"Parar as minas de carvão em Moçambique é condenar o país a não ter recursos"
Moçambique prepara-se para receber uma conferência tecnológica dedicada ao desenvolvimento tecnológico do sector financeiro do país, a BFSI – , Banking, Finance Services and Insurance Mozambique, que se realiza nos próximos dias 13 e 14 de setembro, no Centro de Conferências Joaquim Chissano, em Maputo.
Kekobad Patel é o porta-voz da organização e uma das personalidades mais proeminente no âmbito empresarial moçambicano. Membro fundador da Câmara de Comércio de Moçambique, da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) e da Associação dos Industriais de Caju (AICAJU), também esteve na fundação do BCI Fomento em Moçambique e do Moza Banco. Hoje, faz parte do conselho de administração da McNet.
Em entrevista ao Jornal Económico, alerta para a necessidade de desenvolver as infraestruturas de comunicações de Moçambique e alargar os prazos para a transição energética, culpando os “países desenvolvidos” pelo excesso de poluição no planeta. Fala também na nova lei anti-branqueamento de capitais e a próxima legislação em prol da cibersegurança.
Onde é que está a haver maior transformação digital em Moçambique?
Principalmente, no sector da banca e dos seguros, o país tem algum trabalho feita. A banca está informatizada, portanto não se vai começar do zero, mas a inovação não para. Todos os anos há algo novo. É uma coisa extraordinária. Se calhar há dois anos não estávamos a ouvir falar de Inteligência Artificial (IA) [em Moçambique]. Qual o papel da IA em todos estes temas? Moçambique é sete vezes e meio maior que Portugal. Somos um país extenso, temos 800 mil km2 de área, cerca de 2.900 km costa na vertente norte-sul e 1.200 km a este-oeste. O país não está densamente povoado, ainda só tem – e já dá muita dor de cabeça – 32 milhões de habitantes. Como fazer a inclusão destas pessoas que vivem em zonas rurais? Já comunicam muito com telemóveis, como há 10 ou 15 anos não se imaginava. Porém, neste momento, só as zonas urbanas é que efetivamente têm acesso às tecnologias.
Então, quais são as prioridades de atuação para acelerar esse processo?
Olhar para a infraestrutura: que infraestruturas temos? Depois, uma das principais na nossa consideração, a área da educação. É preciso começar a educar as pessoas desde crianças, que agora nascem numa era digital. Não sei se tem filhos, mas uma das primeiras coisas que lhe dá é um tablet. Isto é um desafio enorme, mexe no atual sistema de educação do país e exige o ensino do “ABC” das TI [Tecnologias da Informação].
“Não é África o grande poluidor da atmosfera”
E as carências ao nível das ligações elétricas?
Sim, nem todo o nosso país tem eletricidade, embora sejamos produtores de energia. Já exportamos uma boa parte para países vizinhos aqui em África. África do Sul, por exemplo, é uma potência industrial no continente e tem sérios e graves problemas de energia, porque as obrigações de transformação para a energia limpa, por causa dos efeitos climatéricos, tornam necessário também transformar os recursos. Quem estava a trabalhar com carvão tem de sair do carvão. Para isso é preciso tempo. É verdade que o clima está a ser prejudicado por causa dessas emissões, mas é preciso dizer com clareza: não é a África o grande poluidor da atmosfera, são os países desenvolvidos, que estão a sofrer consequências das mudanças climáticas e hoje estão-nos a pedir para cumprir, dentro de um prazo relativamente curto, uma transformação que não é possível. Parar as nossas minas de carvão é condenar-nos a não termos recursos para gerir o país. Tenho quase a certeza de que a situação que se vive na Europa, com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e o bloqueamento que houve no fornecimento de energia, vai obrigar a que alguns destes prazos tenham de ser dilatados. Mas não chega dilatar o prazo. É preciso apoiar quem precisa.
O parlamento de Moçambique aprovou em agosto um reforço das medidas anti-branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. O sector está a acolher bem estas alterações?
Moçambique está na chamada lista cinzenta, porque precisa de melhorar muitos aspetos relacionados com as transações que são feitas eletronicamente – como toda a banca funciona agora -, inclusive a cibersegurança. Este é um dos temas que vai marcar também esta conferência. Estamos a começar a discussão sobre a lei da segurança cibernética, que ainda está num processo de rascunho e requer uma análise cuidada. Nada melhor do que ter cá a presença dos nossos parceiros com experiência. Por exemplo, qualquer bloqueio na banca pode criar-nos situações muito graves na economia e não permitir que a vida das pessoas funcione. Eu sou administrador de uma empresa [McNet] que está a modernizar as alfândegas há cerca de doze anos, utilizando o sistema eletrónico. Todo o movimento das alfândegas passa pela Janela Única Electrónica (JUE), e ainda hoje, apesar de colocarmos todos os sistemas de segurança possíveis e imaginários, continuo a achar que é preciso legislação para salvaguardar os dados do país. São dados que não podem circular e cair em mãos alheias.
“Estamos a começar a discutir uma lei de cibersegurança em Moçambique”
O que podemos esperar desta primeira edição da conferência? É uma iniciativa que pretendem repetir anualmente?
Ainda não sabemos se vai ser anual ou bianual, mas tem de haver uma certa continuidade, porque são assuntos de extrema importância, complexos, e que, eventualmente, num período de apenas um ano não terá grandes resultados para mostrar. Nesta era digital, a evolução é muito rápida em muitos aspetos, sob o ponto de vista tecnológico e da conceção, então temos de refletir depois de realizar esta primeira conferência. Na minha opinião, acho que devíamos esperar mais um bocadinho até [as ideias partilhadas] amadurecerem, porque estamos a começar. Só com reflexão conseguiremos encontrar os caminhos de prioridade, as áreas onde teremos de começar
Quem se destaca na lista de participantes?
Estamos a tentar tornar esta conferência internacional, portanto, além das nossas instituições nacionais, estarão também presentes instituições de outros países, onde este processo de digitalização já vai mais adiantado, porque queremos aprender com eles: como é que iniciaram essa transformação? Como é que resolveram os problemas? Quais foram as prioridades? Nesta conferência, como estamos a entrar num processo de facilitação do comércio ao nível de África, vamos ter representantes da União Africana. Teremos também a secretária de Estado da Economia Digital de Cabo Verde, um membro da área TIC nas Nações Unidas e o Banco Mundial, um elemento-chave, porque todo este processo vai requerer uma melhoria drástica das nossas infraestruturas. Mesmo a legislação terá de ser adaptada à nova realidade. As associações moçambicanas de bancos e seguros, que representam a banca e as seguradoras em Moçambique (sejam nacionais ou com parceiros estrangeiros), também estarão, assim como a Associação Brasileira de Insurtech, o INTIC – Instituto Nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação [Moçambique], a Organização Internacional das Comunicações e o Centro de Investigação da Universidade de Moçambique. Quanto aos dirigentes deste país, serão fundamentalmente as áreas económicas: ministério da Economia e Finanças, ministério de Transportes e Comunicações e ministério da Ciências e Tecnologia. Os dois ministros que mencionei primeiro já confirmaram e falta o da Ciências e Tecnologia, que esteve na conferência da CPLP em São Tomé e Príncipe.