Pedro Lomba e Joaquim Shearman de Macedo - O crime de abuso de confiança fiscal no novo Regime Geral das Infracções Tributárias


O CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
NO NOVO REGIME GERAL
DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS(1)

Pelo Dr. Pedro Lomba(2) e
Dr. Joaquim Shearman de Macedo(3)

I. Colocação do problema

1.
O artigo 95.° da Lei n.° 53-A/2006 — Lei do Orçamento para 2007 — veio conferir uma nova redacção ao artigo 105.° do RGIT, em especial ao seu n.° 4, modificando a previsão normativa e as condições de punibilidade do crime de abuso de confiança fiscal.

2. Assim, na versão anterior à Lei n.° 53-A/2006 o conteúdo do n.° 4 do art. 105.° era o seguinte:

4—Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação tributária;

4. Já na nova redacção do preceito, introduzida pelo art. 95.° da Lei n.° 53-A/2006, acrescentou-se uma segunda circunstância, nos seguintes termos:

4—Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:
a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;
b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a comunicação para o efeito.

5. A alteração fundamental introduzida na estrutura normativa do crime de abuso de confiança fiscal reside no facto de o legislador, a partir de agora, apenas considerar criminalmente responsável o contribuinte que, para além do decurso do prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação, tiver feito a entrega à administração tributária da declaração de imposto devida, embora falte ao seu pagamento no prazo de 30 dias, após notificação para o efeito.

6. Face à alteração em apreço, importa analisar se esta nova disposição legal logrará produzir algum efeito sobre uma decisão judicial que condenou determinados sujeitos passivos nos crimes supra-referidos, não obstante semelhante decisão já ter transitado em julgado. A questão jurídica a que dedicaremos o presente texto prende-se, pois, com a eventual aplicação do art. 95.° da Lei n.° 53-A/2006, nos termos do n.° 2 do art. 4.° do Código Penal, à situação jurídica dos arguidos, tal como conformada pelo respectivo acórdão condenatório e, em caso afirmativo, com as consequências que resultam dessa aplicação.

7. Localizada a questão jurídica a que cabe dar resposta neste Parecer, importa referir que o mesmo será dividido em três números: i) em primeiro lugar, analisaremos o exacto alcance do art. 95.° da Lei n.° 53-A/2006 e da alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT, confrontando-o e integrando-o nos elementos definidores do conceito de crime de abuso de confiança fiscal; ii) em segundo lugar, desenvolveremos a alteração decorrente da alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT à luz da teoria da culpa; iii) em terceiro lugar focar-nos-emos nas condições de aplicação do n.° 4 do art. 2.° do Código Penal e atentaremos aos efeitos jurídicos provenientes da aplicação da cita alínea b) do n.° 4 do art.° 105.° do RGIT à situação concreta dos arguidos.

II. Da qualificação jurídico-criminal do n.° 4 do art. 105.° do RGIT dentro dos pressupostos da doutrina geral do crime

8.
O crime de abuso de confiança fiscal, previsto no art. 105.° do RGIT, verifica-se quando alguém incumpre o dever a que está legalmente obrigado de entregar à administração tributária, no todo ou em parte, uma prestação tributária deduzida nos termos da lei. Trata-se, assim, de uma infracção tributária consumada através da retenção de quantias patrimoniais que deveriam ser entregues ao Estado por conta dos deveres de cooperação de um sujeito tributário(4). Do ponto de vista objectivo, o tipo incriminador tem-se por preenchido pela omissão da entrega da prestação tributária exigível(5). Do ponto de vista subjectivo, o abuso de confiança fiscal constitui um crime doloso, ou seja, só há responsabilidade penal na presença de um comportamento voluntariamente desconforme com o ilícito típico.

9. A teoria dos elementos de crime tem sido objecto nas últimas décadas de uma vasta elaboração teórica e dogmática que, por razões óbvias, não revisitaremos aqui. Diremos só que o ponto de partida dessa teoria é o facto criminoso ou uma infracção à qual são imputáveis determinados efeitos jurídicos e que, ultrapassada a concepção tripartida que defendia a separação entre tipicidade e ilicitude(6), o estado mais recente daquela teoria diz-nos que os elementos em que o conceito de crime se decompõe são a tipicidade-ilicitude, a culpa e a punibilidade ou dignidade penal do facto(7). Esta divisão na estrutura do conceito de crime tem um valor meramente compreensivo. Na verdade, o crime constitui um conceito unitário, “uma totalidade”, como afirmava Cavaleiro de Ferreira, “que se cinde certamente em elementos, mas em que estes são funcionais uns relativamente aos outros e não parcelas de uma simples soma. E é essa unidade que forma o objecto sobre que incide a norma penal”(8). No entanto, assume toda a pertinência encetar aqui um exame individualizado aos elementos em que a infracção criminal se consuma.

