Vânia Patrícia Filipe Magalhães - O (des)privilégio do beneficium excussionis do responsável tributário subsidiário
DO RESPONSÁVEL TRIBUTÁRIO SUBSIDIÁRIO
Pela Dr.a Vânia Patrícia Filipe Magalhães
SUMÁRIO:
I. Introdução 1. Objecto de estudo. 2. A relevância da jurisprudência como fonte de direito fiscal. II. A responsabilidade dos membros dos órgãos sociais: o art. 24.° da Lei Geral Tributária. 1. Justificação legal e elementos constitutivos. 2. Confronto com o instituto jurídico da fiança. III. O processo de execução fiscal. 1. Razão de ordem. 2. Delimitação e respectivos pressupostos. 3. Responsabilidade subsidiária e legitimidade dos membros dos órgãos sociais: excussão prévia e reversão fiscal. IV. A Jurisprudência. 1. O entendimento jurisprudencial acerca do beneficio da excussão. 2. Posição crítica. Bibliografia.
I. INTRODUÇÃO
1. Objecto de estudo
A responsabilidade fiscal dos membros dos órgãos sociais das sociedades comercias, nomeadamente administradores e gerentes, é conformada pelos artigos 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária, tendo como característica primordial a sua subsidiariedade.
Sucede que, não obstante a subsidiariedade se encontrar patente no texto daquelas disposições legais, as mais das vezes a responsabilidade dos membros dos órgãos sociais é feita operar directamente pela administração fiscal, funcionando, na prática, esses agentes como responsáveis directos da dívida de imposto e sujeitos passivos originários da relação jurídica tributária, transfigurando-se a subsidiariedade em solidariedade.
Cumpre destrinçar, portanto, quais os pressupostos dessa mesma responsabilidade e o seu modo de funcionamento em sede de execução fiscal, caracterizando o mecanismo da reversão fiscal e o benefício da excussão.
Em seguida, far-se-á uma abordagem do entendimento jurisprudencial português, como fonte e ciência do direito, acerca dos pressupostos da reversão fiscal em sede de responsabilidade subsidiária à luz do art. 23.º da LGT e dos preceitos do Código de Procedimento e Processo Tributário, ensaiando, por último, a respectiva análise e uma posição crítica sobre o problema.
2. A relevância da jurisprudência como fonte de direito fiscal
A par, fundamentalmente, da Constituição da República Portuguesa, dos princípios fundamentais, das leis e decretos-leis (1) a jurisprudência é (in)discutivelmente (2) uma fonte de direito fiscal ainda que mediata na medida em que os tribunais não criam eles próprios normas jurídicas por via das sentenças e dos acórdãos.
No que concerne às causas que têm por objecto relações jurídicas fiscais, constitucionalmente atribuídas à jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o órgão jurisprudencial superior é o Supremo Tribunal Administrativo (3), cuja competência se encontra hoje desenhada na Lei 13/2002 de 19 de Fevereiro que revogou o anterior diploma do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais previsto no Decreto-Lei 129/84 de 27 de Abril.
O STA, funcionando em plenário, conhece de todos recursos para uniformização de jurisprudência, nos termos do art. 27.º alínea b) do actual estatuto, em conformidade com a competência do Supremo Tribunal de Justiça prevista no art. 35.º aliena c) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei 3/99 de 13 de Janeiro).
STA e STJ são colocados em plano de igualdade no que diz respeito às respectivas competências em sede de uniformização de jurisprudência, ganhando, desta forma, as decisões de ambos os tribunais autoridade redobrada, o que poderá desembocar na elaboração de normas tributárias por via jurisprudencial, desta forma se transfigurando a jurisprudência numa fonte de direito fiscal, mesmo que não no sentido estrito que vulgarmente se incute às fontes de direito (4).
No jogo da interpretação jurídica, a jurisprudência, subsumindo a norma ao caso concreto e decidindo num determinado sentido, reflecte-se no processo decisório dos entes em litígio — no que agora interessa, no processo a cargo da Administração Fiscal — que acabam por encontrar o suporte das suas decisões no sentido jurisprudencial.
De referir, a título meramente informativo, que têm sido diversos os esforços encetados pelos Tribunais Administrativos e Fiscais em estabelecer uma relação estreita com a jurisdição internacional de forma a contactar com os ordenamentos jurídicos estrangeiros num mundo onde o direito fiscal internacional é cada vez mais relevante e são diversas as questões suscitadas pelas relações internacionais estabelecidas entre os contribuintes portugueses e estrangeiros com as administrações fiscais estrangeiras e nacionais.(5)
De destacar a Associação Internacional das Altas Jurisdições Administrativas criada em 1983 e da qual fazem parte mais de 80 países(6) e cujo principal objectivo é promover a colaboração entre as jurisdições que nela participam e o reforço do progresso do Estado de Direito, que passa pela realização de vários estudos, difusão de diversas informações e troca de experiências.
