Acordo migratório europeu é histórico, mas está longe de ser consensual

A União Europeia e o Parlamento Europeu chegaram ontem a um acordo de princípio sobre a reforma da política europeia de migração, mais de três anos depois da apresentação deste projeto pela Comissão. Roberta Metsola, a presidente do Parlamento Europeu, descreveu este acordo como "histórico" e, embora reconhecendo que não é um pacote perfeito, referiu que tem "um equilíbrio entre solidariedade e responsabilidade", sendo "muito melhor para todos nós do que o que tínhamos anteriormente". Já Ursula von der Leyen, líder da Comissão Europeia, disse que este acordo vai "garantir uma resposta europeia eficaz a este desafio europeu" e significa que "os europeus decidirão quem vem para a UE e quem pode ficar, e não os contrabandistas de pessoas".

Embora os pormenores ainda tenham de ser finalizados, o acordo já revela os principais pontos de compromisso para o "Pacto sobre Migração e Asilo", nomeadamente, o reforço do controlo das chegadas de migrantes à União Europeia. O acordo visa ainda a criação de centros próximos das fronteiras para devolver mais rapidamente aqueles que não têm direito a asilo na UE e um mecanismo de solidariedade obrigatório entre os países membros, em benefício dos Estados sob pressão migratória (ver texto ao lado). De recordar que este acordo ainda terá de ser formalizado e adotado antes das eleições europeias, a realizar pelos 27 países do bloco entre 6 e 9 de junho.

Além das duas líderes europeias, também vários países da UE se mostraram satisfeitos com o acordo agora alcançado. "Saudamos naturalmente o acordo e o facto da Europa falar a uma só voz nas questões de Migração e Asilo", refere uma nota do gabinete da ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares portuguesa. Ana Catarina Mendes considera também que Portugal "sempre adotou uma política progressista em relação às migrações e asilo, não sendo por isso expectável grandes alterações na política migratória portuguesa decorrentes do acordo agora celebrado a nível europeu".

Aqui ao lado, o primeiro-ministro Pedro Sánchez considerou que este acordo é fundamental para Espanha, um dos países da Europa de primeira entrada de migrantes em situação irregular. "Vai permitir algo muito importante, melhorar a gestão das nossas fronteiras e conduzir de forma mais humana e coordenada os fluxos migratórios", disse Sánchez no Parlamento espanhol.

Matteo Piantedosi, ministro do Interior de Itália, um dos países de entrada dos migrantes vindos do Mediterrâneo, referiu que nas negociações Roma tentou que fosse encontrada "uma solução equilibrada que permitisse aos países que constituem as fronteiras [externas] da União Europeia - e que estão particularmente expostos à pressão migratória - deixassem de se sentir sozinhos". "A aprovação do pacto é um grande sucesso para a Europa e para a Itália, que poderá agora contar com novas regras para gerir os fluxos migratórios e combater os traficantes de seres humanos", considerou o italiano.

A Grécia que, a par de Itália está na linha da frente das chegadas de migrantes que querem entrar na Europa através do Mediterrâneo, especialmente provenientes da Turquia, também se congratulou com este acordo através do seu primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis, que o descreveu como "uma importante resposta europeia ao grande esforço nacional que visa implementar uma política de migração rigorosa, mas justa".

A ONU, através do alto comissário para os Refugiados, apelidou este acordo de "um passo muito importante". "Agora vamos à sua implementação! O ACNUR está pronto para aconselhar e apoiar", escreveu Filippo Grandi na rede social X. Também a Organização Internacional para as Migrações, uma agência das Nações Unidas, registou que o acordo "sugere um futuro quadro comunitário abrangente e comum que torna mais próxima a promessa de uma migração segura, digna e ordenada".

Apesar da unanimidade alcançada em Bruxelas, o discurso de Hungria e Eslováquia foi diferente em terreno caseiro. "Rejeitamos este pacto de migração tão decisivamente quanto possível. Ninguém pode determinar quem pode entrar na Hungria, apenas nós", disse o chefe da diplomacia magiar, Péter Szijjártó, após uma reunião com o homólogo eslovaco, Juraj Blanár.

"Ninguém pode determinar com quem devem viver os cidadãos da Hungria", país que se opõe "da forma mais determinada" ao pagamento de multas pela sua recusa em receber migrantes ao abrigo de um princípio de redistribuição dos 27, sublinhou o húngaro, numa posição que coincide com a do seu homólogo eslovaco. "Opomo-nos totalmente a que a UE interfira nos assuntos soberanos da Eslováquia. Esta não é uma questão em que a UE tenha poderes. Não concordaremos com isso", disse Blanár.

Cinco dezenas de Organizações Não-Governamentais de defesa dos direitos humanos mostraram, através de uma carta conjunta enviada às instituições europeias, as suas preocupações, dizendo que as novas medidas "irão espelhar as abordagens falhadas do passado e piorar suas consequências".

A nova legislação "normalizará o uso arbitrário da detenção de migrantes, inclusive de crianças e famílias, aumentará o perfil racial, usará procedimentos de "crise" para permitir retrocessos e devolverá os indivíduos aos chamados "terceiros países seguros" onde estão em risco de violência, tortura e prisão arbitrária", referem as ONG.

ana.meireles@dn.pt

07/12/2024 21:40:15