Gazeta 244 | 17-12-2024 | 3.ª feira

SUMÁRIO
▼ Acórdão do STJ n.º 16/2024 (Série I), de 22-05-2024 # Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais

 

 

Diário da República

 

 

Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais

Bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais
Incidente de revisão da incapacidade pelo agravamento por força da idade
Sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade
Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais

Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23-10

Acórdão do STJ n.º 16/2024 (Série I), de 22 de maio de 2024, Processo n.º 33/12.4TTCVL.7.C1.S1, Pleno da Secção Social / Supremo Tribunal de Justiça. - 1. A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro, é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator; 2. O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo. Diário da República. - Série I - n.º 244 (17-12-2024), p. 1-9.

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/ 2024

Processo n.º 33/12.4TTCVL.7.C1.S1 (julgamento ampliado de revista)

Acordam, no Pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, em julgamento ampliado de revista,

No âmbito de processo emergente de acidente de trabalho, em que é Autor o Sinistrado AA e Ré Zurich Insurance PLC - Sucursal em Portugal foi fixada ao Sinistrado AA uma incapacidade permanente parcial de 47,32 % por sentença de 03.04.2013.

Foram efetuadas atualizações anuais da pensão.

O Sinistrado, representado pelo M.P., veio intentar incidente de revisão de incapacidade em 08.03.2022.

Foi realizado o exame médico-legal previsto no artigo 145.º, números 1 a 4, do Código de Processo do Trabalho, o qual concluiu ser de fixar a incapacidade em 52,1280 % (relatório de 08.07.2022).

Realizada Junta Médica a requerimento da Ré, foi emitido laudo unânime concluindo, não ter havido agravamento da incapacidade.

Por Sentença de. 16.11.2022 foi decidido o seguinte:

“IV. DISPOSITIVO

Assim sendo, e tendo presente todos os elementos de facto acima expostos, ao abrigo do disposto nos já mencionados preceitos legais, o Tribunal decide:

A - Fixar em 70,98 %, o coeficiente global de incapacidade do sinistrado

B - Fixar a pensão anual devido ao sinistrado no montante de €8.823,46 (oito mil oitocentos e vinte e três euros e quarenta e seis cêntimos) com efeitos a partir do dia 08/03/2022;

Esta pensão deverá ser satisfeita adiantada e mensalmente até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual, nos termos do artigo 72.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

Tem ainda, a/o sinistrada/o, direito ao pagamento dos subsídios de férias e Natal correspondentes a 1/14 da pensão anual, a satisfazer nos meses de Maio e Novembro respetivamente, nos termos do artigo 72.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009 de 4 de Setembro.

C - Quantia acrescida de juros, à taxa legal de 4 %, contabilizados desde a data do vencimento até integral pagamento.

D - Condenar a Companhia de Seguros a pagar ao/à sinistrado/a, o montante de €14,69 (catorze euros e sessenta e nove cêntimos) a título de despesas de transporte”.

A Ré interpôs recurso de apelação.

Por Acórdão do Tribunal da Relação de 12.04.2023 foi decidido “Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar procedente o recurso e, revogando-se a decisão recorrida em conformidade, na improcedência do incidente de revisão, mantêm-se a IPP e a pensão anteriormente atribuídas ao sinistrado.”.

O Autor, representado pelo M.P., interpôs recurso de revista.

Nas Conclusões do seu recurso sustentou que a aplicação do fator 1.5, previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades “é automática, estando dependente apenas da verificação da idade do sinistrado, ou seja, é apenas necessário que o sinistrado tenha uma idade de 50 anos ou mais” (Conclusão 3.ª), o que decorreria da teleologia do preceito.

A Ré contra-alegou.

O Relator, neste Supremo Tribunal de Justiça, requereu que o julgamento fosse feito com intervenção do pleno da secção social para assegurar a uniformidade da jurisprudência, pedido que foi deferido por Sua Excelência o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Em conformidade com o disposto no artigo 687.º n.º 1 do CPC o Ministério Público emitiu Parecer, no qual se pode ler o seguinte:

“Ora, dispõe o n.º 5 das instruções gerais da TNI, aprovada pelo DL n.º 341/93, de 30.09:

«5 ― Na determinação do valor da incapacidade a atribuir devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:

a) Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, comum a multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor.».

Afigura-se-nos que dúvidas já não existem quanto à possibilidade de atribuição no exame de revisão do fator 1.5 previsto no n.º 5 a) das Instruções gerais da TNI em relação a sinistrado que, não tendo 50 anos na data da fixação da incapacidade permanente inicial, vem, entretanto, a perfazer essa idade.

