Governo vai criar “cadastro” para gestores condenados ou impedidos

Informação fica na base de dados 20 anos e o IRN terá de a consultar sempre que as empresas nomeiem administradores

Tal como já acontece em Espanha, França ou Irlanda, o Governo quer criar um registo de inibições e destituições de gestores e administradores de empresas, uma espécie de cadastro onde ficarão disponíveis as informações sobre esses gestores durante 20 anos. Trata-se de uma base de dados que poderá ser acedida por entidades de todos os Estados-membros da União Europeia, funciona em regime de reciprocidade geral e será gerida pelo Instituto de Registos e Notariado (IRN).

A medida transpõe, em parte, uma directiva europeia de 2019 e motivou críticas da CNPD – Comissão Nacional de Protecção de Dados, nomeadamente sobre o prazo de 20 anos pelo qual se guardam as informações. A base de dados incluirá informação relativa às inibições de pessoas singulares para o exercício do comércio, para a ocupação de determinados cargos e para a administração de patrimónios alheios, bem como às destituições judiciais de titulares de órgãos sociais transitadas em julgado.

"A directiva prevê mecanismos de intercâmbio de informação sobre se uma determinada pessoa está inibida do exercício do cargo de administrador de uma sociedade, bem como de outra informação relevante, e permite que os Estados-membros recusem a nomeação de uma pessoa como administradora de uma sociedade se ela estiver sujeita a uma inibição do exercício de cargos de direcção noutro Estado-membro", justifica o Governo na proposta de lei que é discutida nesta sexta-feira no Parlamento. O objectivo é "prevenir comportamentos fraudulentos ou abusivos".

O Instituto dos Registos e Notariado (IRN) português terá de recusar o registo de um cidadão como administrador de uma empresa se este estiver sujeito à inibição do exercício do cargo noutro Estado-membro e vice-versa.

Além dos dados de identificação pessoal, a base de dados de inibições e destituições (BDID) incluirá o tipo de inibição, o seu conteúdo, o período, a identificação do processo que deu origem à inibição ou destituição, e o tribunal ou a entidade administrativa que as decretou. Terão acesso à base de dados os conservadores e oficiais de registos, os magistrados judiciais e do Ministério Público, e os órgãos de polícia criminal – além do titular dessa informação.

Tal só é possível por haver um sistema de interconexão dos registos centrais, comerciais e das sociedades. E isso significa que este sistema de interconexão passará a ter de incluir mais informação actualizada sobre as empresas – o seu estado (encerrada, em liquidação ou dissolução), quem são os seus representantes legais, se têm representação aberta noutro Estado-membro (e onde). Mas como os tribunais ainda não comunicam por via electrónica e de forma automática com o IRN, terão de ser os conservadores de registos a fazê-lo manualmente depois de receberem a informação dos tribunais.

Protecção de Dados pede prazo menor

O diploma que vai agora a votos no Parlamento não é o regime da base de dados em si, mas apenas a autorização para que o executivo legisle sobre o assunto nos próximos 180 dias. No entanto, o Governo já enviou também o decreto-lei para conhecimento da Assembleia da República. O texto prevê que os dados pessoais sejam conservados na BDID durante um período de 20 anos, "contados da data do registo da destituição na base de dados, ou do termo do prazo da inibição", sendo destruídos depois disso.

A CNPD considera este prazo um exagero e pede que o período de retenção da informação se limite ao respectivo prazo decretado pelo tribunal. Ou seja, se um administrador condenado ficar proibido de assumir cargos em empresas por 10 anos, a CNPD defende que essa informação deve constar da base de dados apenas enquanto durar a inibição. No entanto, a intenção do Governo é também que a informação sirva para avaliação da idoneidade do gestor, o que significa que seja necessário avaliar um período longo da sua vida profissional – e daí que, no caso da inibição, estenda o prazo de conservação da informação durante mais 20 anos após o seu fim.

No parecer que enviou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a Ordem dos Advogados defendeu que também estes profissionais deveriam ter acesso a essa base de dados, pelo menos “aquando da constituição de sociedades ou outras alterações de índole societário”. Isso permitiria, defende a Ordem, fazer um rastreio prévio da “incapacidade de alguma ou algumas das pessoas singulares que constem da base de dados” e evitar que esses actos societários venham, mais tarde, a ser recusados.

O diploma prevê a obrigatoriedade de os serviços do registo comercial consultarem os nomes na base de dados quando for feito o registo de nomeação ou de recondução no cargo de gerentes, administradores ou dos membros de outro órgão sujeito a registo para "garantir que não se encontra impedido de exercer o cargo". E também será obrigatório que os tribunais comuniquem ao Instituto de Registos e Notariado a destituição de gerentes ou administradores transitada em julgado ou as inibições decretadas a título definitivo (esta última obrigação estende-se às entidades administrativas com poderes para decidirem inibições, como o Banco de Portugal, por exemplo).

Antigos presidentes de bancos como o BPN ou o BCP e vários administradores foram castigados pelo Banco de Portugal com multas e inibição de assumirem cargos na banca devido a informações falsas e adulteração das contas.

 

20/05/2025 20:45:37