Imigrantes “têm direito à sua dignidade humana”: Ordem dos Advogados visita aeroporto
Em vez de colchões no chão, agora dormem atrás de biombos e em camas de campanha dos bombeiros. Mais de um mês depois da denúncia de que havia migrantes a passar várias noites na zona internacional do aeroporto de Lisboa, e de a PSP ter reconhecido que não eram as condições dignas, a situação mantém-se praticamente na mesma.
Na terça-feira estavam 12 pessoas a dormir nesta situação, sabe o PÚBLICO de fonte da PSP. A PSP não disse quantos cidadãos dormiram na zona internacional desde que tem o controlo da fronteira do aeroporto de Lisboa (29 de Outubro).
A Ordem dos Advogados irá visitar na terça-feira o centro de instalação temporária do aeroporto (ou Espaço Equiparado a Centro de Instalação (EECIT) do aeroporto). À comissão de direitos humanos desta organização têm chegado várias queixas de cidadãos sobre as condições de detenção. Aquela entidade da Ordem recebeu inclusivamente um email reenviado pelo Tribunal Administrativo de Lisboa sobre a exposição de um imigrante que tinha ?cado durante sete dias a dormir no chão, “sem cobertor” e sem trocar de roupa. Em Dezembro, o PÚBLICO noticiou o caso de um imigrante marroquino que tinha ?cado 19 dias a dormir no chão.
“A situação não é nova e continuará a existir até que o problema seja resolvido”, refere ao PÚBLICO a bastonária da Ordem dos Advogados, Fernanda de Almeida Pinheiro, que demonstra preocupação com o cenário. “Estamos a falar de pessoas que têm direito à sua dignidade humana enquanto aguardam por uma decisão do Estado. Dar essas condições é uma obrigação do Estado”, refere. A bastonária não sabe precisar o número de queixas que recebeu, e sublinha: “Para nós, uma já é su?ciente.”
Questionada sobre se abriu algum inquérito a este caso, a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) respondeu que “está a recolher elementos, após o que será tomada decisão”. Também a Provedoria de Justiça visitou o local, e diz que já transmitiu as suas conclusões e recomendações à PSP e aguarda resposta — mas não quis especi?car quais.
Contactado, o Ministério da Administração Interna diz que há “um elevado número de cidadãos de países terceiros” — mas não especi?ca quantos — a quem é recusada a entrada por ter “documento falso, sem qualquer documento de identidade ou porque, consultadas as bases de dados policiais do Sistema Schengen, está vedada a sua entrada em espaço europeu”.
O MAI defende que, apesar de Portugal “não sentir a pressão migratória que se veri?ca noutros Estados-membros, nem sempre é possível garantir a rotatividade naqueles espaços internacionais”. Mas, “em todo o caso, a PSP tem vindo a garantir a estes cidadãos os cuidados de higiene, saúde e alimentação, bem como assegura, sempre que solicitado, o exercício de actos de culto”. Acrescenta que, quando se veri?cam “quali?cadas razões humanitárias que justi?quem a autorização da entrada em Portugal”, a PSP emite visto especial para entrada, sob condição de apresentação à nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) para a tramitação do pedido.
AIMA descarta culpas
Com a extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), cabe agora à AIMA a análise dos pedidos de asilo e à PSP o controlo das fronteiras (duas funções que eram exercidas pelo SEF). Quando a PSP entende que um cidadão não tem direito a entrar em Portugal, ou quando recebe pedidos de asilo na fronteira, reencaminha para aquela agência o processo. Mas no aeroporto é a PSP quem gere o acolhimento dos migrantes que são barrados.
Questionada sobre que soluções tem a AIMA para esta situação, a agência responde que está “muito preocupada”, diz que encurtou o tempo de resposta aos pedidos para uma média de três dias, mas não tem competência para autorizar a entrada de estrangeiros, “designadamente os que aguardam o resultado das impugnações das decisões da AIMA, nem gere a forma como estas são alojadas no aeroporto”.
De resto, foi com o controlo da fronteira pela PSP que se voltou a ter requerentes de asilo no aeroporto — com a morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk em Março de 2020 e a remodelação do EECIT, estes passaram a entrar com um visto temporário, tratando-se os pedidos já em território nacional, o que fazia com que neste centro do aeroporto estivessem muito menos migrantes.
O Conselho Português para os Refugiados (CPR), que presta apoio jurídico aos requerentes de asilo e gere o acolhimento, tem transmitido às autoridades que, enquanto a situação se mantiver e não existirem condições de acolhimento, a PSP deve suspender o procedimento e deixar que as pessoas entrem em território nacional e aqui aguardem a decisão da AIMA ou do recurso, tal como acontece com os requerentes que pedem asilo fora das fronteiras aéreas. “Portugal sempre teve um papel humanista no acolhimento de refugiados. Estranhamos o que está a acontecer...”, diz a presidente Mónica Farinha ao PÚBLICO.
Se entrarem, os requerentes “não vão ?car na rua”, a?rma, “há entidades a prestar acolhimento”. O CPR, que tem um centro próprio mas providencia o acolhimento em espaços na grande Lisboa, está a acolher neste momento 709 pessoas, 540 das quais em alojamento externo.