Relatório PE



Relatório

sobre a proposta de decisão-quadro do Conselho relativa a um mandado europeu de obtenção de provas para recolha de objectos, documentos e dados a fim de serem utilizados no âmbito de procedimentos penais


Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos


Relatora: Elena Ornella Paciotti


Legenda dos símbolos utilizados

    * Processo de consulta Maioria dos votos expressos
    ** I Processo de cooperação (primeira leitura)Maioria dos votos expressos ** II Processo de cooperação (segunda leitura)Maioria dos votos expressos para aprovar a posição comum Maioria dos membros que compõem o Parlamento para rejeitar ou alterar a posição comum
    *** Parecer favorável Maioria dos membros que compõem o Parlamento, excepto nos casos visados nos artigos 105º, 107º, 161º e 300º do Tratado CE e no artigo 7º do Tratado UE
    *** I Processo de co-decisão (primeira leitura) Maioria dos votos expressos
    *** II Processo de co-decisão (segunda leitura) Maioria dos votos expressos para aprovar a posição comum Maioria dos membros que compõem o Parlamento para rejeitar ou alterar a posição comum
    *** III Processo de co-decisão (terceira leitura) Maioria dos votos expressos para aprovar o projecto comum (O processo indicado tem por fundamento a base jurídica proposta pela Comissão)



Alterações a textos legais

Nas alterações do Parlamento, as diferenças são assinaladas simultaneamente a negrito e em itálico. A utilização de itálico sem negrito constitui uma indicação destinada aos serviços técnicos e tem por objectivo assinalar elementos do texto legal que se propõe sejam corrigidos, tendo em vista a elaboração do texto final (por exemplo, elementos manifestamente errados ou lacunas numa dada versão linguística). Estas sugestões de correcção ficam subordinadas ao aval dos serviços técnicos visados.


Página Regulamentar

Por carta de 4 de Dezembro de 2003, o Conselho consultou o Parlamento, nos termos do nº 1 do artigo 39º do Tratado UE, sobre a proposta de decisão do Conselho relativa a um mandado europeu de obtenção de provas para recolha de objectos, documentos e dados a fim de serem utilizados no âmbito de procedimentos penais (COM(2003) 688 – 2003/0270(CNS))
Na sessão de 15 de Dezembro de 2003, o Presidente do Parlamento comunicou o envio da referida proposta à Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos, competente quanto à matéria de fundo e à Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno, encarregada de emitir parecer(C5-0609/2003).
Na sua reunião de 25 de Novembro de 2003, a Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos designara relatora Elena Ornella Paciotti.
Nas suas reuniões de 21 de Janeiro, 19 de Fevereiro e 18 de Março de 2004, a comissão procedeu à apreciação da proposta da Comissão e do projecto de relatório.
Na última reunião, a comissão aprovou o projecto de resolução legislativa por 25 votos a favor, 4 contra e 0 abstenções.
Encontravam-se presentes no momento da votação Jorge Salvador Hernández Mollar (presidente), Robert J.E. Evans (vice-presidente), Giacomo Santini (vice-presidente), Elena Ornella Paciotti (relatora), Regina Bastos (em substituição de Mary Elizabeth Banotti, nos termos do nº 2 do artigo 153º do Regimento), María Luisa Bergaz Conesa (em substituição de Ilka Schröder, nos termos do nº 2 do artigo 153º do Regimento), Mario Borghezio, Alima Boumediene-Thiery, Kathalijne Maria Buitenweg (em substituição de Heide Rühle), Giorgio Calò (em substituição de Baroness Ludford, nos termos do nº 2 do artigo 153º do Regimento), Gérard M.J. Deprez, Antonio Di Pietro (em substituição de Johanna L.A. Boogerd-Quaak), Timothy Kirkhope, Helmuth Markov (em substituição de Fodé Sylla, nos termos do nº 2 do artigo 153º do Regimento), Pasqualina Napoletano (em substituição de Adeline Hazan, nos termos do nº 2 do artigo 153º do Regimento), Marcelino Oreja Arburúa, Josu Ortuondo Larrea (em substituição de Pierre Jonckheer, nos termos do nº 2 do artigo 153º do Regimento), Fernando Pérez Royo (em substituição de Margot Keßler, nos termos do nº 2 do artigo 153º do Regimento), Hubert Pirker, Martine Roure, Olle Schmidt (em substituição deBill Newton Dunn), Ingo Schmitt (em substituição de Hartmut Nassauer), Ole Sørensen (em substituição de Francesco Rutelli), Patsy Sörensen, The Earl of Stockton (em substituição de Charlotte Cederschiöld), Joke Swiebel, Anna Terrón i Cusí, Maurizio Turco e Christian Ulrik von Boetticher.
O parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno encontra-se apenso ao presente relatório.
O relatório foi entregue em 22 de Março de 2004.


