Sónia Reis e Manuel Botelho da Silva - O sistema de informações da República Portuguesa


O SISTEMA DE INFORMAÇÕES
DA REPÚBLICA PORTUGUESA

Pelos Dr.a Sónia Reis(1) e
Dr. Manuel Botelho da Silva(2)

SUMÁRIO:
§ 1–Breve História e enquadramento jurídico-constitucional. 1. Entre 1976 e 1988. 2. Entre 1989 e 1996. 3. Depois de 1997. § 2–Órgãos e serviços do Sistema de Informações da República à luz da Lei Quadro do SIRP em vigor. 1. O Secretário-Geral do SIRP. 2. O Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e o Serviço de Informações de Segurança. 3. O Conselho Superior de Informações. 4. O Conselho de Fiscalização do SIRP. 5. A Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP. § 3–A Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. 1. Razões que fundamentam o seu surgimento. 2. Regime. § 4–Perspectivas futuras

Nota preliminar

Decorre, finalmente, em Portugal um tempo em que se pode pensar sobre os Serviços de Informações, sem condicionamentos excessivos ditados pela sombra da memória da PIDE. É tarefa que a geração a que pertencem os autores do presente artigo pode empreender, tendo da Polícia Política do Estado Novo a distância que permite o tempo, sem as comoções perturbadoras, compreensíveis, do vivido. Pretende-se uma reflexão que aproveite intensamente o ponto de observação que o conhecimento da História proporciona, sem se deixar arrastar pela torrente geral do esquecimento que conduz à repetição circular dos mesmos erros. O momento é particularmente propício tendo em conta a ainda recente reformulação do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), operada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, que alterou e republicou a Lei Quadro do SIRP, Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, e, sobretudo, a publicação da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, que estabelece a orgânica do Secretário-Geral do SIRP, do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e do Serviço de Informações de Segurança (SIS).

Desses diplomas resulta um regime de direcção unificada dos Serviços de Informações—que preservam independência nas áreas estritamente operacionais—, centrado no Secretário-Geral do SIRP, na dependência do Primeiro-Ministro e com condições para se orientar por um conceito alargado de segurança nacional, que ultrapasse a divisão dicotómica entre segurança interna e externa e as suas clássicas fronteiras.

Os Serviços de Informações não são uma necessidade exclusiva de Estados não liberais, antes correspondem a uma carência básica da vida de qualquer comunidade, como o tempo permite à III República Portuguesa constatar.

Mas para que servem, afinal, os Serviços de Informações?
A missão nuclear das informações corresponde ao universo da segurança interna e externa e desenrola-se a montante da actividade de polícia e da actividade de investigação criminal, sem prejuízo de poderem existir serviços de informações que desempenhem simultaneamente algumas destas funções, o que não sucede entre nós.

O âmbito da missão pública das informações em Portugal transcende já no momento presente os universos referidos nos seus sentidos clássicos, podendo relacionar-se com a promoção de outros objectivos do Estado, como o desenvolvimento económico, sendo certo que este último constitui seguramente condição necessária para a preservação da ordem e tranquilidade públicas. A esse propósito, importa referir que existe uma componente das atribuições do SIED que se relaciona com a defesa de interesses económicos portugueses no estrangeiro, alheios ao universo da segurança no seu sentido restrito. O próprio SIS cuida da preservação de interesses económicos portugueses, na contra-espionagem económica, que está já para além do tema clássico da segurança.

De uma leitura das normas que definem genericamente as atribuições do SIED e do SIS resulta a amplitude assinalada. O artigo 20.º da Lei Quadro do SIRP dispõe: «O SIED é o organismo incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa do Estado Português». Preceitua o artigo 21.º da mesma Lei Quadro: «O SIS é o organismo incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da segurança interna e a prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido».

Os interesses nacionais referidos pela norma correspondente ao SIED podem situar-se em matéria económica, como, por exemplo, os mercados para as exportações das empresas Portuguesas, as fontes energéticas, as inovações tecnológicas ou a preservação ambiental. A espionagem, constante do artigo que traça as atribuições do SIS, não está necessariamente ligada a questões de segurança em sentido estrito, podendo incidir sobre questões económicas ou, até, de investigação científica. Trata-se de uma dimensão da actividade de informações que não corresponde à sua imagem popular, mas cada vez mais importante e com grande potencial de desenvolvimento. Atente-se que a actuação dos Serviços de Informações não deve privilegiar interesses particulares de agentes económicos privados, cuidando antes de optimizar as condições gerais necessárias ao bom desempenho de agentes relevantes para a prossecução dos interesses nacionais.

O que está em causa é, portanto, um conceito alargado de segurança nacional, pois, como sustenta entre nós JORGE SILVA CARVALHO, «(…) dever-se-á caminhar, paulatinamente, para uma forma integrada de abordar todo o tipo de ameaças externas à segurança nacional, entendida (…) em sentido lato, enquanto aglutinadora dos conceitos de segurança interna e de defesa nacional»(3).

As atribuições dos Serviços de Informações podem, pois, situar-se bem distantes dos preconceitos dos não iniciados na matéria ainda presos a imagens do passado.

Relativamente às fronteiras da actividade de produção de informações, apuremo-las preliminarmente.
A actividade de Polícia, no seu sentido mais comum, consiste na manutenção da ordem pública. Já a Investigação Criminal, corresponde à tarefa de apurar quem cometeu o crime.

A actividade das Informações situa-se a montante da actividade de polícia e de investigação criminal por se desenvolver independentemente da existência de notitia criminis ou de concretas necessidades de manutenção de ordem pública.

Quando incidente sobre questões de segurança em sentido estrito, a actividade das informações visa prevenir a existência de circunstâncias propícias à prática de crimes e a perda da ordem e tranquilidades públicas. Assim se compreende, como refere JÚLIO PEREIRA, «(…) que as informações e a investigação criminal [sejam] duas realidades que convivem na actividade de segurança interna, que interagem na respectiva prossecução e que têm um ponto privilegiado de encontro no domínio da prevenção criminal»(4). Trata-se, assim, de uma actividade eminentemente preventiva. Tem por objectivo proporcionar ao Decisor Político um conhecimento da realidade que permita decisões fundamentadas em certas matérias fundamentais para o interesse público, relacionadas com a segurança interna e externa da Sociedade Portuguesa e outros interesses económicos centrais. Possibilitando a adopção de políticas públicas adequadas nesses domínios, porque assentes num conhecimento rigoroso da realidade. Trata-se, em suma, de pesquisar informação mas também de a integrar e analisar constantemente, com a luz própria que só uma visão de conjunto permite. Nas palavras de MICHAEL HERMAN, «Intelligence has this same Kaleidoscopic quality, in which the separate subjects merge and re-form into constantly changing patterns» (5). Pretende-se, pois, através das informações, imergir o Decisor Político no contexto informativo correcto para a boa formulação de certas políticas de segurança e económicas. Por isso, com o mesmo autor, «The ultimate object of intelligence is to enable action to be optimized»(6).

Este é o objecto nuclear e central da actividade informações (intelligence na terminologia inglesa), que não se confunde com a polícia (manutenção de ordem pública), nem com a investigação criminal e muito menos com a polícia política (repressão e controlo de opositores ao poder político instituído), não obstante historicamente e contingentemente certos serviços terem também desempenhado estas funções. Não é este último o caso do Portugal contemporâneo, nem as tendências gerais de evolução internacional deste género de Serviços. Na realidade, os Serviços de Informações nacionais não detêm, por força da legislação ordinária, quaisquer atribuições policiais e de investigação criminal. Não se destinam, então, a manter a ordem pública, nem a apurar da autoria da prática de crimes, estando-lhes vedadas essas actividades. Confinam-se, pois, à actividade estrita de produção de informações. Isto não significa, obviamente, que, respeitados os limites legais, as actividades de informações, de polícia e de investigação criminal não possam interagir, devendo existir feed-back recíproco que permita optimizar os respectivos desempenhos, designadamente através da existência de estruturas de cooperação e de coordenação.

Confunde-se, por vezes, a discussão dos meios da actuação com a questão das atribuições assinalada. Importa destrinçar. Um Serviço de Informações pode ter competências para efectuar buscas domiciliárias ou escutas telefónicas, por exemplo, e continuar a não desempenhar em absoluto funções policiais ou de investigação criminal. Tais meios de actuação podem-se apresentar, simplesmente, como uma forma de desempenho de actividade de mera pesquisa e produção de informações de finalidade estritamente preventiva ou até de promoção de interesses económicos estratégicos, desligada de qualquer acção concreta de reposição de ordem pública ou de investigação criminal. O plano da discussão dos meios de actuação e das atribuições há-de ser por isso diferente.

Em Portugal, os Serviços de Informações não só não desempenham funções policiais e de investigação criminal como também têm meios de actuação francamente restritos para o desempenho da sua actividade de estrita pesquisa e produção de informações. De facto, a Lei Quadro do SIRP e a própria legislação de organização e funcionamento do SIED e do SIS que cessa agora vigência, concretamente o Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro, quanto ao SIED, e o Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho, na redacção dada pelos Decretos-Leis n.os 369/91, de 7 de Outubro, e 245/95, de 14 de Setembro, relativamente ao SIS, regulam de forma muito mais exaustiva e organizada os limites de actuação dos Serviços do que os seus meios de actuação, o que pode gerar perplexidade num não iniciado. Trata-se de uma realidade que só se pode compreender à luz da História dos Serviços de Informações em Portugal. Todavia, como afirma RUI CARLOS PEREIRA, «(…) um sistema que se limite a não incorrer em abusos é um sistema inútil, que gasta abusivamente o dinheiro dos contribuintes e, pior do que isso, não promove a tutela antecipada do Estado de direito democrático e dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos – que deveria constituir o seu objectivo precípuo»(7).

A marcada separação da actividade de informações da actividade policial e de investigação criminal, resulta de uma depuração provocada pela História em certos países, entre os quais Portugal, e serve princípios e valores eminentes da nossa ordem jurídica, como desenvolveremos adiante. É a partir dessa História que se compreende o enquadramento jurídico-constitucional do Sistema de Informações da República e respectivos princípios e é por isso por ela que se inicia este estudo. Depois, e à luz do regime jurídico que para aquele Sistema vigora, procede-se à caracterização dos órgãos e dos serviços que compõem o SIRP. Delimitado e ilustrado o essencial do Sistema, promove-se a análise da nova Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, que estabelece a orgânica do Secretário-Geral do SIRP, do SIED e do SIS, seu fundamento e inovações.

§ 1–Breve História e enquadramento jurídico-constitucional

A consagração constitucional do Regime do Sistema de Informações da República que hoje se encontra na alínea q) do n.º 1 do artigo 164.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1976 foi tardia. Só vinte e um anos volvidos sobre a entrada em vigor da Lei Fundamental passou a sua letra a conter referência expressa a um tal Regime.

A criação dos Serviços de Informações comunga igualmente da demora. O SIS foi criado através do Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho, e o então Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM) por meio do Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro.

Pode dizer-se que a realidade sumariamente descrita é fruto da desconfiança e das resistências que o Portugal do último quartel do século XX ainda nutria pelos Serviços de Informações. É certo que Regime do SIRP e Serviços de Informações não são expressões sinónimas, desde logo porque o Regime corresponde a uma realidade mais vasta, que define o modelo que o Sistema de Informações da República adopta. Para a generalidade das pessoas, Regime do SIRP e serviços de informações assumem uma conotação inevitável. O Regime do SIRP respeita, em linguagem popular, às “secretas”. Mas essa é uma expressão destituída de rigor, porquanto toda a actuação dos Serviços de Informações se pauta hoje pela mais estrita legalidade, sendo mesmo objecto de um tipo de controlo e de regime de fiscalização excepcional.

Este carácter de depreciação popular dos serviços de informações é fruto da interiorização ainda dominante na sociedade portuguesa de que estes assumem natureza repressiva e atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, o que em muito se deve, como é sabido, à experiência do Estado Novo. De facto, quer a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE, criada em 1933), quer a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE, criada em 1945), quer a Direcção-Geral de Segurança (DGS, criada em 1969), pautavam as respectivas actuações por ingerências inaceitáveis na esfera de privacidade dos cidadãos, através de detenções discricionárias, mediante buscas durante a noite ou por meio de interrogatórios e privações da liberdade acompanhados de tortura, procedimentos em geral fundados em motivos ideológicos e políticos e destituídos de fundamentação jurídica. Eram na realidade serviços que visavam essencialmente o controlo da oposição ao regime, apresentando-se como uma verdadeira polícia política, com funções efectivas francamente diversas dos actuais serviços de informações.

Os principais alvos da actuação de tais Polícias foram os opositores e dissidentes do Estado Novo. Da História recente retira-se que muitos desses visados se tornaram figuras de relevo da cena política nacional no pós 25 de Abril de 1974. Não é por isso de estranhar que a experiência dessa classe política emergente, a par da ânsia de liberdade total do povo, tenha influenciado a não elevação a prioridade da nova ordem a estruturação de novos serviços de informações.