10. O ilícito penal define-se como a relação de desconformidade do facto com a ordem jurídica, como a sua contrariedade com os tipos legais de crime ou, de outro modo ainda, como “a negação de valores, interesses ou bens jurídico-criminais”(9). A determinação desses interesses e bens relevantes é realizada através da tipicidade penal que constitui um dos corolários constitucionais do princípio da legalidade no direito penal(10). A tipicidade penal executa a definição legal da acção punível. É através do tipo legal de crime que “o legislador descreve aquelas expressões da vida humana que encarnam a negação dos valores jurídico-criminais”(11), aí escorando os juízos de valor que permitem fundamentar o julgamento da ilicitude dos factos puníveis. Quanto à culpa, esta designa “o acto interior da vontade”, isto é, a medida de intencionalidade criminosa que é possível descobrir no comportamento desconforme com o tipo penal(12). O aspecto fulcral da teoria da culpa penal encontra-se na distinção entre dolo e negligência, consoante o agente tenha ou não querido voluntariamente a acção criminosa. Aos dois elementos em causa acrescenta-se ainda a punibilidade do facto, isto é, “todo o elemento que não relevando ao nível de ilícito ou do tipo de culpa, todavia torna o facto susceptível de provocar um efeito ou consequência jurídica, tornando possível que esta se desencadeie”(13). Como escreve Figueiredo Dias, a teoria dos pressupostos da punibilidade é guiada pela ideia de “dignidade penal” do facto. Na esteira da doutrina de Claus Roxin, a ideia essencial que confere às condições de punibilidade a sua unidade racional e teleológica é a da “prevalência da imposição de finalidades extra-penais”, isto é, um conjunto de “opções político-criminais que, através da ideia-base da dignidade penal, são recebidas na categoria sistemática dos pressupostos de punibilidade”(14). Nestes termos, o pressuposto da punibilidade “pretende apenas traduzir a ideia de que, uma vez presente, estão verificados os pressupostos de punibilidade indispensáveis para que a punição possa desencadear-se”(15).

11. O n.° 4 do art. 105.° do RGIT, na redacção introduzida pelo art.° 95.° Lei do Orçamento, precisa de ser analisado à luz da teoria dos elementos constitutivos do conceito de crime a que nos referimos nos números anteriores. Na sequência da inovação trazida pela Lei do Orçamento, a norma em apreço passou a determinar que os factos subsumíveis à previsão normativa do artigo 105.° do RGIT só são “puníveis” se tendo decorrido o prazo de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação “a prestação comunicada à administração tributária, através da correspondente declaração, não for paga no prazo de 30 dias após a comunicação para o efeito”. A introdução desta segunda condição na al. b) do n.° 4 do art.° 105.° do RGIT destina-se, visivelmente, a separar dois tipos de situações que, no pensamento do legislador, passaram a ser diferentemente valoradas. Com efeito, é indiscutível que o grau de incumprimento do contribuinte faltoso pode variar entre os casos em que o contribuinte cumpre, de acordo com a lei, as suas obrigações declarativas, comunicando à Administração tributária as quantias que efectivamente recebeu, embora se abstenha depois de as entregar ao Estado; e os casos em que o comportamento do contribuinte faltoso acaba por ser duplamente relapso, omitindo quer a apresentação da declaração a que estava obrigado, incumprindo assim o dever de auto-liquidação do imposto, quer a entrega dos rendimentos que recebeu por conta das obrigações tributárias de um outro sujeito. Tais duas situações são agora tratadas de modo distinto pelo legislador: no primeiro caso, aquele em que o sujeito passivo cumpre os seus deveres declarativos embora omita a obrigação de entrega, o legislador permite a invocação do disposto na actual alínea b) do n.° do art. 105.° do RGIT no sentido de afastar a responsabilidade penal; no segundo caso, aquele em que o sujeito viola todas as suas obrigações tributárias, principais ou acessórias(16), essa invocação encontra-se excluída e os pressupostos da responsabilidade penal do agente estarão, em abstracto, preenchidos.

12. Até à entrada em vigor do art. 95.° da Lei do Orçamento, o RGIT estabelecia uma única condição susceptível de afastar a punição do contribuinte faltoso. Em causa estava apenas o decurso de mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação. Agora, como se referiu, passou-se a autonomizar a situação em que “a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a comunicação para o efeito”. Já era discutida, na anterior redacção do n.° 4 do art.° 105.° do RGIT, qual a qualificação jurídica mais apropriada da condição prevista nesse artigo. Sobre esse ponto, a doutrina não apresentava unanimidade de posições. Com efeito, enquanto Augusto Silva Dias defendia que a norma consagrada no n.° 4 do art.° 105.° do RGIT traduzia uma condição de procedibilidade do inquérito e da acusação penal(17), outros autores sustentavam tratar-se de uma condição de punibilidade, isto é, de um pressuposto cuja verificação retiraria a dignidade penal do facto ilícito(18).

13. A questão a que cabe responder na presente Consulta passa por saber se a introdução de uma nova condição no n.° 4 do art.° 105.° do RGIT (a nova alínea b) implicará ou não uma alteração dos pressupostos do crime de abuso de confiança fiscal e, em particular, do enquadramento legal da conduta proibida. Qual será, com efeito, a melhor qualificação jurídica da referida disposição, segundo a qual, recordemos, o facto ilícito só será punível “se a prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias para o efeito”? Caso esta norma seja interpretada como uma (segunda) condição de mera punibilidade, isso significa que a Lei do Orçamento não modificou o recorte da conduta proibida, tanto ao nível dos elementos do tipo, como ao nível da culpabilidade do agente(19). Caso se conclua, porém, em sentido distinto, isto é, que a alteração decorrente do art. 95.° da Lei do Orçamento constitui uma mudança de outros elementos da definição legal do crime de abuso de confiança fiscal, daí resultará necessariamente a descriminalização dos ilícitos à luz da lei anterior e a consequente extinção da responsabilidade penal dos agentes que naqueles hajam incorrido. De resto, verifica-se que alguns arestos dos nossos tribunais adoptaram já quer a primeira, quer a segunda interpretação da disposição em causa do n.° 4 do art.° 105.°(20).

