UE: Criminalidade
PREVENÇÃO DA CRIMINALIDADE NA UNIÃO EUROPEIA
[COM(2004) 165 final]
(2004/C 92/02)
1. CONTEXTO E DEFINIÇÕES
1.1. O contexto jurídico e político
O Tratado de Amesterdão, em vigor desde Maio de 1999, estabeleceu uma base jurídica para as actividades de prevenção da criminalidade a nível da União Europeia. O artigo 29.o estabelece que «será objectivo da União facultar aos cidadãos um elevado nível de protecção num espaço de liberdade, segurança e justiça». Enumera a prevenção da criminalidade, «organizada ou não», como um dos meios para atingir este objectivo.
Até à entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, em Maio de 1999, a atenção consagrada às políticas de prevenção da criminalidade a nível da União Europeia limitava-se praticamente à prevenção da criminalidade organizada. O Plano de Acção contra a Criminalidade Organizada, de 1997 (1), identificou algumas áreas prioritárias no domínio da prevenção da criminalidade organizada e o Plano de Acção de Viena, de Dezembro de 1998 (2), incluiu igualmente medidas específicas a este
respeito.
O Conselho Europeu de Tampere, de Outubro de 1999, confirmou a importância de políticas efectivas de prevenção da criminalidade na União nas suas conclusões (3) n.os 41 e 42, nos seguintes termos:
«— apela à integração dos aspectos preventivos nas acções contra a criminalidade, assim como a um maior desenvolvimento dos programas nacionais de prevenção contra a criminalidade. Haverá que prever e identificar prioridades comuns nesta matéria a nível das políticas interna e externa da União, que deverão ser tidas em conta na preparação de nova legislação;
— deverá desenvolver-se o intercâmbio das melhores práticas, reforçar a rede de autoridades nacionais competentes em matéria de prevenção da criminalidade e a cooperação entre as organizações nacionais que actuam neste domínio, bem como estudar a possibilidade de criar um programa financiado pela Comunidade para esse efeito. A delinquência juvenil e a criminalidade em meio urbano e associada à droga poderiam constituir as primeiras prioridades para este tipo de cooperação».
Em 29 de Novembro de 2000, a Comissão apresentou ao Conselho e ao Parlamento Europeu a comunicação intitulada «A prevenção da criminalidade na União Europeia — Reflexão sobre as orientações comuns e propostas a favor de um apoio financeiro comunitário» (4). Esta comunicação constituiu o primeiro passo da Comissão no sentido de identificar áreas prioritárias em matéria de prevenção da criminalidade a nível da União Europeia e de contribuir para o desenvolvimento de uma estratégia efectiva da União. Na sequência desta comunicação registaram-se desenvolvimentos importantes, como a criação do Fórum Europeu para a Prevenção da Criminalidade Organizada (5), a criação de uma Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade (6) e a adopção de uma decisão do Conselho que estabelece um programa de incentivo e de intercâmbio, formação e cooperação no domínio da prevenção da criminalidade (Hipócrates) (7).
Além disso, foi introduzido no Sexto Programa-Quadro da União Europeia no domínio da IDT (Investigação e Desenvolvimento Tecnológico) um tema específico de investigação sobre a prevenção da criminalidade. Esta medida contribuirá, nomeadamente, para definir instrumentos comuns destinados a avaliar a dimensão e a natureza da criminalidade de massa, apreciar as estratégias de redução da criminalidade e analisar as ameaças a longo prazo.
Tal como a comunicação de 2000, a presente comunicação realça igualmente a responsabilidade fundamental que incumbe aos Estados-Membros no domínio da prevenção, uma vez que a delinquência juvenil e a criminalidade em meio urbano e associada à droga ocorrem a nível local. A fim de apoiar eficazmente as actividades de prevenção nos Estados-Membros, evitar uma duplicação de esforços e utilizar os recursos de forma mais eficiente, determinadas actividades de cooperação deverão ser realizadas a nível da União Europeia.
O projecto de Tratado Constitucional elaborado pela Convenção sobre o Futuro da Europa vem confirmar, no seu artigo III-173o, a necessidade de continuar a consagrar a devida atenção à prevenção da criminalidade. Este artigo estabelece que a legislação ou legislação-quadro europeia pode estabelecer medidas para incentivar e apoiar a acção dos Estados-Membros no domínio da prevenção da criminalidade (excepto no que se refere à aproximação das disposições legislativas e regulamentares).
1.2. Definições
1.2.1. O conceito de criminalidade de massa
A presente comunicação limita-se à prevenção da criminalidade não organizada. A Comissão considera que é melhor definir este tipo de criminalidade como criminalidade de massa, uma vez que inclui todos os tipos de crimes que são cometidos frequentemente e em que as vítimas são facilmente identificáveis.
A criminalidade de massa constitui a principal fonte de preocupação dos cidadãos europeus (8). As infracções são normalmente cometidas contra a propriedade e envolvem frequentemente violência física. Como exemplos temos os roubos domésticos, os roubos de veículos, os assaltos comuns, os roubos na rua, etc. Estes tipos de criminalidade são abrangidos pelas três grandes áreas prioritárias identificadas pelo Conselho Europeu de Tampere: delinquência juvenil, criminalidade em meio urbano e criminalidade associada à droga. Uma característica importante da criminalidade de massa consiste no facto de revelar o perfil das famílias e dos cidadãos mais susceptíveis de serem vítimas deste tipo de infracções, o que tem repercussões para as políticas de prevenção, principalmente as que se centram mais na minimização deste tipo mais banal de criminalidade do que na redução do número de infracções «mediáticas» que normalmente fazem parte da criminalidade organizada (9).
Contudo, a sua importância em termos de custos financeiros para a sociedade não deverá também ser subestimada (10), embora as estimativas destes custos variem em função dos Estados- Membros (11). Além disso, alguns estudos revelaram que este tipo de criminalidade constitui, frequentemente, o primeiro passo que os jovens dão antes de participarem em formas de criminalidade mais graves, incluindo a criminalidade organizada. Desta forma, o investimento na prevenção da criminalidade de massa contribuiria também para reduzir a criminalidade mais grave (12).
1.2.2. O conceito de prevenção da criminalidade
Para efeitos da presente comunicação, a Comissão tenciona utilizar a definição de prevenção da criminalidade apresentada na Decisão do Conselho de Maio de 2001, que cria uma Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade (REPC). Segundo esta definição, «. . . a prevenção da criminalidade abrange todas as medidas destinadas a reduzir ou a contribuir para a redução da criminalidade e dos sentimentos de insegurança dos cidadãos, tanto quantitativa como qualitativamente, quer através de medidas directas de dissuasão de actividades criminosas, quer através de políticas e intervenções destinadas a reduzir as potencialidades do crime e as suas causas. Inclui o contributo dos governos, das autoridades competentes, dos serviços de justiça criminal, de autoridades locais e de associações especializadas que eles tiverem criado na Europa, de sectores privados e voluntários, bem como de investigadores e do público, com o apoio dos meios de comunicação» (13).