Seria o circunstancialismo nacional e internacional com reflexos internos, depois do 25 de Abril, a impor de modo incisivo e irreversível a necessidade de entidades com poderes de actuação a montante dos das polícias e dos Tribunais. Foi o que sucedeu na sequência da actividade da “Rede Bombista do Norte” e das “Forças Populares 25 de Abril”, bem como da actuação de grupos terroristas estrangeiros em território nacional, como a ocorrida em 1982 quando o Exército Revolucionário Arménio (ARA) assassinou um diplomata turco em Lisboa ou em 1983, ano em que a Organização Terrorista de Abu Nidal, sediada na Líbia, matou em Montechoro o representante da Organização para a Libertação da Palestina, Issam Sartawi, durante uma reunião da Internacional Socialista.

Estava assim aberto o caminho para a criação de serviços de informações no Portugal pós 1974, com atribuições, meios de actuação e cultura totalmente distintos dos seus predecessores históricos.

1. Entre 1976 e 1988

A redacção primeira da Lei Fundamental não continha no seu articulado referência expressa ao Regime do Sistema de Informações da República ou, sequer, aos serviços de informações. Tal não obstou a que o diploma que primeiramente fixou a orgânica e as atribuições do SIRP, a par do que criou o SIS, fossem aprovados e publicados nesse período.

Depois do monopólio das informações pelas Forças Armadas através, designadamente, da Divisão de Informações (DINFO) e da discussão em torno de um possível Sistema de Informações da República (SIR), na dependência do Presidente da República (8), acaba por ser aprovada a Lei Quadro do SIRP, Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, que fixa, apesar de significativas alterações posteriores, os traços identificadores do modelo do SIRP em vigor. Trata-se de uma Lei aprovada pela Assembleia da República, no âmbito das suas competências genéricas para aprovar leis (artigo 164.º, alínea d) CRP, com a revisão constitucional de 1982).

É nela que se opta, ainda antes da publicação da Lei de Segurança Interna, Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, por atribuir aos serviços de informações, então consagrados, competências estritamente preventivas, sem qualquer possibilidade de desenvolverem funções policiais, instruir processos penais ou realizar qualquer atribuição própria dos Tribunais. Paralelamente, é-lhes conferida exclusividade na prossecução das finalidades do SIRP então definidas, concretamente, a produção de informações necessárias à salvaguarda da independência nacional e à garantia da segurança interna.

Do ponto de visa orgânico, são previstos seis organismos com natureza de serviços públicos: o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, o Conselho Superior de Informações (CSI), a Comissão Técnica, o SIED, o Serviço de Informações Militares (SIM) e o SIS.

O Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações, composto por três cidadãos de reconhecida idoneidade e no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos eleitos pela Assembleia da República para um mandato de quatro anos, tinha por missão central controlar os Serviços de Informações. Para isso, os Serviços fiscalizados estavam legalmente obrigados a enviar relatórios anuais de actividades ao Conselho de Fiscalização. Por outro lado, o Conselho poderia requerer junto dos Ministros da tutela esclarecimentos complementares aos relatórios(9). O Conselho também apresentava anualmente à Assembleia da República pareceres sobre o funcionamento dos serviços de informações.

Embora não fosse expressamente referida na orgânica do Sistema, antes a propósito do uso da informática, importa ainda referir no âmbito da fiscalização a que podia ser promovida por uma Comissão – constituída por três magistrados do Ministério Público, designados pela Procuradoria-Geral da República –, à actividade dos Centros de Dados dos serviços de informações. Essa fiscalização exercia-se através de verificações periódicas dos programas, dados e informações por amostragem, fornecidos sem referência nominativa, podendo mesmo a Comissão ordenar a rectificação ou cancelamento de dados recolhidos pelos Serviços que envolvessem violação dos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição e na lei.

O CSI surge como um órgão interministerial de consulta e coordenação em matéria de informações, presidido pelo Primeiro-Ministro. Para isso, e desde que convocado pelo Primeiro-Ministro, poderia aconselhá-lo e coadjuvá-lo na coordenação dos serviços de informações, pronunciar-se sobre assuntos relacionados com informações submetidos ao Primeiro-Ministro e propor orientação da actividade de pesquisa dos serviços de informações.

Já a Comissão Técnica, assessorava em permanência o CSI, funcionando no seu âmbito. Competia-lhe coordenar tecnicamente a actividade dos serviços, de acordo com as orientações do CSI, bem como emitir pareceres solicitados pelo mesmo CSI. O Secretário-Geral da Comissão Técnica, nomeado e exonerado pelo Primeiro-Ministro, assegurava o apoio funcional necessário aos trabalhos do CSI.

Quanto aos serviços de informações previstos no diploma, o SIED estaria incumbido da produção de informações necessárias a garantir a independência nacional e a segurança externa do Estado Português; o SIM seria constituído pelos departamentos incumbidos da produção de informações militares necessárias ao cumprimento das missões das Forças Armadas, incluindo a garantia de segurança militar; e o SIS, seria o organismo incumbido da produção de informações destinadas a garantir a segurança interna e necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, pudessem alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido.

Dos serviços de informações constantes da Lei Quadro do SIRP, apenas o SIS foi criado de facto, pelo menos a breve trecho. De iure temos os Decretos-Leis n.os 224/85 e 226/85, ambos de 4 de Julho, sendo que o primeiro estabelece a orgânica do SIED, enquanto o segundo reestrutura o SIM, integrando-o no SIRP(10). A verdade é que apenas o SIS, cuja orgânica foi disciplinada no Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho, foi implantado e entrou em funcionamento por essa altura(11).

Do ponto de vista legislativo, importa notar que foi o Governo que legislou sobre os serviços de informações, ao abrigo do disposto na alínea c), do n.º 1 do artigo 201.º CRP, por lhe competir «Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevem (…)».

Do período que medeia entre 1976 e 1988 salientam-se a ausência de norma constitucional que dispusesse, sequer, sobre os serviços de informações.

2. Entre 1989 e 1996

Em 1989 é concretizada a segunda revisão constitucional. Normalmente, é identificada como a da “reversibilidade da constituição económica”, por ter sido tarefa primordial dessa revisão a recentração económica, o que resulta confirmado, por exemplo, pela supressão da “irreversibilidade das nacionalizações” e eliminação de referências a “nacionalizações” e a “reforma agrária”(12). Mas o âmbito da revisão foi mais amplo do que a mera “constituição económica”. Ela chegou, por fim, ao domínio dos serviços de informações e ao segredo de Estado.

O artigo 168.º da Lei Fundamental, relativo à reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, passou a conter no seu n.º 1, alínea r), referência expressa a estas duas realidades ao dispor ser «da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo: (…) r) Regime dos serviços de informações e do segredo de estado (…)». A norma assume significado plúrimo. No plano orgânico, compete agora à Assembleia da República legislar sobre as matérias identificadas, a menos que autorize o Governo a fazê-lo. Do ponto de vista formal, o acto através do qual se pode legislar é a Lei, a aprovar por maioria dos deputados presentes no Parlamento aquando da votação ou, existindo autorização, através de Decreto-Lei do Governo. Materialmente, tudo o que respeite aos Serviços de Informações e ao segredo de Estado se subsume à reserva relativa de competência em causa.

Assim se explica a forma de Lei que reveste o regime do segredo de Estado, vertido na Lei n.º 6/94, de 7 de Abril, que permanece inalterado, e também se justifica que quando, em 1995, se criou o então SIEDM, o Governo tenha legislado sobre a respectiva orgânica mediante autorização legislativa da Assembleia da República. Importa tecer a este propósito considerações complementares.

Depois da revisão constitucional de 1989, repensou-se, através da Lei n.º 4/95, de 21 de Fevereiro, o Sistema de Informações da República. Ao alterar os artigos 3.º, 6.º, 8.º, 13.º, 15.º a 23.º, 26.º, 28.º, 32.º e 33.º da Lei Quadro do SIRP, fixaram-se mais limites à actividade dos Serviços de Informações; alargaram-se as competências do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações; incluiu-se a Comissão Técnica na norma respeitante à orgânica do Sistema; atribuíram-se mais competências ao Primeiro-Ministro, ficando os Serviços de Informações sob a sua dependência, através dos Ministros da tutela; modificou-se a composição e alargaram-se as competências do CSI; definiram-se as atribuições do Secretário-Geral da Comissão Técnica; apuraram-se as regras respeitantes à fiscalização dos Centros de Dados; e introduziram-se normas sobre o segredo de Estado e prestação de depoimento ou declarações por funcionários e agentes dos Serviços de Informações.

A concentração operada em apenas dois Serviços de Informações, concretamente no SIEDM e no SIS, da competência para a produção de informações, pode-se destacar como a alteração mais significativa. Com efeito, ao promover-se a fusão das competências do SIED e do SIM, determinada em 1984, em um SIEDM, não só se reconhecem as Forças Armadas como uma estrutura integrada no quadro democrático do Estado, como se atribuem vantagens à unidade de pensamento e de doutrina na produção de informação estratégica de defesa e de informação estratégica militar(13).

Deste modo se funda o surgimento do SIEDM, cuja orgânica foi depois aprovada pelo Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro. Trata-se de um diploma autorizado pela Assembleia da República, através da Lei n.º 4/95, de 21 de Fevereiro, que assim assumiu uma dupla função: por um lado, o artigo 1.º alterou a Lei Quadro do SIRP, dando nova redacção aos artigos referidos supra; por outro, o artigo 2.º definiu o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização legislativa ou, por outras palavras, estabeleceu os termos em que o Governo ficaria autorizado a legislar sobre o SIEDM, em cumprimento do novo teor das normas constitucionais sobre a matéria.

Ainda no período de 1989-1996, impõe-se referência a uma outra alteração legislativa operada à Lei Quadro do SIRP: a Lei n.º 15/96, de 30 de Abril. Nela, reforçam-se intensamente as competências do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações e regula-se o processo de nomeação dos Directores dos Serviços. O Conselho de Fiscalização passa, nomeadamente, a poder efectuar visitas de inspecção directa aos Serviços e obter destes todos os elementos que solicite, deixando de os pedir através dos Ministros da tutela.

3. Depois de 1997

É comum afirmar-se que da revisão constitucional de 1997 não resulta, ao contrário das anteriores, uma ideia força dominante. Mas a verdade é que também se admite que a reforma da organização do poder político ocupou o lugar central da revisão, embora se tenham produzido emendas significativas em quase todos os títulos da Constituição(14).

No específico domínio do SIRP, a quarta revisão constitucional procedeu a uma pequena revolução, porquanto deixou de constar do artigo relativo à reserva relativa de competência da Assembleia da República o regime dos serviços de informações e do segredo de Estado.

Desde 1997 que o artigo 164.º dispõe, de modo inalterado, ser da «exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias: (…) q) Regime do Sistema de Informações da República e do segredo de Estado (…)». Reconheceu-se, afinal, o carácter fundamental do Regime do SIRP, que abarca todos os elementos identificadores do Sistema de Informações da República, desde a orgânica, passando pela natureza e competências das entidades que o compõem, até à inserção e modo de relacionamento com os demais organismos da Administração Pública. Como se compreende, os Serviços de Informações representam somente uma das dimensões do SIRP. Assim, correcto é, atenta a importância do Sistema, não só para o Estado mas também para os cidadãos em geral, atribuir-lhe dignidade constitucional e conferir de modo exclusivo ao Parlamento poderes para definir o que se pretende que seja o Sistema de Informações da República.

Atento o teor da redacção da norma constitucional em referência nos mesmos planos orgânico, formal e material tomados aquando da análise da revisão constitucional de 1989 (supra, período entre 1989 e 1996), encontram-se diferenças significativas.

No plano orgânico, passando o Regime do SIRP e o Regime do segredo de Estado a constar da norma que atribui reserva absoluta de competência legislativa à Assembleia da República, isso significa que só este órgão de soberania pode legislar sobre essas matérias, já não e nunca o Governo.

No plano formal, o legislador exige uma lei orgânica, que se pode dizer de valor reforçado, na medida em que, para ser aprovada, é necessário maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, como determina o n.º 5 do artigo 168.º CRP, ou seja, é necessário que os deputados eleitos votem favoravelmente por maioria absoluta (metade mais um). Esta exigência implica, da perspectiva da lei orgânica a aprovar, um consenso mais vasto sobre o seu teor, o que igualmente lhe confere maior legitimidade política.

