"Defender o sistema de acesso ao Direito" - opinião da Bastonária da OA
A substituição do sistema atual por um modelo de defensor público, como propõe o PS, não só funcionaria como uma estratégia de funcionalização da advocacia, transformando advogados em funcionários do Estado, mas também representaria um ataque direto à autonomia e independência das profissões jurídicas.
Podemos afirmar com orgulho que o nosso atual Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais se destaca pela sua qualidade e eficácia, assegurando aos cidadãos uma justiça acessível, rápida e justa. Este sucesso deve-se ao esforço contínuo e ao compromisso da Advocacia com a promoção da justiça social.
Conforme o mais abrangente estudo realizado sobre esta matéria pela Direção-Geral da Política de Justiça e pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, o atual sistema apresenta uma notável eficácia na garantia da justiça material, alcançando uma valoração média de 7,7 valores (0 a 10) em termos de concretização da justiça. Estamos firmemente convencidos de que, com ajustes pontuais, especialmente no âmbito da proteção, no aumento da base de beneficiários de proteção jurídica (com um escalonamento da concessão do benefício), na avaliação prévia do fundamento da ação judicial, bem como na atualização da tabela de honorários, que atualmente se mostra desadequada, poderemos elevar o nosso sistema ao mais alto patamar de eficácia, garantindo o Acesso à Justiça para Todos/as.
Contudo, as recentes propostas de revisão e alteração, particularmente aquelas apresentadas no programa eleitoral para as legislativas de 2024 do Partido Socialista, que indicam a vontade de introduzir um modelo de defensor público, suscitam profunda preocupação. Baseando-nos no estudo detalhado já mencionado, é evidente que este modelo comprometeria a qualidade do serviço prestado e a eficácia do sistema como um todo. Além disso, os custos associados à implementação de tal modelo seriam cerca de três vezes superiores aos do sistema atual.
Por estas razões, expressamos a nossa preocupação com tais propostas de revisão do sistema de acesso ao Direito. A substituição do sistema atual por um modelo de defensor público não só funcionaria como uma estratégia de funcionalização da advocacia, transformando advogados em funcionários do Estado, mas também representaria um ataque direto à autonomia e independência das profissões jurídicas. Esta mudança estaria alinhada com esforços anteriores de controlar a Advocacia (alterações ao Estatuto da Ordem dos Advogados e à Lei dos Atos Próprios de Advogados e Solicitadores), ameaçando a liberdade e a imparcialidade essenciais ao funcionamento de uma democracia saudável.
Portanto, reiteramos a nossa firme oposição a qualquer proposta que enfraqueça o sistema de acesso ao Direito ou que comprometa a independência da advocacia em Portugal. A história ensina-nos que a tentativa de controlo da justiça é um dos primeiros passos tomados por regimes extremistas para consolidar o poder. Sem uma justiça livre e independente, a própria noção de democracia fica em risco.
Terminamos com um apelo à reflexão e ao diálogo construtivo entre todos os intervenientes do sistema judiciário e político. Somente juntos poderemos preservar e continuar a aprimorar um sistema de acesso ao direito que tem servido exemplarmente os cidadãos portugueses. A justiça, a liberdade e a democracia devem permanecer como pilares inabaláveis da nossa sociedade.
Fernanda de Almeida Pinheiro, Bastonária da Ordem dos Advogados