Desta forma, as medidas preventivas não devem apenas abordar a criminalidade em sentido estrito, mas também abranger os «comportamentos anti-sociais» que são, de certo modo, «precursores » da criminalidade. Podem ser dados como exemplos deste tipo de comportamentos os que se traduzem em zonas residenciais ruidosas, zonas residenciais caracterizadas por jovens que vagueiam pelas ruas, pessoas sob a influência do álcool ou descontroladas, lixo nas ruas, habitações e ambientes degradados. Estas condições podem prejudicar a recuperação de áreas desfavorecidas, criando um contexto propício à criminalidade.
Os comportamentos anti-sociais afectam o sentimento de segurança e de responsabilidade necessário para que as pessoas participem na vida da colectividade. De um ponto de vista preventivo, trata-se igualmente de uma importante área em que deverão ser concentrados esforços.
A prevenção deverá também abordar a questão do medo da criminalidade, uma vez que os estudos revelam (14) que este medo pode ser tão prejudicial como a própria criminalidade, podendo levar ao afastamento da vida social e à perda de confiança na polícia e no Estado de direito.
As autoridades relevantes dos Estados-Membros são unânimes em reconhecer que a prevenção da criminalidade constitui um complemento necessário das medidas repressivas. A experiência tem revelado que consagrar demasiada importância às medidas repressivas provoca um contínuo aumento dos custos para o sistema de justiça penal e um aumento da população prisional e das taxas de reincidência. Medidas de prevenção bem concebidas e bem aplicadas podem, a diversos níveis, contribuir para uma redução considerável da criminalidade. Os seguintes exemplos demonstram que a prevenção da criminalidade pode efectivamente funcionar (15).
— O risco de assaltos domésticos pode ser significativamente reduzido adoptando algumas medidas de prevenção relativamente simples, como as descritas no programa da polícia relativo ao acompanhamento da população, um vasto inquérito neerlandês sobre a vitimização. Este estudo (16) revela que a adopção de cinco destas medidas de prevenção permite reduzir drasticamente o risco de assaltos (deixar uma luz acesa em caso de ausência da residência; fechaduras suplementares nas portas e janelas; luz exterior suplementar; alarme e/ou cão).
— Iniciativas bem documentadas e avaliadas, destinadas aos jovens na faixa etária dos 10-16 anos, permitem concluir que programas eficazes de desenvolvimento e de intervenção precoce produzem benefícios significativos a longo prazo. Concluiu-se, decorridos 16 anos, que o risco de prisão para os participantes no programa era claramente inferior ao dos participantes no grupo de controlo (17).
— Embora possa parecer evidente, melhorar a iluminação pública constitui uma medida de prevenção da criminalidade que funciona. Uma análise sistemática de 13 estudos distintos revela que uma melhor iluminação pública reduz a criminalidade em cerca de 20 % (18). Esta análise revelou que as zonas bem iluminadas durante a noite registam também uma menor criminalidade durante o dia. É possível que a instalação de nova iluminação transmita aos potenciais delinquentes a mensagem de que nessa zona se investe mais, há um maior sentimento de orgulho e uma maior coesão e que são realizados controlos informais 24 horas por dia.
— Um importante exemplo que também deve ser mencionado é o programa pré-escolar Perry, que constitui um marco notável a nível das políticas de prevenção. Esta iniciativa, lançada nos Estados Unidos na década de 70, prevê classes pré-escolares de desenvolvimento para crianças muito jovens(3 e 4 anos) provenientes de famílias com rendimentos baixos, associadas a visitas ao domicílio pelo pessoal do programa. Uma análise a longo prazo revelou que os participantes no programa registam, quando jovens e adultos, taxas de prisão significativamente mais baixas, mas também taxas consideravelmente superiores de êxito escolar, de estudos universitários, de emprego e de salários. Para além da sua eficácia comprovada, o programa registou igualmente resultados positivos a nível da análise custos-benefícios. Considera-se que os benefícios totais corresponderam ao triplo do custo do programa.
O programa da União Europeia Juventude (19), que foi lançado no final da década de 80, centra-se no bem-estar, integração e respeito político dos jovens na sociedade. Através das suas actividades, o programa produz importantes efeitos preventivos. Por último, deve referir-se que a educação nas prisões e no período crucial que se segue à libertação pode desempenhar um papel fundamental, contribuindo para a difícil reintegração dos delinquentes na estrutura social e reduzindo as taxas de reincidência. Grundtvig, que é a vertente de educação de adultos do programa da União Europeia em matéria de educação, Sócrates, apoia projectos e parcerias de aprendizagem que têm um impacto notável sobre as instituições participantes e a outros níveis (20).
Uma vez que a criminalidade de massa ocorre principalmente a nível local, nas cidades, as políticas apenas podem ser aplicadas eficazmente a este nível, devendo ser ajustadas às condições locais ou regionais específicas. Incumbe assim aos Estados-Membros garantir a aplicação de políticas eficazes de prevenção da criminalidade a todos os níveis no seu território. Dada a ênfase consagrada à acção local, é necessário que as medidas preventivas se situem tão perto quanto possível dos cidadãos e que nelas participe uma grande diversidade de intervenientes. Por conseguinte, as medidas de prevenção caracterizam-se pela necessidade de implicar diversos intervenientes, incluindo dos sectores público (ou seja, polícia, autoridades locais, trabalhadores sociais, sempre com uma ênfase especial na juventude) e privado (associações empresariais, companhias de seguros, organizações de cidadãos).
1.3. Tendências gerais da criminalidade
É necessário dispor de informações relativas às tendências da criminalidade e à opinião pública sobre a criminalidade para compreender melhor as consequências para a sociedade da ausência de medidas preventivas e a forma como as acções de prevenção podem reduzir os custos materiais e morais da criminalidade para as suas vítimas e a reincidência entre os delinquentes.
Duas fontes principais permitem determinar a natureza e o volume da criminalidade a nível da União Europeia: 1) as estatísticas oficiais de criminalidade registadas pela polícia e 2) o Inquérito Internacional sobre as Vítimas da Criminalidade (ICVS). No que se refere à primeira fonte, não é possível comparar números absolutos e relativos entre os Estados-Membros, devido às inúmeras diferenças a nível legislativo e às diferentes formas de elaboração das estatísticas oficiais da criminalidade. Contudo, estes dados podem ser úteis para delinear tendências ao longo do tempo.
