Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina

Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina

Comemora-se hoje, 6 de Fevereiro, o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina  — MGF — proclamado através da Resolução 67/146, adoptada na Assembleia Geral das Nações Unidas de 20 de Dezembro de 2012, com vista à erradicação da mutilação genital feminina.

A Mutilação Genital Feminina constitui uma violação grave dos direitos das mulheres e crianças, e causadora de lesões irreparáveis na saúde física, sexual e psicológica e, em casos extremos, chega a provocar a morte.

À luz do Direito Internacional, a prática da MGF viola os princípios da dignidade da pessoa humana, da integridade, da igualdade e da não discriminação, tutelados pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, resolução nº 17/A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas de 10 de Dezembro de 1948 e pela Declaração sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação sobre as Mulheres (Resolução 2263 (XXII), da Assembleia Geral das Nações Unidas de 7 de Novembro de 1967.

Apesar de não existirem números oficiais sobre a prática da MGF em Portugal, o fenómeno assume já uma expressão real. Tal facto deve-se ao cada vez maior número de imigrantes, muitos deles clandestinos, oriundos de países como a Guiné-Bissau, Nigéria ou Senegal entre outros, onde mais de 90% das mulheres e crianças foram vítimas desta violação.

Em 2013 foi criada uma base de dados para registar os casos de MGF que sejam detectados pelo Serviço Nacional de Saúde, e em 2020 os casos registados já ultrapassavam os 240.

Portugal assume-se ainda como um país de destino de mulheres, normalmente africanas, que procuram escapar à prática da MGF, ou por terem sido vítimas desta violência, solicitam autorização de residência “por razões humanitárias” ao abrigo da denominada Lei do Abrigo, Lei 27/2008 de 30 de Junho, que transpôs para a ordem jurídica interna as Directivas do Conselho, S204/83/CE de 29 de Abril e 2005/85/CC de 1 de Dezembro.

O sistema penal português configura, desde 2015, crime de “Mutilação Genital Feminina” consagrado no seu Artigo 144.º-A, e punido com pena de prisão de 2 a 10 anos. A natureza pública destes crimes é particularmente importante já que, na esmagadora maioria dos casos, as vítimas destes actos são menores incapazes de se determinarem ou de expressarem de forma cabal a sua vontade nesta matéria e, em regra, representadas pelos pais, eventuais co-responsáveis pelas ofensas a que as crianças e adolescentes foram sujeitas. Não fora esta qualidade, o Ministério Público, titular da acção penal, raras vezes poderia avançar com o inquérito e a pertinente investigação relativa a factos desta natureza.

Pela primeira vez, em Portugal, um caso de MGF foi a julgamento e uma cidadã guineense residente em Portugal foi condenada, no Tribunal de Sintra, em Janeiro de 2021, a uma pena de três anos de prisão efectiva pelo crime de mutilação genital da sua filha.

Jaha Dukureh embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas para o continente africano disse, em 2018, aquando da sua visita a Portugal, que o objectivo estabelecido pela Organização das Nações Unidas para 2030 para a erradicação da prática, que vitimou já mais de 200 milhões de mulheres em todo o mundo, poderia ser encurtado significativamente se a causa conseguisse angariar financiamento para lançar uma campanha global.

Os efeitos da pandemia COVID-19 deixam ainda mais desprotegidas meninas e mulheres, pondo em causa o plano do Fundo de População das Nações Unidas e a Unicef, para a erradicação da MGF que estimam que, entre 2015 e 2030, mais de dois milhões de mulheres e crianças sejam sujeitas a esta violência.  

 

“Eu me Ergo

Pela menina que fui um dia,

Por uma infância interrompida

Eu me ergo!

Pelo grito em minha garganta, preso,

Pela dor que em mim é um peso

Eu me ergo!

Contra a tradição com máscara de Religião,

Sobre o jugo da repressão

Eu me ergo!

Apesar da ferida que em minh’alma não cicatriza,

Do sofrimento,

Que incomoda meu alento…

Fiar-me-ei num amanhã em que o fanado

Deixará de ser um fado.”

(autora: Rita Lé, estudante guineense vítima de MGF)

07/12/2024 20:02:53