Ademais, a Associação dos Conselhos de Estado e das Supremas Jurisdições Administrativas da União Europeia, resultado da cooperação estabelecida entre os Tribunais Administrativos e Fiscais da União Europeia desde 1968 e cuja formalização se operou em Maio de 2000, sendo constituída pelas supremas jurisdições administrativas dos Estados-membros da União Europeia e pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, tem contribuindo para a troca de ideias e de experiências relativas à jurisprudência, organização e funcionamento dos seus membros no exercício das suas funções, jurisdicionais ou consultivas, concentrando-se fundamentalmente nas questões respeitantes à transposição e aplicação do direito comunitário.
Como forma de cooperação transatlântica, em 1998 teve lugar a criação da Associação Ibero-Americana dos Tribunais Administrativos e Fiscais formada por tribunais especializados e cujo escopo é traçado em prol do desenvolvimento da justiça administrativa e fiscal através do intercâmbio de ideias e experiências sobre os temas submetidos às jurisdições dos países membros que a formam bem como de todos aqueles que se refiram à sua estrutura, integração, administração e procedimentos, organização de congressos, conferências, seminários e reuniões, fomento da investigação e realização de estudos sobre justiça administrativa e fiscal e a sua publicação.
Todas estas iniciativas deverão ter o condão de elucidar os tribunais portugueses da complexidade dos litígios que se travam no seu seio e de ser capazes de enriquecer a interpretação e integração das normas jurídicas portuguesas, sem desvirtuar o sistema jurídico-fiscal português e sempre à luz dos princípios que subjazem ao direito fiscal.
II. A RESPONSABILIDADE DOS MEMBROS DOS ÓRGÃOS SOCIAIS: O ART. 24.º DA LGT
1. Justificação legal e elementos constitutivos
A relação jurídica tributária, tal como é configurada no art. 18.º da LGT, é constituída pelo sujeito activo Estado ou outra entidade de direito público que, no exercício do seu ius imperium, actua sobre o sujeito passivo, o contribuinte, exigindo-lhe o cumprimento da obrigação jurídica que surge com o facto jurídico tributário.
É evidente que o poder de tributar que o Estado ostenta perante a sociedade não deve ser encarado como um poder ilimitado que se exerce sem garantias de segurança, certeza e legalidade, tal como não o é o poder de legislar. (7) Poder tributário que abarca o poder do Estado-legislador em criar normas gerais e abstractas com vista à criação de impostos (8) em respeito do princípio da legalidade fiscal constitucionalmente previsto no art. 103.º n.º 2 bem como o de lançar e cobrar impostos.
O contribuinte é o destinatário a quem se dirigem as normas de direito fiscal criadas pelo Estado-legislador e o devedor do imposto que pode ser cobrado pelo Estado (já na veste de sujeito activo da relação), na medida em que o facto jurídico tributário previsto e pressuposto pela norma fiscal se tenha verificado.
O normal desenrolar da relação jurídica tributária desemboca no cumprimento da obrigação jurídica que dela decorre pelo contribuinte fiscal originário, sujeito passivo, até porque os pressupostos previstos na norma fiscal para o nascimento dessa relação se verificaram perante ele mesmo e não perante qualquer terceiro.
O que pode eventualmente suceder é que o sujeito passivo não cumpra a obrigação jurídica tributária, nem voluntária nem coactivamente, gerando a responsabilidade de pagamento do imposto por pessoa diversa do devedor originário que se encontra numa posição de proximidade bastante para lhe ser exigido o pagamento de dívida de outrem, ainda que essas mesmas pessoas não possuam, elas próprias, a capacidade contributiva subjacente àquela relação que confere capacidade para ser sujeito de direitos e obrigações fiscais.
Surge, assim, o instituto da responsabilidade tributária traçado, genericamente, no art. 22.º da LGT. (9)
O devedor originário do imposto não cumpriu a respectiva obrigação e por essa razão vão ser chamados a responder terceiros que, uma vez verificados os respectivos pressupostos, se transformam em sujeitos passivos, nos termos do art. 18.º da LGT.
Neste caso, ao contrário do que sucede com a substituição (art. 20.º LGT), a solidariedade (art. 21.º LGT) e a sucessão (art. 29.º n.º 2 LGT), a responsabilidade tributária subsidiária surge no “desenvolvimento patológico”(10) da relação jurídica de imposto, tanto que só é chamado a responder pela dívida de imposto quando esta não é paga pelo devedor originário e, uma vez instaurada a respectiva execução fiscal, este não possua bens para responder pela dívida ou sejam insuficientes para tal.
