O que está em causa na questão dos metadados
São as informações sobre dados de base e de tráfego e localização das telecomunicações e dados conexos. Ou seja, que número ligou ou enviou mensagens para que outro número, a quem pertencem (e se foi por reencaminhamento), através de que equipamentos (identificado pelo IMEI), quando, durante quanto tempo e onde os dois telefones estavam nessa altura. Mas também, no caso da comunicação por internet (fixa ou móvel), nome, endereço e número do assinante digital, os códigos de identificação do utilizador e do destinatário registados e os códigos atribuídos a qualquer comunicação que entre na rede pública, as horas de início e fim da ligação do serviço, o endereço do protocolo IP (endereço de cada equipamento no momento do acesso), e a célula da localização geográfica no início da comunicação. A lei proíbe a conservação de dados que revelem o conteúdo das comunicações.
A pedido da provedora de Justiça, o tribunal considerou que a recolha e conservação dos dados de tráfego e localização de toda a população, de forma generalizada, “restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa”, uma vez que também abrangia pessoas sobre as quais não havia qualquer suspeita de actividade criminosa. Também foi considerado excessivo o período de conservação de 12 meses. E, ao não se prever que o armazenamento desses dados ocorresse num Estado-membro da União Europeia, “põe-se em causa o direito de o visado controlar e auditar o tratamento dos dados a seu respeito”, assim como a “efectividade da garantia constitucional de fiscalização por uma autoridade administrativa independente”. Foi ainda considerada inconstitucional o facto de não se prever que o visado fosse informado de que os seus dados tinham sido disponibilizados à investigação criminal.
Implicou que as operadoras de telecomunicações não pudessem guardar mais os dados, apagassem os que ainda tinham, e que os serviços de informação (SIS e SIED), as autoridades judiciárias e as autoridades de polícia criminal (PJ, GNR, PSP, PJM, SEF e Polícia Marítima) ficassem sem acesso a essa informação para efeitos de investigação. Outra consequência foi ao nível judicial: começaram a suceder-se os casos de decisões de tribunais que foram anuladas por se tratar de casos em que a prova se baseava essencialmente em metadados. Porém, o entendimento não foi todo igual: se houve magistrados que consideraram que não poderia haver qualquer recurso a metadados, outros houve que consideraram legal o recurso dos investigadores aos dados da facturação que as operadoras de telecomunicações têm que continuar a guardar.
Depois de várias propostas dos partidos e do Governo, os deputados do PS e do PSD juntaram-se para desenhar uma solução que passa pela conservação dos dados para efeitos de "investigação, detecção e repressão de crimes graves" por três meses, extensível por mais três para os titulares que não se opuserem expressamente. Além disso, pode mesmo chegar excepcionalmente aos 12 meses mediante o pedido fundamentado do procurador-geral da República para a prorrogação da conservação (até um máximo de três pedidos de três meses cada), e autorizada por despacho judicial de dois juízes do Supremo Tribunal de Justiça.
Os dados têm de ser obrigatoriamente guardados num país da União Europeia, e é também exigida a comunicação ao titular de que as autoridades judiciais tiveram acesso às informações das suas comunicações (não ao conteúdo) no prazo de dez dias ou, se o Ministério Público considerar que ainda há risco para a investigação ou mesmo para a vida e integridade de vítimas, no limite, apenas quando for encerrada a investigação.
O texto prevê ainda que sejam conservados por 12 meses apenas os dados relativos à identificação dos assinantes ou utilizadores dos serviços de comunicações, dados de base como os números através dos quais se fazem as comunicações e os endereços de protocolo IP da ligação (na prática, os dados de facturação).
Manteve a declaração de inconstitucionalidade para a recolha e conservação indiscriminada dos metadados com os mesmos argumento usados em 2022. Mas considerou constitucional a obrigatoriedade de conservação das bases de dados em Portugal ou num Estado-membro da EU, assim como as regras sobre transmissão dos dados - só pode ser pedida pelo Ministério Público, tem que ser comunicada ao titular dos dados no prazo máximo de dez dias, e ainda que a transmissão a autoridades de outros Estados só pode ocorrer no âmbito da cooperação judiciária internacional em matéria penal (e desde que garantam o mesmo nível de protecção de dados pessoais vigente na UE).