Bastonária dos Advogados: “Não há inversão de valores [na contratação pública] no recurso ao ajuste direto”
A Bastonária da Ordem dos Advogados olha para os números avançados pelo especial da Renascença "O Império do Ajuste Direto" com "tranquilidade". Em três anos, apenas 1% dos contratos entre o Estado e setor público e os escritórios de advogados foram por concurso público.
Entre os anos 2020 e 2022, o Estado e o setor público - que engloba autarquias, entidades públicas, ordens profissionais, etc - fizeram 2.551 contratos de serviços com escritórios de advogados, mas desses apenas 25, ou seja 1%, é que foram feitos através de concurso público.
Já em relação ao ajuste direto - modalidade da contratação pública em que quem quer um serviço pode escolher diretamente o fornecedor sem recorrer ao mercado - vale 80% do número de contratos, num total de quase 70 milhões de euros.
Nos últimos três anos, o Estado e o setor público contrataram 92 milhões de euros em serviços jurídicos a escritórios externos. Uma análise dos dados do portal Base revela que os ajustes diretos são a modalidade escolhida para oito em cada dez contratos. Apenas em 25 contratos de um universo de 2.551 foram feitos por concurso público. Banco de Portugal e Câmara de Lisboa são quem mais gasta. A sociedade Vieira de Almeida é quem mais recebe. Esta é uma das partes do especial Renascença, "O império do ajuste direto".
A análise feita pela Renascença aos dados que constam do Portal Base permitiu ainda hierarquizar as autarquias, as entidades públicas que mais gastam com serviços jurídicos e os escritórios de advogados que mais ganham nas relações com o setor público. As contas dos três anos somados dão um custo para o erário público que pode ascender aos 92 milhões de euros na contratação de advogados e juristas.
Em reação aos números, a bastonária começa por dizer à Renascença que olha para os números avançados no especial “O império do ajuste direto” com “tranquilidade”.
“É preciso não diabolizar aquilo que é uma figura perfeitamente admissível pelas regras da contratação pública”, explica. “Não é porque existem muito mais ajustes diretos do que concursos públicos que isso os coloca numa situação de ilegalidade.”
Ao analisar esta realidade, Fernanda Pinheiro defende que não lhe “parece que exista nenhuma espécie de inversão de valores no recurso ao ajuste direto”.
No entanto, no que se refere ao valor dos contratos, mais de 60% dos ajustes diretos são feitos com valores superiores a 20 mil euros, e há muitos celebrados com valores de largas centenas de milhar de euros.
Neste caso, Fernanda Pinheiro ressalva que na Ordem dos Advogados, quando a adjudicação é acima de 5 mil euros, “nós contratamos sempre através de concurso público, porque queremos inclusivamente uma melhor garantia do serviço, e a maior transparência possível”.
Por fim, a recém-empossada bastonária dos Advogados questiona a necessidade de o setor público e o Estado recorrerem “a serviços externos quando, muitas das vezes, têm essa especialização dentro dos seus próprios serviços”.
“São poucos os organismos públicos que não têm os seus juristas dentro de casa e que não podem criar esses pareceres e elaborá-los em igualdade de circunstâncias”, remata.
João Carlos Malta