No plano material, o Regime do Sistema de Informações da República faz parte do conteúdo da reserva legislativa de competência em análise. Sabe-se que sempre que a Constituição «não fala em “bases”, “bases gerais” ou “regime geral”, a matéria em questão pertence à Assembleia in totum (…), salvo se a lei deixar espaço para alguma regulamentação puramente executiva»(15). Quer isto significar que a definição do modelo do Regime pertence ao Parlamento, mas isso nada acrescenta para a determinação do seu conteúdo. Sobre o conceito de regime pronunciou-se o Tribunal Constitucional, ainda que a propósito de uma outra alínea do artigo 164.º, concretamente a alínea u), que atribui competência à Assembleia da República para legislar sobre o «Regime das forças de segurança». No Conselho de Ministros de 5 de Dezembro de 2001, o Governo aprovou um Decreto-Lei que visava alterar a Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (GNR), o Estatuto dos Militares da GNR e o regime remuneratório aplicável aos oficiais, sargentos e praças da mesma Força de Segurança. Chamado a pronunciar-se, o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 23/02, de 10 de Janeiro de 2002, que teve como Relator o Juiz Conselheiro Bravo Serra, entendeu não estar o diploma ferido de inconstitucionalidade, porque o Governo não pretendia legislar sobre os princípios de actuação da GNR, nem sobre as linhas básicas da sua organização ou dispor sobre a natureza dessa Força de Segurança. Com isto, contribuiu o Tribunal Constitucional de modo definitivo para o preenchimento do conceito de Regime. Nestes termos, e ainda que se tenha pronunciado sobre o conceito de regime a propósito de uma outra alínea do artigo 164.º CRP, as considerações expendidas pelo Tribunal Constitucional valem, por identidade de razão, para determinar o que se deva entender por Regime do Sistema de Informações da República, que assim compreende os princípios de actuação do Sistema, a definição das suas natureza, estrutura, composição e competências, modo de funcionamento e modo de relacionamento com as demais entidades públicas e cidadãos.

Ainda em 1997 é de assinalar a terceira alteração operada à Lei Quadro do SIRP, através da Lei n.º 75-A/97, de 22 de Julho, que modificou as regras de nomeação para o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações. Note-se que a forma do diploma é a de lei, e não lei orgânica, por a data da sua publicação ser anterior à Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro.

O percurso evolutivo traçado culmina com dois diplomas de relevo: a Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, que alterou e republicou a Lei Quadro do SIRP; e a Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, que estabelece a orgânica do Secretário-Geral do SIRP, do SIED e do SIS. Sobre este regime, actualmente em vigor, versam as páginas seguintes.

§ 2–Órgãos e serviços do Sistema de Informações da República à luz da Lei Quadro do SIRP em vigor

O regime vigente no Sistema de Informações da República corresponde actualmente à versão da Lei Quadro do SIRP introduzida pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro. Essa Lei foi aprovada com os votos favoráveis do Partido Socialista (PS), Partido Social Democrata (PSD) e Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP), o que expressa um consenso alargado quanto ao seu teor. O diploma em causa sujeitou os Serviços de Informações a uma nova inserção institucional. Assim, o SIED e o SIS, em vez de dependentes de dois Ministros diferentes (Ministro da Defesa Nacional e Ministro da Administração Interna, respectivamente) passaram a subordinar-se hierarquicamente a um só órgão, o Secretário-Geral do SIRP, que, integrado na Presidência do Conselho de Ministros, depende directamente do Primeiro-Ministro (cfr. artigos 15.º, n.º 1 e 19.º, n.º 3, alínea a) da Lei Quadro do SIRP e 10.º da Lei Orgânica do Governo, constante do Decreto-Lei n.º 79/2005, de 15 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 201/2006, de 27 de Outubro, que o republicou). Paralelamente, a nova Lei introduziu um novo regime de direcção e coordenação, centrado no Secretário-Geral do SIRP.

O objectivo destas modificações foi claramente o de obter ganhos de eficiência e de coordenação da actuação dos Serviços de Informações, propiciados por uma direcção superior e pela previsão da possibilidade de se criarem estruturas comuns ao SIED e ao SIS, na área da gestão administrativa, financeira e patrimonial. Note-se que embora da proposta de alteração à Lei Quadro do SIRP submetida à Assembleia da República resultasse a fusão do SIED e do SIS em um único Serviço de Informações, a verdade é que no debate parlamentar que se seguiu tal solução foi arredada. O modelo de fusão de topo efectivamente criado com a última alteração à Lei Quadro do SIRP, encabeçado pelo Secretário-Geral do SIRP, assegura, contudo, a coordenação próxima entre os dois Serviços.

A mesma Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, ampliou, também, os poderes do Conselho de Fiscalização do SIRP, ao ponto de abrangerem igualmente as informações militares (artigo 34.º, n.º 2 da Lei Quadro do SIRP). Este órgão, significativamente, mudou a sua designação de Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações para Conselho de Fiscalização do SIRP.

As alterações assinaladas não esgotam o universo das que foram introduzidas à Lei Quadro do SIRP pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, mas são talvez as mais expressivas das modificações operadas ao regime do Sistema de Informações da República que em seguida se caracteriza.

O SIED e o SIS são os únicos Serviços de Informações que integram o Sistema de Informações da República. Do ponto de vista da organização administrativa Portuguesa, inserem-se na Administração Pública Directa, apresentando-se como serviços do Estado em sentido estrito. No plano jurídico-financeiro são dotados de autonomia administrativa e financeira, ao contrário do que ocorre com a generalidade dos serviços da administração directa do Estado, o que já é um indício da especialidade das suas atribuições. Dependem hierarquicamente do Primeiro-Ministro e do Secretário-Geral do SIRP, em linha directa, integrando-se na Presidência do Conselho de Ministros, embora sem qualquer subordinação ao respectivo Ministro.

A actuação do SIED e do SIS, a par da do Secretário-Geral do SIRP e respectivo Gabinete, é fiscalizada pelo Conselho de Fiscalização do SIRP, enquanto os correspondentes Centros de Dados, o são, especificamente, pela Comissão de Fiscalização de Dados. No Sistema, o CSI desempenha um papel de relevo, por lhe caber, genericamente, aconselhar o Primeiro-Ministro em matérias relacionadas com os Serviços de Informações.
Analisemos em pormenor os órgãos e os serviços referidos.

1. O Secretário-Geral do Sistema de Informações da República Portuguesa

De acordo com a Lei Quadro do SIRP, o Secretário-Geral é nomeado e exonerado pelo Primeiro-Ministro (artigo 17.º, alínea c)), sendo equiparado para todos os efeitos legais, excepto os relativos à sua nomeação e exoneração, a Secretário de Estado (artigo 19.º, n.º 1). Não obstante essa equiparação, não dispõe de estatuto de membro do governo. Como se referiu, o Secretário-Geral do SIRP é nomeado e exonerado pelo Primeiro-Ministro, o que implica que se mantém em funções mesmo após o termo do mandato do Primeiro-Ministro que o haja nomeado, regime que o aproxima do estatuto de dirigente(16). Do exposto vem obviamente a resultar a não aplicação ao órgão em estudo do disposto no artigo 186.º CRP sobre cessação de funções dos membros do Governo, nos termos do qual as funções dos membros do Governo se iniciam «com a sua posse e cessam com a sua exoneração ou com a exoneração do Primeiro-Ministro»(17). Porém, em tudo aquilo que a lei não disponha diversamente, aplicam-se as regras conformadoras da actividade de um Secretário de Estado. Refira-se ainda que de acordo com a Lei Quadro do SIRP o Secretário-Geral do SIRP dispõe de um gabinete de apoio, a que se aplica o regime jurídico dos gabinetes ministeriais (artigo 19.º, n.º 2), atribuindo-lhe igualmente um vasto leque de competências próprias, elencadas no n.º 3 do ar- tigo 19.º.

No âmbito da gestão do SIED e do SIS, o Secretário-Geral do SIRP surge como o centro de direcção desses Serviços, não se erigindo como um mero órgão coordenador. O Secretário-Geral do SIRP afasta-se assim do antigo Secretário-Geral da Comissão Técnica, previsto na versão originária da Lei Quadro do SIRP (Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro). Com ele partilha apenas parcialmente o nome e não a substância dos poderes. De facto, o Secretário-Geral da Comissão Técnica era membro de um órgão com competência para «coordenar tecnicamente os Serviços de acordo com orientações do Conselho Superior de Informações» (artigo 22.º, n.º 4, alínea a)), cabendo-lhe, em particular, «assegurar o apoio funcional necessário aos trabalhos do Conselho Superior de Informações» (artigo 22.º, n.º 5). O Secretário-Geral do SIRP, por seu turno, insere-se na estrutura de direcção dos Serviços de Informações, é o seu dirigente máximo a seguir ao Primeiro-Ministro, não se limitando a funções de mera coordenação.

As competências do Secretário-Geral do SIRP podem-se dividir em dois grandes grupos. Num, encontram-se as competências próprias, previstas nas alíneas a) a l) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei Quadro do SIRP e bem assim as que sejam atribuídas por outra legislação, nomeadamente pela Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. Noutro, surgem as competências delegadas pelo Primeiro-Ministro, na medida em que o Secretário-Geral do SIRP é um órgão com estatuto equiparado a Secretário de Estado.

De entre as competências próprias, há que distinguir as que surgem referidas nas alíneas a), f), g), h), i) e j), típicas de um dirigente superior de 1.º grau, das que resultam das demais alíneas, próximas do estatuto de membro de governo. Com efeito, enquanto no primeiro grupo de competências são abarcadas matérias normalmente atribuídas a dirigentes superiores de 1.º grau, como é o caso da presidência dos Conselhos Administrativos do SIED e do SIS ou da nomeação e exoneração de pessoal, no segundo grupo os campos de actuação são em muito similares aos de um membro de Governo, como sucede com a execução das determinações do Primeiro-Ministro e das deliberações dos órgãos de fiscalização do SIRP ou com a aprovação dos relatórios anuais do SIED e do SIS(18).

Ante o exposto, a letra da Lei Quadro do SIRP permite inferir a assunção pelo Secretário-Geral do SIRP de uma dupla natureza – puramente administrativa, de um lado, e política, de outro –, o que lhe confere um estatuto singular no contexto da Administração Pública portuguesa, um misto de dirigente superior de 1.º grau, v.g. director-geral, e de membro do Governo especializado nos Serviços de Informações.

Manifestação da natureza política do órgão em análise é também o facto de estar dotado de um Gabinete a que se aplica o regime constante do Decreto-Lei n.º 262/88, de 23 de Julho, que estabelece a composição, a orgânica e o regime dos gabinetes dos membros do Governo. De notar que esse Gabinete não desenvolve actividade de produção de informações, na sua dupla vertente de pesquisa e análise. Essa tarefa está reservada às unidades orgânicas do SIED e do SIS, sob condução directa dos seus Directores. Na realidade, cabe ao Secretário-Geral do SIRP conduzir os Serviços de Informações através dos respectivos Directores (artigo 19.º, n.º 3, alínea a) da Lei Quadro do SIRP), o que significa que todo o ciclo de produção de informações (19) está entregue ao SIED e ao SIS e não ao pessoal que compõe o Gabinete do Secretário-Geral do SIRP.

2. O Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e o Serviço de Informações de Segurança

Como se explicou anteriormente, o SIED e o SIS são os únicos Serviços de Informações que se inserem no Sistema de Informações da República. Procede-se agora à caracterização desses Serviços, atentando nos elementos fundamentais respeitantes às suas natureza, atribuições, princípios de actuação e orgânica.

À luz da legislação nacional, o SIED e o SIS não desempenham qualquer função policial nem intervêm no processo penal. Efectivamente, não são órgãos de polícia criminal para efeitos do Código de Processo Penal (CPP), uma vez que atendendo à alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º desse diploma não se configuram como entidade [ou] agente policial. Também não assumem a qualidade de autoridade de polícia para qualquer outra finalidade, pois o artigo 15.º da Lei de Segurança Interna não integra no seu elenco referência ao SIED ou ao SIS, o que redunda igualmente em impossibilidade de intervir no processo penal enquanto autoridade de polícia criminal a que a alínea d) do n.º 1 do artigo 1.º CPP se refere. A proibição de intervenção no processo penal é ainda confirmada pelo disposto no artigo 4.º da Lei Quadro do SIRP e nos n.os 2 e n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, mantendo a última a orientação do n.º 3 do artigo 3.º dos anteriores diplomas orgânicos dos Serviços. Assim, se compreende, nas palavras de JORGE SILVA CARVALHO, que «Os Serviços de Informações [constituam], actualmente, a primeira linha de defesa e segurança (…)»(20), desempenhando entre nós, apenas, actividade de produção de informações. Quanto ao que se deva entender por informações, note-se que «A expressão informações é a tradução comum da expressão inglesa intelligence, significando conhecimento profundo, completo e abrangente e pode ser conceptualizada, de uma forma clássica, como um conjunto de actividades que visam pesquisar e explorar notícias em proveito de um Estado»(21).

Relativamente às atribuições do SIED e do SIS, temos que a evolução que o Sistema de Informações da República sofreu desde o seu surgimento em 1984 com a aprovação da Lei Quadro do SIRP pela Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, implicou mutações mais intensas no SIED do que no SIS. Na realidade, e não obstante o SIS ter sido criado e entrado em funcionamento antes do SIED, a verdade é que a natureza das atribuições do primeiro Serviço se manteve, no essencial, inalterada.

