Juízes querem mudar lei para acabar com detenções sem prazo
Numa resposta por escrito, o órgão de gestão e disciplina dos juízes não especifica o que poderia ser mudado, mas, ao JN, o antigo diretor da Polícia Judiciária e juiz conselheiro jubilado José Santos Cabral aponta a possibilidade de existir uma “suspensão da detenção” em situações-limite como um dos eventuais caminhos a seguir pelo legislador.
O debate ressurgiu na sequência da detenção no passado dia 24 de janeiro deste ano, 2024, do então presidente da Câmara Municipal do Funchal, Pedro Calado, e de dois empresários, cujos interrogatórios no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, só começaram ao final da tarde desta quarta-feira. No total, os arguidos vão passar a oitava noite na cadeia. A demora tem sido comum em casos complexos e mediáticos.
“Naturalmente, o CSM está preocupado com esta questão, uma vez que está em causa a limitação de um direito constitucionalmente protegido”, assegurou, esta quarta-feira, fonte oficial do órgão liderado, por inerência, pelo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, admitindo “estudar a articulação de soluções práticas” para o problema. Alerta, ainda assim, que o legislador “deverá também ter, naturalmente, uma palavra a dizer”.
Tempo é "excessivo"
No centro da questão está o facto de a Constituição obrigar a que os arguidos sejam apresentados a um juiz no máximo 48 horas após a sua detenção, mas não a que esta seja validada nesse período.
Na prática, o que tem acontecido nos processos de maior dimensão é que os cidadãos têm sido identificados no prazo estipulado na lei fundamental, prosseguindo os interrogatórios sem tempo-limite. Dado o elevado número de arguidos e a complexidade dos atos sob suspeita, as diligências acabam por durar vários dias, para que a defesa possa consultar os autos e o juiz possa ficar esclarecido.
“A lei ou está bem feita ou está mal feita. Se está mal feita, então deve ser alterada. [...] Não podemos estar a inventar interpretações que sirvam para contornar a lei [...], porque isso é criar uma discricionariedade”, frisa Santos Cabral, para quem é “excessivo e atenta contra os direitos das pessoas o facto de estarem uma dilação de tempo muito grande à espera que seja decidida a sua situação jurídica”.