Violência doméstica em Portugal: pedidos de ajuda disparam quase 30% em quatro anos, revela APAV
Entre 2021 e 2024, os pedidos de ajuda por violência doméstica aumentaram 29,3% em Portugal, revelou a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). De acordo com a análise divulgada esta quarta-feira, a instituição prestou apoio a 43.110 vítimas nesse período. A tendência, segundo a APAV, reflete não só um maior grau de sensibilização da população, mas também o agravamento da violência e uma maior banalização da agressão, influenciada por contextos como os confinamentos da pandemia e a presença constante de conflitos armados na comunicação social.
Daniel Cotrim, representante da APAV, alertou em declarações à Rádio Renascença que “a dimensão da gravidade da violência doméstica aumentou, ela é diferente”. Além disso, há um crescimento alarmante do número de vítimas e agressores em faixas etárias mais jovens. “Falamos de pessoas cada vez mais jovens a pedirem ajuda. Estamos a falar, sobretudo, de mulheres entre os 26 e os 55 anos de idade [44,5%]. As pessoas agressoras são também relativamente jovens, entre os 26 e os 55 anos”, explicou.
Outro dado significativo revelado pela associação prende-se com o tempo que as vítimas demoram a pedir ajuda. Se em anos anteriores muitas denúncias surgiam após longos períodos de violência, agora as vítimas demoram, em média, entre dois a quatro anos a denunciar os primeiros episódios de agressão. Este encurtamento do tempo poderá ser sinal de uma maior consciencialização pública e de um acesso mais rápido a redes de apoio e informação.
Para além de causas estruturais, como a desigualdade persistente entre homens e mulheres e a perpetuação de relações baseadas em controlo, a APAV aponta também fatores mais recentes. Daniel Cotrim sugeriu que os conflitos no Médio Oriente e na Ucrânia contribuem para uma espécie de “dessensibilização da sociedade”, em que a violência “começa a ser vista como algo normal, como se fizesse parte da vida das pessoas”.
A análise mostra ainda que a violência doméstica se adapta às novas formas de comunicação: as redes sociais estão a ser utilizadas pelos agressores como extensões da violência iniciada em casa, através de práticas como o cyberbullying e o stalking digital. “A violência doméstica é um crime que vai evoluindo, da mesma forma que vão evoluindo as diferentes formas de estarmos uns com os outros e de comunicarmos”, afirmou Cotrim.
Os dados indicam que os homens continuam a ser os principais agressores, estando envolvidos em 70,5% dos casos registados. Em termos de contexto, a maioria das situações (33,6%) ocorre dentro de relações amorosas, incluindo casamentos e uniões de facto. Seguem-se os casos de violência entre ex-companheiros e de pais que agridem os filhos, ambos com 12,1%. Em 2024, 22 pessoas morreram em Portugal vítimas de violência doméstica, das quais 19 eram mulheres, segundo os registos da APAV, organização criada em 1990 para apoiar vítimas de vários tipos de crime.