Uma análise do número total de infracções registadas pela polícia sugere a seguinte situação a nível da União Europeia. O nível da criminalidade registou entre 1950 e 1970 um aumento contínuo, embora não alarmante. Contudo, a partir de 1970 verificou-se uma aceleração, com um pico em meados dos anos 80. A partir de 1990, o volume total de crimes registados manteve-se praticamente estável nos 15 Estados-Membros. A percentagem média anual de aumento entre 1991 e 2001 situa-se em cerca de 1 % (21). A segunda fonte que pode ser utilizada para fornecer uma imagem da natureza e do volume da criminalidade a nível da União Europeia é o ICVS (22). Este inquérito constitui o programa mais vasto de sondagens por amostragem completamente normalizadas, que analisa a experiência das famílias em matéria de criminalidade em diversos países. Pode obter-se uma estimativa dos níveis absolutos de criminalidade a partir da experiência das vítimas de crimes apresentada no ICVS. Em termos gerais, o ICVS sugere que a criminalidade registou um aumento entre 1988 e 1991, recuou em 1995, tendo recuado ainda mais em 1999. Uma comparação com os dados sobre a criminalidade registados pela polícia sugere que as tendências obtidas com os inquéritos às vítimas são semelhantes às apresentadas nos dados policiais.
1.4. Tendências em áreas de criminalidade seleccionadas Para além do número total de crimes, dois tipos específicos de criminalidade registados pela polícia serão abordados de forma resumida: os assaltos domésticos (definidos como a penetração numa residência, utilizando a força, para furtar bens) e os crimes violentos (definidos como a violência contra pessoas, os roubos e as agressões sexuais). Estes crimes foram seleccionados por serem, do ponto de vista das vítimas, os tipos de criminalidade mais graves e mais onerosos, que causam grandes preocupações entre a população urbana e que ocorrem frequentemente em todos os Estados-Membros.
Verifica-se uma diminuição notória dos assaltos domésticos em muitos Estados-Membros da União Europeia. Uma das principais razões para esta descida espectacular reside provavelmente na influência do reforço dos comportamentos preventivos por parte da população. Segundo os últimos resultados do Inquérito Internacional sobre as Vítimas da Criminalidade, a utilização de medidas de prevenção da criminalidade por parte da população está a aumentar na maior parte dos países. A percentagem de residências equipadas com fechaduras especiais aumentou na generalidade a partir de 1992 e o número de residências com sistemas de alarme aumentou em média de 8 % para 14 % entre 1992 e 2000, mas o problema subsiste.
Os assaltos domésticos implicam uma violação do espaço pessoal, sendo os seus efeitos negativos em termos de vitimização mais graves do que quando se trata apenas de danos materiais. Em 2000, as polícias dos 15 Estados-Membros registaram um total de 1 511 000 assaltos domésticos, o que representa uma média de 4 140 casos por dia, 172 por hora e perto de 3 por minuto.
As estatísticas apontam infelizmente para um aumento do nível dos crimes violentos na União Europeia, o que parece acontecer principalmente em relação à violência juvenil. Comparando as tendências de crimes com recurso à violência registados pela polícia no período compreendido entre 1995 e 2000, observa-se um aumento da violência em 12 Estados-Membros.
A Espanha, a França e os Países Baixos registam os maiores aumentos (entre + 50 % e + 41 %). Em 2000, as polícias dos 15 Estados-Membros registaram um total de 1 770 000 crimes violentos, o que equivale a uma média de 4 850 casos por dia, 202 por hora e mais de 3 por minuto.
1.5. Opinião pública no que se refere à criminalidade
Para além das estatísticas provenientes de fontes policiais e dos inquéritos junto das vítimas, os inquéritos de opinião pública relativos à criminalidade constituem igualmente um meio importante para avaliar o medo do crime, a percepção dos riscos de vitimização e as opiniões sobre a criminalidade e a sua prevenção (23).
Estes inquéritos revelam que o sentimento de insegurança tem vindo a aumentar, lenta mas continuamente, em toda a União Europeia entre 1996 e 2002. No Outono de 2002, as mulheres e os idosos eram os grupos demográficos mais susceptíveis de sentirem insegurança. Durante o mesmo período, o nível de contacto dos cidadãos com os problemas associados à droga na área da sua residência também aumentou na União Europeia.
Entre os inquiridos, são sobretudo os mais jovens que afirmam estar mais expostos. Em todos os Estados-Membros, mais de metade dos inquiridos considerava que um melhor policiamento contribuiria para reduzir a criminalidade. Em toda a União Europeia, uma clara maioria dos inquiridos pensava que programas adequados de prevenção da criminalidade constituíam um meio mais eficaz de afastar os jovens da criminalidade do que uma repressão mais severa. Uma maioria dos inquiridos considerou igualmente que a pobreza, o desemprego e a falta de disciplina constituíam factores que favoreciam a criminalidade juvenil.
1.6. Previsões no que se refere às tendências da criminalidade
A criminalidade está em constante evolução. Os delinquentes adaptam-se às medidas tomadas para a combater. Os delinquentes desviam e apropriam-se ou utilizam abusivamente novos produtos, serviços e sistemas e adoptam comportamentos condenáveis em ambientes recentemente criados (24). Tal significa que as autoridades deveriam, permanentemente, tentar detectar novas ameaças e evoluções no mercado da criminalidade.
Desta forma, podem ser alcançados resultados em grande escala a nível da prevenção da criminalidade. Contudo, no passado, um grande número de acções revelou que alguns desenvolvimentos eram totalmente imprevisíveis. À luz de diversas iniciativas recentes (25) destinadas a identificar novas ameaças e evoluções a nível da criminalidade, podem ser avaliados certos desenvolvimentos decorrentes das alterações sociais, tecnológicas ou económicas.
Na generalidade, a sociedade será mais heterogénea, mais estruturada em redes, terá um nível de educação mais elevado, será mais próspera e mais bem informada, mas contará potencialmente com um maior número de pessoas vulneráveis. A maior circulação de pessoas, serviços e bens e as novas tecnologias proporcionam enormes oportunidades de prosperidade e de crescimento, mas podem também oferecer novas oportunidades para a criminalidade. Alguns grupos continuam excluídos desta tendência de prosperidade e de educação: famílias monoparentais, pessoas dependentes de drogas e do álcool, pessoas isoladas que vivem anonimamente ou em áreas marginalizadas, imigrantes e migrantes da segunda e terceira gerações. As novas tecnologias podem criar mais oportunidades de desenvolvimento da criminalidade: facilitando o acesso a sistemas, instalações, bens e informação; suprimindo os obstáculos geográficos à criminalidade; aumentando o nível dos lucros potenciais e reforçando o carácter anónimo do crime ou da utilização das suas receitas.