De modo sucinto, refira-se que o SIS se encontra incumbido de produzir informações tendentes «(…) à salvaguarda da segurança interna e a prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem e a prática de actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido» (cfr. artigo 21.º da Lei Quadro do SIRP e n.º 3 do artigo 3.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro). Cumpre portanto àquele Serviço, sob a divisa, principiis obstare, obstar nas origens às ameaças, ou seja, atacar o mal logo no princípio.

As atribuições do SIS denotam vocação interna do Serviço. Para isso contribui também a delimitação do âmbito territorial de actuação fixada pelo artigo 34.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, que coincide com o espaço sujeito aos poderes soberanos do Estado português. Não se trata de uma solução inovadora, pois que já o Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho, com as alterações posteriores, previa idêntica delimitação de competência (cfr. artigo 6.º).

A delimitação territorial de competência do SIS não significa que a este Serviço não importe o que acontece no exterior do território nacional. Uma visão estanque dos universos segurança externa e segurança interna está cada vez mais ultrapassada. A origem das ameaças à segurança externa e interna deixou de ser claramente distinta, provindo, por vezes, da mesma fonte: veja-se o caso do terrorismo transnacional islâmico. Sempre, todavia, que o SIS careça de actuação no exterior deve recorrer ao SIED e aos seus recursos. Caso assim não fosse, acabar-se-iam por duplicar no SIS estruturas que existem no SIED, numa solução pouco eficiente, do ponto de vista da economia dos meios. O facto de os dois Serviços terem agora a direcção superior do Secretário-Geral do SIRP permite que este órgão garanta a adequada cooperação entre eles e que os Serviços se orientem globalmente por um conceito integrado de Segurança nacional, que funda correctamente as perspectivas de segurança interna e de segurança externa.

Já o SIED tem sofrido mutações que não se devem apenas à necessidade de se adaptar a novas realidades emergentes, mas, sobretudo, às mudanças incutidas às suas natureza e atribuições. Com efeito, se aquando da aprovação da Lei Quadro do SIRP pela Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, o SIED era o «organismo incumbido da produção das informações necessárias a garantir a independência nacional e a segurança externa do Estado Português», cabendo ao SIM a produção de informações militares, a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro, fez surgir um Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares. Esta diferença de denominação, com reflexos na natureza, que se passou a assumir também como militar, e nas atribuições, somando-se às que se referiram também as necessárias «para o cumprimento das missões das Forças Armadas e para a segurança militar», resultou das alterações introduzidas à Lei Quadro do SIRP pela Lei n.º 4/95, de 21 de Fevereiro, e da mudança de concepção do Sistema então operada. Dado o desenvolvimento que foi dado a esta temática no texto supra(22), refere-se, apenas, que essa mutação implicou o desaparecimento do SIM, assumindo o SIEDM as atribuições que lhe cabiam. A última alteração introduzida à Lei Quadro do SIRP pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, devolveu o SIED(M) à concepção original do Sistema de Informações da República. De facto, desapareceu a vertente militar das atribuições do Serviço em referência, que passou a designar-se Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), como a versão primeira da Lei Quadro do SIRP havia estabelecido. Tal alteração, para além de se traduzir no natural cessar de produção de informações nos planos das Forças Armadas e da segurança militar, teve ainda por consequência o fim da tutela do Ministro da Defesa Nacional. Dada a reestruturação do Sistema que então se promoveu, o SIED, a par do SIS, passaram a estar na dependência directa do Primeiro-Ministro, sendo dirigidos superiormente pelo Secretário-Geral do SIRP, como antes se explicou de modo desenvolvido.

Sob a divisa Adivinhar Perigos e Evitallos, o SIED é, no momento presente, «(…) o organismo incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa do Estado Português» (cfr. artigo 20.º da Lei Quadro do SIRP e n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro).

Quanto aos princípios, um dos que rege a actuação do SIED e do SIS e que se assume, ao mesmo tempo, como caracterizante do próprio Sistema de Informações da República, é o da exclusividade. Trata-se de um princípio que consubstancia o reverso da proibição de estes Serviços desempenharem funções policiais ou de investigação criminal, por defender valores similares.

O artigo 6.º da Lei Quadro da SIRP estabelece ser «(…) proibido que outros serviços prossigam objectivos e actividades idênticas aos dos previstos na presente lei». O n.º 1 do artigo 34.º do mesmo diploma estatui: «O disposto na presente lei não prejudica as actividades de informações levadas a cabo pelas Forças Armadas e necessárias ao cumprimento das suas missões específicas e à garantia da segurança militar». Dos preceitos citados resulta que o SIED e o SIS são os únicos serviços que, no modelo de informações português, desenvolvem actividades de pesquisa e de produção de informações, com excepção do domínio militar. No seio das Forças Armadas podem existir unidades com competência para pesquisa e produção de informações necessárias ao cumprimento de missão militar. Deste modo se explica também que a Polícia, seja ou não de investigação criminal, não possa criar departamentos de informações.

A ratio do princípio da exclusividade é, pois, fácil de apreender e prossegue valores semelhantes ao da proibição dos Serviços de Informações desempenharem funções policiais ou intervirem no processo penal. A separação rigorosa da actividade de informações da actividade de polícia e da de investigação criminal consegue-se não só pela vedação da actividade de polícia e de investigação criminal aos Serviços de Informações, como, também, no sentido inverso, pela inibição de os órgãos de polícia e de investigação criminal produzirem informações. Pretende-se evitar que as polícias possam pré-seleccionar alvos, orientando depois o processo penal preferencialmente contra eles, em violação do princípio da legalidade processual penal (23). As informações, quando misturadas com a investigação criminal, facultam uma focagem preferencial em certos grupos ou indivíduos, por motivos discricionários ou políticos, permitindo que apenas estes sofram consequências penais das suas condutas. Desse modo, a actividade de informações timonaria o processo penal. Ao invés, encontrando-se essa actividade desligada da investigação criminal, as entidades com competências neste âmbito posicionam-se passivamente perante a realidade, despoletando o processo penal a partir de denúncias provindas, descentralizadamente, do meio social e institucional(24). Toda a instrução deve ser, portanto, produzida no seio do processo penal, ao abrigo das normas garantistas deste, não podendo ser utilizada prova colhida na actividade de informações. A actividade de informações visa, fundamentalmente, iluminar as políticas públicas de segurança – legislativas ou administrativas – com um conhecimento rigoroso da realidade que possibilite a sua formulação óptima, mas não se destina directamente à investigação processual penal ou à manutenção da ordem pública.

No plano dos meios de actuação do SIED e do SIS, temos que esses meios começaram por estar previstos nos diplomas que anteriormente regulavam aqueles Serviços, concretamente, no Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro, e no Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho, na redacção dada pelos Decretos-Leis n.os 369/91, de 7 de Outubro, e 245/95, de 14 de Setembro, respectivamente. Agora, é o articulado da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, que sobre eles dispõe. Adiante se explicitarão as originalidades dessa Lei neste domínio, que não são, aliás, muito profundas.

Por ora, note-se que a Lei Quadro do SIRP, bem como a legislação orgânica do SIED e do SIS, dispõe, essencialmente, sobre as formas de actuação que lhes estão vedadas. Afigura-se como principal preocupação do legislador proibir e não tanto munir os Serviços de meios adequados às respectivas atribuições. Este cuidado tem raiz na memória da actuação das “Polícias Políticas” anteriores ao 25 de Abril, não obstante esses “serviços” terem sido fundamentalmente instrumento do Poder instituído de perseguição dos opositores do Estado Novo, com finalidades bem diversas dos actuais Serviços de Informações.

Assim, não se estranha que a identificação dos meios de actuação do SIED e do SIS resulte, fundamentalmente, ad contrario dos limites que lhes são impostos pela Lei Quadro do SIRP e pelos subsequentes diplomas orgânicos e também da articulação dos respectivos regimes com o disposto no restante ordenamento jurídico.

É correcto afirmar, acompanhando o entendimento de RUI CARLOS PEREIRA, que os meios de actuação do SIED e do SIS são exíguos, restringindo-se, sinteticamente, à pesquisa em fontes abertas (muito importantes nas sociedades contemporâneas); acesso a dados detidos por outras entidades públicas; contactos pessoais com fontes voluntárias de informação; em certas circunstâncias muito limitadas, acções de seguimento à distância e filmagens em locais públicos, sempre que destas não resulte violação do direito de intimidade e reserva da vida privada(25), isto é, nos mesmos termos em que um qualquer particular as pode realizar, nos limites do preceituado pelos artigos 79.º, sobre o direito à imagem, e 80.º, relativo ao direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, ambos do Código Civil (CC). Em condições muito limitadas, podem também ser admitidas “acções encobertas”(26). De resto, como refere JORGE SILVA CARVALHO, «Quando o inimigo utiliza meios tecnológicos rudimentares ou comercialmente acessíveis (…) os meios tecnológicos não são decisivos»(27), antes os humanos.

Relembre-se que nem o SIED nem o SIS desempenham qualquer função policial, nem intervêm a qualquer título na investigação criminal, o que, aliado à letra do n.º 4 do artigo 34.º CRP (que proíbe «toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal»), redunda na impossibilidade de procederem a intercepção de comunicações e respectiva gravação, sejam telefónicas ou realizadas através de outro meio técnico, designadamente por meio de Internet ou fax, bem como de acederem à mera listagem de comunicações efectuadas. Todavia, a generalidade dos Serviços de Informações europeus congéneres podem a eles apelar. Também as intercepções e gravações de comunicações entre presentes, escutas ambientais na terminologia das informações, estão vedadas ao SIED e ao SIS, pois tem-se entendido, embora de modo não consensual, que o regime do preceito constitucional supra citado também se lhes aplica. Nesta linha, fora do processo penal, só são admitidas tais actuações nos mesmos termos em que qualquer cidadão as pode efectuar, vigorando nesta matéria limites jurídicos civis e penais. Outros meios de investigação, apenas admitidos no nosso ordenamento jurídico no contexto do processo penal, também estão vedados aos Serviços de Informações. É o caso das buscas, das revistas e das apreensões.

Atento o contexto de ameaça em que a sociedade ocidental, e consequentemente Portugal, se encontra, bem como o facto de a generalidade dos países europeus dispor desses meios de actuação, seria de ponderar remover o limite constitucional do n.º 4 do artigo 34.º da Lei Fundamental, de modo a permitir-se a intercepção de comunicações em condições cuidadosamente disciplinadas(28). Seria igualmente defensável a possibilidade de os Serviços de Informações procederem, em certas condições limitadas, a buscas, revistas ou apreensões, para o prosseguimento das suas atribuições. Neste último caso não existe obstáculo constitucional, por não estar prevista a limitação desses meios ao processo penal, sendo apenas necessária previsão legal nesse sentido.

Uma outra característica da actuação do SIED e do SIS, bem como, aliás, do Gabinete do Secretário-Geral do SIRP, é a submissão das respectivas actividades ao dever de sigilo e ao segredo de Estado, cujos regimes, previstos na Lei Quadro do SIRP, se distanciam, significativamente, do que dispõe a lei geral. Apuremos as diferenças.

Relativamente ao dever de sigilo, temos que ele impende, desde logo, sobre todos aqueles que exerçam funções nos Serviços em análise, tenham ou não vínculo definitivo ao Estado. O dever em causa abrange, como determina o n.º 2 do artigo 28.º da Lei Quadro do SIRP, «a actividade de pesquisa, análise, classificação e conservação das informações de que tenham conhecimento em razão das suas funções, bem como sobre a estrutura e o funcionamento de todo o sistema», o que significa que está em causa toda a actividade que potencialmente se pode desenvolver nos Serviços e bem assim a respectiva estrutura, orgânica e modo de funcionamento. A violação do dever de sigilo em causa implica a punição com pena de prisão até 3 anos, se pena mais grave não couber ao agente que pratique o facto típico por força de outra disposição legal (cfr. artigo 28.º, n.º 4 da Lei Quadro do SIRP). À sanção jurídico-penal descrita pode ainda acrescer responsabilidade disciplinar, concretamente pena de demissão ou outra medida que implique o imediato afastamento do infractor (cfr. artigo 28.º, n.º 5 da Lei Quadro do SIRP). O dever de sigilo em estudo e respectivo regime impende ainda sobre todos aqueles que, em razão das suas funções, tomem «(…) conhecimento de matérias classificadas na disponibilidade dos serviços de informações (…)». Trata-se, pois, de um dever genérico, que transcende o restrito círculo daqueles que exercem funções no SIED ou no SIS, o que se justifica atento o teor da matéria em causa, cuja revelação pode perigar a prossecução das atribuições daqueles Serviços e, em última instância, as finalidades do próprio Sistema de Informações da República.