Projecto de Resolução Legislativa do Parlamento Europeu
sobre a proposta de decisão do Conselho relativa a um mandado europeu de obtenção de provas para recolha de objectos, documentos e dados a fim de serem utilizados no âmbito de procedimentos penais


(Processo de consulta)



O Parlamento Europeu,

    - Tendo em conta a proposta da Comissão ao Conselho (COM(2003) 688) (1) ,
    - Tendo em conta o nº2, alínea b), do artigo 34º do Tratado UE,
    - Tendo em conta o nº 1 do artigo 39º do Tratado UE, nos termos do qual foi consultado pelo Conselho (C5-0609/2003),
    - Tendo em conta os artigos 106º e 67º do seu Regimento,
    - Tendo em conta o relatório da Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos e o parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno (A5-0214/2004),
    1. Aprova a proposta da Comissão com as alterações nela introduzidas;
    2. Convida a Comissão a alterar a sua proposta nesse sentido, nos termos do nº 2 do artigo 250º do Tratado CE;
    3. Solicita ao Conselho que o informe, caso entenda afastar-se do texto aprovado pelo Parlamento;
    4. Solicita nova consulta, caso o Conselho tencione alterar substancialmente a proposta da Comissão;
    5. Encarrega o seu Presidente de transmitir a posição do Parlamento ao Conselho e à Comissão.



Texto da Comissão e Alterações do Parlamento


Exposição de Motivos


A proposta da Comissão Europeia

A proposta em apreço é mais uma peça do complexo puzzle que deverá constituir o sistema de cooperação judiciária e de polícia necessário para realizar o Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça sem fronteiras internas, previsto pelos Tratados como necessário corolário da liberdade de circulação garantida na União Europeia. Esta liberdade - fundamento do mercado único - pode comportar riscos para a segurança dos cidadãos se os poderes de prevenção e repressão das infracções penais ficarem confinados ao interior dos territórios dos Estados. Daí a necessidade de desenvolver um sistema de cooperação assente no princípio do reconhecimento mútuo, definido pelo Conselho Europeu de Tampere, de 15-16 de Outubro de 1999 (conclusão 33), e para cuja aplicação no sector penal o Conselho já adoptou um programa de medidas em 29 de Novembro de 2000 (2).


O primeiro e mais importante instrumento adoptado é a Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros(3).


A posterior Decisão-Quadro de 22 de Julho de 2003 relativa à execução na União Europeia das decisões de congelamento de bens ou de provas(4) estabeleceu o reconhecimento mútuo das decisões que visam impedir qualquer operação de destruição, alienação ou ocultação de elementos de prova, prevendo que a transferência posterior de provas continue a ser regulada pelos procedimentos de auxílio judiciário mútuo.


A nova proposta de decisão-quadro prevê a possibilidade de emissão de um "mandado europeu" - isto é, de uma disposição judicial emitida num Estado da União e passível de ser executada no território de outros Estados-Membros - visando especificamente obter objectos, documentos e dados a fim de serem utilizados no âmbito de procedimentos penais, incluindo objectos, documentos ou dados provenientes de terceiros ou resultantes de buscas de locais, dados históricos sobre a utilização de redes de comunicações electrónicas ou a utilização de serviços, incluindo transacções financeiras, registos de declarações, interrogatórios e audições, bem como outros registos de ficheiros policiais, etc.