Devido a esta evolução, as autoridades devem impedir e reagir a esta criminalidade mais especializada, como o roubo electrónico, cuja dimensão e rapidez podem ser aumentadas pelas novas tecnologias. Nos próximos anos, os governos deverão desenvolver políticas de prevenção adaptadas à evolução da
sociedade e aos padrões de criminalidade emergentes. As políticas
nacionais de prevenção da criminalidade devem poder dar respostas inovadoras aos desafios que esta evolução implica.
2. EVOLUÇÃO A NÍVEL DA UNIÃO EUROPEIA
Uma vez que a criminalidade de massa ocorre a nível local, só a esse nível podem ser adoptadas políticas efectivas, com o apoio de políticas nacionais. É óbvio que certas actividades de cooperação devem ser realizadas a nível da União Europeia, por forma a apoiar eficazmente as actividades de nível nacional, evitar uma duplicação de esforços e utilizar melhor os recursos disponíveis.
2.1. Resultados obtidos nos Estados-Membros
Os diversos Estados-Membros registam diferentes níveis de êxito no domínio da prevenção da criminalidade de massa (26). Apesar de uma evolução positiva na maioria dos Estados-Membros, continuam a subsistir diversos obstáculos que impedem uma prevenção efectiva da criminalidade de massa. Estes obstáculos podem ser descritos resumidamente da seguinte forma. Dificuldades de aplicação Reconhece-se cada vez mais que existem medidas bem sucedidas de prevenção da criminalidade que podem ser aplicadas a muitas formas de delinquência. Contudo, o desafio consiste em transpor este conhecimento para a prática. Muitas vezes, as políticas e práticas oficiais de prevenção da criminalidade não recorrem às boas ou melhores práticas existentes. Parece existir um desfasamento entre os resultados dos estudos e as políticas e práticas de prevenção da criminalidade, que pode ser explicado pelos seguintes motivos.
Existe, no domínio da prevenção da criminalidade, um grande número de parceiros e organizações diferentes, que muitas vezes não trabalham de forma tão coordenada quanto seria desejável. Uma outra dificuldade relaciona-se com a insuficiente interconexão entre as informações de que dispõem as numerosas autoridades e organizações envolvidas na prevenção da criminalidade (polícia, animadores de juventude, câmaras de comércio, serviços sociais municipais, etc.). A utilização limitada do grande volume de informação disponível contribui para a inadequação entre as medidas adoptadas e os verdadeiros problemas.
O conhecimento acerca dos métodos de análise quantitativa e qualitativa e de todas as medidas de prevenção possíveis, sua relevância, limitações e êxito continuam a ser insuficientes. São numerosos os exemplos do interesse limitado que a prevenção da criminalidade suscita comparativamente com os outros elementos do sistema de justiça penal. A escassez de meios e de recursos humanos faz com que o necessário planeamento a longo prazo seja muitas vezes substituído por uma estratégia a curto prazo e que seja consagrada uma atenção insuficiente à correcta aplicação dos projectos de prevenção.
Como colmatar esta lacuna Diversas medidas permitem suprimir os obstáculos acima referidos. As descrições das boas e melhores práticas deverão ser mais conviviais, particularmente para quem trabalha diariamente neste domínio. No âmbito do recrutamento, selecção e promoção dos quadros e do pessoal encarregado da aplicação das políticas de prevenção de criminalidade, deverá ser consagrada maior importância ao conhecimento da literatura especializada e dos métodos de análise, bem como da sua aplicação prática na prevenção da criminalidade. As autoridades que concedem financiamentos deveriam chamar a atenção dos responsáveis pela aplicação dos programas de prevenção para as boas e melhores práticas existentes e para as possibilidades da sua utilização. Os programas de prevenção da criminalidade apenas deveriam ser aprovados ou apoiados se estabelecessem processos adequados e uma avaliação do seu impacto. O intercâmbio de informações entre os diversos parceiros deveria ser recompensado. Alguns Estados-Membros impõem às autoridades locais, à polícia e às autoridades policiais, às autoridades sanitárias e aos comités de acompanhamento de arguidos em liberdade condicional (nomeadamente) obrigações de cooperação a nível da elaboração e aplicação de estratégias destinadas a lutar contra a criminalidade e a falta de ordem na sua região (incluindo o intercâmbio de informações) (27). Estas organizações deverão analisar a possibilidade de alterar os seus métodos de trabalho, as suas prioridades internas e as suas relações com outras agências e com a sociedade.
Os programas correctamente aplicados que não atingem os seus objectivos, mas que contribuem para o conhecimento das causas do fracasso, deverão ser recompensados e considerados positivos. Os governos deveriam criar unidades especializadas para assumir a liderança no que se refere à prevenção da criminalidade e à aplicação de intervenções de prevenção da criminalidade baseadas em resultados comprovados. As medidas de prevenção da criminalidade caracterizam-se por uma aplicação demorada, sendo necessários vários anos para o seu pleno desenvolvimento e avaliação. Uma vez que muitos dos actuais problemas de criminalidade exigem soluções que ultrapassam os limites da justiça penal tradicional, os governos deviam promover respostas a nível de todo o sistema, conferindo-lhes o mesmo estatuto político que outros elementos do sistema judicial penal.
A aplicação de uma prevenção bem sucedida, baseada em resultados comprovados, constitui uma condição prévia absoluta para que as políticas europeias de prevenção da criminalidade reforcem a justiça e a segurança.
2.2. Resultados a nível da União Europeia
Na sequência da comunicação de Novembro de 2000, a União adoptou diversos instrumentos importantes destinados a reforçar a prevenção da criminalidade em toda a União, como a Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade e os programas de financiamento Hipócrates e AGIS.
2.2.1. A Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade
Em 28 de Maio de 2001, o Conselho adoptou uma decisão que cria uma Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade (REPC) (28), cujo objectivo consiste em contribuir para desenvolver os diferentes aspectos da prevenção da criminalidade a nível da União e apoiar as acções de prevenção da criminalidade a nível local e nacional. Embora abranja todos os tipos de criminalidade, a rede consagra-se particularmente aos domínios da delinquência juvenil, da criminalidade em meio urbano e da criminalidade associada à droga. Neste contexto, a rede deverá facilitar a cooperação, os contactos e o intercâmbio de informações e de experiências entre os Estados-Membros, os organismos nacionais, a Comissão e outras redes especializadas em questões de prevenção da criminalidade. Uma outra importante tarefa da rede consiste em recolher e analisar as informações relativas às acções de prevenção da criminalidade existentes.
