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Observatório da violência obstétrica recebeu mais de mil denúncias em cinco anos. Há centenas de queixas por analisar

O Observatório de Violência Obstétrica analisou, desde 2021, 1005 testemunhos de pessoas que experienciaram em primeira mão actos de violência obstétrica e de acompanhantes que acompanharam de perto esta prática. Além destas queixas, existem “muitas outras centenas” que ainda estão por analisar, admite a fundadora da associação, Carla Pita Santos. De forma a limitar estas práticas, o Governo publicou, esta segunda-feira, uma lei que prevê penalizações para hospitais e profissionais de saúde que realizem episiotomias (cortes vaginais) sem justificação. No entanto, a Ordem dos Médicos já lançou uma petição para revogar uma lei que considera "desfasada da realidade".

Esta quinta-feira, a Ordem dos Médicos (OM) esteve reunida com os colégios do organismo e com as sociedades científicas envolvidas nos cuidados à mulher grávida e criança. De forma "consensual", rejeitam a lei publicada recentemente que inclui pela primeira vez o termo violência obstétrica na legislação portuguesa, adiantou ao PÚBLICO o bastonário? da OM, Carlos Cortes.

No seguimento da reunião, a OM propõe a substituição da expressão "violência obstétrica", que apresenta " uma conotação muito negativa" pelo termo "experiências negativas na gravidez e no parto" - um conceito "mais consensual a nível internacional". Também defende a criação de um observatório, "independente da gravidez e dos cuidados perinatais, com a inclusão de vários profissionais de saúde, que têm contacto com a grávida e com o parto", destinado ao acompanhamento e levantamento "destas situações" junto das maternidades.

De acordo com a petição lançada por Carlos Cortes, que já conta com mais de 1200 assinaturas, "a recente iniciativa, materializada na Lei n.º 33/2025, de 31 de Março, não contribui para a afirmação dos direitos na preconcepção, gravidez, parto e puerpério, essenciais no contexto do parto respeitado e seguro". Na verdade, "com a formulação adoptada", a nova lei "desconsidera o papel dos profissionais de saúde que garantem o cuidado integral durante a gravidez, o parto e o puerpério" e "promove o conflito, o estigma e a desunião", lê-se.

O Observatório Observatório de Violência Obstétrica (OVO) identificou 1005 casos de violência obstétrica, nos últimos cinco anos. Apesar das queixas enviadas para o OVO, ora por email, ora através das redes sociais, serem não identificadas, a “grande maioria das pessoas” que partilha o respectivo testemunho são mulheres. “Quem nos contacta são pessoas com algum privilégio”: têm educação, literacia e ferramentas que as ajudam “a identificar que estiveram numa situação de violência obstétrica”, caracteriza Carta Pita Santos.

Ainda assim, há uma “esmagadora parte” da população que já experienciou ou contactou com esta forma de violência, mas que, por não ter tanto conhecimento sobre estas práticas, “não denunciou”.

A representante do observatório reconhece ainda que as queixas não partem só de vítimas ou familiares. “São vários os profissionais de saúde que nos dizem já terem visto” ser praticada violência obstétrica, enquanto trabalham, e “que denunciam” estes actos. ?

?Embora as queixas se juntem, de ano para ano, na associação, as vítimas também optam por apresentar os respectivos casos à Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Entre 2021 e 2025, a ERS analisou 5901 processos "relacionados com as valências de Ginecologia, Obstetrícia e Ginecologia/Obstetrícia", destes 12% eram reclamações associadas a violência obstétrica. Deste modo, em cinco anos, foram avaliadas, entre as que chegaram ao OVO e à ERS, 1713 casos desta prática.

À ERS chegaram ainda 826 reclamações que remetiam para restrições de acesso a ecografias obstétricas. Além disso, 177 pessoas queixaram-se sobre o encerramento dos serviços de urgência obstétrico.

De testemunho em testemunho, o observatório apercebe-se da violência a que as mulheres foram submetidas durante ou até mesmo antes do parto. As vítimas admitem ter sido submetidas a “procedimentos sem consentimento”: foi-lhes realizada, por exemplo, uma episiotomia (corte dos tecidos vaginais) sem terem aceitado ou até uma manobra de Kristeller? (técnica usada para acelerar o parto, na qual é feita pressão sobre o útero da parturiente).

Várias mulheres viram os respectivos direitos “serem violados”, sendo, “muitas vezes, privadas do acompanhamento do parceiro no momento do parto” ou até impossibilitadas de realizarem exames médicos ao longo da gravidez. Outras tiveram partos induzidos à força ou “foram levadas para cesarianas” sem autorização, acrescenta a porta-voz da OVO.

Um estudo publicado, em 2022, na revista médica The Lancet Regional Health – Europe, que inquiriu mães de 12 países sobre os respectivos partos, evidencia que, em média, 20,1% das mulheres que tiveram filhos entre 1 de Março de 2020 e 15 de Março de 2021 disseram ter sido sujeitas a episiotomia, durante o parto vaginal espontâneo, já em Portugal esse valor posicionou-se nos 40,7%. Estes dados mostram que, nos hospitais portugueses, este acto de violência obstétrica é praticado duas vezes mais face à média da União Europeia.

O observatório não sabe os nomes das vítimas, mas concorda que estes actos são cometidos em “todos os hospitais do país”, principalmente nos que estão mais afastados “da Grande Lisboa”. “As situações de violência obstétrica mais intencionais verificam-se fora” desta região e inclusive “onde se verifica uma maior ruralidade”, descreve Carla Pita Santos.

Embora a nova lei seja "algo positivo" para Portugal, à semelhança de outras entidades, o OVO defende que “a definição de violência obstétrica prevista pela legislação está errada”, uma vez que se centra num “acto físico e verbal”, quando “a violência obstétrica é uma violência de género, que é estrutural e sistémica”.

A Lei n.º 33/2025, de 31 de Março, considera a violência obstétrica como uma "acção física e verbal exercida pelos profissionais de saúde sobre o corpo e os procedimentos na área reprodutiva das mulheres ou de outras pessoas gestantes, que se expressa num tratamento desumanizado, num abuso da medicalização ou na patologização dos processos naturais, desrespeitando o regime de protecção na preconcepção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério."

Com esta descrição, "os profissionais vão sentir-se também atacados, porque a lei fala muito de um acto que é cometido de um para um e não num problema estrutural", refere Carla Pita Santos. "Se temos profissionais de saúde a trabalhar cem horas por semana, é um bocado difícil haver eficiência em termos de decisões clínicas", acrescenta, para concluir que a penalização não deveria recair directamente sobre estes profissionais, mas sobre os hospitais.

Para a representante do observatório, esta lei — centrada na prática de episiotomias — vai levar os profissionais de saúde a exercer uma medicina mais defensiva, o que, por sua vez, vai originar "o aumento de cesarianas". "Se os médicos não aprendem formas alternativas para lidar com o parto e para ajudar as mulheres" e se "não vão poder cortar e tirar o bebé", o recurso mais frequente será "a opção pelas cesarianas", conclui.

26/04/2025 12:30:22