Quanto ao segredo de Estado, importa começar por referir que abrange todas as questões relacionadas com o SIED e com o SIS, o que resulta da conjugação do disposto na Lei Quadro do SIRP com o preceituado na Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. Com feito, determina o n.º 1 do artigo 32.º da Lei Quadro do SIRP, «São abrangidos pelo segredo de Estado os dados e as informações cuja difusão seja susceptível de causar dano à unidade e integridade do Estado, à defesa das instituições democráticas estabelecidas na Constituição, ao livre exercício das respectivas funções pelos órgãos de soberania, à segurança interna, à independência nacional e à preparação da defesa militar», acrescentando o n.º 2 «[considerarem-se] abrangidos pelo segredo de Estado os registos, documentos, dossiers e arquivos dos serviços de informações relativos às matérias mencionadas no número anterior, não podendo ser requisitados ou examinados por qualquer entidade estranha aos serviços, sem prejuízo do disposto nos artigos 26.º e 27.º», preceitos que respeitam à Comissão de Fiscalização de Dados. Por seu turno, o n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, estabelece: «São abrangidos pelo segredo de Estado os registos, documentos e dossiers, bem como os resultados das análises e os elementos conservados nos centros de dados do SIED e do SIS e nos arquivos do Gabinete do Secretário-Geral, do SIED, do SIS e das estruturas comuns, respeitantes às matérias constantes da Lei Quando do SIRP». Importa ainda referir que o regime do segredo de Estado no plano do Sistema de Informações da República não observa o diploma que especificamente dispõe sobre esse segredo, concretamente a Lei n.º 6/94, de 7 de Abril. Com efeito, tal diploma determina que «As restrições de acesso aos arquivos, processos e registos administrativos e judiciais, por razões atinentes à investigação criminal ou à intimidade das pessoas, bem como as respeitantes aos serviços de informações da República Portuguesa e a outros sistemas de classificação de matérias, [se regem] por legislação própria».

O distanciamento do dever de sigilo e do segredo de Estado da lei geral é particularmente evidente na esfera processual, designadamente penal. Confrontemos o Código de Processo Penal com a Lei Quadro do SIRP.

No que respeita ao segredo de Estado, sempre que um funcionário ou agente do SIED ou do SIS seja chamado a depor ou a prestar declarações ante autoridades judiciais deve, quanto a questões sobre factos abarcados pelo segredo de Estado, escusar-se a depor, sob pena de responsabilidade disciplinar (cfr. artigo 33.º, n.os 1 e 3 da Lei Quadro do SIRP). Note-se que, mesmo que o Magistrado judicial do processo pretenda “levantar” o segredo e ordenar a prestação do depoimento, cabe, à luz do n.º 2 do artigo 33.º da Lei Quadro do SIRP, ao Primeiro-Ministro confirmar, ou não, a existência de segredo e, em última instância, autorizar a prestação de depoimento(29). Tais decisões não competem nunca, no âmbito do Sistema de Informações da República, ao Magistrado judicial do processo. Não se aplica, portanto, o regime geral sobre escusa de depoimento, concretamente o disposto no artigo 137.º CPP. De facto, não só não cabe ao Ministro da Justiça pronunciar-se sobre a matéria, como não se presume, decorridos trinta dias sobre o pedido de confirmação de segredo, a inexistência de segredo de Estado com a consequente ordem de prestação de testemunho ao funcionário ou agente do SIED ou do SIS que determina o n.º 3 do artigo 137.º CPP. Esse é, repete-se, o regime geral, cuja aplicação ao segredo de Estado do Sistema de Informações da República está arredada por força do regime, especial, constante dos artigos 32.º e 33.º da Lei Quadro do SIRP. Nestes termos, cabe unicamente ao Primeiro-Ministro pronunciar-se e o decurso de um prazo de resposta eventualmente fixado pelo Magistrado do processo não traduz autorização tácita de prestação de testemunho(30).

Relativamente ao dever de sigilo, se um funcionário for chamado a depor em Processo Penal, deve-se escusar a fazê-lo, por estar abrangido pelo regime do segredo de funcionário, meio de prova previsto no artigo 136.º CPP(31). De resto, essa é a regra geral prevista no Código em matéria de segredos. Contudo, o mesmo artigo 136.º CPP manda aplicar os n.os 2 e 3 do artigo 135.º, relativo ao segredo profissional, nos termos dos quais se permite, mesmo que exista segredo e feita a ponderação dos interesses em causa, que o Magistrado judicial ordene a prestação de testemunho. Ora, atentando no disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 33.º da Lei Quadro do SIRP, temos que se o depoimento a prestar incidir em «factos sobre o quais possa depor ou prestar declarações, [o funcionário] não deve revelar as fontes de informação nem deve ser inquirido sobre as mesmas, bem como sobre os resultados de análise ou sobre elementos contidos nos centros de análise ou nos arquivos». Embora não se trate já de segredo de Estado mas de matéria abrangida pelo dever de sigilo dos funcionários, a verdade é que também nestes casos o Primeiro-Ministro terá de informar o Magistrado se autoriza, ou não, a prestação de depoimento. Significa isto uma disciplina específica para o Sistema de Informações da República, também no domínio do segredo de funcionário, porquanto a Lei Quadro do SIRP afasta a aplicação, pelo menos, do n.º 2 do artigo 136.º CPP.

A caracterização do SIED e do SIS não fica completa sem referência à orgânica.
Cada um dos Serviços é dirigido por um Director, coadjuvados, correspondentemente, por um Director-Adjunto (artigo 22.º, n.º 1 da Lei Quadro do SIRP). Tratam-se de cargos de direcção superior de 1.º grau, no caso dos Directores, e de direcção superior de 2.º grau, no dos Directores-Adjuntos (artigo 22.º, n.º 2 da Lei Quadro do SIRP).

Os Directores são directamente responsáveis pela normal actividade e regular funcionamento dos Serviços que dirigem, competências que se desenvolvem no quadro das orientações emanadas pelo Secretário-Geral do SIRP (artigo 22.º, n.º 3 da Lei Quadro do SIRP). Considerando a complexidade e a atipicidade da caracterização das competências do Secretário-Geral do SIRP no contexto da organização político-administrativa portuguesa antes aludida(32), é compreensível que entre esse órgão e os Directores do SIED e do SIS, figuras centrais na direcção e gestão quotidiana dos Serviços, se não gere a relação típica entre membro do governo e dirigente superior de 1.º grau. De modo sintético, dir-se-á que os Directores dos Serviços de Informações detêm, em relação aos respectivos Serviços, três conjuntos de competências.

Em primeiro lugar, as que lhes sejam expressamente atribuídas por lei. De facto, a alínea a) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei Quadro do SIRP, ao reservar para o Secretário-Geral do SIRP a condução superior, «através dos respectivos directores, [d]a actividade do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e do Serviço de Informações de Segurança e exercer a sua inspecção, superintendência e coordenação, em ordem a assegurar a efectiva prossecução das suas finalidades institucionais» está, implicitamente, a atribuir a respectiva condução directa ao Director de cada um deles.

Por outro lado, as competências atribuídas genericamente pela legislação a “dirigentes máximos de serviços, a directores superiores de 1.º grau” ou a directores-gerais (33), desde que, relembre-se, não se trate de matéria reservada pelo n.º 3 do artigo 19.º da Lei Quadro do SIRP, ou por outra legislação, nomeadamente a Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, ao Secretário-Geral do SIRP(34).

Por último, surgem as que eventualmente sejam delegadas nos Directores pelo Secretário-Geral do SIRP.

Com esta repartição de competências resulta, numa perspectiva dinâmica, que os Directores do SIED e do SIS devem manter o Secretário-Geral do SIRP completa e integralmente informado sobre as actividades dos respectivos Serviços, para que este possa exercer informadamente todas as suas competências próprias e as delegadas pelo Primeiro-Ministro. Este dever de informação, implícito na lógica de repartição de competências, é o corolário da existência de um poder-dever por parte do Secretário-Geral do SIRP de exercer a sua competência de condução superior dos Serviços através dos Directores(35).

Por outro lado, os Directores do SIED e do SIS têm a competência (poder-dever) de propor medidas junto do Secretário-Geral do SIRP, mesmo em matérias da competência própria deste, desde que respeitem ao correspondente Serviço, porquanto são eles que estão directamente envolvidos na sua condução. Este dever encontra-se implícito na atribuição aos Directores da competência de condução directa dos Serviços. Assim, se o Secretário-Geral do SIRP conduz os Serviços, através dos Directores, é natural que sobre estes impenda um especial dever de iniciativa de apresentação de propostas de medidas que considerem necessárias, mesmo em matérias da competência do primeiro, dada a observação directa dos Serviços de que beneficiam. Esta faculdade não prejudica todavia a susceptibilidade de o Secretário-Geral do SIRP adoptar medidas por iniciativa própria nas matérias da sua competência.

Deste modo se consegue que as competências dos Directores do SIED e do SIS e as do Secretário-Geral do SIRP possam ser exercidas eficiente e articuladamente, introduzindo-se harmonia no Sistema(36).

3. O Conselho Superior de Informações

O CSI é o órgão interministerial de consulta e coordenação em matéria de informações, presidido pelo Primeiro-Ministro (artigo 18.º, n.os 1 e 2 da Lei Quadro do SIRP). É um órgão de composição alargada, onde têm assento, para além do Chefe de Governo, os Ministros de Estado e da Presidência, da Defesa Nacional, da Administração Interna, da Justiça, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, também os Presidentes dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira, bem como o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, o Secretário-Geral do SIRP e dois deputados designados pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. No sistema de eleição dos representantes do Parlamento reflecte-se, uma vez mais, a vontade do legislador em promover consensos alargados nas matérias respeitantes ao Sistema de Informações da República.

O CSI reúne sempre que convocado pelo Primeiro-Ministro (artigo 18.º, n.º 4 da Lei Quadro do SIRP), sendo que a prática revela reuniões com periodicidade anual.

O CSI não se destina a gerir e administrar o SIED e o SIS, como é natural. Sendo presidido pelo Primeiro-Ministro, que “tutela” os Serviços de Informações, através do Secretário-Geral do SIRP, podem resultar das suas reuniões orientações ou mesmo ordens que vinculem aqueles Serviços. De qualquer modo, dadas as características da composição do CSI e o normal espaçamento das reuniões, a sua vocação é a reflexão estratégica sobre as grandes questões de organização e funcionamento do Sistema de Informações da República. A heterogeneidade da composição do órgão em análise torna possível que se constitua num centro de aprofundamento da coordenação dos vários sectores da Administração Pública, que podem funcionar como canais de absorção de informação, com interesse evidente para o Sistema de Informações da República. É o caso das representações diplomáticas no estrangeiro, bem como o das delegações no estrangeiro de Serviços do Ministério da Economia, das Forças e Serviços de Segurança e, até, das Forças Armadas.

4. O Conselho de Fiscalização do SIRP

O regime constante da Lei Quadro do SIRP cuida fundamentalmente de estabelecer limites à actividade dos Serviços de Informações. Não surpreende, por isso, que a mesma Lei tenha previsto um órgão específica e exclusivamente vocacionado para a fiscalização da actividade dos Serviços de Informações: o Conselho de Fiscalização do SIRP(37). Este Conselho é composto por três cidadãos eleitos pela Assembleia da República por voto secreto e maioria de dois terços dos deputados presentes, não inferior à maioria dos deputados em efectividade de funções (artigo 8.º da Lei Quadro do SIRP). Com este regime de designação dos membros do Conselho de Fiscalização do SIRP irrompe, novamente, a intenção legislativa de promover consensos alargados no que respeita à actividade dos Serviços de Informações.

Trata-se, pois, naturalmente, de um órgão não inserido na cadeia hierárquica de comando dos Serviços de Informações — Primeiro-Ministro, Secretário-Geral do SIRP e Directores do SIED e do SIS —, absolutamente independente e com imunidades especiais (cfr. artigo 11.º da Lei Quadro do SIRP). Funciona junto da Assembleia da República, que lhe assegura os meios indispensáveis ao cumprimento das suas atribuições e competências, designadamente instalações condignas, pessoal de secretariado e apoio logístico suficientes, inscrevendo no seu orçamento a dotação financeira necessária, de forma a garantir a independência do funcionamento do órgão em estudo.

Das competências de fiscalização do Conselho de Fiscalização do SIRP salienta-se, entre outras, a possibilidade de efectuar visitas de inspecção destinadas a colher elementos de informação sobre o modo de funcionamento e actividade do Secretário-Geral do SIRP e respectivo Gabinete, do SIED e do SIS, podendo mesmo aceder a todo o acervo documental dessas entidades, incluindo o dos Centros de Dados (artigo 9.º, n.º 2, alíneas d) e e) da Lei Quadro do SIRP). O órgão em referência tem também a faculdade de propor ao Governo a realização de procedimentos de inspecção ou sancionatórios sempre que entenda conveniente, não detendo, como é óbvio, poderes sancionatórios próprios. Cabe-lhe, ainda, sublinhe-se, pronunciar-se sobre quaisquer iniciativas legislativas que tenham por objecto o Sistema de Informações da República, bem como sobre os modelos de organização e gestão (artigo 9.º, n.º 2, alínea h) da Lei Quadro do SIRP).

