A Imagem do Advogado e o seu Papel no Sistema de Justiça
A Imagem do Advogado e o seu Papel no Sistema de Justiça
Os advogados têm a função social de colaborar na administração da justiça e são garantes da liberdade e dos direitos dos cidadãos.
Pelo menos assim é no papel. Papel que, ao contrário do outro, aqui tem nome. Essencialmente falamos da Constituição da Republica Portuguesa e da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, que reconhecem
O patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça, e
O direito à informação e consulta jurídicas e ao acompanhamento por advogado perante qualquer autoridade.
A questão é que não basta o reconhecimento teórico da relevância essencial da função do advogado.
Não é nova esta preocupação. Já uma deliberação do último Congresso dos Advogados pedia uma mais clara consagração constitucional da função do advogado como garante da liberdade e direitos dos cidadãos.
Porém, não se viu qualquer concretização deste desiderato e, bem pelo contrário, continua em crescendo uma certa ofensiva e uma certa má-vontade contra os advogados, por vezes nada discreta.
É todo um estado de espírito que vai pairando no ar.
Nos tribunais, nas atitudes de magistrados e de funcionários.
E na procuradoria ilícita estatal, afoita a procurar aparentes soluções alternativas para descongestionar tribunais, ignorando o papel do advogado como colaborador que efectivamente é da justiça!
Tentativas estas de afastamento do advogado que acabam por se traduzir sempre em prejuízo do cidadão e da própria justiça.
Vejam-se as malfadadas execuções e, num outro plano, a referência nas notas de citação à não obrigatoriedade da constituição de advogado.
Será que esta preocupação de zelar expressamente pela desnecessidade de advogado serve mesmo os interesses do cidadão? Quantas vezes, induzindo em erro, se põem assim irremediavelmente em crise os direitos do cidadão que tão superficialmente se quiseram zelar!
É paradigmática da visão do advogado como agente exterior à administração da justiça, um desabafo de juiz, lido num blogue, que reflectindo sobre a solidez do estado de direito se interrogava se os juizes suportariam o peso de um sistema de justiça assente exclusivamente sobre os ombros do juiz privado de vida pessoal e familiar!
Parece-nos que o juiz não pode ser visto como o único agente do sistema judicial.
Dos tribunais fazem parte os magistrados em geral, os funcionários... as partes e...... os advogados! Embora não fazendo parte do aparelho judiciário, os advogados fazem parte do sistema judicial.
Apesar de preferirmos a crítica construtiva à má-língua gratuita, não deixamos de referir uma falada revolução cultural nos tribunais, que nos ameaça com o cumprimento pelos magistrados de horários de trabalho, das 9 às 5, com intervalo de 1 hora para almoço, sem se trabalhar nem mais um minuto depois da hora limite, nem no tribunal nem em casa...
Esta prometida revolução faz-nos sorrir! Que haverá muitas razões de queixa pelo trabalho extraordinário, acreditamos!
Mas não podemos calar a experiência, não rara, de chegar pontualmente à diligência marcada para as 9 horas e só então ficarmos a saber que o meritíssimo sistematicamente não chega antes das 11!
E quando estranhamos ver o processo parado na secção há cinco anos à espera de conclusão ou de sentença e nos dizem que há vários milhares de processos à frente, fica-nos a frustração e a impotência de nada poder fazer.
E fica-nos a dúvida. Será que é assim? Será. Mas também é dos livros que algumas vezes, quanto mais atraso mais desculpa para nada fazer!
Para evitar essas dúvidas, não sermos injustos com os muitos que realmente trabalham e para evitar o laxismo e a desresponsabilização de outros, deveria haver um mecanismo que permitisse ao cidadão aferir de tais justificações e atrasos!
Sendo a justiça administrada em nome do povo é ao povo que a justiça serve. O advogado, enquanto representante privilegiado dos interesses desse povo tornado cidadão concreto e enquanto seu porta-voz, não pode ser hostilizado.
O cidadão precisa do advogado para o representar nos litígios judiciais, para o aconselhar e para lhe mediar os conflitos.
Contrariamente a uma certa ideia subrepticiamente veiculada, o advogado não potencia o conflito nem fomenta o litígio, antes actua como agente de pacificação social evitando bastas vezes o recurso às vias judiciam.
Os advogados não são precisos para nada mas é sabido que todos, do mais ilustre juiz ou membro de governo ao mais modesto cidadão, à mínima ameaça de enleio com a justiça se apressam a pedir auxilio ao advogado!
Assim, sendo como é, imprescindível num estado de direito democrático o advogado deverá impor-se como colaborador indispensável à boa administração da justiça e não como mero protagonista imposto pelo ritual judiciário.
Pretende-se uma verdadeira mudança de mentalidades que interiorize e consciencialize o advogado como peça essencial duma verdadeira justiça.
Uma mudança de mentalidade que corajosamente abra as portas dos gabinetes, para uma efectiva concretização do principio da colaboração, que tantas vezes evitará incidentes e trará simplificação, com o consequente ganho de celeridade e eficiência processual.
