Reforma do Sistema Prisional

Exposição de motivos



O XV Governo Constitucional assumiu no seu Programa de Governo a adopção de um vasto conjunto de medidas com vista a reformar o sistema prisional, ciente do imperativo público de garantir a segurança dos cidadãos e a humanização do sistema, bem como a eficiência dos instrumentos de reinserção social.


Participando da política criminal que incumbe também ao Governo propor e executar, a reforma do sistema prisional é um imperativo que decorre das exigências constitucionais, desde logo da chamada Constituição penal.


No quadro de uma visão global, integrada e coerente das reformas da justiça, o Governo empreende agora uma profunda e completa reforma do sistema prisional.


É neste contexto que se enquadra a apresentação, pelo Governo, da presente proposta de lei, a qual decorre directamente do trabalho da Comissão para o Estudo e Debate da Reforma do Sistema Prisional (CEDERSP), criada pela Portaria n.º 183/2003, de 21 de Fevereiro, no âmbito do Ministério da Justiça.


Após um longo e aturado trabalho de análise, em toda a sua extensão, das características estruturais e da situação actual do sistema prisional português, bem como dos aspectos determinantes que, em termos de pressupostos legais e de ambiência externa, o condicionam, sem descurar um indispensável estudo comparatístico, foi apresentado o Relatório Final da Comissão, que mereceu o acolhimento, pelo Governo, do essencial das suas propostas.


Nesta óptica, a proposta de lei que agora se apresenta assume-se como um momento fundador de uma nova atitude face ao sistema prisional português, pretendendo assegurar consensualmente a consagração normativa de princípios e de regras que, uma vez concretizados, quer através dos restantes diplomas que esta lei implica, quer através das medidas administrativas necessárias, permitirão assegurar uma melhoria acentuada da situação das prisões portuguesas e do nível de reinserção social dos reclusos.


Após o amplo debate promovido pela Comissão, bem como tendo em conta a apresentação prévia, e subsequente discussão, promovida pelo Ministério da Justiça, nomeadamente junto do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público e da Ordem dos Advogados, a presente proposta de lei estabelece os objectivos e princípios gerais que devem pautar a reforma do sistema prisional, bem como o conteúdo principal da legislação relativa à execução das penas, ao funcionamento dos tribunais de execução das penas e à intervenção dos serviços prisionais e dos serviços de reinserção social. Desenvolvem-se também regras de organização e gestão bem como o modelo de suporte financeiro do próprio sistema prisional, que permitirão assegurar a concretização da reforma. Consagra-se o princípio da necessidade de ampla renovação do parque penitenciário português, assim como da instituição de adequados mecanismos de acompanhamento da reforma e de avaliação do sistema. A concluir, aponta-se uma calendarização dos passos concretos a empreender para dar corpo às principais alterações consideradas necessárias.


É de realçar também que, com esta lei, o que se apresenta é um verdadeiro programa a longo prazo (12 anos) de reforma do sistema prisional português, a iniciar-se, depois da aprovação deste diploma.


Deste modo, o sistema prisional, tal como considerado na presente proposta, é objecto normativo de um planeamento a longo prazo, apesar de suficientemente flexível para incorporar as modificações que eventualmente se forem afigurando como necessárias.


O enquadramento valorativo e os fins que o sistema prisional deve procurar prosseguir ao abrigo desta reforma encontram-se expressamente descritos no texto da presente proposta de lei e que cabe aqui reproduzir: a consecução, em Portugal, de um sistema prisional humano, justo e seguro, orientado para a reinserção social dos reclusos; a colocação do sistema prisional português em harmonia com os padrões e médias dos países membros da União Europeia, no termo do processo de reforma; a garantia dos direitos fundamentais dos reclusos; a maior dignificação das condições de vida dos reclusos nos estabelecimentos prisionais; a criação das oportunidades necessárias e adequadas para o desenvolvimento do processo individual de reinserção social de cada condenado; a satisfação das necessidades quotidianas dos reclusos, designadamente em matéria de saúde, educação, trabalho, segurança social, cultura e desporto, bem como em matéria de assistência religiosa, conforme as opções individuais de cada um; o reforço das medidas de combate à entrada e circulação de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e outras de uso ilícito nos estabelecimentos prisionais e, bem assim, a adopção das medidas adequadas de tratamento e recuperação dos reclusos toxicodependentes ou portadores de doenças infecciosas virais graves; a prestação do adequado apoio jurídico aos reclusos, em articulação com a Ordem dos Advogados; a prestação de informação e de apoio social às famílias que deles careçam em virtude da situação de reclusão de algum dos seus membros; a prestação de apoio aos ex-reclusos, nos primeiros tempos de liberdade, designadamente sob a forma de casas de saída, de acesso ao rendimento social de inserção e de ajuda à procura de trabalho; a prestação de apoio, quando for caso disso, aos reclusos em cumprimento de medidas de flexibilização da execução da pena; o combate à sobrelotação dos estabelecimentos prisionais; a renovação e modernização do parque penitenciário; o controlo regular do funcionamento e qualidade do sistema prisional, por entidades interiores e exteriores ao sistema, bem como o acompanhamento da execução da presente reforma; o apoio do Estado ao trabalho voluntário de ajuda aos reclusos e suas famílias, bem como a possibilidade do mecenato para a reinserção social; a abertura dos modos de funcionamento dos estabelecimentos prisionais à participação de entidades privadas, sem prejuízo da reserva ao Estado do exercício dos poderes de direcção, autoridade e fiscalização.


