Ministra "preocupada" com relatório europeu: “O depoimento inicial das vítimas tem de valer mais em tribunal”
A ministra da Justiça diz-se “muito preocupada”, com as conclusões do último relatório Grevio sobre Portugal no que diz respeito a todas as formas de violência contra as mulheres cobertas pela convenção de Istambul.
No documento, que coloca em causa o sistema judiciário português, os peritos do Conselho Europeu “instam as autoridades portuguesas a aumentar os seus esforços para garantir formação mandatória e sistemática, inicial e ao longo do serviço, para membros do sistema judicial sobre aquelas matérias."
No relatório, com diversas recomendações para que o país possa continuar a evoluir e a adequar-se plenamente à Convenção de Istambul, a enorme maioria das medidas urgentes identificadas pelo Grevio -- acrónimo para Group of Experts on Action against Violence against Women and Domestic Violence -- estão, precisamente, ligadas ao sistema judicial, considerado o ponto mais fraco no combate à violência sobre as mulheres.
“Mentiria se dissesse que estes problemas causam surpresa a pessoas atentas a esta calamidade social”, diz Rita Alarcão Júdice. Para a ministra, apesar dos progressos feitos ultimamente na formação de magistrados - na revisão da chamada “ficha das 72h” que avalia o risco e estabelece a ação imediata após uma denúncia; na criação de novos gabinetes de apoio à vítima; e na contratação de quase 600 oficiais de justiça, essenciais para que os processos sejam tramitados - “há duas áreas onde as mudanças são imprescindíveis”. A saber: “rever a legislação que tiver que ser mudada e melhorar a justiça no caso concreto”.
Quanto ao segundo ponto, a ministra é claro ao afirmar que “cabe aos tribunais e ao Ministério Público fazerem a sua reflexão". Quanto ao primeiro, vai direta ao legislador. “Compete ao parlamento agir”.
Em que pontos deve o legislador refletir com maior prioridade? A responsável pela pasta da Justiça aponta, sem hesitação. “No uso e abuso da suspensão provisória do processo em fase de inquérito; na valoração que é feita em julgamento do depoimento da vítima prestado anteriormente, porque o depoimento inicial das vítimas tem de valer mais em tribunal; no recurso às declarações para memória futura, prática que deve ser mais vezes seguida; e tudo isto balanceado de maneira a garantir o direito à não revitimização”.
O relatório alerta também “as autoridades portuguesas” para a necessidade de garantirem que as sanções “são proporcionais à gravidade da ofensa em todos os casos de violência contra as mulheres abrangidas pela Convenção de Istambul, em particular os casos de violência doméstica e sexual”.
A Ministra da Justiça valoriza menos o agravamento das penas previstas. Quanto às aplicadas, “em nome da separação de poderes e do respeito pela independência dos tribunais” recusa comentar “condescendência” das mesmas”.
Mas faz questão de destacar uma nota: “É possível melhorar o sistema, melhorar as regras processuais, fazer melhor com os meios que já temos”. Mais: “Sobretudo, é preciso que cada um faça bem o seu trabalho – desde as polícias aos tribunais, passando pelo legislador”.