O Conselho de Fiscalização do SIRP frui de competência genérica e residual de fiscalização da actividade dos Serviços de Informações. Quer isto significar que pode tudo, em princípio, no que respeita a fiscalização. Todavia, não ficam prejudicadas as competências genéricas concorrentes da Assembleia da República (artigo 8.º, n.º 1 da Lei Quadro do SIRP) e, nos estritos assuntos respeitantes aos Centros de Dados, da Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP(38). As competências do órgão em análise abarcam, igualmente, as informações militares, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 34.º da Lei Quadro do SIRP.

Com particular interesse, importa reter o disposto no n.º 3 do artigo 9.º da Lei Quadro do SIRP, que dispõe: «O Conselho de Fiscalização acompanha e conhece as modalidades admitidas de permuta de informações entre serviços com outras entidades, especialmente de polícia, incumbidos de garantir a legalidade e sujeitos ao dever de cooperação». Trata-se de um indício claro da preocupação do legislador em firmar o controlo de circunstâncias que podem perigar a separação entre a actividade de informações e a actividade policial, traço estrutural do regime jurídico português, com fundamentos que em outros pontos do presente estudo se procurou descortinar (39).

As competências do Conselho de Fiscalização do SIRP não prejudicam, como é óbvio, a fiscalização externa por parte do sistema judicial, enquanto instância de controlo da legalidade da actuação dos Serviços de Informações, dentro dos limites pautados pelo regime do segredo de Estado.

5. A Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP

A actividade do SIED e o SIS implica, naturalmente, uma actividade intensa de colheita e tratamento de dados. O n.º 1 do artigo 23.º da Lei Quadro do SIRP estatui que os Serviços de Informações podem dispor de Centros de Dados compatíveis com a natureza dos Serviços, competindo-lhes processar e conservar em arquivo magnético os dados e informações recolhidos no âmbito da sua actividade(40). Por motivos de segurança do Sistema de Informações da República esses dados e informações não estão sujeitos ao regime geral da fiscalização de dados. Com efeito, a Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, que consagra o regime de protecção de dados pessoais, estabelece, no n.º 7 do artigo 4.º: «A presente Lei aplica-se ao tratamento de dados pessoais que tenha por objecto a segurança pública, a defesa nacional e a Segurança do Estado, sem prejuízo do disposto em normas especiais constantes de instrumentos de direito internacional a que Portugal se vincule e da legislação específica atinente aos respectivos sectores». Nestes termos, o regime de fiscalização de dados constante da Lei Quadro do SIRP e da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, implica uma derrogação da disciplina prevista na Lei de Protecção de Dados Pessoais e bem assim das competências da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).

De facto, o n.º 1 do artigo 26.º da Lei Quadro do SIRP é claro ao estatuir que «A actividade dos centros de dados é exclusivamente fiscalizada pela Comissão de Fiscalização de Dados (…)». Todos os poderes de controlo e fiscalização cabem, portanto, à Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP, mas, como o preceito citado acrescenta «(…) sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo seguinte». Do n.º 3 do artigo 27.º resulta que «Das irregularidades ou violações verificadas deverá a Comissão de Fiscalização de Dados dar conhecimento, através de relatório, ao Conselho de Fiscalização». Ora, considerando o disposto na alínea e) do n.º 3 do artigo 9.º da mesma Lei, que atribui ao Conselho de Fiscalização do SIRP, como se explicou supra, poderes de fiscalização relativamente aos Centros de Dados do SIED e do SIS, temos que esse Conselho é no Sistema um órgão de fiscalização de competência genérica, enquanto a Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP está incumbida de fiscalizar, unicamente, os Centros de Dados. Significa isto que o Conselho de Fiscalização do SIRP, se o pretender, pode também ter acesso aos Centros de Dados e fiscalizar a sua actividade, em concorrência com a Comissão de Fiscalização de Dados.

A Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP tem sede na Procuradoria-Geral da República, sendo constituída por três Magistrados do Ministério Público, designados e empossados pelo Procurador-Geral da República (artigo 26.º da Lei Quadro do SIRP), pelo que se encontra totalmente desinserida da cadeia hierárquica que comanda os Serviços de Informações, reunindo plenas condições de independência.

O direito de reclamação de particulares contra processamento incorrecto ou ilegal de dados exerce-se perante a Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP (artigo 27.º da Lei Quadro do SIRP), abrangendo as competências desta, também, as informações militares (artigo 34.º, n.º 2 da Lei Quadro do SIRP).

§ 3–A Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro

Com a recente entrada em vigor da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, aprovada, à semelhança da Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, que alterou a Lei Quadro do SIRP, com os votos favoráveis do PS, PSD e CDS-PP, o regime do Secretário-Geral do SIRP, do SIED e do SIS consta de um único diploma. Deste modo, colmata-se o vazio de regulamentação do órgão Secretário-Geral do SIRP, que persistia desde a sua criação, aquando da última alteração à Lei Quadro do SIRP, operada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro. Ao mesmo tempo, e dada a similitude de regime porque se pautam SIED e SIS, designadamente quanto à estrutura de comando, aos princípios e meios de actuação, à orgânica, aos quadros dirigentes e ao pessoal, tem-se por vantajosa a unidade de regime ora em vigor naqueles Serviços. Acresce que a Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, revoga o Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro, excepto o disposto no artigo 34.º, bem como o Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho, na redacção dada pelos Decretos-Leis n.os 369/91, de 7 de Outubro, e 245/95, de 14 de Setembro. O primeiro diploma referido estabelecia a orgânica do SIED, definindo igualmente a estrutura das categorias e carreiras do quadro de pessoal, a par do respectivo estatuto remuneratório. Dado que a Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, não dispõe especificamente sobre remuneração base e sobre a estrutura de cada carreira, excepciona na norma revogatória (artigo 72.º) o disposto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro, que assim permanecerá vigente até à publicação de um novo diploma que disponha sobre as carreiras e estatuto remuneratório dos funcionários e agentes do SIED. Quanto ao SIS, vale idêntico raciocínio. O Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho, com as alterações posteriores, também dispunha sobre as mesmas matérias referidas a propósito do SIED, com exclusão do que respeita a remuneração base. Considerando que é o Decreto-Lei n.º 370/91, de 7 de Outubro, que rege a matéria, persistirá em vigor até à publicação de um novo regime legal (cfr. artigo 72.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro).

1. Razões que fundamentam o seu surgimento

Os motivos que fundam a aprovação e publicação da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, são de índole diversa.

Desde logo, a necessidade de adaptação da regulamentação aplicável ao SIED e ao SIS ao regime da Lei Quadro do SIRP em vigor. Era patente o desfasamento dos diplomas orgânicos do SIED, Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro, e do SIS, Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho, com as alterações posteriores, ante o novo modelo de tutela e direcção que emergiu em 2004. A tutela do SIED pelo Ministro de Defesa Nacional e a do SIS pelo Ministro da Administração Interna profusamente referida nos diplomas citados inseriam-se em uma estrutura com a qual a Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, rompeu. As dificuldades em fazer aplicar aqueles decretos-leis nos quadros de um modelo organizativo imposto pela Lei Quadro do SIRP em 2004, encabeçado pelo Primeiro-Ministro e coordenado superiormente pelo Secretário-Geral do SIRP, aconselhavam há muito, pelo menos, a alteração dos diplomas orgânicos daqueles Serviços.

Um segundo motivo, que se alia umbilicalmente ao anterior, é a ausência de regulamentação da figura do Secretário-Geral do SIRP. Por um lado, do confronto entre as competências próprias que lhe são conferidas pelas alíneas a) a l) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei Quadro do SIRP com as normas que continuavam a figurar nos diplomas do SIED e do SIS, resultava que algumas dessas competências eram naqueles diplomas dos Directores, o que gerava perplexidade, além de dificuldades interpretativas. A título ilustrativo, refira-se a determinação de quem preside aos conselhos administrativos(41). Por outro lado, a própria Lei Quadro do SIRP parece impor regulamentação. A esse propósito, veja-se a alínea i) do n.º 3 do artigo 19.º. Nela, determina-se competir ao Secretário-Geral do SIRP «Exercer o poder disciplinar dentro dos limites que a lei determinar». Ora, não só não existia lei que o determinasse como do específico regime disciplinar constante dos diplomas anteriores dos Serviços de Informações resultavam aporias.

Era também necessário repensar os meios de actuação dos Serviços, em virtude de os contornos das ameaças internas e de cariz transnacional se terem transmutado notoriamente, sobretudo a partir de 2001. Considerando que o diploma do SIED foi aprovado em 1995 e o do SIS alterado pela última vez nesse ano, tornava-se imprescindível modernizar alguns dos meios de actuação já existentes e prever outros.

Depois, alguns dos princípios de actuação aplicáveis aos Serviços de Informações, deveriam igualmente passar a abarcar, ainda que com algumas, compreensíveis, diferenças de regime, o Secretário-Geral do SIRP e respectivo Gabinete. Ao comungar genericamente das mesmas finalidades no âmbito do Sistema de Informações da República, justifica-se, no plano dos princípios, que o Secretário-Geral do SIRP, o SIED e o SIS se pautem por idênticos critérios e se submetam a deveres semelhantes, designadamente no que respeita à submissão ao dever de sigilo e ao segredo de Estado.

Por último, a necessidade de criar as estruturas comuns. Ainda que apenas possibilitadas e não impostas pela Lei Quadro do SIRP (cfr. artigo 35.º, n.º 1), viabilizam contenção de despesas e harmonização de procedimentos ao concentrar em uma única estrutura nas áreas da gestão administrativa, financeira e patrimonial, serviços até agora geminados no SIED e no SIS. Deste modo, permitem a focalização dos Serviços de Informações no âmago das respectivas atribuições: a produção de informações.

2. Regime

A Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, prevê sete capítulos, que dispõem sobre: os princípios gerais porque se regem o Secretário-Geral do SIRP, o SIED, o SIS, os Centros de Dados e as estruturas comuns; as competências e o Gabinete do Secretário-Geral do SIRP; as competências e a composição, respectivamente, do Conselho Consultivo do SIRP e das estruturas comuns; a orgânica do SIED e do SIS; o processamento informatizado de dados pessoais; o pessoal; e disposições finais e transitórias. Analisemos os traços caracterizadores do novo diploma.

Em primeiro lugar, os princípios porque se regem o SIED e o SIS e que constavam já dos antecedentes diplomas orgânicos desses Serviços abarcam agora, também, o Secretário-Geral do SIRP e respectivo Gabinete, em cumprimento da ratio da Lei Quadro do SIRP. Quer isto significar, desde logo, que partilham de idênticos limites de actuação, estando impossibilitados, designadamente, de exercer competências próprias da magistratura judiciária ou de entidades com competências policiais. O desrespeito de tais limites implica a efectivação de responsabilidade, disciplinar ou outra(s) legalmente prevista(s). Ainda que as atribuições das entidades objecto do diploma em estudo sejam diversas, compreende-se que a inserção de todas em um Sistema de Informações da República, coordenado superiormente pelo Secretário-Geral do SIRP, justifique a partilha pelos funcionários e agentes do SIED e do SIS, bem como pelos membros do Gabinete do Secretário-Geral do SIRP, de idênticos limites e deveres, a par da assunção de responsabilidade em moldes semelhantes.

Em segundo, destaca-se a previsão de novos meios de actuação e a actualização de outros já previstos nos anteriores diplomas orgânicos do SIED e do SIS.

São dois os novos meios de actuação. O acesso por Directores, Directores-Adjuntos e Directores de departamento do SIED e do SIS a informação e registos relevantes para a prossecução das suas competências, contidos em ficheiros de entidades públicas, é o primeiro. Trata-se de um acesso reservado a apenas alguns dirigentes, o que se compreende atento o carácter reservado da informação e registos em causa. O outro é a possibilidade, por motivos de conveniência de serviço, de codificação da identidade e da categoria de funcionários e agentes do SIED e do SIS a exercer funções em departamentos operacionais e eventual emissão de documentos legais de identidade alternativa. Essa prerrogativa pode aplicar-se a meios materiais e equipamentos utilizados pelos mesmos funcionários e agentes, nomeadamente viaturas de serviço de cariz operacional. Elemento comum é, portanto, o desempenho, por pessoas, meios ou equipamentos, de funções operacionais, por apenas se ter por legitimada e justificada a inibição da identificação quando se possa perigar, com a sua divulgação, uma operação ou, até, as atribuições do SIED ou do SIS. Como se compreende, os novos meios de actuação previstos vão restritos aos Serviços de Informações, não aproveitando ao Gabinete do Secretário-Geral do SIRP, que não desempenha a actividade de produção de informações.

Por outro lado, é alargado o âmbito de dois dos meios de actuação dos Serviços. É o caso do direito de acesso de funcionários e agentes do SIED e do SIS, desde que devidamente identificados e em missão de serviço, a áreas públicas, ainda que de acesso condicionado, e privadas de acesso público, consideradas essenciais à prossecução das suas competências. Este direito, na legislação em vigor, estava só previsto para o SIS. Também o dever de colaboração para com o Secretário-Geral do SIRP, SIED e SIS foi ampliado. Esse dever de colaboração é agora alargado a entidades privadas que desenvolvam actividade relevante no contexto de relação contratual com o Estado Português no âmbito das atribuições do Secretário-Geral do SIRP, do SIED e do SIS.

