Num ano, Marcelo vetou 11 decretos da Assembleia e quatro do Governo
Só neste último ano da actual legislatura, Marcelo Rebelo de Sousa já vetou tantos diplomas como entre 2019 e 2021, e os vetos políticos foram quase um terço do total desde que assumiu a Presidência da República, em 2016. Em apenas um ano, foram vetados 15 diplomas, 11 da Assembleia da República (AR) e quatro do Governo. O chefe de Estado vetou tantos diplomas do Governo de maioria absoluta de António Costa (quatro) como nos seis anos anteriores – pelo menos tendo em conta aquilo que anunciou publicamente.
O primeiro veto de Marcelo Rebelo de Sousa na actual legislatura ocorreu a 30 de Janeiro de 2023, ao decreto do Parlamento sobre a morte medicamente assistida (por inconstitucionalidade), mas o primeiro a um diploma do Governo foi a 26 de Julho de 2023, quando devolveu a São Bento o diploma da carreira dos professores. Menos de um mês depois, a 21 de Agosto, a nova versão do diploma foi promulgada, uma vez que o Governo acedeu a deixar a “porta entreaberta” às exigências mínimas do Presidente, nomeadamente a possibilidade de vir a ser contabilizado, futuramente, mais do que um terço do tempo congelado.
Em Outubro, no dia 27, Marcelo vetou uma vez mais um diploma do Governo, opondo-se às regras para a privatização da TAP. Na altura, o gabinete de António Costa emitiu uma nota que dizia que registava “as preocupações” apontadas pelo chefe de Estado, assegurando que seriam “devidamente ponderadas”. Desde então, nada mais se ouviu sobre o tema.
Os dois vetos seguintes a diplomas do Governo de Costa foram em Dezembro de 2023 e Janeiro deste ano. No dia 15 do último mês de 2023, o Presidente devolveu ao Governo o decreto-lei do simplex dos licenciamentos no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria, a chamada a chamada lei “malandra” da Operação Influencer (que levou à demissão de Costa).
Segundo o Ministério Público, o diploma pretendia favorecer a empresa responsável pelo projecto do data center em Sines, a Start Campus. Marcelo devolveu este diploma à Presidência do Conselho de Ministros porque registou "dúvidas e controvérsias (...) em particular as partes relativas ao licenciamento industrial". Marcelo promulgou depois uma nova versão deste decreto, já sem as regras polémicas e só na passada semana assumiu publicamente que vetara a primeira versão.
O último veto de Marcelo a um diploma do Governo registou-se neste fim-de-semana, com o chefe de Estado a opor-se à regulamentação da procriação medicamente assistida.
Todos os vetos a decretos do Governo foram políticos e nunca por inconstitucionalidade. Mas o mesmo não aconteceu com os decretos da Assembleia da República: dos 11 vetos em 2023, dois foram por inconstitucionalidades na sequência da análise do Tribunal Constitucional (TC), tanto à morte medicamente assistida como aos metadados.
O veto à eutanásia foi o primeiro desta legislatura, em Janeiro do ano passado. O Parlamento reviu o texto, mas acabou novamente vetado pelo Presidente da República em Abril, desta vez com natureza política. Contudo, em Maio, o PS reconfirmou o diploma no Parlamento e Marcelo foi obrigado a promulgá-lo.
O veto por inconstitucionalidade à alteração à lei que regula o acesso a metadados foi anunciado quase no final de 2023, a 4 de Dezembro, quando já se sabia que o Parlamento seria dissolvido em meados de Janeiro. O chefe de Estado pediu que o texto fosse reapreciado “ainda na presente sessão legislativa”, e os deputados apressaram-se, chegando a uma solução minimalista em que a conservação dos metadados só pode ser feita em termos individuais e com autorização judicial do Supremo para cada caso. A última versão segue na quarta-feira para nova apreciação do Presidente.
Para além da morte medicamente assistida, houve mais oito vetos políticos a diplomas da Assembleia da República. Porém, na prática, se se recuar à real proveniência desses textos, poderíamos até chegar a outra análise: todos esses decretos tiveram por base propostas de lei que o Governo enviara ao Parlamento e que mantiveram o essencial da estratégia do executivo. O que significa que, indirectamente, Marcelo Rebelo de Sousa estava a vetar politicamente também opções do Governo de António Costa.
Estão incluídos nesta listagem o pacote Mais Habitação, devolvido ao Parlamento em meados de Agosto e que os deputados do PS confirmaram, sozinhos, uma semana depois da reabertura após o Verão; mas também os decretos da revisão dos estatutos das ordens profissionais dos solicitadores e agentes de execução, dos médicos, dos advogados, dos enfermeiros, dos engenheiros e dos arquitectos, assim como o decreto sobre o regime jurídico dos actos próprios dos advogados e solicitadores.