Comportamentos indevidos nas passagens de nível poderão ser filmados e condutores autuados

A Infra-estruturas de Portugal (IP) tem vindo a reduzir o número de acidentes nos atravessamentos rodoviários sobre o caminho-de-ferro, mas, depois de anos de forte redução, os números estagnaram e mantêm-se nas duas dezenas de acidentes por ano. Por isso, aquela empresa pondera avançar com a colocação de câmaras de vigilância em passagens de nível para punir os comportamentos indevidos.

Em 2023, houve 22 acidentes em passagens de nível dos quais resultaram oito mortos. Este ano, em seis meses, já se registaram nove acidentes e um morto. Como sempre, as colhidas de veículos por comboios devem-se à imprevidência dos condutores, sendo que mais de metade dos acidentes ocorreu em passagens de nível automatizadas, nas quais a chegada do comboio é anunciada por sinais sonoros e luminosos, seguido da queda de barreiras que deveriam impedir a atravessamento do canal ferroviário.

Esperava-se que a sinistralidade nas passagens de nível diminuísse, à medida que a IP as automatiza ou as suprime, substituindo-as por passagens desniveladas (em que a estrada passa por cima ou por baixo da via-férrea). Mas novas realidades têm contrariado essa tendência, sobretudo a crescente utilização por parte de condutores e peões de auriculares e auscultadores para ouvirem o áudio dos seus telemóveis, o que diminui a percepção dos riscos. Alguns acidentes mortais que não envolviam condutores de veículos aconteceram com jovens e adultos que usavam auriculares ou auscultadores e não se aperceberam da chegada do comboio.

Por parte dos condutores, além dos acidentes nas passagens de nível, a IP tem registado uma média de 250 ocorrências anuais de barreiras partidas. Isto significa que houve 250 condutores que entraram no canal ferroviário com a sinalização fechada e dele saíram forçando a barreira, conseguindo escapar antes da chegada do comboio.

Para a IP e para os operadores, isto implica custos acrescidos decorrentes das obrigações impostas pelos regulamentos de segurança, que obrigam a que os comboios tenham de passar nessas passagens de nível com uma velocidade reduzida enquanto as barreiras não são recuperadas, o que se reflecte em atrasos em cadeia na circulação ferroviária. Estes atrasos são ainda maiores quando há um acidente, o que obriga à interdição da linha.

Em 2023, para além do sofrimento humano, estes acidentes causaram atrasos em 311 comboios, num total estimado em 12.057 minutos (201 horas), com evidentes prejuízos para milhares de passageiros.

“Até agora, temos actuado em três dimensões: supressão, automatização e sensibilização. Mas não tem resultado como gostaríamos, pelo que chegou a hora de acrescentar uma quarta dimensão, que é a penalização”, diz António Viana, responsável da IP para a redução da sinistralidade. A ideia passa por instalar câmaras de vigilância nas passagens de nível para detectar comportamentos indevidos por parte de condutores e agir posteriormente, com a aplicação de coimas.

Embora a aplicação de coimas a esses comportamentos já esteja prevista na legislação, será necessário agora um trabalho com várias entidades para operacionalizar esta prática que a IP espera que seja, sobretudo, dissuasora. Será necessário um decreto-lei do Governo que estabeleça quem será responsável pela operacionalização das câmaras de vigilância e manutenção das imagens, quem irá validar as infracções (poderá ser um agente da IP, que apontará a matrícula sempre que uma viatura entrar na passagem de nível com os sinais fechados) e quem irá aplicar as coimas.

“Temos contactos permanentes com outros colegas gestores de infra-estruturas, em particular com os ingleses, belgas e neerlandeses, e eles consideram que essa é uma boa prática que tem dado bons resultados na redução da sinistralidade”, diz António Viana.

“Na Croácia, têm um estudo que concluiu que só o facto de haver câmaras nas passagens de nível já diminuiu em 60% os comportamentos de risco dos condutores. Foi provado que se houvesse um polícia em cada passagem de nível, os contornamentos [entrada no canal ferroviário contornando as meias-barreiras que lhe bloqueiam o acesso] diminuiriam para zero”, diz este responsável, que gosta de sublinhar que “o objectivo da penalização não é ir ao bolso das pessoas, mas sim dissuadir”.

A par da penalização através das câmaras de vigilância, a IP quer também colocar barreiras nas estradas perto dos atravessamentos da linha do comboio para obrigar os condutores a reduzir a velocidade e, com ela, a propensão para não pararem quando ouvem o sinal sonoro ou vêem o sinal vermelho. Essa prática de atravessar a linha com os sinais restritos é maior nos utilizadores habituais das passagens de nível, que sabem que há sempre uns segundos de tolerância entre o início do aviso sonoro, a queda da barreira e a passagem do comboio.

Com estas medidas, a empresa pretende baixar de 20 para dez a média de acidentes anuais em atravessamentos rodoviários sobre o caminho-de-ferro.

Uma forma eficaz de aumentar a segurança nas passagens de nível seria complementar a automatização com a presença de um elemento humano, não necessariamente um agente da autoridade, mas um funcionário que sirva de redundância aos avisos sonoros, visuais e queda de barreiras. Mas o ac réscimo de despesa que essa solução acarretaria faz com que a IP vá continuar a reforçar os meios automáticos e a vigilância electrónica. António Viana insiste: “Se as pessoas souberem que estão a ser vigiadas, isso diminui a sua apetência para o contornamento.”

Nas várias passagens de nível com vigilância electrónica, as imagens que a IP recolhe são, às vezes, aterradoras (quando registam acidentes). Outras são “apenas” de suspense: pessoas e veículos que escapam por um triz à colhida. No entanto, neste momento, essas imagens não podem ser usadas para aplicar coimas, pelo que há ainda um trabalho legislativo a fazer em parceria com várias tutelas.

Há, contudo, uma nota positiva para o futuro: as novas linhas que forem construídas não terão uma única passagem de nível, como é o caso da que está a ser terminada entre Évora e Elvas. E a própria Linha da Beira Alta, encerrada desde 2022 para obras, reabrirá sem passagens de nível (com uma única excepção na Guarda, que será desnivelada mais tarde).

Na Linha do Minho, já não há atravessamentos rodoviários sobre a linha entre o Porto e o concelho de Caminha, e o objectivo da IP é chegar a 2030 sem qualquer passagem de nível nesse eixo. Na Linha do Oeste, o projecto em curso para modernizar o troço Caldas da Rainha-Louriçal prevê a eliminação de todas as passagens de nível.

Em 1999, havia em Portugal 2494 passagens de nível. Hoje há 799 (das quais 138 são na Linha do Vouga). No início deste século, a média era de 89 passagens de nível por 100 quilómetros de via-férrea, enquanto hoje é de apenas 32.

Segundo estatísticas da UIC (União Internacional dos Caminhos-de-Ferro), existem cerca de 100 mil passagens de nível na União Europeia, nas quais morrem, por ano, 300 pessoas em resultado de 1000 acidentes (valores médios). Os danos económicos estimados alcançam os mil milhões de euros. De acordo com a ERA (Agência Ferroviária da União Europeia), 98% dos acidentes são atribuídas a erros, deliberados ou não-deliberados, dos utilizadores, sejam condutores de veículos ou peões.

11/02/2025 15:21:41