Em terceiro lugar, cumpre referir a concretização operada das competências do Secretário-Geral do SIRP, genericamente previstas nas alíneas a) a l) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei Quadro do SIRP. De entre as competências elencadas na redacção do artigo 13.º da nova Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, destacam-se: orientar o planeamento estratégico do SIED e do SIS; dirigir, de acordo com as orientações gerais definidas pelo Primeiro-Ministro, as relações internacionais do SIRP; autorizar, sem prejuízo das competências próprias dos conselhos administrativos do SIED e do SIS, a realização de despesas do seu Gabinete, do SIED, do SIS e das estruturas comuns, até ao limite máximo legalmente estabelecido para os casos de delegação de competência em Secretário de Estado(42); exercer a competência disciplinar sobre funcionários e agentes que lhe estejam orgânica e funcionalmente subordinados(43); aprovar, sob proposta dos Directores do SIED e do SIS, regulamentos internos relativos a matérias previstas na legislação do SIRP, nomeadamente em matéria de formação, avaliação e outras indispensáveis ao bom funcionamento dos serviços; e autorizar, sob proposta dos directores do SIED, do SIS ou das estruturas comuns, as deslocações de funcionários e agentes em serviço ao estrangeiro.

Em quarto lugar, salienta-se a criação de um Conselho Consultivo do SIRP. Trata-se de um órgão de consulta, presidido pelo Primeiro-Ministro, competência delegável no Secretário-Geral do SIRP. Sucede aos Conselhos Consultivos do SIED e do SIS, antes previstos nos correspondentes diplomas orgânicos e presididos, respectivamente, pelo Ministro da Defesa Nacional e pelo Ministro da Administração Interna(44). A experiência dos anteriores Conselhos levou o legislador a consagrar agora um outro, adequado ao novo modelo de direcção do Sistema de Informações da República. Assim, o Conselho Consultivo do SIRP tem uma composição bicameral e heterogénea, para que o aconselhamento visado contemple as perspectivas de outros sectores da Administração Pública. Deste modo se explica que a sua composição varie em função do domínio de competências do SIED ou do SIS em que reúna. São membros permanentes do Conselho Consultivo, no âmbito das competências do SIED: o Director-Geral de Política de Defesa Nacional do Ministério da Defesa Nacional; o Director-Geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros; o responsável pelo organismo de informações militares. São membros permanentes do Conselho Consultivo, no âmbito das competências do SIS: o Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana; o Director Nacional da Polícia de Segurança Pública; o Director Nacional da Polícia Judiciária; e o Director-Geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. Podem ainda ser convidados a participar no Conselho Consultivo representantes de entidades cuja comparência se mostre indispensável para a prossecução das atribuições deste órgão.

Como quinto elemento caracterizador da nova Lei destaca-se a criação de estruturas comuns, primeiramente previstas no artigo 35.º da Lei Quadro do SIRP na redacção dada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, como se explicou supra. É uma das maiores inovações, não só pela racionalização de custos que permite, ao concentrar num corpo único os meios materiais e humanos necessários ao SIED e ao SIS nas áreas da gestão administrativa, financeira e patrimonial, como devolve esses Serviços ao seu estado puro. Pretende-se com isto significar que as estruturas comuns libertam os Serviços de Informações de questões relacionadas, genericamente, com o apoio ao pessoal e aos meios, permitindo que os funcionários e agentes a desempenhar funções no SIED e no SIS se concentrem no âmago das suas atribuições: a produção de informações. Nestes termos, e com o escopo assinalado, prevêem-se quatro departamentos comuns de apoio às actividades institucionais do SIED e do SIS. São departamentos comuns: o departamento comum de recursos humanos, o departamento comum de finanças e apoio geral, o departamento comum de tecnologias de informação e o departamento comum de segurança.

Refira-se que o facto de o artigo 35.º da Lei Quadro do SIRP se referir a «estruturas comuns na área da gestão administrativa, financeira e patrimonial» não quer estritamente significar que só possam ser criados departamentos com essa concreta designação. As expressões no preceito citado são amplas, não tendo sentido técnico preciso. O espírito do legislador nessa norma foi assim o de permitir criar serviços comuns em áreas de “back office”, isto é, em domínios de apoio instrumental à actividade central dos Serviços de Informações, de modo a propiciar o aproveitamento de economias de escala. A prática é comum no sector privado e mesmo a Lei que estabelece os princípios e normas a que deve obedecer a organização da administração directa do Estado, Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro, prevê a criação de tais serviços partilhados. Trata-se de um diploma contemporâneo da redacção que foi dada à Lei Quadro do SIRP pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, partilhando ambas, por isso, da mesma filosofia. A título exemplificativo, veja-se que o artigo 8.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de Janeiro, prevê a possibilidade de, na generalidade da administração pública directa, se constituírem serviços comuns em matéria de segurança (artigo 8.º, n.º 3, alínea d)) e de sistemas de informação e comunicação (artigo 8.º, n.º 3, alínea b)). Note-se, ainda, que no contexto dos Serviços de Informações, as actividades a desenvolver pelo departamento comum de segurança não são operacionais, reconduzindo-se antes à gestão administrativa dos Serviços e das próprias estruturas comuns, não bulindo por isso com a letra do artigo 35.º da Lei Quadro do SIRP.

Para melhor ilustrar cada um dos departamentos comuns, analisam-se separadamente as atribuições de cada um.

Ao departamento comum de recursos humanos incumbe o desenvolvimento de actividades quanto a recrutamento, selecção, formação, gestão de carreiras e tratamento documental. Assegura, designadamente: o recrutamento, selecção e provimento de pessoal; a gestão de carreiras, incluindo a promoção e progressão; a formação inicial e contínua, interna e externa, dos funcionários e agentes, incluindo acções de formação de cariz obrigatório e intercâmbio de formação; o apoio e consultoria psicológicos aos funcionários e agentes; e a gestão da biblioteca, mediateca e demais organizações de existências documentais e o tratamento documental.

O departamento comum de finanças e apoio geral desenvolve actividades de gestão e administração de pessoal, gestão financeira e controlo orçamental, administração patrimonial e apoio instrumental. Assevera, nomeadamente: o processamento das remunerações, abonos e descontos; a manutenção e actualização dos quadros de pessoal, cadastro e registo biográfico dos efectivos; os procedimentos relativos ao aprovisionamento de bens e serviços; o apoio à preparação e execução dos planos de actividades, da gestão orçamental e tesouraria e a apresentação de relatórios e documentação exigida pela legislação em vigor; a administração do património imobiliário e mobiliário; o controlo da execução orçamental e da legalidade da despesa; a elaboração do balanço social, nos termos da legislação aplicável; e outras acções e procedimentos respeitantes a gestão e administração financeira, patrimonial e do pessoal.

Ao departamento comum de tecnologias de informação incumbe o desenvolvimento de actividades quanto a gestão e manutenção dos meios informáticos, comunicações e respectivas redes e apoio técnico aos sistemas de comunicações seguras e aos centros de dados. Assegura, designadamente: a manutenção e desenvolvimento das estruturas físicas e lógicas do sistema informático; o apoio técnico aos utilizadores na exploração, gestão e manutenção dos equipamentos e redes; a gestão das centrais telefónicas e de outros sistemas de voz e fax; o apoio técnico ao funcionamento de comunicações seguras, incluindo com outros serviços e instituições nacionais e estrangeiras; a normalização de procedimentos normativos em sede de segurança informática; o apoio técnico aos centros de dados dos serviços de informações e ao departamento comum de segurança na prossecução das respectivas atribuições de auditoria interna; e outras acções e procedimentos respeitantes a tecnologias de informação e comunicações.

O departamento comum de segurança desenvolve actividades nos domínios da segurança do pessoal, física e matérias classificadas. Compete-lhe assegurar: a normalização de procedimentos normativos em sede de segurança física, documental e do pessoal; o cumprimento das normas de segurança em vigor, com eventual recurso a apoio técnico prestado por outros serviços; e a detecção de vulnerabilidades no âmbito da segurança do pessoal, física e matérias classificadas.

Refira-se, por último, que por imposição da Lei Quadro do SIRP, os departamentos comuns funcionam na directa dependência do Secretário-Geral do SIRP (cfr. artigo 35.º, n.º 2). Do ponto de vista da sua organização, os departamentos comuns são unidades orgânicas de nível de direcção de serviços, possuindo cada um deles um director, cargo de direcção intermédia de 1.º grau, nomeado em comissão de serviço pelo Secretário-Geral do SIRP.

Em sexto lugar, temos que o Secretário-Geral do SIRP passa a estar dotado de autonomia administrativa e financeira, como já estavam o SIED e o SIS, que a conservam. A atribuição de uma tal autonomia ao Secretário-Geral do SIRP justifica-se, contrariamente ao que sucede com os demais gabinetes ministeriais. De facto, as competências do Secretário-Geral do SIRP, que o seu Gabinete serve, são também as de um dirigente superior de 1.º grau, desde logo porque é em certa medida responsável pela própria gestão financeira daqueles serviços quando, por exemplo, preside aos Conselhos Administrativos respectivos. Ao fazê-lo, desce a um nível de pormenor e de decisão típicos de um director-geral, divergindo intensamente da posição de um membro do Governo.

A gestão financeira do Gabinete do Secretário-Geral e das estruturas comuns é realizada pelo ora criado Conselho administrativo do SIRP, composto pelo Secretário-Geral do SIRP, que preside, pelo seu chefe de Gabinete e pelo director do departamento comum de finanças e apoio geral. Ao conselho administrativo do SIRP compete a administração das dotações orçamentais e a prestação das respectivas contas; a aprovação da conta de gerência a submeter ao Tribunal de Contas; a fixação dos fundos de maneio conservados em caixa para fazer face a despesas que devam ser imediatamente liquidadas; e a definição das regras de gestão orçamental, designadamente no que respeita às despesas que podem ser classificadas e especialmente classificadas. Considerando que os departamentos comuns referidos supra vão ter um conhecimento privilegiado do funcionamento e composição do SIED e do SIS, designadamente porque lhes competirá proceder ao recrutamento (departamento comum de recursos humanos) e ao processamento de vencimentos (departamento comum de finanças e apoio geral), compreende-se a criação de um Conselho com competência exclusiva em matéria financeira. De facto, os departamentos comum dependem, por determinação da Lei Quadro do SIRP (artigo 35.º, n.º 2), do Secretário-Geral do SIRP, pelo que, em conformidade, o Conselho administrativo do SIRP abarca tanto os departamentos comuns como o Gabinete daquele Secretário-Geral.

Em um sétimo momento destaca-se a aclaração que a Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, promove quanto ao número de Directores dos Centros de Dados que devem existir. De facto, a Lei Quadro do SIRP determina no n.º 2 do artigo 23.º que «os centros de dados respeitantes ao Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e ao Serviço de Informações de Segurança (…) funcionam sob a orientação de um funcionário (…)». Ora, para que a referência a «um funcionário» na norma citada não suscite dificuldades de interpretação e de articulação com o preceituado no n.º 3 do mesmo artigo 23.º, que especifica que «Cada centro de dados funciona autonomamente, não podendo ser conectado com o outro», tem-se por ajustada a referência a dois directores, um por cada um dos Centros de Dados.

Em oitavo, temos que, com excepção dos Directores, Directores-Adjuntos e Directores dos Centros de Dados, a selecção para cargos dirigentes no SIED e no SIS passa a ser realizada, preferencialmente, de entre indivíduos da carreira técnica superior de informações ou, em alternativa, de reconhecida idoneidade cívica, elevada competência profissional, habilitados com licenciatura ou que possuam experiência válida para o exercício das funções. A preferência por indivíduos já inseridos na estrutura dos Serviços em estudo compreende-se, dado que a maturidade de cerca de duas décadas de funcionamento do SIS e de uma no caso do SIED permitem encontrar na carreira técnica superior dos respectivos quadros pessoas com qualificações e conhecimentos específicos que se apresentam como mais valia para a assunção em cargo dirigente.

Por último, do ponto de vista do recrutamento do pessoal, elimina-se a exigência de nacionalidade portuguesa de origem para o ingresso nos Serviços, bastando a detenção de nacionalidade portuguesa. Esta solução apresenta a vantagem de permitir o recrutamento junto de comunidades imigrantes, em desenvolvimento no Portugal contemporâneo, o que pode ser uma importante mas valia para o SIED e para o SIS. Ainda no plano do recrutamento, é de referir a diminuição da idade máxima de ingresso dos 55 para os 40 anos. Tal modificação visa, por um lado, garantir que as pessoas que ingressam ainda o façam em um momento da vida em que podem adquirir, verdadeiramente, a cultura das informações. Por outro lado, pretende evitar que se aceda aos Serviços apenas para beneficiar de regalias em matéria de aposentação, previstas para os funcionários e agentes do SIED e do SIS.