A questão atualmente em discussão reside se para essa atribuição se torna necessário que o sinistrado tenha um agravamento do grau de incapacidade resultante do acidente de trabalho de forma à sua incapacidade ter que ser alterada.

Entende-se, e salvo melhor opinião, que não é necessária a verificação de um agravamento do grau de incapacidade para a fixação desse fator de bonificação, senão vejamos:

De uma interpretação literal do n.º 5 a) das Instruções gerais da TNI, resulta que na incapacidade a atribuir o fator de bonificação 1.5 é fixado com o preenchimento de dois requisitos: (i) se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais (ii) quando não tiver beneficiado da aplicação desse fator.

Parece, portanto, inequívoco que da letra da lei não se pode extrair que para além destes pressupostos se tenha que concluir que a sua atribuição após a data da alta tenha que ocorrer com a verificação de agravamento do grau de incapacidade.

Abre-se aqui um parêntesis para referir que não concordamos, e com todo o respeito, pela interpretação efetuada no acórdão [...] do TRP de 24-10-2016, pela qual «[n]os incidentes de revisão da incapacidade só se procede à “determinação do valor da incapacidade a atribuir”, caso seja atribuída uma nova incapacidade, daí que a aplicação do estabelecido na norma só tenha lugar nesses casos, nomeadamente no que respeita à aplicação do fator de bonificação 1.5.».

É que, e em bom rigor, no exame de revisão é sempre necessário determinar o valor do grau de incapacidade a atribuir nessa altura, sendo que só após essa determinação se poderá concluir se houve um agravamento ou não da incapacidade, o que resulta da comparação com a incapacidade anteriormente dada. Ou seja, mesmo que não resulte um agravamento do grau da incapacidade, foi previamente necessário determinar o seu grau para se poder chegar a essa conclusão.

Retomando a exposição, como sabemos o sentido da Lei não se basta com uma interpretação gramatical, pelo que, cumprindo-se o ensinamento de FRANCESCO FERRARA, in Interpretação e Aplicação das Leis, Colecção Stvdivm, 3.ª ed., Coimbra, 1978, p. 138 e ss., importa proceder à interpretação lógica da norma, a qual abrange o elemento histórico, o elemento sistemático e o elemento racional ou teleológico.

Ora, os elementos histórico e sistemático do preceito a interpretar não trazem informação que nos pareça com relevância significativa para a tarefa interpretativa.

Já em relação ao elemento racional ou teleológico, através do qual se busca a razão de ser da norma, ou o fundamento jurídico que presidiu à criação do normativo, podemos encontrar alguma informação útil.

Com efeito, é indiscutível que o objetivo do legislador ao atribuir a bonificação do fator 1.5 a partir dos 50 anos foi aumentar o grau de incapacidade do sinistrado em função da dificuldade acrescida por efeito da idade na capacidade funcional e, por consequência, no desempenho da atividade profissional, por força do natural e inevitável envelhecimento físico e psíquico do ser humano.

Digamos que o envelhecimento, só por si, permite a presunção - ou, talvez com maior rigor, a ficção jurídica - de um agravamento do desempenho profissional do sinistrado de acidente de trabalho.

Ninguém colocará em causa a bondade de tal objetivo, embora se possa, obviamente, questionar a opção, já que talvez fosse mais razoável a atribuição de um fator de bonificação com uma percentagem progressiva através de alguns escalões etários, iniciando-se com um grau mais baixo - o fator 1,5 talvez traduza um agravamento repentino e, como tal, um pouco excessivo.

Ora, não existem indícios que permitam concluir que o legislador tenha entendido que esse fator de bonificação só devesse ser atribuído na primeira avaliação da incapacidade, pelo que bem se compreende que não exista qualquer referência na lei nesse sentido, o que, de outra forma, decerto ocorreria.

Daí que condicionar a atribuição do fator de bonificação à agravação do grau de incapacidade do sinistrado é realizar uma interpretação restritiva àquele preceito.

Recorrendo novamente aos ensinamentos de Francesco Ferrara5, «[a] interpretação restritiva aplica-se quando se reconhece que o legislador, posto se tenha exprimido em forma genérica e ampla, todavia quis referir-se a uma classe especial de relações... A interpretação restritiva tem lugar particularmente nos seguintes casos: 1.º se o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria a contradizer outro texto da lei; 2.º se a lei contém em si uma contradição íntima (é o chamado argumento ad absurdum) 3.º se o princípio, aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado.».