O mandado europeu de obtenção de provas não pode, contudo, ser utilizado para realizar procedimentos ou para solicitar investigações destinadas à obtenção de provas sob a forma de interrogatórios, audições, intercepção de comunicações, controlo ou vigilância de pessoas, etc., mas apenas para obter elementos de prova já directamente disponíveis no Estado de execução, incluindo os registos de interrogatórios ou de comunicações interceptadas, se recolhidos anteriormente e já disponíveis no Estado requerido.


Apesar de o seu âmbito de aplicação ser limitado, a proposta de decisão apresenta as seguintes vantagens:

    - uma decisão judicial de um Estado-Membro é reconhecida directamente, sem que seja necessário convertê-la numa decisão nacional: o mandado europeu é transmitido directamente à autoridade competente para a execução (ver art. 7º);
    - estão previstas garantias mínimas, aplicáveis quer à emissão do mandado, quer à sua execução (ver art. 12º);
    - o mandado é redigido de forma normalizada segundo um formulário único (ver anexo à proposta de decisão);
    - são fixados prazos para o reconhecimento e a execução do mandado e a transferência das provas (ver art. 17º);
    - os motivos de não reconhecimento ou de não execução são limitados e definidos (ver. art. 15º); em particular, é regulamentada e limitada a condição da dupla incriminação (ver art. 16º e art. 24º);
    - estão previstas vias de recurso contra as medidas coercivas (ver art. 19º).

A posição da Relatora
A relatora recorda que Convenção da UE relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal de Maio de 2000(5) e o protocolo que lhe diz respeito de 2001(6) ainda não foram ratificados pelos Estados-Membros, pelo que, consequentemente, ainda não entraram em vigor.


A relatora considera, por conseguinte, indispensável legislar ao abrigo do instrumento da decisão-quadro, para dar uma aplicação concreta ao princípio de reconhecimento mútuo que, tal como previsto pelo Conselho Europeu de Tampere e por decisões posteriores, deverá substituir o simples auxílio judiciário mútuo em matéria penal.


A relatora está ciente de que se trata de um limitado, mas importante, passo em frente para tornar mais eficaz e mais garantida a cooperação judiciária em matéria penal, em particular tendo em conta a entrada em vigor da decisão-quadro relativa ao mandado de detenção europeu em 1 de Janeiro de 2004.


A relatora decidiu não apresentar alterações, dado considerar a proposta da Comissão equilibrada e coerente com a intenção de efectuar um primeiro passo na direcção certa do reconhecimento mútuo em matéria penal.


A relatora convida, assim, a comissão a acolher favoravelmente a proposta da Comissão.


23 de Fevereiro de 2004


Parecer da Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno


destinado à Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos


sobre a proposta de decisão do Conselho relativa a um mandado europeu de obtenção de provas para recolha de objectos, documentos e dados a fim de serem utilizados no âmbito de procedimentos penais


Relator de parecer: Giuseppe Gargani


Processo
Na sua reunião de 1 de Dezembro de 2003, a Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno designou relator de parecer Giuseppe Gargani.


Nas suas reuniões de 27 de Janeiro e 19 de Fevereiro de 2004, a comissão procedeu à apreciação do projecto de parecer.


Na última reunião, a comissão aprovou por 15 votos a favor, 11 contra e 0 abstenções uma alteração com a qual convida a Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos a rejeitar a decisão-quadro.


Encontravam-se presentes no momento da votação Giuseppe Gargani (presidente e relator de parecer), Willi Rothley (vice-presidente), Ioannis Koukiadis (vice-presidente), Bill Miller (vice-presidente), Paolo Bartolozzi, Maria Berger, Janelly Fourtou, Marie-Françoise Garaud, Evelyne Gebhardt, José María Gil-Robles Gil-Delgado, Malcolm Harbour, Lord Inglewood, Hans Karlsson (em substituição de Fiorella Ghilardotti), Carlos Lage (em substituição de Carlos Candal, nos termos do nº 2 do artigo 153º do Regimento), Kurt Lechner, Klaus-Heiner Lehne, Toine Manders, Arlene McCarthy, Manuel Medina Ortega, Angelika Niebler (em substituição de Bert Doorn), Anne-Marie Schaffner, Astrid Thors (em substituição de Diana Wallis), Marianne L.P. Thyssen, Ian Twinn (em substituição de Rainer Wieland), Joachim Wuermeling e Stefano Zappalà.