Não poderão ser quaisquer terceiros a responder pela dívida do devedor originário, mas somente aqueles que com este mantenham uma estreita conexão social e económica de tal modo privilegiada que influam na actuação do devedor originário para o incumprimento da obrigação fiscal, beneficiando da falta de pagamento ou contribuindo para o incumprimento imputado ao sujeito passivo originário.(11)
Surge, assim, a previsão legal da responsabilidade dos administradores e gerentes como membros dos órgãos sociais, estatuída no art. 24.º da LGT, e que fora instituída inicialmente pelo Decreto n.º 17 730, de 7 de Dezembro de 1929. Administradores e gerentes que detêm um poder-dever de administração e representação da sociedade(12), planeando, organizando, coordenando e comandando o destino da mesma. E porque se encontram numa posição de influenciar o (in)cumprimento das obrigações contraídas pela sociedade, o legislador entendeu que deveriam responder pelas dívidas de imposto na medida em que o património da sociedade não seja suficiente para o seu pagamento. Configurando-se uma responsabilidade subsidiária, apenas respondem quando a sociedade, devedora do imposto, não cumprir a sua obrigação fiscal.
A intenção do legislador foi também outra, de índole preventivo-sancionatória, que não deve desvirtuar, todavia, a característica e o pressuposto da subsidiariedade: impedir que administradores e gerentes, no exercício das suas funções, cumpram, desmesurada e premeditadamente, outras obrigações, descurando as dívidas fiscais da sociedade, e sancionar condutas dolosas e negligentes na gestão do património da sociedade com vista à dissipação do mesmo.
O art. 24.º da LGT reduz-se, neste prisma, a uma espécie de norma de conduta para os administradores/gerentes, impedindo-os de praticar actos capazes de originar dívidas de impostos e delapidação do património societário, porque, se tal suceder, serão eles mesmos a responder quando o património for insuficiente para o cumprimento da dívida de imposto.
Alicerçados na subsidiariedade da responsabilidade, assim imprescindível para a mesma operar, como expressamente o prevê o art. 24.º n.º 1 da LGT — “são subsidiariamente responsáveis”—, na medida em que só haverá responsabilidade caso o devedor originário do imposto, a sociedade, não possua bens suficientes para a satisfação da divida, a operar por via de reversão(13), justificada pelo princípio da capacidade contributiva (14) e por uma questão de justiça, ao contrário do que se verifica noutros ordenamentos jurídicos estrangeiros (15), encontram-se plasmados na norma outros elementos constitutivos da responsabilidade.
Desde logo, é imprescindível que o administrador ou gerente tenha actuado com culpa para a insuficiência do património da sociedade que deveria responder pela dívida de imposto, nos mesmos termos em que esses sujeitos respondem civilmente perante credores sociais à luz do disposto no art. 78.º do Código das Sociedades Comerciais.
Nestes termos, deverão os administradores e gerentes cumprir os deveres que lhe são impostos pela sociedade, resultantes do contrato social e da lei.
Assume relevância para o apuramento da culpa do responsável subsidiário, a observância, em concreto, dos deveres de cuidado e de lealdade expressamente consagrados no art. 64.º do CSC. Este preceito, alterado pela Reforma do Código das Sociedades Comerciais, impõe que gerentes e administradores actuem, por um lado, com deveres de cuidado e, por outro, com deveres de lealdade em observância do interesse social.(16)
Não obstante o dever de cuidado surgir reconduzido à disponibilidade, competência técnica e conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções, outras vertentes deverão ser consideradas, fazendo juz à origem anglo-saxónica deste dever tal como ele aparece previsto nos “Principles of Corporate Governance”, elaborados em 1992 pela associação “The American Law Institute”(17), o dever de vigilância e de controlo da actividade da sociedade (“duty of monitor”) que impõe que o administrador esteja sempre atento às flutuações da rentabilidade da empresa, controle os recursos humanos e, no caso de sociedades anónimas cotadas em bolsa, esteja atento ao mercado de valores mobiliários; dever de investigar e aferir a fiabilidade das informações (“duty of inquiry”) que obriga o administrador a obter as informações correctas e a analisar escrupulosamente a sua veracidade e os riscos que as mesmas comportam (até a nível financeiro); o dever de, no processo de tomada de decisões, comportar-se razoavelmente e obter informação suficiente e razoável para que tome uma decisão acertada (“reasonable decisionmaking process”); e o dever de tomar e executar decisões razoáveis, equitativas e ponderadas (reasonable decision), até porque o administrador se encontra ao comando da sociedade e as suas decisões poderão reflectir-se na rentabilidade da mesma (no maior ou menor lucro), de onde se poderá extrair o dever de não dissipar o património que assume importante relevância para efeitos do cumprimento das dívidas fiscais da sociedade. Empregando a diligência de um gestor criterioso e ordenado, deve o administrador ou gerente usar um certo grau de esforço para encontrar os actos adequados à realização do fim imposto, o que convoca ideias como profissionalidade, responsabilidade, consciência e prudência na tomada de decisões.