No que aos serviços prisionais se refere, entende-se que não é possível pretender alterar as actuais condições dos estabelecimentos prisionais, ou acentuar efectivamente a componente de reinserção social do sistema, sem uma mudança mais profunda na própria estrutura dos serviços. Assim, esta lei funcionará como propulsora da alteração à própria orgânica e gestão dos serviços prisionais. A gestão dos serviços centrais e dos estabelecimentos prisionais é aperfeiçoada, incentivando a sua racionalidade e eficácia. Os dados fundamentais a que a reforma deve atender neste ponto são, por um lado, a eficiência da gestão e do funcionamento dos serviços, seja ao nível central, seja ao nível dos estabelecimentos prisionais, e, por outro, a efectiva participação dos serviços prisionais na ideia, mais vasta e legitimadora do sistema, de reinserção social da população reclusa.


No vasto domínio da execução das penas e outras medidas privativas da liberdade, acentuam-se dois aspectos: o reforço da intervenção dos tribunais de execução das penas e dos serviços de reinserção social e, bem assim, o estabelecimento de formas de cooperação efectiva entre o sistema prisional e a sociedade em geral.


Este último ponto deve ser realçado, já que decorre, de facto, de uma ideia do sistema prisional, não como um reduto esquecido e incómodo, oposto à sociedade, mas, pelo contrário, como parte da própria comunidade, devendo como tal ser considerado, quer pelos cidadãos em geral, quer pelos poderes públicos. Assim, incentiva-se a celebração de protocolos de cooperação entre o sistema prisional e outras entidades públicas, bem como com entidades da sociedade civil, tendo em vista a melhoria das condições de vida dos reclusos no meio prisional e a potenciação da sua reintegração na vida em liberdade.


É prevista também a possibilidade do mecenato para a reinserção social, na perspectiva do chamamento à colaboração com o sistema prisional de entidades privadas habitualmente alheias a qualquer contacto com esta realidade; tal como é estimulado o já existente voluntariado no meio prisional, nomeadamente através da possibilidade de atribuição do estatuto de utilidade pública às instituições de direito privado e sem fim lucrativo que desenvolvam actividades de voluntariado junto do sistema prisional.


O Governo assume aqui o firme propósito de promover uma efectiva e indispensável articulação entre o Ministério da Justiça e o Ministério da Saúde, tendo em conta as exigências e especificidades da saúde em meio prisional e a necessidade de garantir a responsabilidade da prestação de cuidados de saúde aos reclusos, assegurando a qualidade e continuidade dessa prestação.


No tocante à instância judicial de execução das penas, atendendo à especificidade desta jurisdição, várias ideias novas são apresentadas: alargam-se significativamente as competências dos tribunais de execução das penas; expande-se a respectiva rede nacional; aumentam-se as competências do Ministério Público junto desses tribunais; institui-se a possibilidade de recurso ordinário das respectivas decisões em sede de modificação da execução da pena de prisão; cria-se, no domínio da execução das penas, a figura do recurso para uniformização de jurisprudência, de modo a assegurar uma efectiva igualdade na apreciação judicial das mesmas questões de direito.


Os serviços de reinserção social vêm a sua capacidade de intervenção reforçada, no quadro organizacional dos institutos públicos, por si e em cooperação com os serviços prisionais, quer em ambiente prisional, quer na execução de medidas de flexibilização e de modificação da pena de prisão, quer ainda na execução de penas e medidas não privativas da liberdade, bem como na articulação das diferentes formas de apoio às famílias dos reclusos e à saída destes para a vida em liberdade.


Ciente de que o núcleo de concretização desta reforma ambiciosa reside nos serviços prisionais e de reinserção social, está já em curso a elaboração das novas leis orgânicas dos serviços prisionais e dos serviços de reinserção social, as quais traduzem as linhas orientadoras atrás referidas e pressupõem, tendo em conta a singularidade das funções prosseguidas por estes serviços e o momento fundador da reforma, que o respectivo pessoal constitui um corpo especial, dotado de um conjunto de direitos e deveres específicos.


No que se refere ao modelo de suporte financeiro e no domínio da gestão do sistema prisional, é consagrado um modelo financeiro e de gestão públicos, com base na ideia de que é ao Estado que cabe, em primeira linha, assegurar o suporte do sistema prisional. Simultaneamente, abre-se caminho para algumas formas limitadas de participação da iniciativa privada na esfera do sistema prisional, entendida essencialmente como uma abertura do sistema à própria comunidade. Naturalmente, o domínio da execução da pena de prisão em sentido estrito, bem como todas as questões ligadas à direcção efectiva dos estabelecimentos, à segurança que ao sistema prisional compete garantir e à fiscalização das actividades privadas de parceria ou cooperação com o sistema prisional, são consideradas como áreas fora de qualquer possibilidade de intervenção privada: nesses domínios, reafirma-se o carácter exclusivamente público do sistema.


O modelo de suporte financeiro da reforma do sistema prisional deve corresponder, em termos de planificação, às fases estabelecidas para a implementação da própria reforma, dividida em três planos quadrienais.


A presente reforma do sistema prisional não ficaria completa, nem faria grande sentido, se não comportasse como seu elemento essencial um amplo programa de renovação do parque penitenciário português, o qual o Governo, através do Ministério da Justiça, se propõe assumir e adoptar, quer na modalidade de construção de novos estabelecimentos prisionais, quer na da realização de obras de grande reparação, modernização e melhoramento dos já existentes, quer ainda na extinção dos estabelecimentos entretanto substituídos ou que não revistam as condições mínimas necessárias para serem mantidos.


