Entrevista a Fernanda de Almeida Pinheiro, Bastonária da Ordem dos Advogados
Ferramentas digitais melhoram a advocacia
“As ferramentas digitais nunca conseguirão substituir o trabalho do advogado, mas certamente será melhor advogado aquele que conseguir tirar melhor partido das mesmas” - afirma Fernanda de Almeida Pinheiro. Relativamente à alteração à Lei das Associações Públicas Profissionais e à alteração ao Estatuto da Ordem dos advogados, a Bastonária da Ordem dos Advogados recomenda ao poder executivo e legislativo “que estude e reflita bem nas reformas que quer fazer, antes de se precipitar a realizá-las”.
Vida Económica - Quais são as principais prioridades do seu mandato como Bastonária da Ordem dos Advogados?
Fernanda de Almeida Pinheiro - A nossa principal intenção sempre foi cumprir integralmente as 40 medidas do nosso programa, uma vez que todas elas são prioritárias para nós. Dessas medidas, as mais emblemáticas talvez sejam a luta pela consagração de direitos sociais para a advocacia, exigindo para a classe direitos previdenciais iguais aos previstos no regime geral da Segurança Social; a revisão da tabela de honorários do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais; e a recuperação da importância e visibilidade da Ordem dos Advogados, quer no espaço público quer ao nível da política legislativa no âmbito das matérias que lhe dizem respeito.
VE - De que forma a Ordem dos Advogados tem lidado com os desafios éticos e deontológicos no exercício da profissão?
FAP - A Ordem dos Advogados continua a cumprir (como sempre cumpriu) a sua atribuição de zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão, promovendo a formação inicial e permanente dos advogados e o respeito pelos valores e princípios deontológicos. E fá-lo não só através da atuação disciplinar isenta e rigorosa dos seus órgãos jurisdicionais, como atua igualmente na prevenção, com a realização de ações de formação. A título de exemplo, o Conselho Geral promoveu uma excelente ação de formação sobre Branqueamento de Capitais, que percorreu o país todo e que permitiu à advocacia atualizar-se sobre esta matéria, para melhor servir os/as cidadãos/ãs e as empresas, mas também para melhor cumprir as suas obrigações.
VE - Como vê a atual relação entre o poder judicial e a advocacia, e que medidas considera essenciais para fortalecer essa relação?
FAP – As relações entre a advocacia, as magistraturas e os funcionários judiciais são excelentes. No próximo dia 25 e 26 de outubro vamos, inclusive, promover uma conferência conjunta sobre o papel dos intervenientes no processo penal. Existe uma excelente relação com o Conselho Superior da Magistratura e com os tribunais superiores, de mútuo respeito e cooperação. Cada um exerce funções diferentes no sistema judicial, mas todos estão unidos por um objetivo superior comum, que é a correta administração da justiça, e a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos/as cidadãos/ãs.
VE - Que papel a Ordem dos Advogados tem desempenhado na promoção do acesso à justiça em Portugal, especialmente para as populações mais vulneráveis?
FAP - A Ordem dos Advogados e a advocacia desempenham um papel fundamental, desde logo no sistema do acesso ao direito, vulgo apoio judiciário. A Ordem dos Advogados assegura a gestão do sistema informático que permite fazer a nomeação de advogados/as aos/às cidadãos/ ãs que deles necessitem, sistema esse que é integralmente pago pelas quotas dos/as advogados/as. Além disso, os/as profissionais inscritos no sistema de acesso ao direito têm prestado, ao longo dos anos, um serviço público essencial e de elevada qualidade, garantindo que toda a gente, independentemente da sua condição financeira, tenha acesso a um/a advogado/a, em qualquer ponto do país, e em tempo útil.
Novas ferramentas digitais
VE - Com o crescente uso de tecnologia na justiça, como a Ordem vê a integração de novas ferramentas digitais no trabalho dos advogados?
FAP - As novas ferramentas digitais representam, sem dúvida, uma mais valia para o trabalho quotidiano da advocacia, permitindo automatizar e otimizar tarefas mais básicas, e libertando mais tempo e disponibilidade mental para o/a advogado/a dedicar a coisas mais importantes, como o estudo e a definição de estratégias, em benefício do cliente. Consideramos que as ferramentas digitais nunca conseguirão substituir o trabalho do/a advogado/a, mas certamente será melhor advogado/a aquele/a que conseguir tirar melhor partido das mesmas.
VE - Que desafios enfrentam atualmente os advogados mais jovens no mercado de trabalho, e como a Ordem pretende apoiar esta nova geração de profissionais?
FAP - Os desafios da jovem advocacia são os próprios de quem está a iniciar uma profissão liberal, e têm que ver com a opção da forma de exercício (em prática individual, em sociedade, em empresa, etc.), com encontrar e conseguir pagar um escritório onde exercer, com a captação de clientela, com a falta de apoios sociais, etc.
A Ordem dos Advogados tem um Instituto de Apoio aos Jovens Advogados, cujo objetivo é apoiar a jovem advocacia nos primeiros passos na profissão. A título de exemplo, este Instituto organiza a formação “Sou Advogado e Agora?”, onde procura esclarecer as dúvidas mais frequentes de quem está a iniciar a profissão.
Por outro lado, e no que respeita à falta de apoios sociais, este é um problema que afeta bastante os jovens (com a ausência de apoios na parentalidade, por exemplo), embora não seja específico dos mesmos, e ao qual este Conselho Geral tem dedicado especial atenção e esforço, como acima se disse.
Reformas precipitadas dão mau resultado
Relativamente ao impacto das recentes reformas legislativas no sistema judicial português e que alterações são necessárias, a Bastonária da OA afirma: “Acima de tudo o que se espera do poder executivo e legislativo é que estude e reflita bem nas reformas que quer fazer, antes de se precipitar a realizá-las”.
“E aquilo que temos visto nos últimos anos, com a alteração à Lei das Associações Públicas Profissionais e com a alteração ao Estatuto da Ordem dos Advogados, por exemplo, é que são realizadas profundas reformas de diplomas sem sequer se estudar e avaliar os impactos que essas alterações poderão ter na prática, no dia a dia das pessoas.” “Tornou-se obrigatória a remuneração do estágio da advocacia, por exemplo, e não se pensou que isto iria dificultar imenso a vida aos/às advogados/as estagiários/as, que agora não conseguem encontrar um/a patrono/a. A Ordem dos Advogados alterou para esta consequência, em tempo útil, e o poder político não quis saber. Sempre fomos a favor da remuneração do estágio, mas não nestes moldes que foram aprovados e que agora têm esta infeliz consequência.”
“Portanto, a alteração que consideramos mais necessária é essencialmente procedimental, é ouvir-se efetivamente as instituições e as pessoas que conhecem as profissões, que estão diariamente no terreno, e que podem trazer informações essenciais a ter em conta nas reformas programadas e na melhoria da legislação”, conclui Fernanda de Almeida Pinheiro