Mais idosos e migrantes vítimas de violência. ″Um terrorismo na intimidade″ em que se pode morrer numa ″questão de horas″
A mulher com mais de 90 anos chegou ao Espaço RIAV "bastante assustada". Vivia com o neto toxicodependente e escondia-se debaixo da cama, com medo de ser agredida. O caso marcou Joana Godinho, uma das nove agentes da PSP do Espaço de Resposta Integrada de Apoio à Vítima, aberto há cerca de quatro anos, no Campus da Justiça, em Lisboa. Aqui, as portas estão abertas 24 horas por dia, exclusivamente para vítimas de violência doméstica. No mesmo edifício, funciona o Ministério Público e o Gabinete de Informação e Atendimento de Apoio à Vítima (GIAV), onde é prestado apoio psicológico. A proximidade ajuda a acelerar o processo, até porque "de um momento para o outro, a pessoa pode morrer", realça o Chefe da PSP Ricardo Correia, coordenador do Espaço RIAV. Entre a vida e a morte, "às vezes, é uma questão de horas" e por isso, "temos de acabar com este ciclo de violência no imediato".
Em 2022, o Espaço RIAV atendeu 734 vítimas de violência e Ricardo Correia nota que "a comunidade migrante tem vindo cada vez mais", em especial brasileiros e também cidadãos da Índia e do Nepal, que se apercebem que "a cultura europeia as protege". O Chefe da PSP regista também que "os idosos vêm com alguma assiduidade", lembrando o caso de uma mulher que era forçada a tomar banho de água fria, porque o filho queria poupar na botija do gás. É olhar para "a pessoa como descartável. Já estás velhota, vais tomar banho de água quente para quê? Tomas banho uma vez por semana e a água fria chega-te bem. Isto é muito, muito triste e assustador", sublinha Ricardo Correia.A procuradora especializada em violência doméstica, Fernanda Alves, confirma a "subida de casos de violência na família, em que a vítima é idosa, mas que muitas vezes, "não colabora e desculpabiliza o agressor". As vítimas dirigem-se ao Espaço RIAV, para fazer parar a agressão, mas "quando são confrontadas com o processo criminal, querem desistir da queixa e calam-se". Aí, cabe à investigação encontrar provas da violência, mas a taxa de arquivamentos é muito elevada, a rondar os 70%.
Apesar disso, as queixas são diárias. "Há sempre vítimas", afirma a agente Joana Godinho, enquanto o colega de turno, Rúben Morgado, recorda o caso de uma mulher, 79 anos, agredida pelo filho de 35. Muitos destes casos estão relacionados com dependências, em que os filhos e netos são toxicodependentes ou alcoólicos.
As mulheres continuam a ser as principais vítimas. Chegam "super-fragilizadas, abaladas e por vezes, até têm dificuldade em expressar-se", descreve Joana, que nestas situações, recorre às psicólogas do GIAV. Além de prestarem apoio imediato, as psicólogas acompanham as vítimas nas idas ao tribunal, nos depoimentos para memória futura. É o que Carolina Nobre se prepara para fazer num caso de abuso sexual de crianças. "É um avô que abusou da neta", de cinco anos. Na preparação da sessão, Carolina tenta que a menina perceba o que é o tribunal, através de palavras simples, uma encenação de papéis e actividades lúdicas. A vítima mais nova a que o GIAV deu apoio, tinha quatro anos; a mais velha 103 anos.
Por vezes, "são anos e anos de maus tratos", frisa Ricardo Correia. A vítima chega "muito em pânico, já não se sente pessoa. Vive encurralada. É um terrorismo na intimidade que temos de desconstruir" sem demoras, porque a vítima não pode esperar.
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