Juízes dizem que novas regras da distribuição de processos geram “dúvidas sérias”

Um ano e meio depois do previsto, o Ministério da Justiça (MJ) publicou ontem a portaria que regulamenta a distribuição electrónica dos processos pelos diversos juízes, nos tribunais. No entanto, o diploma apresenta diversas omissões que levaram a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) a alertar que o novo sistema “tem ainda diversos aspectos de operacionalidade e organização que suscitam dúvidas sérias”. “Se não forem bem resolvidos, podem criar novas diÆculdades e factores acrescidos de entorpecimento da tramitação processual no futuro próximo”, aÆrma a associação. Vários juízes ouvidos pelo PÚBLICO dizem que está em causa, por exemplo, o facto de a portaria nada dizer sobre a escolha dos juízes-adjuntos nos tribunais superiores. Actualmente, só o juiz relator é sorteado, sendo os dois adjuntos nomeados segundo um critério de antiguidade (os que estão graduados mesmo a seguir ao relator). A ideia das leis de 2021 que alteraram este sistema é que passem igualmente a ser sorteados aleatoriamente os dois adjuntos. Mas tal vai obrigar a uma mudança no funcionamento dos tribunais superiores e, por isso, havia quem entendesse que, como os diplomas não estavam regulamentados, ainda não podiam ser aplicados. O problema é que a portaria já foi publicada, mas não refere nada quanto à designação dos juízes-adjuntos. Por outro lado, as leis de 2021 não são claras sobre o universo em que deve ser feita a selecção dos adjuntos. Fala-se em “apurar aleatoriamente o juiz relator e os juízes-adjuntos de entre todos os juízes da secção competente”, mas não se explica que secção é esta e como se selecciona. Tanto nas cinco Relações como no Supremo, os juízes estão organizados por secções, que estão divididas por áreas (cível, criminal e social). Cada uma tem à volta de 16, 17 juízes que se reúnem habitualmente uma vez por semana ou de 15 em 15 dias. Tal possibilita que os juízes trabalhem à distância, até porque na maior parte dos edifícios não existem gabinetes para todos. Se a ideia for sortear os adjuntos entre todos os juízes da área criminal ou cível, tudo Æcará ainda mais complicado. Há quem fale do risco de instalar o caos nos tribunais superiores, já que, em vez de existirem colectivos Æxos, os juízes poderão trabalhar com qualquer colega, deixando de ser viável marcar só um dia para se encontrarem e discutirem os acórdãos. Se há magistrados a entender que estas mudanças aumentam as garantias de transparência e Æscalização da distribuição, há outros que acreditam que vai prejudicar a produtividade e até a qualidade do trabalho nos tribunais superiores. Estas mudanças ocorreram na sequência da Operação Lex, que levou o MP a considerar que houve quatro distribuições viciadas no Tribunal da Relação de Lisboa, entre 2013 e 2015, cuja responsabilidade principal é atribuída ao antigo presidente daquela instância, Luís Vaz das Neves, um dos três juízes acusados neste caso. A forma como a Operação Marquês foi distribuída, em Setembro de 2014, quando entrou em vigor a nova organização dos tribunais, também foi polémica, tendo levado à constituição como arguido do juiz Carlos Alexandre, que manteve o caso entre mãos, num processo-crime que acabou por não ir a julgamento. Curiosamente, a falta de regulamentação do novo sistema de distribuição tem permitido à defesa do ex-primeiro-ministro José Sócrates atrasar o seu julgamento no âmbito da Operação Marquês. As novas regras introduziram mecanismos de controlo da distribuição electrónica, passando, por exemplo, a prever que a distribuição conta “com a assistência obrigatória do Ministério Público (MP) e, caso seja possível por parte da Ordem dos Advogados, de um advogado designado por esta”. O acto continua a ser presidido por um juiz coadjuvado por um oficial de justiça, que carrega num botão para accionar a distribuição electrónica. Uma das novidades é que “os algoritmos utilizados nas operações de distribuição” vão passar a estar “descritos em página informática de acesso público do MJ”, o que não acontece agora. Esta obrigação só entra em vigor em meados de Setembro. “A publicação dos resultados da distribuição por meio de pauta é efectuada às 17h de Portugal continental, na área de serviços digitais dos tribunais, acessível em https://tribunais. org.pt, durante um período de seis meses”, prevê ainda a portaria. “No período que agora falta para a entrada em vigor da portaria, é essencial que as alterações nos sistemas informáticos de apoio à actividade dos tribunais sejam bem feitas e que o MJ consulte todas as entidades relevantes, nomeadamente as representativas dos juízes, que estão no ‘terreno’ e melhor conhecem os problemas e as soluções”, aÆrma a ASJP. A associação nota que até ao momento não foi consultada e manifesta essa disponibilidade, colocandose à disposição do Governo para toda a colaboração necessária.

21/05/2025 09:49:11