Um terço das vítimas de violência conheceram agressores nas redes e em sites de encontros
Violência doméstica no Porto é combatida por equipa de especialistas da PSP criada há dez anos.
Cerca de 30% das pessoas que recorreram ao Gabinete de Atendimento e Informação à Vítima (GAIV) da PSP do Porto conheceram os seus agressores nas redes sociais e em sites de encontros amorosos. Por outro lado, 17% das 12.040 vítimas de violência doméstica acompanhadas, nos últimos dez anos, pelo primeiro organismo policial do país especializado no fenómeno são homens. Uma percentagem em franco crescimento e que, no ano passado, chegou aos 27%.
Os números foram revelados, ao JN, segunda-feira, dia em que o GAIV celebrou uma década de atividade. "Hoje, percebemos que muitos crimes de violência doméstica ocorrem em relações iniciadas nas redes sociais e em sites de encontros amorosos", garante o coordenador do GAIV. Segundo o chefe principal Fernando Rodrigues, estes relacionamentos evoluem em poucos meses para uniões de facto, mas também chegam ao fim tão depressa como começaram. Muitos, devido a episódios de violência.
"Depois de terminada a relação, os agressores ameaçam as vítimas com imagens íntimas que estas partilharam durante a fase em que usavam a Internet para se conhecerem melhor. Fazem-no para evitar que a vítima denuncie o crime", explica.
Fernando Rodrigues tem uma justificação para esta nova realidade. "Com a pandemia, as pessoas estavam proibidas de sair de casa e iniciaram relações através das redes sociais e sites de encontros amorosos. Isto fez com que as pessoas se habituassem a este tipo de relacionamento e que as denúncias de crimes aumentassem, sobretudo, no ano passado".
Homossexuais queixam-se
O chefe principal anuncia, ainda, um "aumento de vítimas de violência doméstica do sexo masculino". A média de denúncias feita por homens ao GAIV, na última década, é de 17%. Contudo, a percentagem não parou de subir nos últimos anos. Em 2020, entre as 1101 vítimas registadas no GAIV, 27% já eram homens. "Este tipo de vítimas perdeu a vergonha de denunciar os crimes. Mas, hoje, a PSP também é uma Polícia integral, humana e ao serviço de todos os cidadãos", justifica.
A mesma tendência registou-se entre casais homossexuais. Se, no ano da criação do GAIV, uma única vítima de violência doméstica homossexual apresentou queixa, em 2022 foram 20 as que passaram a ser acompanhadas pelos polícias da Esquadra do Bom Pastor. "Estas vítimas sentem-se, atualmente, muito mais à vontade para denunciar os crimes que sofrem", afirma Rodrigues.
Em 2013, o GAIV foi uma pedrada no charco, na forma de combater a violência doméstica. Pela primeira vez, a PSP formava uma equipa de 17 agentes especialistas no atendimento à vítima, disponível 24 horas por dia, 365 dias do ano. O projeto, desde sempre liderado pelo chefe Fernando Rodrigues, apresentava ainda uma ligação estreita aos procuradores do Porto dedicados, igualmente, em exclusivo à violência doméstica.
Logo nos primeiros anos, o GAIV mostrou resultados e impressionou até o presidente da República. Em 2019, durante uma visita à Esquadra do Bom Pastor, Marcelo Rebelo de Sousa pediu que o projeto fosse replicado no país. O chefe de Estado foi sensibilizado, essencialmente, por um número: zero mortes, entre as vítimas acompanhadas pelo GAIV.
Ontem, dia em que celebrou dez anos, este projeto da PSP do Porto continuava a desfraldar, com orgulho, essa bandeira. Nenhuma das 12.040 vítimas apoiadas pelo GAIV sucumbiu às mãos dos seus agressores. "Temos conseguido evitar desfechos dramáticos dos casos mais graves", congratula-se o chefe principal Fernando Rodrigues.
O mesmo responsável alerta, no entanto, para o aumento da violência neste tipo de crime. "As pessoas estão mais agressivas e, por isso, notamos o crescimento da violência física nos casos sinalizados. Embora continue a predominar a violência psicológica e emocional", afirma.
Vergonha
Numa década, o GAIV realizou quase 21 mil atendimentos a vítimas de violência doméstica e realizou 7210 avaliações de risco. Elaborou também 8351 planos de segurança para mulheres e homens atacados pelos respetivos companheiros.
Muitas destas vítimas não residiam no Porto, área de intervenção desta equipa. "Moram noutras localidades, mas preferem apresentar queixa no GAIV. São vítimas que não se encaixam no padrão normal, que integram estratos sociais mais elevados e desempenham profissões mais diferenciadas. Vêm ao GAIV por vergonha e para não serem reconhecidos nos locais de residência", explica Fernando Rodrigues.
Mais de 83% dos queixosos nunca tinham denunciado o agressor.
Queixas online
Há cada vez mais pessoas a usar as redes sociais da PSP do Porto para denunciar crimes de violência doméstica. "Os denunciantes são familiares e vizinhos das vítimas ou instituições atentas", declara Fernando Rodrigues.
Cifras negras
Apesar dos números alcançados pelo GAIV, estes não retratam a realidade. "As cifras negras ainda são muito elevadas", avança o coordenador do gabinete.
Investigação
Os polícias do GAIV têm uma ligação direta à Divisão de Investigação Criminal da PSP, cuja ação se direciona para o agressor