A abertura ao outro é mais própria dos novos tempos de informação e de conhecimento, longe da recusa em receber advogados que está mais própria de uma ultrapassada tacanhez de funcionário.
Naturalmente não queremos, nem podemos esquecer as nossas próprias responsabilidades na perda do prestígio da classe perante a sociedade e demais operadores da justiça.
Cabe-nos a tarefa urgente de reflectir sobre a natureza da actividade do advogado e da sua relação de independência com os vários poderes, mormente o aparelho judiciário.
Temos também a tarefa de trabalhar individual e colectivamente através da Ordem, de modo a influenciar a necessária revolução de mentalidades, quer procurando o aperfeiçoamento como pessoas de cultura e de solidariedade cívica, quer cultivando um respeito profundo pelos nossos interlocutores e pela função de cada um, desde logo pelos colegas, por uma constante atenção à ética profissional e enriquecimento da competência técnica.
Sobretudo agora que a chegada à profissão se faz em avalanche, o advogado deverá saber-se impor pela sua compostura e saber profissional, com uma entrega que, sem nos atrevermos a dizer de corpo e alma, esperamos que seja pelo menos por vocação.
A advocacia como último recurso profissional e como biscate não pode prestar um bom trabalho, não serve o cidadão e não serve a justiça.
Quer se encare a advocacia como uma profissão, uma missão ou um sacerdócio, sempre se mantêm a honestidade, dignidade, liberdade, independência e solidariedade social como seus pilares básicos.
Sem timidez, nem arrogância, o advogado terá de ser consciente e firme no exercício dos seus direitos e deveres de patrocínio.
Não deverá por exemplo o advogado aceitar falar e continuar a falar, apesar do juiz em total desatenção folhear folhear e continuar a folhear...
São casos frequentes da vida dos tribunais para os quais os advogados têm de estar alertas, sob pena de se contribuir para o descrédito da classe.
Por outro lado, o advogado terá de saber adaptar-se aos vários palcos judiciários que em concreto se lhe deparam e não seguir por hábito antigos modelos e rituais já ultrapassados!
A simplicidade parece-nos sempre mais elegante e há situações em que grandes vénias, grandes cumprimentos e grandes retóricas são caricatas.
O advogado deverá ter sempre presente não querer ser maior do que os outros e não consentir ser menor (Angel Ossorio Y Gallardo).
A Ordem dos Advogados deverá ser uma presença visível na sociedade, pugnando pela justiça como um pleno direito de cidadania e pelo reforço de uma imagem de prestígio dos advogados.
Para tanto os Conselhos de Deontologia deverão dar exemplo de grande rigor ético e de exigência na disciplina profissional.
E numa curta, brevíssima homenagem ao Dr Alfredo Gaspar, atrevo-me a pensar que ainda vamos a tempo de recuperar a mística do advogado.
Conclusões
1. O advogado, imprescindível num estado de direito democrático, deverá saber impor-se como colaborador indispensável à boa administração da justiça e não como mero protagonista imposto pelo ritual judiciário.
2. Pretende-se uma verdadeira mudança de mentalidades que interiorize e consciencialize o advogado como peça essencial duma verdadeira justiça.
3. Considerando o grande avolumar de processos e em alguns tribunais aberrantes atrasos processuais, deveria haver a bem da verdade e da paz judiciária, para além de uma desejável contingentação processual, uma maior transparência e efectivos mecanismos de controle das pendências e dos desempenhos profissionais!
4. Cabe-nos a tarefa urgente de reflectir sobre as nossas próprias responsabilidades na perda do prestígio da classe perante a sociedade e demais operadores da justiça.
5. Como profissão, missão ou sacerdócio, sempre se mantêm a honestidade, dignidade, liberdade, independência e solidariedade social como pilares básicos da advocacia.
6. Sem timidez, nem arrogância, o advogado terá de ser consciente e firme no exercício dos seus direitos e deveres de patrocínio.
7. Temos a tarefa de trabalhar individual e colectivamente de modo a influenciar a necessária revolução de mentalidades, quer procurando o aperfeiçoamento como pessoas de cultura e de solidariedade cívica, quer cultivando um respeito profundo pelos nossos interlocutores e pela função de cada um, desde logo pelos colegas, por uma constante atenção à ética profissional e enriquecimento da competência técnica.
8. Sobretudo agora que a chegada à profissão se faz em avalanche, o advogado deverá saber-se impor pela sua compostura e saber profissional.
9. A Ordem dos Advogados deverá ser uma presença visível na sociedade pugnando pela justiça como um pleno direito de cidadania e pelo reforço de uma imagem de prestígio dos advogados.
10. Para tanto os Conselhos de Deontologia deverão dar exemplo de grande rigor ético e de exigência na disciplina profissional.
Ivone Cordeiro- CP n.º 5902-L
Delegada da Lista B