Tribunais têm tantos casos de violência doméstica que alguns juízes reservam dias para estes processos - DN online

João Cura Mariano, presidente do Supremo Tribunal de Justiça, afirmou-se, no entanto, contra a criação de tribunais específicos para julgar crimes de violência doméstica.

O presidente do Supremo Tribunal de Justiça disse esta segunda-feira que há tantos casos de violência doméstica nos tribunais que alguns juízes marcam dias específicos para estes julgamentos, afirmando discordar da criação de tribunais específicos para este tipo de crime.

"Tomei posse há pouco tempo, mas já tenho vindo a constatar, nos tribunais que vou visitando, que a quantidade de crimes é tanta, deste tipo de crime, que os juízes já marcam dias só para os crimes de violência doméstica", revelou João Cura Mariano.

"Em cinco dias, dois são dedicados só aos crimes de violência doméstica", exemplificou, negando, por isso, que os magistrados portugueses "não estejam atentos" ao fenómeno da violência doméstica.

Explicou, por outro lado, que se trata de uma realidade "de tal modo complexa", sobre a qual há "alguma dificuldade em lidar com o tema" por parte dos juízes.

"Noto os juízes algo confusos na maneira como devem lidar, porque as realidades são muito diferentes", apontou.

Afirmou-se, no entanto, contra a criação de tribunais específicos para julgar crimes de violência doméstica, justificando recear que, dessa forma, os casos passem a ser tratados de forma "mais mecânica" e sem a sensibilidade que o tema exige, ainda que essa medida pudesse trazer mais celeridade e eficácia.

João Cura Mariano falava na conferência "Combate à Violência Contra Mulheres e Violência Doméstica", que decorre durante a tarde em Cascais, onde estiveram presentes as ministras da Juventude e Modernização, Margarida Balseiro Lopes, da Administração Interna, Margarida Blasco, e da Justiça, Rita Alarcão Júdice.

A ministra da Justiça apontou que as vítimas de violência doméstica são vítimas de criminalidade violenta, mas também do Estado que não as protege, tendo reiterado que o Governo vai criar mais dois gabinetes de apoio à vítima (GAV), a somar aos 10 já existentes, e que ficarão junto dos Departamentos e Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto e do Seixal.

Por outro lado, disse estranhar que a Comissão de Proteção às Vítimas de Crime, que funciona sob tutela do Ministério da Justiça e serve para decidir processos de indemnização a ser paga pelo Estado, só tenha recebido 86 pedidos em 2024, aos quais corresponderam o pagamento global de 50 mil euros.

A ministra disse ter ficado surpreendida com estes valores, dado que a violência doméstica é o crime mais participado junto das forças de segurança, e afirmou que o Governo quer que a comissão seja mais diligente.

A ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, por seu lado, garantiu que a "tolerância é zero" em relação à violência doméstica e elogiou as forças de segurança pelo longo caminho que têm feito, mas afirmando que "é preciso fazer mais e melhor".

Já a ministra da Juventude e Modernização, Margarida Balseiro Lopes, lembrou que a cada dez minutos morre, em todo o mundo, uma mulher por violência doméstica, defendendo que o combate a este tipo de crime é um desafio de toda a sociedade.

Referiu que as casas de abrigo são muito importantes, mas não podem ser vistas como um fim em si mesmas e que é preciso apostar em respostas de autonomização para as vítimas.

 

A conferência contou também com a participação do Procurador-geral da República, Amadeu Guerra, que defendeu que "a justiça não pode gerar o sentimento de impunidade na pessoa agressora" e que, por esse motivo, na aplicação da suspensão provisória do processo haja a certeza da vontade informada e esclarecida da vítima.

Por outro lado, lembrou a importância de as condenações não deixarem de parte a "ressocialização da pessoa agressora e a prevenção da repetição dos comportamentos criminosos", apontando que, quer com pena efetiva ou suspensa, sejam ponderadas medidas acessórias que garantam o afastamento do agressor da vítima "por qualquer meio".

A provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, adiantou que lhe chegam queixas sobre a forma como as vítimas são tratadas pelo sistema, nomeadamente no acesso à habitação, apoio judiciário ou acesso ao subsídio de desemprego, afirmando que as "fragilidades institucionais são muitas".

O presidente da Câmara Municipal de Cascais, a quem coube fazer a abertura do evento, defendeu a criação de uma rede entre autarquias para mais facilmente encontrar alojamento, trabalho ou acesso a educação para as vítimas, de forma a dar uma resposta mais rápida e efetiva a estas pessoas.

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04/12/2024 21:27:08