Breve Justificação
A Comissão apresentou uma proposta que visa instituir um mandado europeu de obtenção de provas no âmbito de procedimentos penais.


A decisão-quadro em causa baseia-se no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais, estabelecido pelo Conselho Europeu de Tampere como a pedra angular de toda a cooperação judicial em matéria civil e penal.


O objectivo fundamental da Comissão é substituir os actuais mecanismos de auxílio judiciário, baseados num sistema de comissões rogatórias regidas por convenções internacionais, por um sistema de reconhecimento mútuo. O reconhecimento mútuo deveria, nomeadamente, permitir a celeridade dos procedimentos e uma maior clareza tanto na sua emissão como na sua execução. Tudo isto num contexto de reforço das garantias e dos direitos de defesa das partes interessadas.


O mandado europeu é uma decisão judiciária emitida em formulário normalizado por um Estado-Membro para execução no território de outros Estados-Membros.


O mandado europeu não se aplica a todos os meios de prova mas apenas aos documentos, objectos e bases de dados relativamente aos quais as várias ordens jurídicas nacionais autorizam disposições como as ordens de apresentação ou a apreensão na sequência de busca. A isto é necessário acrescentar as informações da polícia e os dados contidos nos cadastros judiciais. Por conseguinte, ficam excluídas as colheitas no corpo de uma pessoa (incluindo o ADN), as provas obtidas em tempo real, como as intercepções de comunicações ou o controlo das contas correntes bancárias, a recolha de provas testemunhais e a realização de consultas ou peritagens.


A proposta de decisão-quadro destina-se a instituir um mandado europeu para obtenção de provas no âmbito de procedimentos penais com base no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciárias.


Mas qualquer iniciativa neste sector deve ter em conta a necessária protecção dos direitos fundamentais, não se centrando apenas numa perspectiva de cooperação entre os Estados-Membros. Daqui resulta que qualquer nova transferência de competências dos Estados-Membros para a União só poderá processar-se se existir uma garantia jurídica dos direitos dos cidadãos.


Se o fundamento da execução de qualquer mandado, tanto de detenção como de obtenção de provas, não é apenas o respeito “formal” da referida decisão-quadro, mas também o necessário respeito dos direitos fundamentais e dos princípios jurídicos fundamentais consagrados no artigo 6º TUE - nos quais se baseia o princípio do reconhecimento mútuo - impõe-se especificar quais são esses direitos e princípios, concretizando-os para que se tornem efectivos.


Uma vez que o sistema global da União Europeia não prevê uma protecção jurídica efectiva dos direitos fundamentais, podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que a proposta de decisão é prematura.


Além disso, o Parlamento Europeu não dispõe de poderes legislativos em matéria de direito penal e de direito processual penal, matéria de que também faz parte a proposta em apreço. Apenas é consultado.


Por conseguinte, a aprovação desta proposta de decisão-quadro violaria manifestamente o princípio fundamental de qualquer sistema democrático segundo o qual as limitações das liberdades só podem resultar de um acto legislativo aprovado pelo Parlamento, o único depositário da representação democrática. E qualquer limitação deve processar-se no quadro de limites claramente definidos no âmbito constitucional(7).


Não é por acaso que a doutrina constitucionalista mais avançada afirma que o princípio “não há poder sem direitos” representa uma regra do constitucionalismo moderno tão importante que pode ser colocada a par to princípio histórico “no taxation without representation”.


Em suma, a proposta deve ser rejeitada. Um mandado europeu para obtenção de provas só poderá ser aprovado depois da entrada em vigor de um Tratado constitucional europeu que preveja a protecção efectiva dos direitos fundamentais e o papel legislativo do Parlamento Europeu.


Alterações
A Comissão dos Assuntos Jurídicos e do Mercado Interno insta a Comissão das Liberdades e dos Direitos dos Cidadãos, da Justiça e dos Assuntos Internos, competente quanto à matéria de fundo, a rejeitar a proposta de decisão-quadro.

02/10/2023 09:43:50