III. Da interpretação da alínea b) do n.° 4 do art.° 105.° do RGIT

14.
Localizando-se o problema jurídico em análise no presente Parecer na interpretação da alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT que se deve ter como mais apropriada, é evidente que a nossa indagação não pode deixar de considerar e valorar os elementos que fundamentam a interpretação de normas jurídicas, em particular das que integram o domínio do direito penal. Ora, como se verá, o resultado dessa análise comprova inequivocamente, em nossa opinião, que o legislador optou pela modificação do tipo de ilícito subjacente ao crime de abuso de confiança fiscal e pela graduação da culpa do agente num sentido diferente ao que decorria da anterior redacção do n.° 4 do art. 105.° do RGIT. É essa análise que passamos a expor desenvolvidamente.

a) O teor literal do n.° 4 (al. a) e b)) do art. 105.° do RGIT

15.
O legislador orçamental optou por inserir a nova condição prevista da alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT num número que visa referir-se às condições de punibilidade dos factos subsumíveis à descrição legal do crime de abuso de confiança fiscal constante do n.° 1 do mesmo artigo. De facto, o proémio do n.° 4 do art. 105.° enuncia que “os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se (...)”. Nessa medida, sustenta-se que as condições referidas nesse preceito só podem constituir condições de punibilidade do facto, em nada mexendo com os elementos do tipo incriminador ou com a culpa do agente. Ou seja, se o legislador quisesse alterar o tipo de ilícito ou instituir uma causa de exclusão da culpa não teria introduzido a norma em apreço numa nova alínea do n.° 4 do art. 105.°. Pelo contrário, teria tido o cuidado de colocar a disposição noutro lugar da norma, afastando assim quaisquer dúvidas que pudessem surgir a esse respeito.

16. Este argumento literal não nos parece convincente. É que, em primeiro lugar, o elemento literal de uma norma representa apenas um de entre outros elementos — histórico, sistemático e teleológico — que a interpretação jurídica deve valorar(21), não podendo nenhum argumento de direito fundar-se exclusivamente no conteúdo textual das normas interpretadas. Em segundo lugar, não é pelo facto de o legislador ter introduzido a nova alínea no n.° 4 do art. 105.° do RGIT que a disposição em causa deverá ser perspectivada como uma condição de punibilidade dos factos ilícitos. As qualificações jurídicas feitas pelo legislador não são decisivas nem substituem um exame mais profundo à natureza das normas que estiverem sob discussão. Sendo certo que se deve presumir que o legislador expressou o seu pensamento da forma mais adequada, conforme determina o art. 9.° do Código Civil, essa presunção de propriedade e exactidão não é absoluta, podendo sempre ser afastada na presença de argumentos mais ponderosos, que atendam designadamente à ratio teleológica-funcional das disposições de direito penal(22). Trata-se da hipótese que vimos analisando na presente Consulta. Em nossa opinião, é essencial indagar se a alteração introduzida no n.° 4 do art.° 105.° do RGIT, não obstante o seu conteúdo textual, não se repercute directamente nos pressupostos de penalização do facto ilícito.

b) Relevância do elemento histórico: a intenção diferenciadora do legislador em relação ao tipo de ilícito

17.
Nesse sentido, um elemento importante para elucidar o sentido da nova disposição da alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT decorre do pensamento legislativo vertido no Relatório do Orçamento de Estado para 2007(23). Aí, com efeito, sob o título Despenalização da Não Entrega de Prestação Tributária (Retenções de IR/Selo e IVA) anotou o legislador:

“A entrega da prestação tributária (retenções de IR/selo e IVA) está actualmente associada à obrigação de apresentação de uma declaração de liquidação/pagamento. A falta de entrega da prestação tributária pode estar associada ao incumprimento declarativo ou decorrer simplesmente da falta de pagamento do imposto liquidado na referida declaração. Quando a não entrega da prestação tributária está associada à falta declarativa existe uma clara intenção de ocultação dos factos tributários à Administração Fiscal. O mesmo não se poderá dizer, quando a existência da dívida é participada à Administração Fiscal através da correspondente declaração, que não vem acompanhada do correspondente meio de pagamento, mas que lhe permite desencadear de imediato o processo de cobrança coerciva.

Tratando-se de diferentes condutas, com diferentes consequências na gestão do imposto, devem, portanto, ser valoradas criminalmente de forma diferente. Neste sentido, não deve ser criminalizada a conduta dos sujeitos passivos que, tendo cumprido as suas obrigações declarativas, regularizem a situação tributária em prazo a conceder, evitando-se assim a “proliferação” de inquéritos por crime de abuso de confiança fiscal que, actualmente, acabam por ser arquivados por decisão do Ministério Público na sequência do pagamento do imposto.”