Por outro lado, reconhecendo a importância da existência de mecanismos de avaliação do sistema e de acompanhamento da reforma, designadamente os controlos genéricos, quer nacionais, quer internacionais, que neste momento já funcionam, é instituído um controlo específico do funcionamento e qualidade do sistema, regulado por decreto-lei, onde se definirá uma adequada grelha dos padrões de qualidade a que deve obedecer o sistema prisional. Em complemento é criada uma Comissão de Acompanhamento da Execução da Reforma, com a função de monitorizar e avaliar o grau de realização dos objectivos e concretização das medidas estabelecidos no presente diploma, bem como os resultados da aplicação dos instrumentos normativos nele previstos. A Comissão apresentará, de dois em dois anos, um relatório ao Governo, que, por sua vez, o enviará à Assembleia da República.


A reforma delineada na presente proposta de lei procura ser um instrumento decisivo para suplantar a profunda crise que há muito afecta o nosso sistema prisional. Mas mais do que um contributo a presente reforma marca sobretudo uma nova visão do sistema prisional, uma visão integrada e global do sistema e não, como no passado, meramente sectorial ou pontual. Coloca-se, assim, o sistema prisional no seu lugar próprio, integrado na dinâmica da política criminal e, bem assim, na política social do Estado.


Esta perspectiva leva o legislador a contemplar em conjunto os aspectos essenciais que importa considerar para atingir uma reforma eficaz do sistema - nomeadamente no campo da acção interministerial que o relaciona, com vista ao reforço da política de reinserção social, com os sectores da saúde, da educação, da segurança social, do trabalho, da formação profissional, do emprego e do desporto -, o que faz da problemática prisional um tema que interessa ao Estado no seu conjunto e a toda a sociedade civil, porque não é apenas uma questão privativa de um ministério ou de uma direcção-geral, mas uma verdadeira questão de âmbito nacional.


Assume-se, com a presente proposta de Lei, uma forma inovadora, no seio da Administração Pública Portuguesa, de planeamento a médio prazo e respectiva execução faseada, devidamente acompanhada e controlada. São pois mudanças de fundo que a presente proposta consubstancia.


Assim:
Nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei, para ser aprovada e valer como lei geral da República:


Lei-quadro da reforma do sistema prisional


Capítulo I
Finalidade e âmbito da reforma
Artigo 1.º
Objecto

A presente lei estabelece as bases de um sistema integrado, actualizado e estabilizado no longo prazo, de execução de penas e medidas privativas da liberdade, e fixa nomeadamente:

    a) Os objectivos e princípios gerais da reforma do sistema prisional;
    b) As linhas orientadoras da revisão dos diplomas reguladores da actuação:
    i) Dos serviços prisionais;
    ii) Dos tribunais de execução das penas, tendo em vista a sua actualização e o reforço da sua intervenção na execução da pena de prisão;
    iii) Dos serviços de reinserção social, tendo em vista o reforço da sua capacidade de intervenção, por si e em cooperação com os serviços prisionais, quer em ambiente prisional, quer na execução de medidas de flexibilização e de modificação da pena de prisão, quer ainda na execução de penas e medidas não privativas da liberdade, bem como na articulação das diferentes formas de apoio às famílias dos reclusos e à saída dos ex-reclusos para a vida em liberdade;
    c) O conteúdo essencial dos instrumentos normativos necessários à execução da reforma;
    d) O modo de aprovação do programa de renovação do parque penitenciário;
    e) O acompanhamento da reforma e a avaliação do sistema prisional;
    f) Os termos e as condições da execução da reforma.

Artigo 2.º
Objectivos da reforma

A reforma do sistema prisional prossegue os seguintes objectivos principais:

    a) A consecução, em Portugal, de um sistema prisional humano, justo e seguro, orientado para a reinserção social dos reclusos;
    b) A colocação do sistema prisional português, no termo do processo de reforma, em harmonia com os padrões e médias dos países membros da União Europeia;
    c) A garantia dos direitos fundamentais dos reclusos;
    d) A maior dignificação das condições de vida dos reclusos nos estabelecimentos prisionais;
    e) A criação das oportunidades necessárias e adequadas para o desenvolvimento do processo individual de reinserção social de cada condenado;
    f) A satisfação das necessidades quotidianas dos reclusos, designadamente em matéria de saúde, educação, trabalho, segurança social, cultura e desporto, bem como em matéria de assistência religiosa, de acordo com as opções individuais de cada um;
    g) O reforço das medidas de combate à entrada e circulação de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e outras de uso ilícito nos estabelecimentos prisionais e, bem assim, a adopção das medidas adequadas de tratamento e recuperação dos reclusos toxicodependentes ou portadores de doenças infecciosas virais graves;
    h) A prestação do adequado apoio jurídico aos reclusos, em articulação com a Ordem dos Advogados;
    i) A prestação de informação e de apoio social às famílias que deles careçam em virtude da situação de reclusão de algum dos seus membros;
    j) A prestação de apoio aos ex-reclusos, nos primeiros tempos de liberdade, designadamente sob a forma de casas de saída, de acesso ao rendimento social de inserção e de ajuda à procura de trabalho;
    l) A prestação de alguns dos tipos de apoio previstos na alínea anterior, quando for caso disso, aos reclusos em cumprimento de medidas de flexibilização da execução da pena;
    m) O combate à sobrelotação dos estabelecimentos prisionais;
    n) A renovação e modernização do parque penitenciário;
    o) O controlo regular do funcionamento e qualidade do sistema prisional, por entidades interiores e exteriores ao sistema, bem como o acompanhamento da execução da presente reforma;
    p) O apoio do Estado ao trabalho voluntário de ajuda aos reclusos e suas famílias, bem como o reconhecimento do mecenato para a reinserção social;
    q) A abertura do funcionamento dos estabelecimentos prisionais à participação de entidades privadas, nos termos da Constituição e da presente lei.