Resultados até ao momento
A rede tem alcançado bons resultados desde o seu lançamento em 2001. Pela primeira vez, representantes e peritos dos Estados-Membros iniciaram reuniões regulares para trocar experiências e definir uma estratégia comum e prioridades de acção e investigação com base em programas anuais. Iniciaram a elaboração de um inventário das políticas de prevenção que se têm revelado comprovadamente eficazes (boas práticas). A primeira conferência para o intercâmbio de boas práticas sobre questões de delinquência juvenil e das minorias étnicas, assaltos domésticos e assaltos associados à droga foi organizada em 7 e 8 de Outubro na Dinamarca, contando com um co-financiamento do programa Hipócrates. Foi realizada uma segunda conferência em Roma, em 11 e 12 de Novembro de 2003, que representou outro passo importante para a criação de um corpo europeu de boas práticas em matéria de prevenção.
Foram alcançados progressos a nível da definição de uma metodologia comum para elaborar, aplicar e controlar os projectos de prevenção. A criação de grupos de peritos permitiu avançar, por exemplo, no que se refere ao problema do furto de telefones portáteis como forma grave de criminalidade de rua (29) e ao reforço da cooperação entre os sectores público e privado. As reuniões de peritos permitiram igualmente detectar as lacunas existentes a nível da investigação e a forma de as colmatar. Neste contexto, o secretário da Rede está actualmente a preparar a aplicação de cinco estudos sobre temas como a violência juvenil, o índice dos roubos de automóveis, o medo da criminalidade, as perseguições nas escolas e os custos e benefícios da prevenção da criminalidade.
Foi desenvolvido um trabalho considerável a nível da recolha, descrição e melhoria da qualidade e comparabilidade das estatísticas dos Estados-Membros relativas à justiça penal. O subgrupo da REPC relativo à criminalidade e à vitimização elaborou um inventário das informações disponíveis sobre as estatísticas de criminalidade nacionais e internacionais, que constituem uma referência fácil para os responsáveis políticos dos Estados-Membros. O grupo centrou-se nos roubos (de rua), nos assaltos domésticos e nos roubos de automóveis. Em Maio de 2003 produziu um relatório que incluía recomendações sobre as formas de melhorar as estatísticas a nível internacional e de as aplicar às políticas de prevenção.
O sítio internet da REPC tornou-se um instrumento eficaz que presta informações tanto aos profissionais como ao público em geral, no que se refere às políticas de prevenção dos Estados-Membros e às actividades da REPC. A Rede estabeleceu relações de cooperação com o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência de Lisboa e com a Europol. Foram também alcançados progressos satisfatórios no que se refere ao desenvolvimento de uma metodologia comum para elaborar, aplicar e avaliar projectos concretos da prevenção da criminalidade. Esta metodologia é necessária para melhorar a qualidade dos projectos de prevenção, independentemente do local em que são realizados na União, e para permitir uma comparação normalizada entre países. As discussões na REPC centraram-se na denominada abordagem das «5 etapas».
Trata-se das cinco etapas a percorrer para a descrição e avaliação de cada projecto/medida de prevenção da criminalidade (30). A REPC prevê que os Estados-Membros cheguem a acordo sobre a abordagem das «5 etapas» durante os próximos meses. É importante formalizar este acordo para que seja garantida a sua aplicação efectiva.
Dificuldades que a REPC enfrenta
A decisão do Conselho que cria a Rede prevê uma avaliação das suas actividades nos três anos subsequentes à aprovação da decisão (31), ou seja, antes do final de 2004. Por forma a auxiliar o Conselho a efectuar a sua avaliação no próximo ano, a Comissão considera que a estrutura institucional da REPC deve ser objecto de uma avaliação aprofundada. Apesar dos resultados atingidos até agora, o funcionamento da Rede necessita ser consideravelmente melhorado. As principais dificuldades decorrem do facto de a Rede não possuir qualquer estrutura institucional, de o orçamento não ser adequado e de não existirem regras financeiras claras. Além disso, o secretariado, que conta com 1,5 efectivos, é demasiado reduzido para desempenhar correctamente as suas funções, nomeadamente se se atender ao facto de a Rede passar a incluir 25 membros de pleno direito a partir de 1 de Maio de 2004. Desta forma, a Comissão está convicta de que para de se tornar plenamente eficaz, a REPC deverá poder beneficiar do orçamento comunitário, dispor de um regulamento financeiro que defina claramente a utilização do orçamento e contar com um número adequado de efectivos no seu secretariado. As opções neste contexto consistem em dotar a rede de personalidade jurídica ou integrá-la nos serviços da Comissão.
Outro problema reside no facto de as potencialidades da Rede não poderem ser plenamente exploradas enquanto todos os Estados-Membros não se tiverem comprometido a adoptar formalmente e a aplicar políticas gerais de prevenção da criminalidade a nível nacional. Enquanto os Estados-Membros não dispuserem todos deste tipo de políticas, subsiste o risco de as actividades da Rede, por mais úteis que sejam, permanecerem parcialmente isoladas, sem um seguimento adequado a nível da prática nacional de prevenção da criminalidade nos Estados-Membros.
2.2.2. Programas Hipócrates e AGIS
Na sequência da comunicação de Novembro de 2002 relativa à prevenção da criminalidade, a União adoptou dois instrumentos de co-financiamento de projectos de cooperação entre Estados-Membros no domínio da prevenção da criminalidade:
Hipócrates em 2001 e AGIS em 2002.
O programa «Hipócrates» (32) tem por objectivo promover a cooperação entre todas as organizações públicas e privadas dos Estados-Membros que participam na prevenção da criminalidade. Foi instituído por um período de dois anos, ou seja, 2001 e 2002. As suas prioridades em matéria de prevenção geral da criminalidade baseavam-se nos três temas prioritários identificados pelo Conselho Europeu de Tampere e no programa de trabalho da REPC, a saber, a delinquência juvenil e a criminalidade em meio urbano e associada à droga. Em 2001 foram financiados 23 projectos das 60 propostas apresentadas. Em 2002 o programa (33) recebeu 44 projectos, dos quais 14 beneficiaram de apoio financeiro. Podem ser citados como exemplos de projectos aprovados a cooperação entre os sectores público e privado na prevenção da criminalidade, o vandalismo nos jogos de futebol e o urbanismo ao serviço da luta contra a criminalidade. Na sequência da proposta da Comissão, o Conselho adoptou, em 22 de Julho de 2002, um programa-quadro de cooperação policial e judiciária em matéria penal (34), o programa AGIS, que veio nomeadamente substituir o programa Hipócrates.