No que diz respeito à actuação leal do administrador ou gerente respeitando o interesse social várias manifestações decorrem do próprio Código das Sociedades Comerciais (18), mas outras deverão ser valoradas e consideradas manifestações do dever de lealdade: o administrador ou gerente não deverá invocar a sua qualidade de administrador/gerente e o nome da sociedade que administra para a celebração de qualquer negócio realizado por si mesmo ou por alguém a ele vinculado para que não obtenha vantagens no negócio devido à sua qualidade; não deverá o administrador abusar ilegitimamente da sua qualidade mesmo quando realiza negócios em nome da sociedade, como poderá suceder se receber comissões ou mais valias pela celebração de determinado negócio; infringirá o dever de lealdade o administrador que, em benefício próprio, se aproveite de oportunidades de negócio da sociedade em claro e ostensivo conflito de interesses pessoal (do administrador) e social (da sociedade), dando prevalência ao primeiro (indevidamente); dever de se abster de utilizar bens ou serviços da sociedade para fins pessoais ou de beneficiar dos mesmos, o que poderá diminuir o valor dos bens e até ter como consequência a respectiva perda e deterioração.
Cumpridos estes deveres escrupulosamente pelo administrador/gerente a responsabilidade tributária não opera porque o requisito da culpa não estará verificado, além de que, se assim se verificar, a sociedade não contrairá qualquer dívida de imposto, cumprindo sempre, pontualmente e integralmente, a obrigação tributária resultado do facto tributário que deu causa à relação jurídica entretecida com o sujeito activo Estado.
De referenciar que os deveres de cuidado e de lealdade são, agora, também exigidos aos membros dos órgãos de fiscalização, nos termos do n.º 2 do art. 64.º do CSC(19), o que acaba por reforçar o papel dos órgãos de fiscalização no desenrolar da vida societária, relevando, assim, a verificação desses deveres a nível da responsabilidade fiscal à luz do n.º 2 do art. 24.º da LGT, assumindo carácter residual quanto aos revisores oficiais de contas aos quais são exigidos os deveres elencados no n.º 3 do art. 24.º da LTG.
Não se partilha, assim, do entendimento sufragado no Acórdão do STA de 3 de Julho de 2003: “Na responsabilidade subsidiária dos gerentes prevista no art. 13.° do CPT(20), é de reportar o padrão da culpa em abstracto ao modelo do bom pai de família, tal como se consigna no art. 487°/2 do CCivil.”(21)
Se o dever de cuidado e lealdade previstos no art. 64.º do CSC influem decisivamente na responsabilidade dos administradores perante credores sociais prevista no art. 78.º do CSC e na medida em que na vigência do Decreto-Lei 68/87 de 9 de Fevereiro para essa previsão se remetia, deverão esses deveres ser considerados como o critério decisivo para a averiguação da culpa dos membros dos órgãos sociais previstos no art. 24.º da LGT. A qualidade de administrador, gerente ou membro dos órgãos de fiscalização comporta uma ideia de especialização e profissionalidade que não pode ser descurada em sede fiscal.
Mas o acórdão acaba por considerar, e bem, que “no desenvolvimento e aplicação do critério normativo desse padrão de culpa à situação concreta haverá que particularizar o modelo de homem-tipo, moldando-o pela veste de um gerente competente e criterioso.”, sendo que deverá o primeiro critério ser desconsiderado por completo pelo julgador uma vez que um outro mais rigoroso se impõe.
É imprescindível que o facto constitutivo se verifique no exercício do cargo de administração ou gerência ou que o prazo legal de pagamento ou de entrega tenha surgido depois deste ou que este prazo termine no exercício do seu cargo, conforme se dispõe nas alíneas a) e b) do art. 24.º, respectivamente, apenas (e sempre) havendo responsabilidade se o administrador ou gerente, mesmo que somente de facto(22), administre a sociedade nos períodos em questão porque só dessa forma poderá influenciar a sociedade no cumprimento das suas funções, uma vez que extintas as suas funções de gestor da sociedade nada mais poderá fazer para compelir a sociedade a cumprir(23).
Discutível é a questão do ónus da prova previsto na alínea b) que faz recair sobre os sujeitos a prova negativa dos factos integradores da responsabilidade, a prova de que não actuaram culposamente para a insuficiência do património da sociedade e assim para a falta de pagamento pela sociedade-devedora, sempre que o prazo legal de pagamento ou de entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, na esteira do que previa o art. 13.º do Código de Processo Tributário(24).
Sendo a administração uma função que comporta em si riscos, na medida em que no desenrolar do processo decisório e executório razoável e ponderadamente levado a cabo pelos administradores ou gerentes, poderão surgir situações que não se encontram no domínio das suas vontades ou previsões ocorridas externamente por facto que não lhes é imputável e que não conseguem dominar, e que se reflectem negativamente nas decisões tomadas a final.
