Médicos e advogados contra novo órgão de supervisão
As ordens dos Médicos (OM) e dos Advogados (OA) recusam as explicações do Governo para as alterações aos seus estatutos e ameaçam ir “até às últimas instâncias” para travar as mudanças. Em comum têm a crítica ao novo órgão de supervisão composto por membros externos, que dizem ser uma “ingerência”. A OA acusa ainda o Executivo de abrir a porta a que “pessoas sem cédula” exerçam atividade. Para o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, o “erro de base” é achar que quem não está inscrito na Ordem não pode ter essa atividade.
Ao JN, o bastonário da OM, Carlos Cortes, diz ter três grandes críticas ao diploma: a criação de um órgão supervisor, a “lamentável” nomeação de um provedor “não médico” e a “intromissão” externa nos órgãos disciplinares da OM, que lidam com temas “muito sensíveis”. Para o bastonário, estas mudanças são uma “ingerência do poder político” com o objetivo de “controlar e amordaçar as ordens”.
Quanto ao órgão supervisor, Carlos Cortes destaca que o facto de 60% dos futuros integrantes serem “não médicos” dá-lhe um “poder controlador”. Ainda assim, reconhece que as reuniões com o Governo resultaram numa “evolução muito positiva” em vários temas. Destaca a inclusão da lei do ato médico nos estatutos da OM, que diz vir “estabilizar” a profissão.
PARAR OS TRIBUNAIS
Mas essa evolução não levará a OM a baixar a guarda, garante Carlos Cortes. Se, até aqui, a Ordem apostou na “contenção” em prol do diálogo, até à discussão da proposta no Parlamento – que deve ocorrer a 20 ou 21 de julho –, estará “vigilante” e “preparada para todas as medidas de intervenção”. E o que são todas as medidas? “São todas”, responde.
A bastonária da OA, Fernanda de Almeida Pinheiro, fala numa “ignomínia”. À SIC diz que, “se for preciso”, os advogados farão parar os trabalhos dos tribunais e que a Ordem irá “até às últimas instâncias” – incluindo Comissão Europeia e Tribunal Judicial Europeu – para travar estas mudanças.
A bastonária alega que as alterações aos estatutos vão “retirar” aos advogados e solicitadores atos que, até aqui, eram exclusivos deles, como a elaboração de contratos, cobrança de dívidas e consulta jurídica: “Vai legalizar a procuradoria ilícita”.
Para Fernanda Pinheiro, esta alteração acentuará as diferenças económicas no país, com os clientes mais ricos a continuarem a procurar advogados e os mais pobres “a ficarem à mercê sabe-se lá de quem”. Sobre a obrigatoriedade de estágios pagos – outra medida do Governo (ler ficha) –, diz que privará muitos jovens de ter acesso a um estágio.
A bastonária também critica a criação do órgão de supervisão, que descreve como uma “ingerência absolutamente intolerável”. Frisa que ele não existe em mais nenhum país da UE e que os seus colegas estrangeiros ficam “estarrecidos” quando lhes fala do tema.
Ontem, em conferência de imprensa, o secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Jorge Alves Costa, argumentou que o “erro de base” é considerar-se que a licenciatura em Direito e a pertença à OA são sinónimos. Rejeitou que os advogados percam competências, frisando que a medida alargará o universo de profissionais aptos a praticar atividades jurídicas.
O ministro da Saúde rejeitou qualquer “intrusão” nas Ordens, falando numa “falsa questão”. Pizarro lembrou que todos os elementos do órgão supervisor serão “escolhidos e votados pelos membros da Ordem”.
Mais de 100 advogados concentraram-se ontem no Campus de Justiça, em Lisboa, para protestar contra a revisão do estatuto da sua Ordem profissional. Por imposição da PSP, os manifestantes ficaram a 100 metros da entrada do Tribunal Central Criminal de Lisboa, facto que indignou a bastonária da OA, Fernanda Almeida Pinheiro, presente no protesto. “O tribunal é a casa da advocacia”, vincou, lembrando que o acesso a este não pode ser vedado à classe. Evocando a greve dos funcionários judiciais, acusou o Governo de estar a “afundar a Justiça”.