Ministério Público e a criminalidade em 2022
De acordo com os últimos dados conhecidos, no ano de 2022, "findaram 64.293 processos na fase de julgamento. Foram julgados 52.464 processos, dos quais 45.131 com decisão de condenação total ou parcial (86%) e 7.333 com decisão de absolvição (14%)".
As decisões de acusação foram confirmadas em todas as formas processuais em percentagens que variaram entre os 78,1% (Tribunal Singular) e os 100% (Tribunal de Júri).
No que respeita aos julgamentos realizados pelo Tribunal Coletivo, que correspondem em sentido lato aos crimes mais graves, "foram julgados 3.912 processos… tendo sido proferidas 3.283 decisões de condenação (83,9%) e 629 de absolvição (16,1%)".
Por sua vez, no que respeita aos processos julgados em Tribunal Singular "do universo de 27.693 processos…foram proferidas 21.616 decisões de condenação (78,1%) e 6.077 de absolvição (21,9%)".
Quanto aos julgamentos realizados em processo sumário, "foi proferida decisão de condenação em 12.139 (97,3%) e decisão de absolvição em 339 (2,7%)".
No que respeita aos processos abreviados, foi "proferida decisão de condenação em 3.975 (93,6%) e de absolvição em 271 (6,4%)".
Por fim, "foram apreciados 4.132 requerimentos de aplicação de sanção em processo sumaríssimo, tendo sido aplicada sanção em 4.115 processos (99,6%) e rejeitada em 17 (0,4%)".
Mais uma vez, os dados oficiais, agora de 2022, relativos à percentagem de condenações em processos crimes contrariam a imagem que tantas vezes passa na comunicação social e no comentário de alguns "especialistas" de ocasião.
Mas estes dados não são os únicos relevantes do citado relatório.
E, de qualquer modo, é de notar que os magistrados do Ministério Público estão sujeitos a um dever de legalidade e objetividade que os pode levar a sustentar em julgamento que um arguido apesar de acusado não deva ser condenado (quando, por exemplo, não foi possível obter o depoimento em julgamento de testemunhas essenciais para a prova de determinados factos de que dependia a prova da culpabilidade de determinado arguido).
Quanto aos recursos interpostos das sentenças/acórdãos proferidos em 1.º instância é de notar que 48,6% obtiveram provimento, sendo total 35,8% e parcial 12,8%.
Olhando para a natureza dos crimes investigados existem dados que importam analisar pela tendência que revelam.
No número de inquéritos instaurados em 2022 temos que destacar dois fenómenos criminais distintos, que são a cibercriminalidade (39.995) e a violência doméstica (35.626), sendo o primeiro consequência da evolução da criminalidade em ambiente digital e o segundo um infeliz fenómeno comum nos tempos atuais.
Nos últimos três anos os crimes relativos à cibercriminalidade têm vindo sucessivamente a aumentar (34.451 em 2020; 34.731 em 2021; e 39.995 em 2022).
Verificou-se também um aumento de novos inquéritos por crimes estradais relativamente aos dois anos anteriores (15.267 inquéritos em 2022; 13.103 em 2021; e 11.165 em 2020).
Igual tendência para o aumento do número de inquéritos também se verificou nos crimes de branqueamento de capitais (1.314 em 2022; 892 em 2021; e 611 em 2020), nos crimes fiscais (5.739 em 2022; 5.487 em 2021; e 4.913 em 2020), nos crimes de incêndio florestal (8.588 em 2022; 7.025 em 2021; e 6.967 em 2020) e ainda nos crimes de tráfico de estupefacientes (7.272 em 2022; 5.608 em 2021; e 6.086 em 2020).
Outra tendência preocupante é o "significativo crescimento do número de inquéritos por crimes contra idosos com a entrada de 2.433 inquéritos (1.862 em 2021, 1.851 em 2020)" e por crimes contra pessoas com deficiência.
Ainda, lamentavelmente, demonstrando uma acentuada tendência para o crescimento, encontramos os inquéritos por crimes de violência contra menores (1.026 em 2022; 709 em 2021; e 408 em 2020) e por crimes contra profissionais de saúde.
Uma das tarefas mais importantes que o Ministério Público assume na fase de inquérito é a recuperação do produto do crime para o Estado e, nesse particular, resulta do citado relatório de 2022 que foram declarados perdidos a favor do Estado valores no montante de 13.793.412,94 euros, foram "apreendidos ou arrestados bens e valores no montante total de 40.515.247,83 euros, tendo o Ministério Público, nas acusações e liquidações elaboradas, requerido a reposição de vantagens patrimoniais resultantes da prática de crimes na importância de 310.096.597,40 euros".
Ainda no que respeita à recuperação de ativos os processos "respeitaram predominantemente a crimes de tráfico de estupefacientes (48), de burla (22), branqueamento de capitais (16), infrações fiscais (14), corrupção (11), infrações informáticas (10), para além de casos de associação criminosa, contrabando, falsificação, fraude na obtenção de subsídios, lenocínio e outras infrações sexuais, participação económica em negócio, peculato, tráfico de armas e tráfico de pessoas".
Qualquer analise séria da atividade do Ministério Público deverá ter em conta os dados estatísticos resultantes da sua atividade, não ignorando o especial contexto de carência de recursos humanos (escassez de magistrados, polícias e oficiais de justiça, bem como as múltiplas acumulações de serviço que os sobrecarregam etc..) e materiais (deficientes instalações; falta de gabinetes e salas para inquirições; e desadequação dos sistemas informáticos e redes etc..) existente.