Capítulo II
Serviços prisionais
Secção I
Princípios orientadores
Artigo 3.º
Âmbito e objectivos

1 - Os serviços prisionais visam garantir a execução das penas e medidas privativas da liberdade, contribuindo para a defesa da ordem e paz social, através da manutenção da segurança da comunidade e da criação de condições que permitam aos reclusos conduzir a sua vida de forma socialmente responsável sem riscos de reincidência.
2 - Os objectivos fixados no número anterior são indissociáveis da realidade social e têm subjacente a importância da responsabilidade individual.
3 - Para a prossecução dos objectivos fixados, é reconhecido o carácter essencial das relações interpessoais no meio prisional e da formação e qualidade de desempenho dos intervenientes, em especial do pessoal penitenciário.
4 - No âmbito da respectiva competência, os serviços prisionais integram o sistema de administração da justiça e, nos termos estabelecidos por lei, o sistema de segurança interna.


Artigo 4.º
Princípios gerais

1 - Os objectivos dos serviços prisionais são prosseguidos na observância da legalidade democrática e atendendo aos seguintes princípios gerais:

    a) O respeito activo pelos direitos fundamentais do recluso, definidos pela Constituição ou pela lei;
    b) A individualização e planificação da execução da pena, tendo em vista, em especial, a reinserção social do recluso;
    c) A criação de regimes próprios para grupos de reclusos que necessitem de intervenção diferenciada;
    d) A adequação do pessoal, das instalações e dos restantes meios materiais às diversas situações e regimes de execução das penas e medidas privativas da liberdade;
    e) A consideração dos efeitos da interacção entre a comunidade e o sistema prisional, de modo a potenciar os factores que influenciem positivamente o processo de reinserção social dos reclusos;
    f) A cooperação entre os órgãos, serviços e entidades que intervêm, directa ou indirectamente, no processo de reinserção social;
    g) A existência de regras comuns a todos os estabelecimentos prisionais, que permitam a uniformização do tratamento dos reclusos e da acção dos funcionários em todo o sistema, sem prejuízo dos regulamentos especiais que forem indispensáveis.

2 - A execução das penas e medidas privativas de liberdade é controlada, nos termos da lei, pelos tribunais.


Artigo 5 º
Natureza, organização e gestão dos serviços prisionais

A estrutura, gestão e funcionamento dos serviços prisionais, bem como o estatuto do respectivo pessoal, são objecto da lei orgânica dos serviços prisionais, na qual deve ser considerada a especificidade da sua missão e a singularidade dos meios operativos, humanos e materiais ao seu serviço.


Artigo 6.º
Estrutura dos serviços prisionais

Os serviços prisionais compreendem serviços centrais e estabelecimentos prisionais.


Secção II
Serviços centrais
Artigo 7.º
Organização

Os serviços centrais devem ser organizados de modo a garantir:

    a) A orientação e coordenação geral do tratamento penitenciário, com intervenção dinâmica na orientação e controlo desse mesmo tratamento;
    b) A articulação dos serviços prisionais com os serviços de reinserção social e os tribunais, na parte em que ela se revele necessária em função das competências daquele e destes;
    c) A existência de um sistema de segurança, abrangendo, designadamente, a recolha e tratamento de informação de segurança e a organização e gestão do sistema de transporte de reclusos, relevante para a ordem e paz social;
    d) A articulação com a ambiência externa, nacional e internacional, das funções de planeamento estratégico, de estudo e quaisquer outras essenciais ao funcionamento dos serviços;
    e) Um sistema de adequada gestão da população prisional, segundo os critérios legais, abrangendo, designadamente, a recolha e tratamento da informação, a adopção de procedimentos inerentes à afectação de reclusos a estabelecimentos prisionais, a existência de um processo único por recluso e a orientação geral do uso do plano individual de readaptação social;
    f) A concepção e funcionamento dos necessários sistemas de informação e comunicação;
    g) A resposta às necessidades decorrentes de acordos de execução mista no funcionamento dos estabelecimentos prisionais.

Secção III
Estabelecimentos prisionais
Artigo 8.º
Competências dos estabelecimentos prisionais

Cabe aos estabelecimentos prisionais:

    a) A responsabilidade pela execução das penas e medidas privativas da liberdade, no respeito da Constituição e da lei;
    b) O desenvolvimento de programas e projectos adequados à satisfação de necessidades específicas dos reclusos;
    c) A articulação, ao nível local, com os tribunais, os serviços de reinserção social e outras entidades, públicas e privadas, exteriores aos serviços prisionais;
    d) A gestão corrente dos meios humanos e materiais afectos a cada estabelecimento, bem como das áreas de segurança e de transporte de reclusos, de forma integrada na gestão global do sistema;
    e) A responsabilidade pelo funcionamento dos serviços e actividades próprios da vida diária em meio prisional, quer por gestão directa, quer por acordos de execução mista.

Artigo 9.º
Princípios comuns aos estabelecimentos prisionais

1 - Os estabelecimentos prisionais, independentemente da respectiva classificação, devem reger-se pelos seguintes princípios:

    a) Primado da existência organizada e articulada de tratamento penitenciário, consubstanciado, designadamente, no plano individual de readaptação social, tendo por base modelos de intervenção flexíveis e progressivos, que potenciem a gradual aproximação do recluso às condições de vida em liberdade;
    b) Segurança de reclusos, funcionários e outros intervenientes, bem como das instalações e dos equipamentos;
    c) Organização da população prisional em unidades e grupos diferenciados, de modo a estruturar uma vida interna de plena ocupação;
    d) Promoção da vida quotidiana dos reclusos pautada por critérios quanto a regras de higiene e saúde, cumprimento de horários, princípios de socialização, motivação para o trabalho e aquisição de saberes e competências, visando a sua auto-responsabilização;
    e) Existência de programas adequados a problemáticas específicas do comportamento delinquente;
    f) Reforço das medidas e sistemas eficazes de controlo e eliminação da entrada e circulação, nos estabelecimentos prisionais, de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e outras de uso ilícito;
    g) Incentivo à consciencialização dos direitos e deveres de cidadania dos reclusos, bem como de uma atitude construtiva nas relações familiares, nos cuidados com a alimentação, na higiene pessoal e na gestão do dinheiro e orçamento próprios;
    h) Articulação com todos os serviços públicos que possam ou devam colaborar na reinserção social dos reclusos, bem como com instituições e grupos de particulares com idênticos objectivos.

