinto.
PRISÃO 1 A 5 ANOS
De acordo com a acusação do Ministério Público, ratificada pelo TRC, os arguidos - que viveram juntos entre 2019 e 2022 - arriscam uma pena de prisão entre 1 e 5 anos, se forem condenados em julgamento.