18. É, pois, o próprio legislador a considerar explicitamente que a alteração subjacente ao n.° 4 do RGIT se refere aos pressupostos de criminalização do facto e não às suas condições de punibilidade. Na verdade, o legislador distingue, com clareza, duas condutas a que associa diferentes consequências jurídico-penais: a ocultação dos factos tributários à Administração Fiscal, mediante o incumprimento das obrigações declarativas do sujeito passivo, e a revelação desses factos à mesma Administração Fiscal através da respectiva declaração. A separação entre um e outro comportamento deve-se, no pensamento do legislador, a duas ordens de razões: em primeiro lugar, enquanto a declaração da existência de dívida à Administração Fiscal permite a esta pôr em marcha o procedimento de cobrança coerciva, ficando garantida a gestão do imposto e o seu pagamento ulterior, a ocultação total da dívida tributária impossibilita o Estado de qualquer acção tendente a assegurar o pagamento do imposto merecendo por isso da ordem jurídica uma reacção substancialmente mais severa; em segundo lugar, ficando garantida a gestão do pagamento do imposto nos casos em que o contribuinte cumpre os seus deveres declarativos, o legislador procurou acautelar que não fossem instaurados inquéritos criminais inúteis que viessem depois a ser arquivados na sequência do pagamento do imposto. Deste modo, conclui o legislador que não deve ser criminalizada a conduta dos sujeitos passivos que tenham cumprido os seus deveres declarativos.

c) A ratio teleológica da alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT

19.
Subjacente à nova alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT está, pois, uma clara intenção diferenciadora entre duas condutas que a lei passa a valorar de modo distinto, visto que distintas são também a antijuridicidade e a culpabilidade envolvidas em cada uma das condutas. Para compreendermos o sentido teleológico desta inovação legislativa, comecemos por recordar que, no regime anterior do crime de abuso de confiança fiscal, o tipo de ilícito consistia numa omissão qualificada, pelo prazo superior a 90 dias, na entrega da prestação tributária. Doravante, o legislador considera que não é qualquer tipo de omissão da entrega da prestação tributária que é criminalmente valorado mas, sim, uma omissão na relação específica entre o sujeito passivo e a Administração Fiscal, isto é, uma omissão que, surgindo num contexto em que o agente não observa o seu dever de comunicação dos factos tributários à Administração, frustra por completo o objectivo de arrecadação do imposto. Daqui resulta que a alteração legislativa em análise teve em vista isolar um determinado tipo de culpa em que o agente incorre pelo seu facto ilícito, redefinindo assim a conduta tipicamente proibida e centrando a aplicação do tipo de crime aos sujeitos passivos que a demonstrarem.

20. A nova alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT afecta, pois, o juízo de culpa imputável ao agente, o que face à definição das condições de punibilidade afigura-se-nos suficiente para afastar a disposição em causa da doutrina das condições de punibilidade. Com escreve Figueiredo Dias, “(...) pressuposto de punibilidade é todo o elemento que não relevando ao nível do tipo de ilícito ou do tipo da culpa, todavia torna o facto susceptível de provocar um efeito ou uma consequência jurídica (...)”(24). Somos do entendimento de que a disposição em apreço releva do tipo de culpa e não dos pressupostos de punibilidade. A compreensão integral desta posição requer o desenvolvimento do tipo de culpa subjacente à alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT, o que faremos no próximo número.

d) Do tipo de culpa subjacente à alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT

21.
Na tradição jurídica e filosófica a culpa reconduzia-se, numa formulação simplificada, ao poder de opção da pessoa na formação da vontade ilícita(25). Esta capacidade ignorada de optar por um comportamento não infractor fundamentava a ligação do agente ao facto. Cedo se vieram porém a revelar as imprecisões desta doutrina através da concepção de exemplos limite que testavam a solidez da denominada teoria do livre arbítrio. O exemplo que sustentou a mudança do pensamento criminalista colocava em jogo esta teoria com o princípio da presunção da inocência, alcançando a absolvição em todos os casos em que, à semelhança de uma prova diabólica, o acusador não conseguisse determinar que o agente não podia ter agido de forma diferente (26).

22. Importava, por conseguinte, encontrar parâmetros que pudessem obviar ao desenlace infeliz, donde se foram ao longo do século passado edificando diversas teorias da culpa, mantendo-a dentro da sua concepção normativa(27). De entre todas, assumiu maior significado e aceitação a teoria da culpa por referência à personalidade do agente. Na formulação de Eduardo Correia, a culpa estaria na omissão do cumprimento do dever de orientar a formação ou a preparação da sua personalidade de modo a torná-la apta a respeitar os valores jurídico-criminais(28). Do mesmo modo, para Figueiredo Dias, na (...) violação pelo homem do dever de conformar a sua existência por forma tal que, na sua actuação na vida, não lese ou ponha em perigo bens jurídico-penais, num triplo sentido: “no de que, como culpa jurídico-penal, só se assume relativamente à lesão ou perigo de lesão de bens jurídicos penais; no de que a liberdade da pessoa só se realiza na acção concreta; e ainda no de que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime num ilícito-típico e o fundamento.”(29).

23. Este conceito de culpa, na dinâmica do sistema do facto punível, serve claros propósitos de conformação e limitação do intervencionismo estatal mais arbitrário na medida em que o agente do crime vê a sua culpa sindicada sob uma tríplice perspectiva onde a não verificação da ofensa do bem jurídico protegido, a inexistência de opção livre na acção concreta incriminada ou da sua expressão pessoal de culpa importará forçosamente a sua não punição por não se encontrar verificado o tipo de culpa que a norma penal exige(30). Deste modo, embora óbvio, parece-nos importante sublinhar que a alteração de elementos da norma incriminadora ocorrida, designadamente, por iniciativa política, alterará em conformidade a estrutura comportamental a observar para o respectivo respeito. Assim, a culpa jurídico-penal que passará a ser integradora do tipo é a definida pela nova norma incriminadora.