2 - Os princípios enunciados no número anterior devem conjugar-se, relativamente aos presos preventivos e aos inimputáveis, com o respectivo estatuto jurídico.


Artigo 10.º
Classificação dos estabelecimentos

Os estabelecimentos prisionais são classificados tendo em conta o nível de segurança e o grau de complexidade de gestão, em função da composição e características da respectiva população prisional.


Artigo 11.º
Critérios de organização dos estabelecimentos e de afectação de reclusos

1 - A organização de cada estabelecimento prisional compreende uma ou mais valências, a que dá resposta por meio de módulos ou sectores independentes.
2 - A afectação de reclusos aos estabelecimentos prisionais e suas valências é feita tendo em conta os seguintes factores:

    a) Sexo;
    b) Segurança;
    c) Separação entre reclusos preventivos e condenados;
    d) Saúde física e mental;
    e) Diferenciação de regimes de tratamento penitenciário;
    f) Idade;
    g) Relações familiares;
    h) Duração das penas.

3 - São ainda critérios a ter em conta a consideração do meio em que ingressará o recluso, após a libertação, bem como a resposta adequada às suas necessidades imediatas nessa fase.


Artigo 12.º
Localização dos estabelecimentos prisionais

A localização dos estabelecimentos prisionais deve ter em conta os seguintes critérios:

    a) Garantia de satisfação das necessidades decorrentes da prisão preventiva, facilitando o acesso aos tribunais da respectiva área, em tempo razoável, a partir do estabelecimento prisional;
    b) Proximidade de eixos viários que facilitem as comunicações entre estabelecimentos prisionais;
    c) Possibilidade de os reclusos receberem visitas, em especial das suas famílias;
    d) Facilidade de acesso a hospitais e outros equipamentos colectivos;
    e) Proximidade dos serviços públicos e outras instituições que possam ou devam cooperar com o sistema prisional;
    f) Acesso a centros urbanos que permitam o alojamento do pessoal penitenciário.

Capítulo III
Execução das penas e medidas privativas da liberdade
Secção I
Disposições gerais
Artigo 13.º
Regime de execução das penas e medidas privativas da liberdade

1 - A execução das penas e medidas privativas da liberdade é regulada pela lei processual penal, pela lei de execução das penas e medidas privativas da liberdade e pela demais legislação aplicável.
2 - Para além do disposto no número anterior, é aprovado um regulamento geral dos estabelecimentos prisionais e, quando tal se justificar, regulamentos específicos a ele subordinados.
3 - Os regulamentos referidos no número anterior são aprovados, respectivamente, por decreto regulamentar e por portaria do Ministro da Justiça.


Artigo 14.º
Princípios orientadores da lei de execução das penas e medidas privativas da liberdade

A lei de execução das penas e medidas privativas da liberdade deve conter, para além das normas adequadas à organização e disciplina da vida em meio prisional, bem como à garantia dos direitos dos reclusos, e de outras disposições pertinentes, a previsão de medidas e incentivos capazes de reforçar a adesão dos reclusos às finalidades das penas e o empenhamento dos mesmos na sua boa execução.


Artigo 15.º
Dever de cooperação na execução das penas

1 - Todos os órgãos, serviços e entidades que têm a seu cargo a execução das penas e medidas privativas da liberdade, bem como os que com eles colaboram, devem agir de forma conjunta, articulada e no respeito pelos princípios e objectivos enunciados na presente lei e demais legislação aplicável.
2 - O disposto no número anterior vale igualmente para a execução da prisão preventiva, em tudo o que for compatível com o respectivo regime legal.


Artigo 16.º
Toxicodependência e doenças infecciosas virais graves

1 - A prevenção e o tratamento da toxicodependência, bem como de doenças infecciosas virais graves, são domínios prioritários do Estado, devendo ser adoptadas todas as medidas e práticas que, no plano científico e técnico, sejam consideradas como mais adequadas, no contexto das políticas gerais definidas para as problemáticas referidas e tendo em conta a especificidade do meio prisional.
2 - De harmonia com o disposto no número anterior, deve o sistema prisional proporcionar aos reclusos toxicodependentes ou portadores de doenças infecciosas virais graves uma oportunidade especial de recuperação da sua saúde e de adopção de estilos de vida saudáveis.


Artigo 17.º
Programas de formação e ocupação facultados aos reclusos

1 - Em cada estabelecimento prisional, os reclusos devem, designadamente no âmbito dos respectivos programas individuais de readaptação social, ter acesso a programas de formação escolar e profissional, de terapia ocupacional, de ocupação laboral e outros que se revelem adequados.
2 - Além dos programas facultados nos termos do número anterior, os reclusos devem ainda ter acesso à frequência, entre outros, de programas de educação cívica e formação cultural, educação para a saúde, educação física e desporto, educação ambiental e educação rodoviária.
3 - O grau de adesão aos programas referidos nos números anteriores é tido em conta na avaliação prévia à concessão das medidas de flexibilização da execução da pena.


Secção II
Tribunais de execução das penas
Artigo 18.º
Princípio geral

1 - A repartição de competências entre a administração penitenciária e os tribunais de execução das penas deve observar o princípio constitucional da separação e interdependência dos poderes.
2 - Os tribunais de execução das penas são tribunais judiciais de competência especializada, cuja organização e funcionamento são regulados por lei especial.