Em 2003 foram co-financiados 30 dos 54 projectos de prevenção da criminalidade apresentados. Entre as propostas aprovadas podem citar-se a concepção de meios urbanos seguros, o intercâmbio de melhores práticas em matéria de delinquência juvenil e criminalidade urbana e também os custos da criminalidade e sua afectação.
2.3. Prémio Europeu de Prevenção da Criminalidade
O Prémio Europeu de Prevenção da Criminalidade (ECPA — European Crime Prevention Award) é uma iniciativa dos Países Baixos, da Bélgica e do Reino Unido lançada em 1997. Na origem desta iniciativa esteve a ideia de proporcionar um incentivo aos intervenientes a nível da prevenção da criminalidade, seleccionando todos os anos para o prémio europeu os dois melhores projectos de prevenção de criminalidade. Os projectos tinham de ser escolhidos com base em critérios preestabelecidos, como a possibilidade de reprodução, o respeito das condições locais e a sua eficácia em termos de redução efectiva da criminalidade. Desde o seu lançamento, seis outros Estados-Membros vieram juntar-se ao ECPA (Dinamarca, França, Suécia, Portugal, Grécia e Finlândia).
Os objectivos do prémio são os seguintes: contribuir para a redução da criminalidade e do medo a ela associado, partilha de boas práticas a nível internacional e um maior incentivo para as actividades de prevenção da criminalidade. O prémio proporciona uma oportunidade única de sensibilização para a prevenção da criminalidade num contexto muito amplo, que inclui tanto os trabalhadores no terreno como representantes oficiais dos Estados-Membros e dos países candidatos. Para que este prémio seja amplamente divulgado e, espera-se, aceite por todos os Estados-Membros, a União Europeia co-financiou a iniciativa através do programa Hipócrates. Graças a esta ajuda financeira, o ECPA de 2002 não se limitou à apresentação das melhores práticas e das práticas mais promissoras, mas incluiu igualmente um debate aprofundado sobre a aplicação e a avaliação dos projectos participantes. A Comissão considera que para reforçar a coerência e a estabilidade, o ECPA deverá futuramente integrar-se na REPC e incluir todos os Estados-Membros da União Europeia.
3. CONCLUSÕES E ACÇÕES RECOMENDADAS
A prevenção da criminalidade de massa é um instrumento político relativamente recente, mas potencialmente eficaz, para reduzir a criminalidade. Por conseguinte, deveria constituir uma área política de pleno direito na União Europeia.
Por forma a garantir uma prevenção mais efectiva da criminalidade em toda a União, a Comissão considera essencial que estejam preenchidas as seguintes condições, tanto a nível dos Estados-Membros como a nível da União Europeia.
3.1. Condições essenciais nos Estados-Membros
As autoridades locais na primeira linha
A criminalidade de massa ocorre normalmente a nível local. Desta forma, as autoridades locais são as primeiras responsáveis pela resolução deste problema, se possível apoiadas pelas autoridades nacionais. A cooperação a nível da União Europeia pode constituir um importante meio para facilitar e apoiar estas actividades sem, todavia, substituir as políticas nacionais dos Estados-Membros.
As políticas nacionais de prevenção da criminalidade são fundamentais Embora a maioria dos Estados-Membros tenha desenvolvido políticas de prevenção da criminalidade de massa, existe no entanto um número considerável de Estados-Membros que ainda não o fez. Desta forma, a Comissão propõe que todos os Estados-Membros se comprometam formalmente a instituir políticas efectivas de prevenção da criminalidade de massa.
É importante seguir normas reconhecidas internacionalmente Para que a realização de políticas de prevenção da criminalidade seja coroada de êxito é necessário que se encontrem preenchidas diversas condições essenciais. Muitas delas figuram na lista das orientações das Nações Unidas para a prevenção da criminalidade (35). Estas condições incluem, nomeadamente, a existência de um compromisso político ao mais alto nível, recursos adequados, incluindo apoio financeiro para estruturas e actividades, orientações provenientes do nível nacional e dirigidas ao nível local, bem como uma parceria eficiente entre o sector público e o sector privado. As estratégias de prevenção de criminalidade deveriam também, sempre que adequado, consagrar a devida atenção às diferentes necessidades dos homens e das mulheres e tomar em consideração as necessidades específicas dos elementos vulneráveis da sociedade.
Esta diferenciação é igualmente importante tanto no que se refere aos delinquentes como às vítimas. A Comissão considera que, no interesse de uma prevenção eficaz da criminalidade em toda a União, é necessário integrar os princípios de prevenção da criminalidade das Nações Unidas nas políticas nacionais de prevenção dos Estados-Membros.
3.2. Condições essenciais a nível da União Europeia
A fim de apoiar eficazmente as actividades a nível nacional, evitar duplicações de esforços e utilizar os recursos disponíveis de forma mais eficiente, algumas acções de cooperação no domínio da prevenção da criminalidade de massa deverão igualmente ser realizadas a nível da União Europeia. Na opinião da Comissão, as principais tarefas e actividades a realizar a nível da União Europeia são as seguintes: proceder ao intercâmbio de experiências entre os responsáveis políticos e os peritos em matéria de prevenção; definir e adoptar prioridades de acção comuns; chegar a acordo quanto às políticas e medidas de prevenção de eficácia comprovada (boas práticas); chegar a acordo sobre metodologias uniformes para elaborar, aplicar e avaliar as políticas de prevenção; reforçar a sensibilização em toda a União para a importância da prevenção geral da criminalidade; chegar a acordo sobre a investigação comum a realizar para colmatar as lacunas existentes nesta área; lançar projectos comuns de prevenção; controlar e avaliar as políticas nacionais de prevenção; melhorar a comparabilidade das estatísticas nacionais por forma a identificar as diferenças entre os níveis de criminalidade (para que se possam identificar as causas do êxito/fracasso das políticas).
Estas tarefas e actividades beneficiariam do apoio dos Estados-Membros, partindo-se do princípio de que as actividades realizadas em conjunto pelos Estados-Membros no contexto da REPC não podem em caso algum substituir as actividades concretas de prevenção da criminalidade a nível nacional.
Para que a REPC funcione mais eficazmente e possa ultrapassar as dificuldades expostas no ponto 2.2.1, a Comissão tenciona apresentar uma proposta formal no que se refere à futura estrutura institucional da Rede na sequência da sua avaliação em 2004.