Ora, o ónus da prova a recair sobre os sujeitos do art. 24.º n.º 1 alínea b) agrava substancialmente o risco intrínseco à actividade, o que poderá inibir a aceitação dos cargos de administrador ou gerente por pessoas altamente responsáveis e competentes, sem olvidar que a administração tributária goza, assim, de um estatuto privilegiado e desproporcionado em face do sujeito passivo subsidiário.(25)
2. Confronto com o instituto jurídico da fiança
Sem desconsiderar as diversas posições acerca da natureza jurídica da responsabilidade dos membros dos órgãos sociais que acabam por se reconduzir a figuras como a responsabilidade delitual, responsabilidade civil obrigacional ou uma figura própria do direito fiscal(26), parece claro que o regime jurídico que mais se aproxima é o da fiança, tal como se encontra expressamente prevista no Código Civil português nos art. 627.º e ss(27).
A fiança constituiu uma garantia das obrigações, pessoal e típica, através da qual um terceiro, o fiador, assegura a realização de uma obrigação do devedor, responsabilizando-se pessoalmente com o seu património perante o credor.
Na relação entre a obrigação contraída pelo devedor e aquela pela qual o fiador responde há uma relação de acessoriedade, tal como o dispõe o n.º 2 do art. 627.º do CC, o que implica uma dependência entre a obrigação de garantia face à obrigação garantida(28). Dependência genética uma vez que só é valida a fiança se o for também a obrigação principal — art. 632.º n.º 1 CC —, formal na medida em que se exige para a fiança a mesma forma da obrigação principal, funcional permitindo ao fiador opor o credor os mesmos meios de defesa do devedor com as especificidades do art. 637.º CC e extintiva porque uma vez extinta a obrigação principal a fiança extingue-se também.(29)
Outra característica importante e que constitui o cerne da fiança como garantia pessoal é precisamente a subsidiariedade da obrigação do fiador face à obrigação do afiançado, o devedor originário da obrigação. Subsidiariedade implica que o credor apenas possa exigir o cumprimento ao fiador após a excussão do património do devedor afiançado, tal como o dispõe o art. 638.º do CC e, quando hajam garantias reais sobre o património do devedor, o fiador pode recusar-se a cumprir a dívida antes da excussão dos bens sobre que recai a garantia real, nos termos do disposto no art. 639.º do CC.
Pode, todavia, dar-se a exclusão da subsidiariedade, nos termos do art. 640.º, o que, no essencial, depende da vontade do fiador em afastar o benefício da excussão (alínea a)), sendo que a exclusão prevista na alínea b) opera objectivamente mas apenas nos casos em que tal circunstancialismo ocorrer — o devedor ou dono dos bens onerados não puder, por facto posterior à constituição da fiança, ser demandado ou executado em território nacional(30). O que é particularmente peculiar é que credor pode, independentemente do benefício da excussão prévia, demandar somente o fiador, nos termos do art. 641.º do CC, mas sempre com a possibilidade de chamar o devedor de forma a operar a excussão prévia do seu património e assim concretizar a responsabilidade subsidiária que está subjacente à relação entre o devedor e o fiador relativamente ao credor.(31)
As características da fiança acabam por se reconduzir às características da responsabilidade dos membros dos órgãos sociais. Também a obrigação do administrador ou gerente é acessória da obrigação da sociedade perante a Administração Fiscal, dependente, em primeira linha, de uma relação jurídica fiscal entre a sociedade, devedora originária da dívida e assim sujeito passivo do imposto, e a Administração Fiscal como sujeito activo.(32) Extinta a obrigação tributária fica igualmente extinta a obrigação do responsável subsidiário e este dispõe dos mesmos meios de defesa constantes do CPPT, que se encontram igualmente ao dispor do devedor originário, além de que a responsabilidade só operará na medida da legalidade e validade da obrigação originária.
Além da acessoriedade, a característica da subsidiariedade está patente na responsabilidade dos membros dos órgãos sociais, como resulta do elemento literal do art. 24.º n.º 1 da LTG e se encontra consagrado no art. 23.º da LGT, uma vez que a responsabilidade subsidiária, que é a regra a nível fiscal, opera-se por reversão fiscal que depende da “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão” em correspondência com o previsto no art. 638.º do CC. Ao contrário da responsabilidade solidária pela qual o credor pode accionar o mecanismo da responsabilidade perante qualquer dos responsáveis, a responsabilidade tanto do fiador como do administrador e gerente a nível fiscal só se verifica se os bens do devedor originário não forem suficientes para pagar a dívida, e, logo, só “mediatamente” serão responsáveis, sem prejuízo da responsabilidade ser solidária entre os devedores subsidiários. Mas, além da exigência da insuficiência dos bens, exige-se que todos os bens da titularidade do devedor originário sejam excutidos, sendo apenas devido pelo responsável subsidiário a diferença.(33)
Sem desconsiderar a diferença no que diz respeito ao benefício da excussão prévia, que na fiança pode ser excluído e na responsabilidade do membros dos órgãos sociais não é renunciável, e de a fiança ser uma garantia pessoal contratual e a responsabilidade tributária decorrer da lei, uma outra diferença está subjacente a ambas as figuras: a exigência de culpa para a responsabilidade tributária, ao invés do que sucede no caso do fiador que responde sempre independentemente da sua actuação ter sido lesiva ou não para o afiançado em termos tais que este não cumpriu a dívida objecto da obrigação, apenas se podendo invocar a culpa do credor nos termos do art. 638.º n.º 2 do CC.