Artigo 19.º
Número e composição dos tribunais de execução das penas

1 - A lei define o número e a localização dos tribunais de execução das penas, bem como a sua composição e competência territorial.
2 - A lei deve alargar a rede dos tribunais de execução das penas, de modo a corresponder às necessidades decorrentes das suas competências, quer sob a forma de criação de novos tribunais, quer sob a forma de criação de secções especializadas nas sedes dos círculos judiciais onde existam estabelecimentos prisionais.
3 - De acordo com o disposto no número anterior, devem prioritariamente ser criadas secções ou tribunais de execução das penas nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.


Artigo 20.º
Competência dos tribunais de execução das penas

A lei dos tribunais de execução das penas define a respectiva competência, que inclui nomeadamente:

    a) A garantia dos direitos dos reclusos, designadamente o direito de ser sempre ouvido pelo juiz, bem como o direito de recurso das decisões da administração penitenciária, nos termos previstos na lei, em especial quanto às medidas disciplinares e de flexibilização da execução da pena de prisão;
    b) A homologação do plano individual de readaptação social de cada recluso;
    c) A concessão e revogação da primeira saída precária não custodiada e das saídas precárias prolongadas, da liberdade condicional, da liberdade para prova e de outras modificações da execução da pena de prisão previstas na lei;
    d) A intervenção na concessão e na revogação do Regime Aberto Voltado para o Exterior (RAVE);
    e) O conhecimento dos recursos que para eles sejam interpostos, nos casos previstos na lei.

Artigo 21.º
Intervenção do Ministério Público

1 - A lei define as competências do Ministério Público junto dos tribunais de execução das penas, nomeadamente nos casos seguintes:

    a) Impugnação das decisões da administração penitenciária que sejam passíveis de recurso;
    b) Recurso das decisões do tribunal de execução das penas para a respectiva segunda instância, nos termos da lei;
    c) Direito de requerer à segunda instância dos tribunais de execução das penas a uniformização da jurisprudência, nos casos admitidos por lei;
    d) Participação nos Conselhos Técnicos que sejam presididos pelo juiz de execução das penas.

2 - O magistrado do Ministério Público junto de cada tribunal de execução das penas pode, no tocante aos estabelecimentos prisionais compreendidos na área de jurisdição daquele, ouvir qualquer recluso.


Artigo 22.º
Recurso jurisdicional

1 - A lei dos tribunais de execução das penas deve prever que as decisões de 1.ª instância tomadas por estes tribunais, em matéria de modificação da execução da pena de prisão, nomeadamente a concessão, recusa ou revogação da liberdade condicional, sejam, nos termos a definir, susceptíveis de recurso ordinário.
2 - A mesma lei define qual a instância de recurso, bem como os sujeitos processuais com legitimidade para recorrer.


Artigo 23.º
Uniformização da jurisprudência

A lei dos tribunais de execução das penas determina os termos em que a instância judicial que for competente para conhecer dos recursos referidos no artigo anterior é também competente, nos termos por ela estabelecidos, para uniformizar a jurisprudência dos tribunais de execução das penas, nos casos em que essa uniformização se justifique, a pedido de qualquer recluso, do Ministério Público, bem como dos serviços prisionais ou de reinserção social.


Artigo 24.º
Formação de magistrados

É regularmente assegurada formação adequada aos magistrados colocados nos tribunais com competência em matéria de execução de penas.


Secção III
Serviços de reinserção social
Artigo 25.º
Natureza, estrutura, gestão e funcionamento

1 - Os serviços de reinserção social têm por missão a prevenção criminal e a reinserção social de delinquentes jovens e adultos, devendo, para além das suas outras atribuições legais, desenvolver acções que estimulem a aplicação e a execução de penas e medidas não privativas da liberdade, sem prejuízo da cooperação permanente com os serviços prisionais, nos termos da lei e do disposto nos artigos seguintes.
2 - A estrutura, gestão e funcionamento dos serviços de reinserção social são objecto da respectiva lei orgânica, na qual é considerada a natureza específica da sua missão e as exigências operacionais do respectivo cumprimento, nomeadamente no que se refere à sua forma organizacional e à existência de uma rede organizada de equipas especializadas.


Artigo 26.º
Intervenção no sistema prisional

1 - A intervenção dos serviços de reinserção social é orientada para a promoção da reinserção social dos reclusos, contribuindo para a prevenção da reincidência e para a protecção da sociedade.
2 - No âmbito do sistema prisional, cabe aos serviços de reinserção social prestar apoio técnico às decisões dos tribunais de execução das penas e da administração penitenciária e colaborar com esta, nos termos da lei e dos protocolos celebrados, competindo-lhe intervir, em articulação com os demais serviços competentes, na avaliação, preparação e acompanhamento das condições de reinserção social dos condenados e inimputáveis internados, salvaguardando também os interesses das vítimas e da comunidade.
3 - A intervenção dos serviços de reinserção social junto de arguidos em prisão preventiva deve observar os princípios da presunção de inocência e da intervenção mínima, limitando-se às acções que se revelem necessárias a prevenir ou a atenuar desequilíbrios sócio-familiares decorrentes da medida excepcional a que estão sujeitos.
4 - Cabe também aos serviços de reinserção social, por si e em cooperação com entidades públicas e privadas, tomar as medidas e coordenar as acções tendentes à realização dos demais objectivos definidos na presente lei que se enquadrem nas suas atribuições.