Será, então, que o legislador maius dixit quam voluit?

Afigura-se-nos que não.

Em primeiro lugar, o texto não contradiz qualquer outro, nomeadamente no que toca ao instituto de atualização de pensões, já que este está direcionado e tem por objetivo uma recuperação no valor nominal das pensões, enquanto no fator de bonificação encontra-se em causa a compensação pela penosidade proveniente da idade, o que obedece a pressupostos diferentes.

Também não parece existir qualquer conflito com o art. 70.º da LAT, uma vez que se o exame de revisão visa avaliar o agravamento ou melhoria na modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, sendo esse o fundamento para o seu requerimento, a aplicação do fator 1.5 assente na idade deve ser efetuada no mesmo, de uma forma automática, bastando a necessidade de reavaliação e não o agravamento - ou seja, interseccionam-se.

Quanto à segunda situação prevista, não encontramos qualquer contradição da norma que implique uma restrição no seu âmbito.

Por último, não nos parece que a sua aplicação sem restrições ultrapasse o fim previsto pelo legislador, atendendo a que, como já se referiu, o objetivo é reconhecer e compensar o envelhecimento do sinistrado como causa de uma maior penosidade no seu desempenho profissional, o que ocorre natural e diretamente da idade, conforme se verifica na atribuição da incapacidade permanente inicial.

Saliente-se que na atribuição do fator 1.5 na fixação da incapacidade permanente inicial, com a data da alta, é automática, ou seja, não tem como requisito que os 50 anos tenham contribuído para o agravamento das sequelas do sinistrado, pelo que não se deteta motivo para tal ter que ocorrer na revisão.

Encontramos como única limitação, derivada do próprio teor do n.º 5 alínea a) das Instruções gerais da TNI, que, sendo o fator de bonificação atribuído na determinação da incapacidade, então essa atribuição, após a sua fixação inicial, só poderá ter lugar em exame de revisão.

Sublinhe-se ainda que, no caso, constata-se que a situação clínica do sinistrado não se encontrava estabilizada, tendo-se registado um agravamento da mesma após a data da alta, já que, conforme resulta do documento n.º 1 junto pela recorrida com o requerimento datado de 25.07.2022, o sinistrado teve que ter assistência médica e tratamentos pela seguradora, no período entre 02.11.2021 e 01.02.2022, nomeadamente com uma intervenção cirúrgica realizada em 22.11.2021, o que terá motivado o pedido de exame de revisão em causa, requerido em 08.03.2022.

Com efeito, a assistência clínica constante desse relatório, designadamente a cirurgia em causa, realizada após 9 anos da data da alta, só pode ficar a dever-se a um agravamento das sequelas derivadas do acidente de trabalho do recorrente.

Embora tal situação não tenha ficado a constar no auto do exame de revisão efetuado, a mesma manifesta um agravamento do grau de incapacidade do sinistrado, ainda que temporária, o que sempre justificaria a atribuição do fator de bonificação 1.5.” (fim de citação)

E o Ministério Público concluía o seu Parecer sustentando que “o presente recurso de revista extraordinário, com julgamento ampliado, deverá ser considerado como procedente, sugerindo-se que a fixação de jurisprudência seja efetuada nos seguintes termos:

«O fator de bonificação previsto no n.º 5 a) das Instruções gerais da TNI é aplicável automaticamente em exame de revisão quando o sinistrado, após a data da alta, tenha, entretanto, atingido os 50 anos.».

Decisão: Concedida a revista, revogando-se o Acórdão recorrido e determinando-se novo julgamento da causa.

Fixa-se jurisprudência no sentido de que:

1 - A bonificação do fator 1.5 prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro é aplicável a qualquer sinistrado que tenha 50 ou mais anos de idade, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, desde que não tenha anteriormente beneficiado da aplicação desse fator;

2 - O sinistrado pode recorrer ao incidente de revisão da incapacidade para invocar o agravamento por força da idade e a bonificação deverá ser concedida mesmo que não haja revisão da incapacidade e agravamento da mesma em razão de outro motivo.

Custas pelo Recorrido.

Remeta-se certidão para publicação na 1.ª série do Diário da República (artigo 687.º, n.º 5 do Código de Processo Civil) e no Boletim do Trabalho e Emprego.

Lisboa, 22 de maio de 2024. - Júlio Gomes (Relator) - Ramalho Pinto - Domingos José de Morais - José Eduardo Sapateiro - Mário Belo Morgado.

118470069

 

 

 

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