24. A concepção actual do crime de abuso de confiança fiscal considera injustificado sancionar as condutas em que o agente, cumprindo a sua obrigação declarativa, não a faz acompanhar do meio de pagamento da prestação tributária. Passou a exigir que, para além do mero decurso do prazo de 90 dias, a própria administração tributária advirta o particular para o efeito desse pagamento. Ou seja, o tipo de culpa do agente passou a ser mais exigente, requerendo não apenas a não entrega da prestação mas o incumprimento da notificação da administração tributária para o pagamento. Como se pode verificar através da leitura do Relatório do Orçamento de Estado, o sentido da alteração legislativa foi o de valorar diversamente condutas axiologicamente diversas. Enquanto no puro comportamento omissivo do agente que não cumpre a sua obrigação declarativa nem entrega a prestação tributária não se justifica a chamada de atenção, o agente do crime da al. b) do n.° 4 do artigo 105.° do RGIT merece um reconhecimento valorativo diverso da sua conduta, em termos de culpa, claro está, que lhe atribui este direito a esperar um alerta (muito embora o mero incumprimento continue a acarretar efeitos em sede de punição contra-ordenacional) que lhe permita adequar a sua conduta ao normativo vigente.

25. Por conseguinte, importa determinar qual a adequada interpretação da alteração da acção em ordem ao respeito da norma penal no âmbito da sucessão de leis penais, quando a culpa, no tipo anterior a esta sucessão, se encontra preenchida por referência ao desrespeito de uma acção actualmente não sancionada, ou seja, quando a culpa do agente se cingia, na leitura do artigo 105.° na sua anterior versão, à não entrega da prestação tributária deduzida, não distinguindo situações de facto dissemelhantes.

26. A valoração dessas diversas situações de facto, ao abrigo da anterior formulação do artigo, já era feita em termos de culpa do infractor aquando do estabelecimento da medida da pena(31). Ora, a culpa como critério de medida da pena é conceito que se deverá ter por separado da culpa enquanto fundamento da pena. No entanto, como salienta Roxin(32), não se encontram lado a lado, completamente isolados um do outro. “Quando a permeabilidade ao apelo normativo, que decide da existência da culpa como fundamento da pena, se apresenta diminuída, nos termos do § 21, ela repercute-se também na culpa como critério da medida da pena.”.

27. Em sentido inverso, mas com o mesmo fundamento, diríamos que a repetida valoração de um determinado comportamento em sede de análise da culpa na medida da pena pode levar o legislador (até inconscientemente(33)) a suavizar o rigor da norma e assim alterar o tipo de culpa do crime. Daí que seja irrelevante se a inserção da norma ocorre sob a referência à punibilidade na medida em que, como acima se aflorou e como proclama Jorge de Figueiredo Dias, o tipo da culpa “não é funcionalmente determinado a partir de uma perspectiva sistémico-social, mas exprime uma realidade axiológica (uma valoração ética) insusceptível de manipulação utilitarista, quer dizer, em nome de razões de conveniência ou de eficiência a nível do sistema social (34). Donde retiramos que a cautela que o legislador empregou na defesa do interesse do Estado, designadamente ante o efeito despenalizador que a alteração legislativa pudesse acarretar, não obsta à plena e integral expressão da realidade axiológica do novo tipo de culpa e, como se verá infra, dos seus efeitos retroactivos.

28. É essa crucial distinção que, no nosso modo de ver, condiciona a resposta ao problema colocada na presente Consulta. Na verdade, a culpa consiste num juízo de censura ético-jurídica em que o agente incorre pela prática de uma conduta, “só atribuível em face de uma motivação censurável ao agente(35). O que a alínea b) do n.° 4 do art.° 105.° do RGIT claramente acentua é que quem não houver cumprido as suas obrigações declarativas do que recebeu a título de prestação tributária é passível de um juízo de censura normativa e, nessa medida, preenchido o respectivo tipo incriminador, a sua conduta constitui-se como criminalmente punível. Ao invés, nos casos em que tiver comunicado a existência de uma dívida tributária e não tiver feito o pagamento da prestação por não ter sido notificado para o efeito, considera a lei que o agente não é susceptível, no plano penal, de qualquer espécie de censura ético-normativa. A diferença reside, em larga medida, em que, no primeiro caso, é manifesto que o agente representa dolosamente a violação da relação de confiança pelo incumprimento dos deveres de colaboração por parte do sujeito passivo; na segunda situação, na medida em que o agente cumpre os seus deveres declarativos face à Administração Fiscal, tal representação dolosa não existe(36).

IV. Da aplicação da lei penal mais favorável—n.° 4 do art. 2.° do Código Penal

29.
O princípio da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo mais favorável ao agente do crime, cuja génese e fundamentos não importa nesta sede escrutinar, encontra-se consagrado no art. 29.°, n.° 4, 2.ª parte da Constituição da República Portuguesa e melhor explicitado no art. 2.°, n.° 4 do Código Penal.

30. A aplicação em concreto dos aludidos dispositivos põe em jogo as disposições penais ao tempo do facto, a lei penal anterior, a lei penal vigente e a natureza e extensões da alteração, de modo a que se possa, com o rigor e segurança que se impõe em face dos elevados valores em jogo, determinar se esta última conduziu a uma modificação qualitativa do tipo criminal e, assim, se impor a sua aplicação retroactiva caso se revele mais favorável.

31. A configuração do crime de abuso de confiança fiscal na sequência da alteração legislativa que deu origem ao novo n.° 4 do art. 105.° do RGIT é, de forma cristalina, mais favorável para o agente que aquela que resultava do regime anterior, exigindo-se o incumprimento de uma notificação específica para pagamento das prestações tributárias não entregues para que a conduta possa ser punível, o que não sucedia anteriormente.