Artigo 27.º
Relação entre os serviços de reinserção social e os serviços prisionais

1 - A relação entre os serviços de reinserção social e os serviços prisionais é regulada, para além do disposto na lei, por um acordo de cooperação, o qual tem por base a adopção de um modelo técnico de intervenção comum, sem prejuízo do carácter distinto, mas complementar, da acção desenvolvida por cada um desses serviços.
2 - No acordo de cooperação referido no número anterior, devem ser indicados os critérios de intervenção prioritária.
3- Os serviços de reinserção social e os serviços prisionais desenvolvem, conjuntamente, acções de formação e divulgação de boas práticas junto dos respectivos profissionais, programas de avaliação de resultados e projectos de intervenção orientados em função de necessidades específicas de reinserção social.


Secção IV
Cooperação entre o sistema prisional e outros serviços públicos, bem como com a sociedade em geral
Artigo 28.º
Cooperação dos serviços públicos competentes com o sistema prisional

Todos os serviços públicos competentes devem, no âmbito das respectivas atribuições, cooperar com o sistema prisional na prossecução dos objectivos deste, em articulação com os serviços prisionais e com os serviços de reinserção social, em especial nos domínios da saúde, da segurança social, da educação e do emprego e formação profissional dos reclusos.


Artigo 29.º
Prestação de cuidados de saúde

A prestação de cuidados de saúde aos reclusos é assegurada pelo Ministério da Saúde, em articulação com o Ministério da Justiça, respondendo às exigências e especificidades da saúde em meio prisional e garantindo a qualidade e continuidade dessa prestação.


Artigo 30.º
Reconhecimento da participação cívica

O Estado reconhece e incentiva a acção dos cidadãos e das entidades públicas e privadas na humanização das prisões e no apoio adequado aos reclusos e às suas famílias.


Artigo 31.º
Protocolos de cooperação e contratos de prestação de serviços

Os serviços prisionais e de reinserção social podem celebrar protocolos de cooperação com as Misericórdias, com outras instituições particulares de solidariedade social, com quaisquer associações ou fundações de utilidade pública, e com outras entidades privadas, com vista ao desempenho de tarefas específicas no âmbito de um ou mais estabelecimentos prisionais ou de cooperação com estes.


Artigo 32.º
Associações de voluntariado no sistema prisional

As instituições de direito privado e sem fim lucrativo que desenvolvam actividades de voluntariado junto do sistema prisional podem receber o estatuto de entidade de utilidade pública, nos termos da lei.


Capítulo IV
Financiamento do sistema prisional
Artigo 33.º
Princípio do financiamento público

1 - O financiamento da construção, manutenção e conservação do equipamento e do funcionamento do sistema prisional compete, em primeira linha, ao Estado.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, pode o Estado recorrer a parcerias público-privadas nos termos definidos na respectiva legislação.


Artigo 34.º
Competências exclusivas do Estado

1 - No âmbito do sistema prisional, não podem ser entregues ao sector privado, por serem da competência exclusiva do Estado:

    a) A direcção dos estabelecimentos prisionais;
    b) A execução das penas e medidas privativas da liberdade, incluindo a elaboração, aplicação e coordenação dos planos individuais de readaptação social;
    c) O exercício das funções de segurança que àquele sistema compete garantir;
    d) A articulação directa com os tribunais, bem como com outras entidades e serviços públicos que devam colaborar na execução das penas e medidas privativas da liberdade;
    e) A fiscalização das actividades privadas desempenhadas nos termos de acordos de execução mista ou de parcerias público-privadas.

2 - Consideram-se acordos de execução mista todos aqueles que confiem a entidades privadas, sob a fiscalização do Estado, o exercício corrente de actividades dos estabelecimentos prisionais que, não sendo reservadas ao Estado nos termos do número anterior, sejam por ele desempenhadas em cooperação com aquelas entidades.
3 - Os acordos de execução mista referidos no número anterior são celebrados com os serviços prisionais.


Artigo 35.º
Planeamento quadrienal

1 - O financiamento público da execução da reforma do sistema prisional programada na presente lei consta de três planos quadrienais.
2 - O Orçamento de Estado prevê em cada ano a disponibilização de recursos financeiros para a execução da reforma do sistema prisional.


Artigo 36.º
Aproveitamento de recursos próprios

Os bens imobiliários afectos aos serviços prisionais ou de reinserção social podem ser alienados, nos termos da lei, sendo a receita líquida proveniente de tais alienações preferencialmente destinada ao investimento na construção, recuperação e modernização das instalações, respectivamente, dos serviços prisionais ou dos serviços de reinserção social.


Capítulo V
Parque penitenciário
Artigo 37.º
Programa de renovação do parque penitenciário

1 - Durante o período de execução da reforma estabelecida na presente lei-quadro, será aprovado e executado um programa faseado de renovação do parque penitenciário, tendo em conta, nomeadamente, os critérios definidos nos artigos 11.º e 12.º, bem como a situação actual do referido parque, a evolução da população prisional no período de execução da reforma e a necessidade de racionalização dos meios disponíveis.
2 - O programa referido no número anterior inclui, por prioridades, o elenco dos estabelecimentos a construir de novo ou em substituição dos existentes, dos que serão objecto de obras de grande reparação, modernização ou melhoramento e dos que serão oportunamente extintos ou, quando tal se justifique, mantidos para intervenções especializadas.


Capítulo VI
Avaliação do sistema e acompanhamento da reforma
Artigo 38.º
Controlos genéricos

1 - O controlo regular do funcionamento e qualidade do sistema prisional compete, em primeira linha, aos serviços prisionais e, no tocante às suas atribuições relacionadas com o referido sistema, aos serviços de reinserção social.
2 - Exercem também, dentro das suas atribuições próprias, controlos genéricos do sistema os órgãos e organismos que, por lei ou convenção internacional, tenham essa competência.


