Esta decisão impede novas declarações de inconstitucionalidade? Não

Há crimes contra espécies selvagens protegidas com molduras penais superiores às dos delitos que vitimam animais domésticos. Ao contrário do que sucede noutros países, a bestialidade não é expressamente proibida em Portugal.

Não, responde o constitucionalista Bacelar Gouveia. A independência de cada juiz permite-lhe continuar a defender aquela que crê ser a interpretação mais legítima da lei. Poderá suceder se um novo processo concreto de maus tratos for parar no futuro a uma das secções do tribunal em que a maioria dos conselheiros seja a favor da inconstitucionalidade.

Caso a lei dos maus tratos fosse declarada inconstitucional, os tribunais seriam obrigados a deixar de a aplicar, ficando assim impedidos de condenar quem quer que fosse por este crime ou pelo de abandono. Pelo contrário, a sua validação pelos juízes do Palácio Ratton, que poderá acontecer dentro de algumas semanas, não obriga ninguém a seguir o mesmo entendimento, podendo os magistrados que assim o entendam recusar-se a condenar os arguidos acusados deste tipo de crime por entenderem que esta legislação viola a lei fundamental.

Quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia sujeita-se a uma pena de prisão de seis meses a um ano ou a pena de multa, diz o Código Penal. Se desses maus tratos resultar a morte, a punição sobe até aos dois anos, podendo ainda ser agravada em um terço se ocorrer em circunstâncias que revelem especial perversidade. Já o abandono é punível com até seis meses de cadeia, passíveis também de agravação.

Não para os animais de companhia. Já no que diz respeito aos animais selvagens, quem eliminar ou capturar espécies protegidas de fauna ou flora sujeita-se a pena de prisão até cinco anos.

A lei dos maus tratos, cuja versão inicial data de 2014, já deu origem a algumas dezenas de condenações, quer a multas quer a penas suspensas. Mas até hoje ninguém cumpriu cadeia efectiva.

Ao contrário do que sucede noutros países, Portugal ainda não penaliza de forma expressa a utilização de animais para práticas sexuais. A bestialidade apenas poderá ser punida “quando inflija dor, sofrimento ou outras formas de maus tratos físicos”.

06/10/2024 13:33:06