32. Sendo mais favorável, e, por conseguinte, admitida a sua aplicação retroactiva, importa averiguar quais os efeitos que decorrem dessa aplicação normativa da lei nova. Seguindo de perto os ensinamentos de Américo Taipa de Carvalho(37), na orientação por si proposta para os casos em que a lei nova, adicionando à factualidade típica novos elementos, vem restringir a punibilidade, deve, em primeiro lugar, atender-se à qualificação a dar ao elemento que é introduzido pela lei nova. O citado autor distingue entre especialização e especificação. “No primeiro caso, [especialização] o elemento ex novo inserido no tipo legal traduz um conceito que não estava implícito no conceito (geral) da LA. [lei antiga]; no segundo caso [especificação], o elemento ex novo inserido no tipo legal introduz um conceito que já estava necessária e lógica, embora só implicitamente, contido no conceito geral da L.A., isto é, não acrescenta um aliquid novo ao tipo legal de L.A. mas apenas especifica o âmbito de intervenção do conceito(38) (elemento) da L.A., não se podendo, rigorosamente, dizer que a L.N. [lei nova] é uma lei especial face à L.A.”(39).

33. Consoante a restrição de punibilidade operada pela lei nova se reduza a uma especificação ou, pelo contrário, signifique uma especialização, se manterá uma relação de continuidade normativa entre a lei nova e a lei antiga ou se verificará a despenalização do facto não abrangido na norma penal restringida ou reformulada.

34. No caso que nos ocupa, como já transpira de tudo o quanto supra se teve oportunidade de expor relativamente ao tipo de culpa, somos da opinião que a alteração legal do art. 105.° do RGIT veio especializar a lei antiga, integrando claramente o primeiro dos casos enunciados por Américo Taipa de Carvalho. Na esteira ainda dos seus exemplos, pode e deve entender-se que o comportamento do agente que, pese embora tenha cumprido a sua obrigação declarativa, não tenha vindo a proceder à entrega do imposto deduzido, impõe a enunciação da possibilidade do sua conduta ter sido diferente caso viesse a ser notificado pelas autoridades fiscais para proceder a esse pagamento.

35. A consequência, está bem de ver, não pode ser outra do que a constatação da existência de uma situação de sucessão de leis no tempo e ainda, e de forma mais importante, a compreensão de que a lei nova importa a despenalização das condutas anteriores que não realizem a facttispecie actualmente punida, quer se entenda, como fazemos, que essa alteração releva do tipo da culpa, quer se pense que tal transforma o tipo do facto ou as condições de punibilidade. prius punibile, posterius punibile, ergo punibile… Donde, como também se nos afigura claro, deverá ter-se por despenalizada.

36. Finalmente, o entendimento que defendemos é o único que nos parece concordante com um direito penal vocacionado para uma tutela “racional” e “subsidiária” de bens jurídicos dignos de intervenção penal(40). O tipo de crime de abuso de confiança fiscal tem em vista a protecção do bem jurídico património fiscal(41). Procura-se impedir e prevenir o desvio de créditos tributários, punindo-se o agente que violar a específica relação de confiança pelo facto de não entregar à Administração Fiscal as quantias que recebeu e deduziu. Se, com efeito, a intenção deste tipo de ilícito é proteger o património fiscal e assegurar o ingresso no Estado de quantias confiadas aos substitutos tributários, parece-nos claro que a acção do agente que comunica à Administração Fiscal os factos tributários, embora não execute o respectivo pagamento, não pode ser valorada criminalmente da mesma maneira que o agente que omite o cumprimento de toda e qualquer obrigação fiscal, seja de declaração da dívida, seja de pagamento. A inactividade do segundo agente atenta contra o bem jurídico património fiscal em termos objectivamente mais gravosos, já que, ao contrário do primeiro agente, não permite à Administração Tributária fazer uso dos procedimentos normais de gestão do imposto, nomeadamente o processo de cobrança coerciva. Nesse sentido, sendo distintas as consequências emergentes das duas condutas para a gestão do imposto e para o bem jurídico protegido pelo tipo incriminador, justifica-se que o direito penal assuma uma perspectiva de valoração criminal também distinta, intervindo mais vigorosamente sobre a acção do sujeito passivo que não cumpre nenhuma das suas obrigações tributárias.

CONCLUSÕES

Podemos agora concluir nos seguintes termos:

A) A alínea b) do n.° 4 do art.° 105.° do RGIT tem em vista separar dois tipos de situações que, no pensamento do legislador, passam a ser diferentemente valoradas. Com efeito, é indiscutível que o grau de incumprimento do contribuinte faltoso pode variar entre os casos em que o contribuinte cumpre, de acordo com a lei, as suas obrigações declarativas, comunicando à Administração tributária as quantias que efectivamente recebeu, embora se abstenha depois de as entregar ao Estado; e os casos em que o comportamento do contribuinte faltoso acaba por ser duplamente relapso, omitindo quer a apresentação da declaração a que estava obrigado, incumprindo assim o dever de auto-liquidação do imposto, quer a entrega dos rendimentos que recebeu por conta das obrigações tributárias de um outro sujeito;

B) O facto de o legislador ter introduzido a nova alínea no n.° 4 do art. 105.° do RGIT não significa que a disposição em causa deva ser necessariamente perspectivada como uma condição de punibilidade dos factos ilícitos;

C) O Relatório do Orçamento de Estado para 2007 estabelece claramente que se “trata de diferentes condutas, com diferentes consequências na gestão do imposto, devem, portanto, ser valoradas criminalmente de forma diferente”.