Mas a culpa exigida ao administrador e gerente, bem como dos outros sujeitos elencados no art. 24.º da LGT, acaba por ser uma especificidade e uma especialidade do regime geral da fiança e que se justifica por razões de ordem societária. A sociedade como ente de direito comercial e tal como é exigido pelo respectivo regime jurídico nas suas diversas configurações tem estruturas de governo que são necessárias para o prosseguimento do fim social e realização cabal do objecto da sociedade. E por essa mesma razão, o destino da sociedade está na órbita da vontade de quem a governa e de quem traça o seu sucesso e insucesso. Se no âmbito societário se estabelece a responsabilidade civil dos membros dos órgãos sociais perante credores sociais (art. 78.º do CSC), a responsabilidade do art. 24.º da LGT, além de não operar qualquer desconsideração da personalidade jurídica da sociedade porque a responsabilidade está dependente da culpa e da insuficiência do património, acaba por traçar uma garantia pessoal da sociedade ex lege cujos pressupostos são especiais devido à própria natureza da sociedade e das pessoas que a administram e representam perante terceiros.
Não repugna, portanto, apelidar a responsabilidade prevista no art. 24.º da LGT como uma fiança especial e legal, até porque as diferenças entre os dois institutos não são suficientemente fortes para afastar as semelhanças que são o cerne de ambas as responsabilidades: do fiador e do responsável tributário subsidiário, assim fiador legal.(34)
Ambos os institutos se configuram como responsabilidade subsidiária, sendo que a fiança civil é contratual e objectiva e a responsabilidade dos membros dos órgãos sociais é legal e subjectiva.
III. O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL
1. Razão de ordem
Após a delimitação material da responsabilidade tributária do art. 24.º da LGT, e porque dela depende a respectiva concretização processual, cabe prosseguir com o estudo do processo de execução fiscal perante o qual o responsável subsidiário é parte legítima na qualidade de executado uma vez verificados determinados pressupostos materiais e processuais.
Indiscutível é que só quando é instaurado um processo de execução contra a sociedade, sujeito passivo da relação jurídica tributária, é que poderá instaurar-se um processo de execução fiscal contra o devedor subsidiário, e só nessa medida é que o responsável subsidiário poderá vir a responder tributariamente, como resulta do n.º 1 do art. 23.º da LGT: “a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal”.
2. Delimitação e respectivos pressupostos
O processo de execução fiscal surge alicerçado ao estabelecimento de uma relação jurídica tributária entre o sujeito activo, a Administração Fiscal, Estado ou outras entidades de direito público, exequente, e o contribuinte, sujeito passivo, executado, como forma de realizar coercivamente a obrigação daí decorrente.
Após o surgimento da relação jurídica tributária de onde emerge uma obrigação que deveria ser cumprida voluntariamente pelo contribuinte, devedor do imposto, na eventualidade de falta de cumprimento, os créditos resultantes dos impostos são objecto de execução por parte do Estado, que não tem que recorrer ab initio aos tribunais para fazer valer o seu direito à satisfação das dívidas fiscais.
A administração fiscal pode executar os seus próprios actos sem recorrer a tribunal, sendo que o processo de execução fiscal acaba por se reconduzir a uma actividade administrativa de execução, como que se de um procedimento administrativo executório se tratasse, embora o art. 103.º da LGT disponha que o processo de execução tem natureza judicial. Mas o certo é que a administração executa os seus tributos sem recorrer a tribunal, competência legalmente atribuída no art. 10.º n.º 1 alínea f) e art. 149.º ambos do CPPT, sendo excepcionadas as situações elencadas no art. 151.º n.º 1 desse mesmo diploma, nas quais a competência cabe aos tribunais que decidem do mérito de determinados incidentes, nomeadamente a oposição à execução quando incida sobre a observância dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, deduzida nos termos do art. 203.º e ss. do CPPT.
Ao contrário do que sucede com o processo executivo em processo civil que abarca vários tipos de acções – pagamento de quantia certa, entrega de coisa e prestação de facto positivo ou negativo – o processo de execução fiscal apenas comporta um tipo de acção e nela se esgota: a cobrança coerciva de dívidas fiscais, nos termos do art. 148.º do CPPT, acabando por se reconduzir a uma acção para pagamento de quantia certa.