Artigo 39.º
Controlo específico do funcionamento e qualidade

1 - Será elaborada uma grelha adequada de padrões de qualidade a que deve obedecer o sistema prisional.
2 - O controlo específico do funcionamento e qualidade do sistema prisional é exercido, segundo os padrões referidos no número anterior, pela entidade ou entidades indicadas no respectivo diploma.


Artigo 40.º
Comissão de acompanhamento da execução da reforma

1 - O Governo nomeará uma comissão de acompanhamento da execução da reforma do sistema prisional, com a função de monitorizar e avaliar o grau de realização dos objectivos e concretização das medidas estabelecidos no presente diploma, bem como os resultados da aplicação dos instrumentos normativos nele previstos.
2 - A comissão apresenta, de dois em dois anos, um relatório ao Governo, que o envia à Assembleia da República.


Capítulo VII
Execução da reforma do sistema prisional
Artigo 41.º
Calendarização geral

A execução da reforma do sistema prisional programada na presente lei será desenvolvida ao longo de doze anos e será repartida por três fases.


Artigo 42.º
Primeira fase

1 - Serão promovidas, na primeira fase, as alterações legislativas e a elaboração dos novos diplomas necessários ao início da reforma do sistema prisional, designadamente os seguintes:

    a) Lei de execução das penas e medidas privativas da liberdade;
    b) Lei dos tribunais de execução das penas;
    c) Lei orgânica dos serviços prisionais;
    d) Lei orgânica dos serviços de reinserção social;
    e) Regulamento geral dos estabelecimentos prisionais;
    f) Novo regime jurídico da vigilância electrónica;

2 - São igualmente revistos ou substituídos os diplomas legais em que se reflictam as alterações constantes dos diplomas referidos no número anterior.
3 - Na primeira fase será ainda:

    a. Nomeada a Comissão de Acompanhamento da Execução da Reforma.
    b. Celebrado o acordo de cooperação que regula a relação entre os serviços prisionais e os serviços de reinserção social, previsto na presente lei.
    c. Iniciada a execução do programa de renovação do parque penitenciário.

Artigo 43.º
Segunda fase

Nesta fase, serão tomadas as seguintes medidas:

    a) Adopção dos meios eficazes que possibilitem a plena efectivação dos direitos dos reclusos em matéria de acesso ao direito e aos tribunais, incluindo o direito à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário;
    b) Adopção e avaliação de medidas de prevenção e tratamento da toxicodependência, bem como de doenças infecciosas virais graves, em concretização do disposto no artigo 16.º da presente lei;
    c) Concessão de prioridade à adopção de acções tendentes à melhoria das condições sanitárias dos reclusos e à elaboração de estudos para a alteração do sistema de alojamento dos reclusos;
    d) Adopção de um programa de divulgação das formas de execução de medidas não privativas da liberdade e de programas específicos para certos tipos de delinquentes e, bem assim, dos meios efectivamente disponíveis para esse efeito no âmbito de actuação dos serviços de reinserção social.
    e) Início ou desenvolvimento, nos estabelecimentos prisionais, dos programas de formação e ocupação de reclusos referidos no artigo 17.º;
    f) Início da segunda fase de execução do programa de vigilância electrónica, relativa ao alargamento do seu âmbito de aplicação;
    g) Aprovação e início da execução do programa de casas de saída;
    h) Desenvolvimento de um sistema integrado e eficaz de informação e comunicação;
    i) Elaboração e homologação dos eventuais regulamentos específicos de estabelecimentos prisionais, nos termos da presente lei;
    j) Celebração de protocolos de cooperação com as entidades públicas que, nos termos da lei, hajam de colaborar com o sistema prisional, designadamente nas áreas da educação, da saúde, da segurança social, do emprego e da formação profissional;
    l) Celebração de protocolos de cooperação com entidades privadas e cooperativas, designadamente Misericórdias, demais instituições particulares de solidariedade social e, ainda, outras instituições que hajam de colaborar com o sistema prisional;
    m) Celebração de protocolos entre o Ministério da Justiça e instituições do ensino superior e de investigação científica, designadamente para o ensino e a investigação nas áreas da criminologia, do direito e da justiça penais, da execução das medidas penais, da reinserção social, da saúde no meio prisional e da administração penitenciária;
    n) Criação de um "Centro de Formação e Estudos Penitenciários", comum aos serviços prisionais e aos serviços de reinserção social;
    o) Dinamização das bibliotecas dos estabelecimentos prisionais;
    p) Adopção de medidas de incentivo ao mecenato e de apoio ao voluntariado e a instituições de direito privado e sem fim lucrativo que desenvolvam actividades no âmbito do sistema prisional.

Artigo 44.º
Terceira fase

Na terceira fase de execução da reforma, serão tomadas as seguintes medidas:

    a) Avaliação e eventual revisão dos diplomas legislativos e regulamentares aprovados;
    b) Prosseguimento ou revisão dos programas, protocolos e medidas em curso;
    c) Avaliação final da execução da reforma delineada na presente lei, com vista à elaboração do relatório referido no artigo seguinte.

Artigo 45.º
Relatório anual

Anualmente o Governo aprova um relatório sobre a execução da reforma do sistema prisional o qual é enviado à Assembleia da República.


Artigo 46.º
Disposição final

1 - A aplicação das orientações e normas da presente lei que careçam de legislação ordinária, ou da sua revisão, depende da entrada em vigor dos respectivos diplomas.
2 - A adopção dos programas e medidas administrativas previstos na presente lei, que careçam de base legal ou regulamentar específica, depende da entrada em vigor dos diplomas que a estabelecerem.


Visto e aprovado em Conselho de Ministros
O Primeiro-Ministro
O Ministro dos Assuntos Parlamentares

07/12/2024 15:34:42