No contexto da REPC, a Comissão propõe que nos próximos anos os Estados-Membros e a Comissão se centrem em especial nas seguintes cinco áreas de acção prioritárias, a fim de alcançar mais rapidamente progressos concretos:
Tipos prioritários de criminalidade
Em primeiro lugar, é necessário identificar e chegar a um acordo formal sobre os tipos exactos de criminalidade de massa em que os Estados-Membros deverão centrar a sua atenção. As conclusões do Conselho Europeu de Tampere e a decisão do Conselho que cria a REPC seleccionaram a delinquência juvenil e a criminalidade em meio urbano e associada à droga como áreas prioritárias. Trata-se, contudo, de categorias demasiado amplas. Desta forma, a Comissão propõe subdividi-las, de forma exaustiva, entre todos os tipos de crimes que integram estas três categorias (por exemplo, roubos de rua, roubos de automóveis, assaltos, etc.). Com base nesta lista, deveriam ser seleccionados tipos prioritários de criminalidade para que lhes seja consagrada especial atenção.
Inventário de boas práticas
Em segundo lugar e paralelamente, deveria ser elaborado e aprovado um inventário de todas as boas práticas existentes para cada um dos tipos de criminalidade seleccionados. Subsequentemente, os Estados-Membros deverão seleccionar em conjunto as boas práticas que considerem mais eficazes, comprometendo-se depois a iniciar a aplicação de cada uma delas na luta contra o tipo de criminalidade relevante.
Uma metodologia comum – a abordagem das «5 etapas» Uma terceira prioridade consiste em chegar a acordo sobre uma metodologia comum para elaborar, aplicar e avaliar os projectos concretos de prevenção da criminalidade. Trata-se de uma iniciativa necessária para melhorar a qualidade dos projectos de prevenção e para permitir uma comparação normalizada entre países. A Comissão tenciona utilizar os bons resultados alcançados nos últimos anos na União no que se refere à denominada abordagem das «5 etapas» e chegar a um acordo formal nos próximos meses.
Controlo e avaliação
O controlo e avaliação regulares das políticas gerais de prevenção da criminalidade dos Estados-Membros constituem igualmente uma importante actividade a realizar a nível da União Europeia. A experiência obtida com o mecanismo de avaliação conjunta estabelecido pela acção comum de 5 de Dezembro de 1997 (36) na área do crime organizado revelou que este mecanismo pode desempenhar um papel útil no controlo dos progressos alcançados, na comparação de experiências, no estabelecimento de conclusões a nível político e na informação dos cidadãos europeus. Consequentemente, esta solução deverá também ser proposta no que se refere à prevenção da criminalidade de massa.
Estatísticas
Por último, a cooperação europeia é dificultada pelas diferenças em matéria de definição, procedimentos de registos e estrutura das estatísticas relativas à criminalidade e à justiça penal. Os Estados-Membros necessitam de estatísticas válidas relativas à frequência dos tipos prioritários de criminalidade. Só uma melhor comparabilidade dos dados estatísticos relativos à criminalidade poderá contribuir para identificar as diferenças entre o nível e o tipo de criminalidade a nível nacional, regional e urbano e para identificar medidas eficazes para intervenções e políticas adequadas a nível da União Europeia.
Observações finais
Com base num debate com o Parlamento Europeu e o Conselho sobre a presente comunicação e tomando em consideração as conclusões da avaliação da REPC que deverá ser efectuada pelo Conselho em meados de 2004, a Comissão tenciona apresentar até ao final deste mesmo ano propostas no sentido de aplicar as recomendações acima referidas, por forma a alcançar progressos mais rápidos e mais tangíveis no que se refere à prevenção da criminalidade de massa na União.
Notas:
(1) JO C 251 de 15.8.1997.
(2) JO C 19 de 23.1.1999, p. 1. Plano de Acção do Conselho e da Comissão, de 3 de Dezembro de 1998, sobre a melhor forma de aplicar as disposições do Tratado de Amesterdão relativas à criação de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça, designado Plano de Acção de Viena.
(3) JO C 124 de 3.5.2000.
(4) COM(2000) 786 final, de 29 de Novembro de 2000.
(5) A criação do fórum foi prevista na comunicação da Comissão referida na nota 4. A primeira reunião plenária do fórum realizou-se em 17 e 18 de Maio de 2001.
(6) Decisão do Conselho de 28 de Maio de 2001 (JO L 153 de 8.6.2001).
(7) JO L 186 de 7.7.2001.
(8) INRA (Maio de 2003), Public Safety. Exposure to drug-related problems and crime. Public opinion survey.
http://europa.eu.int/comm/justice_home/eucpn/projects.html
(9) Van Dijk, Jan J. M. (1994), «Understanding crime rates: On the interactions between the rational choices of victims and offenders», British Journal of Criminology, vol. 34, n.o 2, pp. 105-121.
(10) 1) Van Kesteren, John e outros (2001), Criminal Victimisation in Seventeen Industrialised Countries: Key Findings from the 2000 International Crime Victims Survey, Haia, Ministério da Justiça, RDC. 2) Barclay, Gordon & Tavares, Cynthia (Julho de 2003), International Comparisons of Criminal Justice Statistics 2001, Londres, Direcção da Investigação, Desenvolvimento e Estatísticas do Ministério do Interior. 3) REPC (Outubro de 2003), Crime trends in the EU, Bruxelas, Comissão Europeia, DG JAI, Secretariado da REPC.
(11) As estimativas nacionais de custos mais sofisticadas são as referentes à Inglaterra e ao País de Gales, relativamente aos quais o Ministério do Interior publicou um relatório fruto de ampla investigação e análise, que revela que os custos anuais da criminalidade se elevaram a 60 000 milhões de libras, ou seja, 1 700 euros per capita, em 2000. Estes custos incluíram os custos das medidas preventivas, como a segurança privada (cerca de 9 %); as consequências, como o impacto para as vítimas dos prejuízos, sofrimento e degradação das zonas residenciais (cerca de 71 %); e as medidas adoptadas, como despesas correntes relativas ao policiamento, tribunais e penas (cerca de 20 %). Brand, Sam & Price, Richard (2000), The Economic and Social Costs of Crime, Londres, Direcção da Investigação, Desenvolvimento e Estatísticas do Ministério do Interior.
(12) Kleemans, E. & Van De Bunt, H. G. (1999), «Social embeddedness of organized crime», Transnational Organized Crime, vol. 5, n.o 1, pp. 19-36. Sampson, R. J. (1997), «Neighborhoods and violent crime: A multilevel study of collective efficacy», Science, vol. 277, 15 August, pp. 2-25.
(13) Ver n.o 3 do artigo 1.o da Decisão do Conselho de 28 de Maio de 2001, que cria uma Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade (JO L 153 de 8.6.2001, p. 1).
(14) Irving, B. (2002), Fear of crime: Theory, measurement and application, Londres, Police Foundation.