Enquanto a declaração da existência de dívida à Administração Fiscal permite a esta pôr em marcha o procedimento de cobrança coerciva, ficando garantida a gestão do imposto e o seu pagamento ulterior, a ocultação total da dívida tributária impossibilita o Estado de qualquer acção tendente a assegurar o pagamento do imposto merecendo por isso da ordem jurídica uma reacção substancialmente mais severa.

E) O legislador considera que não é qualquer tipo de omissão da entrega da prestação tributária que é criminalmente valorado mas, sim, uma omissão na relação específica entre o sujeito passivo e a Administração Fiscal, isto é, uma omissão que, surgindo num contexto em que o agente não observa o seu dever de comunicação dos factos tributários à Administração, frustra por completo o objectivo de arrecadação do imposto.

F) A nova alínea b) do n.° 4 do art. 105.° do RGIT afecta, pois, o juízo de culpa imputável ao agente, o que face à definição das condições de punibilidade afigura-se-nos suficiente para afastar a disposição em causa da doutrina das condições de punibilidade.

G) A alteração de elementos da norma incriminadora ocorrida, designadamente, por iniciativa política, alterará em conformidade a estrutura comportamental a observar para o respectivo respeito. Assim, a culpa jurídico-penal que passará a ser integradora do tipo é a definida pela nova norma incriminadora.

H) A cautela que o legislador empregou na defesa do interesse do Estado, designadamente ante o efeito despenalizador que a alteração legislativa pudesse acarretar, não obsta à plena e integral expressão da realidade axiológica do novo tipo de culpa e, como se verá infra, dos seus efeitos retroactivos.

I) A alteração legal do art. 105.° do RGIT veio especializar a lei antiga, podendo e devendo entender-se que o comportamento do agente que, pese embora tenha cumprido a sua obrigação declarativa, não tenha vindo a proceder à entrega do imposto deduzido, impõe a enunciação da possibilidade do sua conduta ter sido diferente caso viesse a ser notificado pelas autoridades fiscais para proceder a esse pagamento.

J) A consequência não pode ser outra do que a constatação da existência de uma situação de sucessão de leis no tempo e ainda, e de forma mais importante, a compreensão de que a lei nova importa a despenalização das condutas anteriores que não realizem a facttispecie actualmente punida, quer se entenda, como fazemos, que essa alteração releva do tipo da culpa, quer se pense que tal transforma o tipo do facto ou as condições de punibilidade.


Notas:

(1) Texto de um parecer dos autores.

(2) Mestre em Direito, assistente da Faculdade de Direito de Lisboa, advogado.

(3) Advogado.

(4) Sobre os deveres de cooperação no domínio do direito fiscal, ver Saldanha Sanches, A quantificação da obrigação tributária, Lisboa, 2000.

(5) Assim, Susana Aires de Sousa, Os Crimes Fiscais – Análise dogmática e Reflexão sobre a Legitimidade do Discurso Criminalizador, Coimbra, 2006, pág. 123; Nuno Lumbralles, “O abuso de confiança fiscal no Regime Geral das Infracções Tributárias”, in Fiscalidade, n.° 13/13 (2003), pág. 86; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias – Cadernos IDEFF – n.° 5, Lisboa, 2007, pág. 179.

(6) Que remonta à doutrina alemã de Belling: veja-se, a título de exemplo, M. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português – Parte Geral, I, Lisboa, 1980, pág. 197.

(7) Figueiredo Dias, “Sobre a Doutrina Geral do Crime”, in Temas Básicos da Doutrina Penal, pág. 250, Coimbra, 2001.

(8) M. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português – Parte Geral, I, pág. 210.

(9) Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Coimbra, 1963, pág. 277.

(10) Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 2007, pág. 494.

(11) Eduardo Correia, Direito Criminal, I, pág. 276.

(12) M. Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português – Parte Geral, I, pág. 201 e ss.

(13) Citado por Figueiredo Dias, “Sobre a Doutrina Geral do Crime”, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra, 2001, pág. 249.

(14) Figueiredo Dias, “Sobre a Doutrina Geral do Crime”, in Temas Básicos da Doutrina Penal, pág. 253.

(15) Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 253.

(16) Para uma compreensão da distinção entre obrigações principais e acessórias, veja-se J. Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2003.

(17) Augusto Silva Dias, “Os crimes de fraude fiscal e de abuso de confiança fiscal: alguns aspectos dogmáticos e politico-criminais, in Ciência e Técnica Fiscal, n.° 393, Lisboa, in Centro de Estudos Fiscais, Abril/Junho 1999, pág. 67.

(18) Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, pág. 179; Susana Aires da Silva, Os Crimes Fiscais, ob. cit., pág. 136.

(19) É a posição de Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, pág. 180.

(20) No sentido de que a alínea b) do n.° 4 do art.° 105.° constitui uma condição de punibilidade, ver o acórdão do Tribunal Colectivo de Santarém, de 24-01-2007, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Proc. N.° 4086/06-3), Relator: Santos Cabral. Sustentando a posição contrária, ver a sentença do 2.° Juízo de Competência Especializada de Leiria de Janeiro de 2007.

(21) A. Castanheira Neves, “O princípio da legalidade criminal”, in Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia, Coimbra, 1984, págs. 440 e ss.

(22) Sublinhando a importância dos argumentos teleológicos para a interpretação jurídica em direito penal, A. Castanheira Neves, “O princípio da legalidade criminal”, in ob. cit., pág. 442.

