Troca de coca por MDMA “diminui riscos e aumenta os lucros”
Traficantes europeus e latino-americanos trocam entre si cocaína por MDMA. Como não há troca de dinheiro, explica Rita Jorge, analista científica da Agência da União Europeia sobre Drogas, diminui o risco de as transacções económicas serem seguidas, o número de intermediários também e o lucro aumenta.
A especialista em drogas sintéticas explica, nesta entrevista, que “há um aumento da oferta e, provavelmente, da procura”, na sequência do final da pandemia, que fez aumentar o seu consumo na União Europeia e que fez com que Lisboa esteja entre as 10 cidades que mais consomem MDMA.
As mesmas rotas que transportam cocaína para a Europa são utilizadas para transportar MDMA para a América Latina. Os traficantes dos dois continentes associaram-se no comércio global de drogas? O comércio de drogas é cada vez mais global. A Europa sempre foi uma região produtora de MDMA e de drogas sintéticas. Neste caso específico, a América Latina nunca foi um mercado muito grande para o MDMA, mas as últimas informações que temos é que é um mercado em expansão. A América Latina é um grande mercado de droga e tem alguns produtos de base. Portanto, os produtores e traficantes identificam rapidamente as sinergias.
Os traficantes trocam entre si cocaína por MDMA, sem que haja qualquer pagamento. Porquê?Tínhamos conhecimento de que estas transacções ocorriam com outras drogas, por exemplo, na troca de cocaína (mais abundante na América Latina) por resina de cannabis (mais abundante noutras áreas do mundo). O que temos verificado, é que há, cada vez mais, sinais de que essas trocas estejam a acontecer com o MDMA. Neste momento, um quilo de MDMA valerá mais do que um quilo de cocaína. O que é que acontece? Como não há troca de dinheiro, o risco de as transacções económicas serem seguidas diminui, o número de intermediários também e o lucro aumenta. A entrega de material por material diminui algum risco de entrega e também maximiza os lucros, porque a lavagem de dinheiro pode ser um empreendimento bastante caro.
Lisboa está entre as 10 cidades com mais consumo de MDMA, cujo consumo aumentou na UE. Há mais oferta de MDMA?É sempre uma mistura de factores. Há um aumento da oferta e, provavelmente, da procura. Sabemos, pelos inquéritos europeus, que uma das maiores motivações para consumir MDMA, seja na forma de cristal, seja na forma de ecstasy [comprimido], é a socialização, a diversão. A procura e a oferta diminuíram na pandemia, com o fecho de locais de entretenimento nocturno. O consumo aumentou à medida que esses locais foram reabrindo e as pessoas se puderam juntar.
O MDMA tem de ser produzido com determinado tipo de precursores. Como que é que produzida esta substância?O MDMA é uma droga inteiramente sintética. Ela é produzida sobretudo nos Países Baixos e na Bélgica, mas a produção tem-se espalhado pelo continente, para diminuir riscos. Como é que se faz esta droga? É preciso acesso a ingredientes, que nós chamamos precursores químicos. Há um precursor químico essencial para fazer o óleo de MDMA que depois é transformado em pó e, desse pó, resultam os cristais e os comprimidos.
Esse químico é o PMK. Autoridades a nível internacional proibiram a compra e venda deste precursor e os produtores recorreram a métodos de síntese completamente diferentes. Isso é o que se faz na investigação química nas farmacêuticas. A alternativa que encontraram foi fazer pequenas alterações à molécula de PMK e criar o que se chamam os precursores de design, porque são desenhados para não serem abrangidos pela legislação, e poderem ser comprados a partir da China, trazidos para cá e transformados depois em PMK, do qual resulta o óleo da MDMA.
A substância tem um grau de potência superior ao que tinha no passado? Quais são os maiores riscos do seu consumo?Nestes últimos anos, a quantidade de MDMA nos comprimidos de ecstasy está a diminuir um pouco. Mas continuam a ser quantidades elevadas, comparando, sobretudo, com as quantidades que tínhamos em 2011, por exemplo. Comparativamente a outras substâncias, há menos mortes relacionadas e muito menos emergências hospitalares. Mas há riscos associados, os chamados síndromas serotoninérgicos, devido ao consumo de quantidades muito elevadas. Por causa disso, é importante saber qual é a dose que a pessoa está a tomar. O excesso de estimulação do corpo traduz-se numa série de sentimentos bastante desagradáveis que, em casos extremos, podem ser, inclusivamente, letais.
Ouça a versão áudio desta entrevista em publico.pt/p24