“Advocacia não é rica nem vive de trambiquices”
A bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro diz que “cerca de 85%” dos advogados estão em prática individual e enfrentam “muitas dificuldades para fazer cumprir com as suas obrigações”.
De entre os 14 novos advogados que receberam no dia 6 de novembro a cédula profissional na sede da Ordem dos Advogados na Madeira, havia 13 mulheres e apenas um homem. O que representa esta realidade?
Representa a chegada das mulheres às profissões, a todas elas, porque esta não é uma realidade só da advocacia. Neste momento, 57% dos profissionais da Ordem dos Advogados (OA) são mulheres, mas isto não é novidade nenhuma porque também nas universidades a maioria dos alunos e dos que terminam o curso académico são mulheres.
Essa maioria também é visível nas grandes sociedades de advogados?
Em termos de chefia, não. Isso é um problema de questão de género que é comum a todas as empresas deste País.
Mas acha que é uma questão de tempo até que haja mais equilíbrio?
Não. Tem de haver, naturalmente, uma proatividade do Estado para fazer aplicar um conjunto de medidas positivas para conseguir, de alguma forma, anular esta enorme assimetria, porque os indicadores dizem, de uma forma clara, que na gestão estão 70% de homens e 30% de mulheres. Na advocacia, nós sabemos que isso ainda se torna mais difícil. Pelo menos daquilo que eu
vejo, em termos societários, há muitas sociedades com sócios exclusivamente homens ou com sócios exclusivamente mulheres. Não acho que isto seja bom nem vantajoso, pois tem de existir diversidade.
Na cerimónia de entrega de cédulas a novos advogados no Funchal disse que a profissão de advogado é, muitas vezes, mal-entendida e achincalhada politicamente. Porquê?
Porque todos nós temos a noção de que os advogados são pessoas muito ricas, que ganham muito dinheiro e que existem para enganar os seus clientes. Porém, a maioria da advocacia nem é rica, nem abastada, nem vive de trambiquices, nem tem o ensejo de enganar os seus clientes.
É evidente que existem maus profissionais – existem em todo o lado -, mas isso não representa nem pouco mais ou menos a esmagadora maioria. Nós somos 36 mil profissionais. Cerca de 85% estão em prática individual e vivem com muitas dificuldades para fazer cumprir com as suas obrigações pessoais e profissionais.
Na revisão dos estatutos, a perda de exclusividade de atos dos advogados e as alterações ao acesso à profissão têm gerado forte contestação. Quais são os vossos argumentos?
Vou explicar com um caso concreto: aquilo que o Governo pretende para a consulta jurídica, que é um direito fundamental de todos os cidadãos, é que um simples licenciado em direito possa prestar aconselhamento jurídico. Isto significa que o cidadão pode escolher. E porque é que isto é grave? Porque primeiro um jurista não é um advogado. E, para eu prestar um verdadeiro aconselhamento jurídico técnico e científico, tenho de conhecer a lei, mas também tenho de reconhecer a prática forense. Segunda situação: o advogado tem a prerrogativa de sigilo profissional e o jurista não tem. Imagine que alguém cometeu um crime e quer aconselhar-se. Se for a um jurista para pedir aconselhamento e até lhe deixar uma série de provas para serem analisadas e se o Ministério Público o estiver a investigar e souber que foi falar com o jurista, o procurador pode entrar pelo seu escritório e arrebanhar todas as provas, porque ele não é advogado. E ainda constitui o jurista como testemunha, precisamente porque ele não está sujeito a sigilo. Ora, em que medida é que o cidadão tem confiança para voltar a pedir-lhe aconselhamento jurídico?
Por que motivo são contra o fim do exame para entrar na Ordem?
Ninguém pode passar por um estágio sem ser sindicado nos seus conhecimentos adquiridos, porque senão é uma fraude. E é isso que está a ser proposto. Que a pessoa no final do seu estágio tenha uma declaração do seu patrono a dizer que cumpriu com os preceitos do estágio. Depois faz um trabalho sobre deontologia, que será avaliado por um júri em que um terço nem é advogado. E isso será suficiente para ser aprovado ou não. A pergunta que se levanta é: o que é que eu sei sobre o que aquela pessoa sabe?
Como é que responde às críticas de que a Ordem age de forma corporativa para controlar o acesso à profissão?
Há 36 mil advogados em Portugal. Sabe quanto é que isso significa, em termos da população? São 286 cidadãos por cada advogado. Parece-lhe que temos poucos advogados? Não temos. Além de que a única coisa que a pessoa tem é de prestar provas de como está preparada para exercer a profissão.