§ 4–Perspectivas futuras

O que o futuro nos trará em matéria de Sistema de Informações será mais, previsivelmente, a ampliação dos meios de actuação, com limites claramente disciplinados, do que uma modificação das atribuições dos Serviços, que se continuarão a centrar no plano estritamente preventivo e de produção de informações, sem desempenho de quaisquer funções policiais ou de investigação criminal. A Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, é prova disso. O Sistema Português de Informações parece estar consolidado neste domínio, apartando, pelos motivos que já se expuseram, a actividade de informações das actividades de manutenção de ordem pública e de investigação criminal. Porque a manutenção das atribuições não significa que os meios não devam ser ampliados, à maneira do que já ocorre na generalidade dos países da União Europeia, deve-se ponderar a possibilidade de o SIED e o SIS realizarem buscas domiciliárias ou escutas telefónicas, mesmo não detendo quaisquer competências policiais e de investigação criminal.

O futuro passará também, crê-se, por uma integração cada vez mais intensa da perspectiva da segurança interna com a da segurança externa, aprofundando-se, paulatinamente, a articulação dos dois Serviços.

Acentuar-se-ão também, certamente, os esforços de coordenação entre os Serviços de Informações e outros sectores da Administração Pública com potencialidade de funcionarem como canais de pesquisa de informação e sua análise, mesmo que preliminar e pontual, como é o caso das outras Forças e Serviços de Segurança, dos serviços externos do Ministério do Negócios Estrangeiros e do Ministério da Economia.

Por fim, acentuar-se-á a importância da produção de informações em matéria económica, ambiental, empresarial, de investigação científica e tecnológica, fora dos limites tradicionais do tema da Segurança, tornando os Serviços um instrumento de modernização do país e de acompanhamento de áreas de ponta.

Em suma: manutenção das atribuições, ampliação dos meios de actuação, reforço da integração da perspectiva da segurança interna e externa, acentuação da cooperação dos vários sectores da administração pública com capacidade para veicular informações e incremento da produção de informações em matéria empresarial, económica, ambiental e científico-tecnológica serão as linhas previsíveis de desenvolvimento do Sistema de Informações da República Portuguesa.


Notas:

(1) Assistente estagiária da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

(2) Mestre em Direito. Assistente da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

(3) Assim, CARVALHO, JORGE SILVA, “Segurança Nacional e Informações”, in Segurança e Defesa, n.º 1 (Novembro), 2006, p. 92.

(4) Cfr. PEREIRA, JÚLIO, “Informações, prevenção e investigação criminal”, no prelo.

(5) Cfr. HERMAN, MICHAEL, “Intelligence power in peace and war”, Cambridge University Press, Cambridge, 1996, p. 54.

(6) Cfr. HERMAN, MICHAEL, como na nota anterior, p. 138.

(7) PEREIRA, RUI CARLOS, “Os desafios do terrorismo: a resposta penal e o sistema de informações” in Informações e Segurança – Estudos em Honra do General Pedro Cardoso (Coordenação de Adriano Moreira), Prefácio, Lisboa, 2004, pp. 517 e ss.

(8) Sobre este assunto, MONTEIRO, RAMIRO LADEIRO, “Subsídios para a História Recente das Informações em Portugal”, in Informações e Segurança – Estudos em Honra do General Pedro Cardoso, (Coordenação Adriano Moreira), Prefácio, 2004, p. 460 e FERREIRA, ARMÉNIO MARQUES, “O Sistema de Informações da República Portuguesa”, in Estudos de Direito e Segurança, Almedina, 2007, p. 77.

(9) O SIED dependeria do Primeiro-Ministro que poderia delegar a sua competência em outro membro do Governo, o SIM do Ministro da Defesa Nacional, através do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, e o SIS do Ministro da Administração Interna, de acordo com o preceituado, respectivamente, no n.º 2 dos artigos 19.º, 20.º e 21.º da Lei Quadro do SIRP então em vigor.

(10) Acerca da evolução do SIM, CARDOSO, VIZELA, “As Informações em Portugal (Resenha Histórica)” in Estudos de Direito e Segurança, Almedina, 2007, pp. 492 e ss.

(11) Sobre a criação deste Sistema de Informações, MONTEIRO, RAMIRO LADEIRO, “Subsídios para a História Recente das Informações em Portugal”, in Informações e Segurança – Estudos em Honra do General Pedro Cardoso, (Coordenação Adriano Moreira), Prefácio, 2004, pp. 462 e ss.

(12) Assim, CANOTILHO, J. J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina, pp. 209-210.

(13) Note-se que tanto o SIEDM como o SIS dependem do Primeiro-Ministro, mas o primeiro através do Ministro da Defesa Nacional, enquanto o segundo por meio do Ministro da Administração Interna, como resulta, respectivamente, do n.º 2 dos artigos 19.º e 20.º na nova redacção dada à Lei Quadro do SIRP.

(14) Neste sentido, CANOTILHO, J. J. GOMES, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª Edição, Almedina, pp. 211 e ss.

(15) Assim, SOUSA, MARCELO REBELO DE; ALEXANDRINO, JOSÉ DE MELO, Constituição da República Portuguesa Comentada, LEX, Lisboa, 2000, p. 279.

(16) Não, porém, exactamente igual, considerando o novo regime de nomeação e cessação de funções de dirigentes introduzido à Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, pela Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto, em que a mudança de Governo faz cessar a comissão de serviço dos titulares de cargos dirigentes, como dispõe a alínea h) do n.º 1 do artigo 25.º do diploma citado, ainda que, como os n.os 3 e 4 do mesmo artigo 25.º determinam, essa orientação geral apresente desvios significativos.

(17) Sobre isto, desenvolvidamente, CANOTILHO, GOMES; MOREIRA, VITAL, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição Revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp. 740 e ss.

(18) No sentido do texto, CARVALHO, JORGE SILVA, “Modelos de Sistemas de Informações: Cooperação entre Sistemas de Informações (Apontamentos para Apoio)”, in Estudos de Direito e Segurança, Almedina, 2007, pp. 223 e ss.

(19) Sobre o ciclo de produção de informações, FERREIRA, ARMÉNIO MARQUES, “O Sistema de Informações da República Portuguesa” in Estudos de Direito e Segurança, Almedina, 2007, pp. 69-70.

(20) CARVALHO, JORGE SILVA, “Segurança Nacional e Informações”, in Segurança e Defesa, n.º 1 (Novembro), 2006, p. 92.

(21) Assim, CARVALHO, JORGE SILVA, “Os Limites à Produção de Informações no Estado de Direito Democrático”, in Segurança e Defesa, n.º 2 (Fevereiro), 2007, p. 103.

(22) Cfr. § 1, em especial n.os 1 e 2.

(23) Princípio estruturante do processo penal português, com dignidade constitucional (cfr. artigo 219.º, n.º 1 CRP).

(24) Note-se que, em bom rigor, esta separação só seria absoluta se aos Serviços de Informações fosse vedada também a denúncia da prática de crimes, o que não acontece no nosso Sistema, por motivos atendíveis de interesse público, o que decorre do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 241.º CPP e ainda do que preceitua, em especial, o n.º 3 do artigo 32.º da Lei Quadro do SIRP. Sobre a matéria, PEREIRA, RUI CARLOS, “A Produção de Informações de Segurança no Estado de Direito Democrático”, in Investigação Criminal e Justiça, Junho de 1999, p. 21.

(25) Assim, PEREIRA, RUI CARLOS, como na nota anterior, p. 19. Este autor sustenta, em termos muito limitados, a admissibilidade de recurso a “homens de confiança”. Cfr. nota 26 ao mesmo artigo.

(26) Sobre isto, PEREIRA, RUI CARLOS, “Informações e Investigação Criminal”, in Política Internacional, n.º 28, Julho de 2005, pp. 18 e ss e “O ‘Agente Encoberto’ na Ordem Jurídica Portuguesa”, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, II, Coimbra Editora, 2005, em especial pp. 307 e ss.

(27) Assim, CARVALHO, JORGE SILVA, “Segurança Nacional e Informações”, in Segurança e Defesa, n.º 1 (Novembro), 2006, p. 94.

(28) Assim, também, PEREIRA, RUI CARLOS, “Os Desafios do Terrorismo: a Resposta Penal e o Sistema das Informações”, in Informações e Segurança – Estudos em Honra do General Pedro Cardoso, Coordenação Adriano Moreira, Prefácio, 2004, p. 519.

(29) Assim, CARVALHO, JORGE SILVA, “Os Limites à Produção de Informações no Estado de Direito Democrático”, in Segurança e Defesa, n.º 2 (Fevereiro), 2007, p. 104.

(30) Sobre o regime do segredo de Estado, PEREIRA, RUI CARLOS, “A Produção de Informações de Segurança no Estado de Direito Democrático”, in Investigação Criminal e Justiça, Junho de 1999, pp. 20-21.

(31) Sobre o conceito de funcionário, veja-se o artigo 386.º do Código Penal (CP).

(32) Cfr. § 2, 1.

(33) São múltiplas estas competências e normalmente relacionadas com a gestão directa e quotidiana dos serviços. Por exemplo: aprovar o número de turnos e respectiva duração, aprovar as escalas nos horários por turnos, autorizar horários específicos para tra-balhadores-estudantes (cfr. artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto), ou, ainda, aprovar a ajuda de custo especial prevista no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de Abril.

(34) Importa notar que o regime geral de dirigentes da administração pública, actualmente contido na Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro, na redacção introduzida pela Lei n.º 51/2005, de 30 de Agosto, não se aplica aos serviços integrados no Sistema de Informações da República Portuguesa (artigo 1.º, n.º 5, alínea b)). Este regime é, todavia, subsidiário para os casos omissos na legislação dos serviços – desde que não contrarie a letra e o espírito desses normativos e bem assim o disposto na Lei Quadro do SIRP.

(35) Sintomático da profunda diversidade de competências entre o Secretário-Geral do SIRP e do antigo Secretário-Geral da Comissão Técnica é o facto de a este último, não obstante ser membro de um órgão com competência para «coordenar tecnicamente os Serviços de acordo com orientações do Conselho Superior de Informações», nunca ter sido fornecida correntemente informação integral sobre as actividades dos Serviços.

(36) Tomemos um exemplo: o da gestão de pessoal. Assentamos já que a competência reservada pela lei ao Secretário-Geral do SIRP de nomear o pessoal dos Serviços compreende a competência para autorizar a abertura de concursos de recrutamento ou selecção. Em circunstâncias normais, o Secretário-Geral do SIRP autoriza a abertura de concurso na sequência de proposta do director do Serviço em causa, visto que é ele, por directamente envolvido na condução da actividade dos Serviços, que se encontra em posição de avaliar com maior exactidão das necessidades do Serviço, quer em matéria de ingresso, quer em matéria de promoção. Com efeito, o Director tem verdadeiro dever de propor as aberturas de concurso que julgar necessárias, de acordo com as necessidades do Serviço e as possibilidades legais.

(37) Sobre o Conselho de Fiscalização do SIRP, GOUVEIA, JORGE BACELAR, “Os Serviços de Informações de Portugal: Organização e Fiscalização”, in Estudos de Direito e Segurança, Almedina, 2007, pp. 185 e ss.

(38) Sobre a fiscalização dualista da actividade dos Serviços de Informações, GOUVEIA, JORGE BACELAR, “Os Serviços de Informações de Portugal: Organização e Fiscalização”, in Estudos de Direito e Segurança, Almedina, 2007.

(39) Cfr., em especial, § 2, 2.

(40) O SIED e o SIS têm Centros de Dados autónomos e não conectados, que funcionam sob orientação de dois funcionários, nomeados pelo Primeiro-Ministro sob proposta do Secretário-Geral do SIRP (artigo 23.º, n.os 2 e 3 da Lei Quadro do SIRP e n.º 2 do artigo 41.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro).

(41) Cfr. alínea f) do n.º 3 do artigo 19.º da Lei Quadro do SIRP, que determina competir ao Secretário-Geral do SIRP presidir aos conselhos administrativos do SIED e do SIS, enquanto o n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro, aplicável ao SIED, e o n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho, relativo ao SIS, atribuem tal competência aos Directores respectivos.

(42) É o n.º 3 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, que determina os montantes que os Secretários de Estado podem autorizar, quando lhes seja delegada tal competência.

(43) O capítulo VI relativo ao Pessoal, dispõe sobre o Regime disciplinar (Secção V), nos artigos 67.º a 70.º. Neles, delimita-se a competência disciplinar do Secretário-Geral do SIRP, dos Directores do SIED e do SIS, dos Directores dos departamentos operacionais e dos Directores dos departamentos das estruturas comuns. Para além das sanções disciplinares previstas no Estatuto Disciplinar, Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, são ainda aplicáveis aos funcionários e agentes do SIED, do SIS e das estruturas comuns sanções especiais constantes da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro (cfr. artigo 67.º).

(44) Cfr. artigos 12.º e 13.º do Decreto-Lei n.º 254/95, de 30 de Setembro, no caso do SIED, e do Decreto-Lei n.º 225/85, de 4 de Julho, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 245/95, de 14 de Setembro, no do SIS.

02/10/2023 01:51:24