Mas a dívida de imposto só será uma obrigação susceptível de formar um título executivo quando, após o acto de liquidação a que se refere o art. 59.º do CPPT, o contribuinte não pague voluntariamente a dívida de imposto, a que se seguirá a extracção de certidão da dívida nos termos do art. 88.º do CPPT, que suportará documentalmente o título, pressuposto de admissibilidade e base da execução.(35)
Além de ser necessário que o título executivo, cuja tipologia está traçada no art. 162.º do CPPT, contenha um resumo da situação factual que serviu de base à instauração do processo— art. 164.º do CPPT—e cumpra as exigências previstas no art. 163.º do CPPT, cuja inobservância constitui uma nulidade processual, embora a alínea b) do n.º 2 do art. 165.º preveja que a prova documental possa suprir a nulidade.(36)
O título executivo deverá sustentar uma obrigação tributária certa, exigível e líquida da mesma forma que tal é exigido para a acção executiva decorrente de uma obrigação civil. (37) Certa na medida em que a obrigação terá que estar qualitativamente determinada, exigível porque se encontra vencida e já foi exigido o seu pagamento ao devedor tributário e líquida quando o quantitativo da mesma foi apurado pela Administração Fiscal nos termos do art. 59.º do CPPT em sede de procedimento de liquidação(38).
Além dos pressupostos específicos supra ilustrados, importa ainda salientar os pressupostos gerais previstos no CPPT: a competência traçada no art. 149.º e a legitimidade activa e passiva previstas no art. 152.º e art. 153 e ss, bem como a personalidade e capacidade tributárias traçadas no art. 3.º e o mandato judicial nos termos em que é exigido pelo art. 6.º.
O processo de execução fiscal, visando a cobrança coerciva de receitas tributárias, deve cumprir o fim da tributação que se encontra consagrado no art. 5.º da LGT: a satisfação das necessidades financeiras do estado, promovendo a justiça social, a igualdade de oportunidades e as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, respeitando os princípios da generalidade, igualdade, legalidade e justiça material, incumbência constitucionalmente prevista no art. 81.º alínea b) e art. 103.º n.º 1. E, sendo assim, acaba por se configurar como um processo mais célere do que o processo comum de execução, precisamente porque estão em causa créditos do Estado necessários para a sustentabilidade de um país.(39)
3. Responsabilidade subsidiária e legitimidade dos membros dos órgãos sociais: excussão prévia e reversão fiscal
A responsabilidade subsidiária dos membros dos órgãos sociais encontra no art. 23.º e 24.º da LGT pressupostos essenciais para a sua concretização que estão directamente relacionados com a natureza subsidiária que conforma e delimita o seu funcionamento.
Tal como dispõe o art. 23.º n.º 2 da LGT, a reversão do processo de execução fiscal está dependente da “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários sem prejuízo do benefício da excussão”.
O benefício da excussão prévia, tal como aparece também definido no regime jurídico da fiança, é o privilégio concedido aos responsáveis no sentido da excussão do património do devedor originário para cumprimento da dívida, objecto do processo, seja ele comum de execução seja de execução fiscal. E privilégio porque essa responsabilidade não é solidária mas apenas subsidiária, a operar quando o devedor não cumpre e não tem na sua propriedade bens que possam cobrir a dívida na totalidade ou os devedores solidários também não cumpram. Repare-se que os pressupostos que deram causa à relação jurídica subjacente verificaram-se relativamente ao devedor originário e não relativamente ao responsável subsidiário.
Se na fiança o credor, não obstante o benefício da excussão prévia dever ser alegado pelo fiador, pode demandar somente este, o mesmo não sucede em sede de responsabilidade tributária que só opera quando o credor-Estado accionar o processo de execução fiscal contra o devedor originário, sujeito passivo da relação jurídica tributária.
Facilmente se depreende que, sendo o devedor originário, a sociedade, o sujeito passivo da relação jurídica tributária de onde emerge uma obrigação consequência do facto tributário que lhe deu origem e serve de base, apenas ela deverá ser executada até onde for possível a penhora e venda dos bens da sua propriedade, porque só a sociedade deverá responder perante o fisco, o que não implica que, a posteriori, accione uma acção de responsabilidade contra o administrador ou gerente, bem como contra os outros membros dos órgãos sociais, na medida em que estes tenham contribuído, através da violação dos deveres que sobre eles impedem, para o incumprimento das obrigações tributárias.
A legitimidade da sociedade, devedora originária, decorre do art. 9.º n.º 1 do CPPT quanto ao procedimento tributário e do 153.º n.º 1 do mesmo diploma quanto à legitimidade em sede de processo de execução fiscal.
Os membros dos órgãos sociais apenas deverão ser chamados a título subsidiário e não solidariamente com a sociedade, devedora originária, como resulta claramente do art. 9.º n.º 3 e do art. 153.º n.º 2, ambos do CPPT.
E apenas deverão responder após a excussão do património da sociedade, que é a verdadeira devedora da dívida objecto tanto do procedimento tributário como do processo de execução fiscal.
O benefício da excussão (prévia) decorre do art. 153.º n.º 2 do CPPT e do art. 23.º n.º 2 da LGT, os quais deverão ser interpretados e aplicados conjuntamente tanto pela administração fiscal como entidade competente para instaurar o processo de execução fiscal como pelos tribunais na medida da sua competência em sede de execução fiscal.
