“Que direito tem o Estado de impor estas detenções durante tanto tempo?”
Prolongamento de detenções para lá do razoável tem de acabar, defende a bastonária dos advogados, Fernanda Pinheiro.
Conselho Superior da Magistratura e Ordem dos Advogados mostraram-se esta semana preocupados com o facto de arguidos detidos na operação policial da Madeira estarem há demasiado tempo privados da liberdade.
Como é que se compreende que os arguidos detidos na operação policial da Madeira estejam encarcerados há nove dias e tenham tido de aguardar seis para o primeiro deles começar a ser ouvido por um juiz?Não pode acontecer e temos que criar mecanismos para impedir que suceda. Embora a lei não diga expressamente que os interrogatórios tenham que começar no prazo de 48 horas e o próprio Tribunal Constitucional já se tenha pronunciado no sentido de não ser ilegal exceder esse prazo, o que está a acontecer parece absolutamente desproporcional em relação àquilo que são as necessidades de direitos destes cidadãos, que não podem ser privados da liberdade desta forma. O espírito do legislador não é no sentido de que a detenção se prolongue ad aeternum, senão daqui a pouco temos as pessoas detidas há um mês sem terem conhecimento da matéria indiciária que lhes é imputada. Ao estipular essas 48 horas, o legislador quer que estejam detidas apenas e tão somente pelo prazo estritamente necessário para o cumprimento das diligências. Portanto, isso tem de ser levado em linha de conta por parte das autoridades, neste caso do tribunal e também do Ministério Público.
Trata-se de uma situação inédita?De todo. Aliás, ainda bem que acontece, porque é assim que as pessoas ganham consciência do que lhes pode suceder. Isto está a acontecer em frente às câmaras. Agora imagine casos que não são mediáticos envolvendo pessoas não têm ao seu lado logo um advogado para acautelar os seus direitos, liberdades e garantias. Também sucedeu no Influencer.
Aí parece não ter sido tão grave…Quanto mais tempo se prolonga mais grave é e a Ordem dos Advogados está preocupada. Que direito tem o Estado de impor estas detenções durante tanto tempo? Eu sei que estes arguidos estão assessorados por advogados e advogadas muitíssimo competentes, que sabem perfeitamente assegurar os direitos, liberdades e garantias dos seus constituintes. Mas isto não me parece razoável. Temos de criar meios e logística para que isto não volte a acontecer, porque não é forma de lidar com os direitos fundamentais das pessoas.
Poderia dar direito à interposição de habeas corpus ou à apresentação de queixa no Conselho Superior da Magistratura, por exemplo?Quem sabe se essas são formas adequadas de reagir são as defesas. Não me pronuncio, porque não sou advogada no processo. Agora, não podemos levar a cabo estes procedimentos com toda a calma e passividade, como se tivéssemos todo o tempo do mundo. É uma questão de bom senso.
Está a falar do desempenho do juiz de instrução, conhecido por ser demasiado formalista?Não faço ideia por que motivos é que isto se prolongou desta forma. Não sei se é responsabilidade do senhor magistrado encarregado do processo, se é pelo facto de os senhores funcionários judiciais estarem a fazer greve às ordens extraordinárias, se é por alguma questão processual relacionada com o Ministério Público ou ainda se envolve o exercício dos direitos da defesa. Este é um exemplo daquilo que não deve acontecer. Claro que podemos fazer alterações legislativas para que não volte a suceder, mas se imperar o bom senso não será necessário. Até porque a Constituição já diz que as pessoas não podem estar detidas por mais tempo do que o estritamente necessário. Se não se consegue cumprir o prazo de 48 horas, temos de encontrar soluções que até podem passar por libertar as pessoas, obrigando-as a apresentar-se diariamente num local.
Portugal não se arrisca a ser condenado uma vez mais pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos?Infelizmente isso é uma constante, porque somos pouco cuidadosos com estas situações. Muitas vezes, o Estado português não respeita os direitos humanos dos advogados, dos reclusos, das pessoas que estão temporariamente retidas nas áreas internacionais dos aeroportos, para dar apenas três exemplos. E não é um problema da justiça, é um problema de meios. Estamos a celebrar o cinquentenário do 25 de Abril e muito falta ainda fazer neste país no que respeita aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Portugal continuará a ser condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por morosidade na justiça, por falta de condições dos estabelecimentos prisionais, por falta de cumprimento dos direitos humanos, porque mantém as pessoas retidas demasiado tempo para interrogatórios, porque não lhes providencia aconselhamento jurídico como devia fazer e por aí fora. Portanto, é natural que continue a ser apontado como um mau exemplo em termos de cumprimento de regras da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, da Constituição da República Portuguesa e da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Temos que fazer mais e melhor.