Há quase 400 pedidos de apoio judiciário por dia
CARÊNCIA
A Segurança Social recebe, em média, quase 400 pedidos diários de proteção jurídica por parte de cidadãos sem capacidade para pagar a um advogado. A maioria é aceite, mas, ainda assim, há milhares de solicitações rejeitadas todos os anos. A Ordem dos Advogados apela, por isso, a uma revisão dos critérios para aferir a insuficiência económica, para que não sejam “apenas os extremamente carenciados” a conseguir aceder ao apoio judiciário.
Segundo dados fornecidos ao JN pelo Instituto da Segurança Social (ISS), entre 1 de janeiro de 2018 e 30 de setembro deste ano, foram apresentados 823 659 pedidos de proteção jurídica. O pico dos últimos seis anos aconteceu em 2019, com a entrega de 166 073 requerimentos. O número caiu abruptamente, para 122 642 solicitações, no ano seguinte, quando surgiu a pandemia de covid-19. Em 2022, foram apresentados 137 108 requerimentos e, nos primeiros nove meses deste ano, 106 574. A manter-se o ritmo, confirmar-se-á nova subida no fim de 2023.
Feitas as contas, desde 1 de setembro de 2018, a Segurança Social recebeu 392 pedidos por dia, entre um máximo de 454 em 2019 e um mínimo de 335 no ano seguinte. Em 2023, a média diária é por agora de 390.
O número de pedidos concluídos no mesmo período de cinco anos e nove meses foi, porém, superior a um milhão, por existirem processos que transitam entre anos. Das 1 042 249 solicitações, 68% foram aceites, enquanto 334 164 foram indeferidas ou arquivadas.
“Genericamente, as razões de indeferimento ou arquivamento dos processos prendem-se com a duplicação de pedidos, a desistência por parte do requerente, a não aceitação das propostas de pagamento faseado e a não comprovação da insuficiência económica do requerente”, frisa o ISS.
CÁLCULO CONTESTADO
Ao JN, a Ordem dos Advogados elogia o atual sistema português de acesso ao direito, que apelida de “um dos melhores da Europa”, mas defende que “a fórmula de cálculo” da insuficiência económica dos requerentes de apoio judiciário é “inconstitucional”.
“Por via de critérios desatualizados deixa de fora do sistema a grande maioria dos cidadãos, cidadãs e empresas que, por manifesta incapacidade financeira para pagar os atuais custos da Justiça, não consegue de todo aceder à mesma”, sustenta, numa resposta por escrito, a associação profissional, liderada por Fernanda de Almeida Pinheiro.
A Ordem propõe, assim, a evolução “para um sistema escalonado” de proteção jurídica e a revisão do “critério de insuficiência económica”. O “alargamento do benefício às pessoas coletivas com fins lucrativos, a criação de uma consulta jurídica prévia obrigatória, a nomeação de tradutor/intérprete antes da fase de julgamento” são outras das medidas recomendadas, bem como a “eliminação” de exceções à existência de apoio judiciário, como os “processos disciplinares”.
De acordo com o ISS, não há “um teto de rendimento até ao qual se possa afirmar que a pessoa singular tem direito a proteção jurídica”. A “constituição do agregado familiar”, os “seus rendimentos mensais líquidos após dedução de eventuais despesas com necessidades básicas e habitação”, e a “existência de créditos depositados em contas bancárias, de valores mobiliários e de património imobiliário” são os dados analisados.
DADOS Entre janeiro do ano passado e o último mês de agosto, o Estado investiu 223 milhões de euros para garantir a proteção jurídica dos cidadãos. Cerca de um terço desse valor (79,17 milhões) foi, segundo o Ministério da Justiça, para pagar os honorários dos advogados que prestam serviço no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais, os chamados oficiosos.
“Não há qualquer dúvida de que é a advocacia quem garante o acesso à Justiça a todos os cidadãos portugueses, sem falhas, sem paragens e colocando sempre os interesses da Justiça e do Estado de direito em primeiro plano”, afirma ao JN a Ordem dos Advogados, salientando que são necessárias “intervenções pontuais” ao “nível da atualização da tabela” de remuneração dos mandatários oficiosos.
Os montantes foram estabelecidos em 2004, atualizados residualmente pelo Governo em 2020 e no ano passado e variam consoante a natureza dos processos.
De acordo com dados fornecidos ao JN pelo Ministério da Justiça, no ano passado, o valor global de honorários pagos atingiu os 47,9 milhões de euros e nos primeiros sete meses de 2023 os 31,27 milhões.
A advocacia não é, ainda assim, a área em que o Estado mais gasta para garantir a proteção jurídica dos cidadãos, incluindo os que não têm carências económicas.
PERÍCIAS CUSTAM MAIS
Segundo a tutela, entre janeiro do ano passado e o último mês de agosto, foram investidos 88,13 milhões de euros na realização de perícias indispensáveis ao desenrolar dos processos. Deste valor, 47,85 milhões referem-se a “trabalho especializado” e os restantes 40,28 milhões a exames da responsabilidade do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses.
Já a área da administração e liquidação de massa insolvente custou, no mesmo período, 48,33 milhões.
Bem mais baixa foi a quantia global paga a intérpretes, num ano e sete meses, a intérpretes e tradutores, que garantem a participação nos processos, sem limitações de idioma, dos arguidos e outros intervenientes nos casos que não falam português: 6,28 milhões de euros.
Os apoios associados ao notariado e à mediação e arbitragem completam os custos do Estado com a proteção jurídica: na primeira foram gastos 960 mil euros; na segunda 140 mil.
Inês Banha
Estado recebe 400 pedidos de apoio judiciário por dia (jn.pt)