Se os estrangeiros não podem ir ao tribunal, o tribunal vai até eles no Aeroporto de Lisboa

Ainda neste semestre, uma sala especial no Aeroporto de Lisboa será utilizada para ouvir cidadãos estrangeiros retidos na fronteira. “É uma questão de Direitos Humanos, uma garantia prevista na Constituição da República Portuguesa”, começa por dizer ao DN o juiz Tiago Pereira, vogal do Conselho Superior da Magistratura (CSM). O espaço será uma “extensão do tribunal em Lisboa, competente para fazer audições com todos os estrangeiros que vivem na fronteira”, explica o magistrado. A ideia surgiu a partir de um conjunto de vários fatores e na sequência de o CSM ter sido procurado pelo Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) de Portugal para debater a questão.

A entidade trabalha com os Direitos Humanos das pessoas refugiadas e migrantes. O assunto também foi discutido num dos eventos do CSM, que teve como tema os Direitos Humanos. Um grupo de trabalho foi criado para analisar a questão, com a “prioridade de assegurar uma comunicação eficaz entre todas as instituições e implementar soluções que reforcem a proteção dos direitos humanos”, explica a instituição. Um dos resultados deste grupo de trabalho – que deverá divulgar um relatório em breve – foi a proposta de levar o tribunal até o aeroporto, em vez de levar os cidadãos ao tribunal. A ideia foi proposta à ANA Aeroportos, responsável pela gestão da estrutura, que acolheu a iniciativa. O local será alvo de obras de adaptação para garantir as condições adequadas ao funcionamento.

As audições contam com a presença de um juiz, de um procurador do Ministério Público e de um advogado, como prevê a legislação, “garantindo o respeito pelo direito à audição presencial dos cidadãos em causa”. Recentemente, uma comitiva do CSM e outras entidades, como Ordem dos Advogados (OA), Polícia de Segurança Pública (PSP) e Procuradoria-Geral da República (PGR), visitou o local.

De acordo com Tiago Pereira, a iniciativa tem várias vantagens. A primeira é a falta de meios e dificuldades logísticas para levar os cidadãos até a sede do tribunal em Lisboa. “Desde logo, por várias razões, faltam meios para levar os cidadãos até ao tribunal fora do aeroporto, assim vamos garantir o direito constitucional do cidadão de ter de ser atendido”, frisa o juiz. Além disso, há uma discussão legal sobre a retirada dos cidadãos do espaço da fronteira localizado no aeroporto.

 “A partir do momento em que o estrangeiro sai do aeroporto e é transferido para o tribunal, já está do lado de cá da fronteira, portanto, pode haver aqui uma questão legal”, explica. Por fim, torna o processo mais rápido, o que evita a sobrecarga nos tribunais e logo dá uma resposta ao cidadão que quer entrar no país. Pessoalmente, Tiago Pereira diz que conhece bem a questão da imigração e dos requerentes de asilo. “Eu pessoalmente conheço bem o assunto por causa da minha esposa.

Aproveitei o conhecimento a partir do trabalho dela”, conta. Além disso, o vogal avalia que o tema “está na ordem do dia”, mas que, acima de tudo, “é uma garantia legal da Constituição”. Além das reparações na sala cedida pela ANA, está em fase de definição como decorrerá a presença dos profissionais no local, nomeadamente os horários e dias, porque “as chegadas nunca param”, destaca.

De acordo com dados do Relatório Anual da Segurança Interna (RASI) de 2024, houve um aumento de 5,5% no número de voos controlados, em termos de movimento de entradas (+6,1%) e de saídas (+5,9%). Foram controlados 24.613.497 passageiros, o que corresponde a uma subida de 7,9%, face ao ano anterior. Em dezembro de 2023, a forma como os estrangeiros estavam a ser tratados no Aeroporto de Lisboa gerou preocupações. Com um elevado número de pessoas retidas, muitas tinham de dormir no chão.

A situação aconteceu logo após o fim do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e o início das atividades da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA). O trabalho no aeroporto, antes da responsabilidade de agentes do SEF, passou para a PSP. Tiago Pereira avalia que, agora, o espaço “está melhor”. Na altura, houve intervenção de várias entidades, como a Provedoria de Justiça e a OA

 

26/04/2025 12:59:59