(23) Cfr. Relatório do Orçamento de Estado para 2007, in www.portugal.gov.pt, pág. 57.

(24) J. Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, págs. 248-249.

(25) Assim, culpa — diz-se— só pode ser censurabilidade da acção, por o culpado ter actuado contra o dever quando podia ter actuado de acordo com ele. O poder de agir de outra maneira na situação é deste modo requisito irrenunciável do conceito de culpa – (...) Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 235-236

(26) Claus Roxin, “Culpa e Responsabilidade”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.° 4, 1991, pág. 513 e segs. (Tradução de Maria da Conceição Valdágua e Jorge de Figueiredo Dias, idem, ib. págs. 235-236

(27) Por oposição à concepção psicológica nascida do pensamento naturalista do século XIX.

(28) Eduardo Correia, Direito Criminal, Vol. I (reimpressão), Almedina, pág. 325.

(29) Jorge de Figueiredo Dias, idem, ib., pág. 242 e nota (123).

(30) Segundo Jorge de Figueiredo Dias, Idem, ib., “A função que ao conceito de culpa cabe no sistema do facto punível é por isso (e foi mérito de Roxin, como já por diversas vezes se pôs em relevo, tê-lo acentuado nos nossos tempos) uma função limitadora do intervencionismo estatal, visando defender a pessoa do agente de excessos e arbitrariedades que pudessem ser desejados e praticados pelo poder do Estado.” Pág. 231. A propósito de considerar que a culpa jurídico-penal é funcionalmente cunhada a partir de uma valoração político-criminal, afirma ainda que: “E todavia, quando se aprofunde a indagação sobre o fundamento da exigência da culpa, logo deverá concluir-se que o conceito, segundo o conteúdo material que lhe cabe, não é funcionalmente determinado a partir de uma perspectiva sistémico-social, mas exprime uma realidade axiológica (uma valoração ética) insusceptível de manipulação utilitarista, quer dizer, em nome de razões de conveniência ou de eficiência a nível do sistema social.”, pág. 231.

(31) Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-05-2006, in www.dgsi.pt, o qual, discorrendo sobre a escolha e medida da pena, dissertou a certa altura o tribunal recorrido:
«(...) No caso em apreço há a considerar:
—o dolo, que reveste a forma directa, e como tal aquela que denota maior conformação da vontade do arguido, tendo previsto e tido como fim prestar declarações falsas e ocultar os livros e documentos da contabilidade com vista a obter vantagens patrimoniais indevidas, no que se refere a fraude fiscal, e apropriar-se de valores de IVA que deveria entregar aos cofres do Estado, defraudando a Fazenda Nacional, no que respeita ao abuso de confiança fiscal;
—a ilicitude, que é de grau elevado na fraude fiscal pelo modo de execução do facto a apontar para um maior desvalor da acção (destruição de documentos da contabilidade, circunstância que não faz parte do tipo) e de grau médio no abuso de confiança fiscal, considerando a vantagem patrimonial obtida ilegitimamente (desvalor do resultado).”

(32) C. Roxin, “Culpa e Responsabilidade”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.° 4, 1991, págs. 533-534.

(33) A alteração do regime jurídico-penal da emissão do cheque sem provisão através do Decreto-Lei n.° 454/91, de 28 de Dezembro, constitui outro exemplo em que o legislador, correspondendo positivamente à dominante orientação social que a punição criminal de cheques dados em garantia que se revelavam desprovidos de provisão conduzia a resultados injustos, análogos à prisão por dívidas, acabou por despoletar um extenso movimento de despenalização.

(34) Idem, ib. pág. 231.

(35) Eduardo Correia, Direito Criminal, I, Coimbra, 1963, pág. 321.

(36) Sublinhando a importância da “violação da relação de confiança” ao nível do tipo subjectivo do ilícito de abuso de confiança fiscal, ver Susana Aires de Sousa, ob. cit., pág. 132.

(37) Taipa de Carvalo, in Sucessão de Leis Penais, 2ª ed., Coimbra, 1997, págs. 178 e segs..

(38) Os exemplos citados por Américo Taipa de Carvalho a propósito da espe-cificação prendem-se com a alteração quantitativa de dispositivos criminais, como os que relevam para a qualificação do furto ou da burla (em que, p. ex., a lei nova aumenta a exigência de 50 para 100 UC’s, por exemplo) ou para a verificação de crime sexual (em que, p. ex., a lei nova diminui a idade da vítima de 16 para 14 anos). Nestes casos, advoga o autor, a aplicação da lei penal posterior mais favorável implica apenas uma redução do âmbito da punibilidade, mantendo-se a dignidade penal do facto (ou da qualificação) que se situe no âmbito do especificado. “O dolo que os novos tipos exigem existiu nos referidos agentes, no momento em que praticaram os respectivos factos”, idem, ib., pág. 182.

(39) Idem, ib.. págs. 178-180.

(40) “Racional – como anota J. Figueiredo Dias –, na medida em que o conceito material de crime vem assim resultar da função do direito penal de tutela subsidiária (ou de “última ratio” de bens jurídicos dotados de dignidade penal”, in “O Comportamento Criminal e a sua Definição: o conceito material de crime”, in Temas Básicos da Doutrina Penal, págs. 42-43.

(41) Augusto Silva Dias, “Os crimes de fraude fiscal e de abuso de confiança fiscal: alguns aspectos dogmáticos e político-criminais”, in Ciência e Técnica Fiscal n.° 394, pág. 66.

03/10/2023 01:40:20