(15) Nos últimos anos diversos estudos demonstraram que as medidas de prevenção da criminalidade constituem formas eficazes de diminuir a criminalidade:
— Sherman, L. W. e outros (1997), Preventing crime: What works, what doesn't, what's promising, Washington, D. C., Departamento da Justiça dos Estados Unidos. Disponível em: http://www.preventingcrime.org/report/index.htm
— Goldblatt, Peter & Lewis, Chris (Eds.) (1998), Reducing offending: An assessment of research evidence on ways of dealing with offending behaviour, Londres, Ministério do Interior. Disponível em: http://www.homeoffice.gov.uk/rds/pdfs/hors187.pdf
— Clarke, Ronald V. (Ed.) (1999), Situational crime prevention: Successful case studies, Albany, Harrow and Heston.
— Sansfacon, Daniel & Welsh, Brandon (1999), Crime prevention digest II: Comparative analysis of successful community safety.
http://www.crime-prevention-intl.org/english/publications/index.html#CrimePDigestII
— Waller, Irvin & Sansfacon, Daniel (2000), Investing wisely in crime prevention: International experience.
http://www.crime-prevention-intl.org/Telechargement/USbjainvstcrimprev182412.pdf
— Welsh, Brandon C. e outros (Ed.) (2001), Costs and benefits of preventing crime, Oxford, Westview Press.
— Sherman, Lawrence W. e outros (Ed.) (2002), Evidence based crime prevention, Routledge. REPC (2003), Exchange of good practice in crime prevention between practitioners in the Member States.
http://europa.eu.int/comm/justice_home/eucpn/docs/aalborgReport200212.pdf
(16) Willemse, Hans M. (1998), «Overlooking crime prevention: Ten years of crime prevention in the Netherlands», Security Journal, volume 7, n.o 3, pp. 177-184.
(17) Center for the Study and Prevention of Violence/CSPV (2003), Model programs and promising programs.
http://www.colorado.edu/cspv/bleuprints/default.htm
(18) Farrington, D. P. & Welsh, B.C. (2002), «Improved street lighting and crime prevention», Justice Quarterly, vol. 19, n.o 2, pp. 313-342.
(19) http://europa.eu.int/comm/youth/index_en.html
(20) Foi lançada uma rede europeia mais ampla e foi fornecido apoio à Associação Europeia de Educação na Prisão para consolidar e alargar as suas
actividades. A formação de educadores das prisões (e dos guardas de prisão, cujo papel para a criação de um quadro de aprendizagem positivo é fundamental) exige neste contexto particular atenção.
(21) 1) Van Kesteren, John e outros (2001), Criminal Victimisation in Seventeen Industrialised Countries: Key Findings from the 2000 International Crime Victims Survey, Haia, Ministério da Justiça, RDC. 2) Barclay, Gordon & Tavares, Cynthia (Julho de 2003), International Comparisons of Criminal Justice Statistics 2001, Londres, Direcção da Investigação, Desenvolvimento e Estatísticas do Ministério do Interior. 3) REPC (Outubro de 2003), Crime Trends in the EU, Bruxelas, Comissão Europeia, DG JAI, Secretariado da REPC.
(22) Ver http://www.unicri.it/international_crime_victim_survey.htm
(23) INRA (2003), Public safety, Exposure to drug-related problems and crime, Public opinion survey. Para consultar o relatório integral, o resumo e os quadros: http://europa.eu.int/comm/justice_home/eucpn/projects.html
(24) Ekblom, Paul (2002), «Future Imperfect: Preparing for the Crimes to Come», Criminal Justice Matters, Winter 2002, pp. 38-40.
(25) Em 2002, o programa britânico «Foresight» elaborou o relatório «Turning the Corner» (disponível no endereço www.foresight.gov.uk). Ministério da Justiça dos Países Baixos (2001), Justitie Over Morgen: een Strategische Verkenning, Haia.
(26) Nos últimos anos, a maioria dos Estados-Membros tem vindo a desenvolver políticas de prevenção da criminalidade. Os factores que determinam o êxito destas políticas são normalmente um empenhamento político ao mais alto nível, a afectação de recursos adequados para a prevenção, o fornecimento de orientações às autoridades locais e regionais e uma cooperação estreita entre as autoridades públicas e a sociedade, incluindo o sector privado. É importante realçar que estes factores estão incluídos nas orientações das Nações Unidas para a prevenção da criminalidade de 2002 (ver igualmente a nota 33).
(27) http://www.homeoffice.gov.uk/docs/cdaindex.html
(28) JO L 153 de 8.6.2001, p. 1.
(29) A reunião de peritos sobre o furto de telefones portáteis foi seguida de uma reunião entre a Comissão, os fabricantes, os fornecedores e Estados-Membros interessados, realizada em Junho de 2003 e destinada a definir as acções que deveriam ser adoptadas a nível nacional e da União Europeia. Prosseguem as discussões com base num questionário, para determinar, em princípio antes do final de 2003, quais as acções que são mais efectivas a cada nível e quem deverá tomar iniciativas concretas.
(30) Ekblom, Paul (2003), The «5 Is» framework [os «5 Is» ou «5 etapas» referem-se a: 1) Informação: recolha e análise de informações; 2) Intervenção:
neutralizar, suprimir ou enfraquecer as causas da criminalidade; 3) Aplicação: converter os princípios de intervenção em métodos práticos; 4)
Envolvimento: mobilizar outras agências, empresas e indivíduos para desempenharem o seu papel na aplicação da intervenção ou para actuarem em parceria; 5) Avaliação do impacto e do processo].
http://europa.eu.int/com/justice_home/eucpn/practices.html
(31) Artigo 6.o da Decisão do Conselho de 28 de Maio de 2001, que cria uma Rede Europeia de Prevenção da Criminalidade (JO L 153 de 8.6.2001, p. 1).
(32) JO L 186 de 7.7.2001, p. 11.
(33) Relatório relativo ao programa Hipócrates de 2002, SEC(2003) 1176, de 23 de Outubro de 2003.
(34) JO L 203 de 1.8.2002, p. 5.
(35) Ver Comissão das Nações Unidas sobre a Prevenção da Criminalidade e a Justiça Penal, relatório da 11.a sessão (16-25 de Abril de 2002) — Conselho Económico e Social, Registos Oficiais, 2002; Suplemento n.o 10.
(36) JO L 344 de 15.12.1997, p. 7. Na Acção Comum os Estados-Membros chegaram a acordo relativamente a um mecanismo de avaliação, pelos pares, da aplicação e concretização a nível nacional dos actos e instrumentos da União na luta contra o crime organizado.