Ordem defende que migrantes tenham advogado logo que são barrados no aeroporto
A Ordem dos Advogados defende que os migrantes que são barrados na fronteira do aeroporto tenham logo acesso a apoio jurídico, antes de assinarem qualquer documento. Isto porque na sua visita ao local, na terça-feira, encontrou pelo menos três pessoas migrantes no centro de detenção do aeroporto de Lisboa, gerido pela PSP, que não tinham advogado e que não sabiam que tinham prescindido desse apoio.
Estas três cidadãs do Congo, segundo a bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro?, tinham assinado um papel a prescindir de apoio jurídico, mas não tinham consciência disso. Achavam também que iriam ser contactadas por um advogado.
Num formulário que preenchem depois de serem barrados de entrar no país, prescindir de um advogado é uma opção assinalada com uma cruz. “O drama é que as pessoas têm uma literacia baixa, muitos não têm noção dos direitos que têm e não percebem o que se diz e não é função do agente, nem do intérprete estar a explicar se necessitam de advogado. Tentámos sensibilizar os agentes para inverter o sistema, serem eles a pedir às pessoas para falarem com um advogado” para aconselhamento jurídico, refere a bastonária ao PÚBLICO, para defender assim que "por uma questão de garantia, até para segurança dos senhores agentes, deve estar presente um advogado". E este, insiste, "até pode alertar para questões de tráfico de seres humanos e outro tipo de crimes."
Tal como acontece no caso das vítimas de crimes graves, era mais seguro que fosse obrigatório sempre a presença de um advogado, defende. “A prescindir de alguma coisa que seja na presença de advogado. Os advogados que estão de escala estão ali para intervir no processo. Mesmo que a pessoa diga que não quer, muitas vezes fá-lo porque está sob pressão, à frente do agente.”
Desde Março de 2021 que a Ordem tem uma escala de advogados que prestam apoio jurídico aos cidadãos impedidos de entrar, um protocolo assinado em sequência da morte do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk em 2020. Mas o protocolo não assegura apoio na primeira entrevista que serve de base à decisão de não-admissão - algo que a bastonária está agora a defender que passe a acontecer.
A visita de ontem foi organizada porque a ordem tem recebido várias queixas de cidadãos relacionadas com as condições em que são alojadas, na zona internacional do aeroporto. Os migrantes dormem no chão ou, mais recentemente, em camas de campanha, sem acesso directo aos cuidados de higiene básica.
A bastonária disse que naquele dia não estava ninguém a dormir na zona internacional, apenas falaram com as pessoas que estavam alojadas no espaço equiparado a centro de instalação temporária, que tem capacidade para dez pessoas em cada ala (feminina e masculina) e mais dois quartos familiares. É quando este centro esgota que a PSP envia os requerentes de asilo para Porto ou Faro ou então para a zona internacional.
A Ordem opõe-se a esta solução, como o PÚBLICO já tinha noticiado, e considera que o Estado tem obrigação de alojar os cidadãos em condições dignas enquanto esperam por uma decisão sobre a sua entrada em Portugal e pedido de asilo. "Em relação ao espaço do EECIT a crítica a fazer é ser um espaço muito exíguo", diz Fernanda de Almeida Pinheiro?. "Se as pessoas têm que ficar na zona internacional, não são condições, tem que se encontrar solução."
À comissão de direitos humanos da Ordem dos Advogados têm chegado várias queixas de cidadãos sobre as condições de detenção. Receberam inclusivamente um e-mail reenviado pelo Tribunal Administrativo de Lisboa sobre a exposição de um imigrante que tinha ficado durante sete dias a dormir no chão, “sem cobertor” e sem trocar de roupa. Em Dezembro, o PÚBLICO noticiou o caso de um imigrante marroquino que tinha ficado 19 dias a dormir no chão.
Provedoria pede fim de detenções
Como o PÚBLICO noticiou esta quarta-feira, depois de visitar, em final de Novembro, o centro de detenção do aeroporto de Lisboa e encontrar requerentes de asilo a dormir no chão na zona internacional, a Provedoria de Justiça disse à PSP que aquela situação era “indigna” e “intolerável” e pediu o seu “fim imediato”. Miguel Feldmann, coordenador do Mecanismo Nacional de Prevenção (MNP) —? que está na dependência da Provedoria - diz que essa recomendação está também num relatório que foi entregue à PSP no dia 8 de Janeiro. Contactada, a PSP não quis comentar esta recomendação e remeteu para resposta anteriormente dada ao PÚBLICO em que afirma que só aloja cidadãos na zona internacional em último recurso.
Também o Conselho Português para os Refugiados (CPR), que presta apoio jurídico aos requerentes de asilo e gere o seu acolhimento, defendeu que, enquanto a situação se mantiver e não existirem condições de acolhimento, a PSP deve suspender o procedimento.
Apesar de o MNP não ter por função indicar alternativas —? “aponta situações que são indignas” e como “actuar perante isso” —?, apresenta “dois caminhos”, sublinha o coordenador. “O Governo comprometeu-se, no plano de implementação do Pacto Global para as Migrações, a reforçar o uso de medidas não privativas de liberdade no caso de detenção administrativa de cidadãos estrangeiros —? Portugal foi dos primeiros países a implementar este plano. No seu objectivo 13 diz-se: ‘Utilizar a detenção como último ratio e trabalhar no sentido de encontrar alternativas não privativas da liberdade para fins de migração.’ O Governo assume este objectivo”, refere.