O instituto do beneficium ordinis seu excussionis que surgiu na Novela 4 do ano de 535 com Justiniano(40), primeiramente no instituto da fiança, implica que o fiador ao ser demandado possa invocar que, antes dele, responde o devedor originário, o afiançado, não se aplicando, como é evidente, à responsabilidade solidária.
A excussão é requisito necessário para que o responsável subsidiário do art. 24.º da LGT possa ser parte legítima no processo de execução fiscal, ao contrário do que sucede na fiança, onde o fiador pode ser demandado sozinho uma vez que se trata de uma garantia pessoal, contratual, independente da culpa do fiador no incumprimento da obrigação do afiançado.
Excussão do património do devedor que é garantia geral das obrigações contraídas nos termos do disposto no art. 601.º do CC: “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora (…)”.
Tal previsão está em consonância tanto com o n.º 2 do art. 23.º da LGT como com o n.º 2 do art. 153.º do CTTP, fazendo depender a responsabilidade da excussão do património da sociedade, devedora e sujeito passivo da relação jurídica tributária: a inexistência de bens da sociedade, a constar do auto de penhora — fundada insuficiência do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda averiguada pelos autos de penhora.
Mas a melhor doutrina(41) entende que não basta a fundada insuficiência após a penhora sendo imperioso e imprescindível, para operar a reversão e a legitimidade dos responsáveis como executados no processo de execução fiscal, que após esta fase se efective a venda dos bens nos termos dos art. 248.º do CPPT, até porque através da penhora ainda não se sabe qual o valor pelo qual os bens vão ser vendidos, que poderá ser superior ao valor base do bens inscrito no auto, aferido nos termos do art. 250.º n.º 1 alínea a) e b) do CPPT: nos imóveis valor nunca inferior ao valor patrimonial constante na respectiva matriz e nos móveis aquele que foi atribuído no auto que poderá ser inferior ao seu valor real.
Assim, apenas depois de penhorados e vendidos os bens da sociedade que respondem pelo incumprimento da obrigação é que a administração fiscal poderá reverter a execução contra os membros dos órgãos sociais devido à subsidiariedade da sua responsabilidade, sendo que a fundada insuficiência deverá ser compreendida quanto à totalidade da dívida, respondendo os sujeitos do art. 24.º da LGT apenas pela diferença do valor conseguido pela venda dos bens do devedor originário e o montante total da dívida exequenda.
IV A JURISPRUDÊNCIA
Como estrato do sistema que se entretece numa dialéctica dinâmica e constante com o problema, a jurisprudência configura o “momento da objectivação e estabilização de uma já experimentada realização problemático-concreta do direito” (42), que deverá ser capaz de assimilar novas experiências e novas intenções proclamadas pelas normas através das quais o direito nasce e se vai enriquecendo.
E porque a tarefa do julgador não se subsume a uma mera repetição em concreto do legislador(43), cumpre desenhar o entendimento jurisprudencial acerca da responsabilidade tributária subsidiária prevista no art. 24.º da LGT e deslindar a validade do pensamento sufragado pelo julgador como fonte mediata de direito fiscal.
1. O entendimento jurisprudencial acerca do benefício da excussão
Após a nova redacção dada pelo Decreto-lei n.º 433/99 de 6 de Outubro, que revogou o Decreto-Lei 154/91 de 23 de Abril —Código de Processo Tributário —, acerca da legitimidade do responsável subsidiário como executado, consequência da aprovação da LGT pelo Decreto-lei 398/98 de 17 de Dezembro e da previsão dessa responsabilidade nos termos do art. 23.º e art. 24.º, o STA tem entendido, ao contrário do que sucedia face ao anterior regime, que o benefício da excussão prévia não é pressuposto da reversão da execução fiscal para o responsável subsidiário.
Os casos sub judic a que se reportam os acórdãos infra expostos dizem respeito, essencialmente, a uma situação: o responsável subsidiário, nos termos e para os efeitos do art. 24.º da LGT, deduz oposição à execução, ao abrigo do art. 203.º do CPPT, alegando que a reversão se operou sem prévia excussão de todo o património do devedor originário, peticionando pela sua ilegitimidade no processo de execução fiscal. A problemática entreteceu-se entre o art. 239.º do CPT e as normas da LGT e CPPT.
No âmbito do processo 0100/05, o STA, por acórdão datado de 13 de Abril de 2005, decidiu nos seguintes termos, negando provimento ao recurso:
“A jurisprudência deste STA vinha-se inclinando maioritariamente (quer no domínio da vigência do CPT, quer na vigência do anterior CPCI) no sentido de que a reversão da execução fiscal contra os responsáveis subsidiários não podia ocorrer sem a prévia excussão do património do devedor originário. Mas a alteração legislativa, que ocorre com a LGT (art. 23.º), conjugada com a citada norma do art. 153.º, 2, do CPPT, leva a concluir que a solução legal já não é a que encontrava eco na jurisprudência deste STA. A referência à fundada insuficiência, resultante do auto de penhora ou de outros elementos de que o órgão de execução fiscal disponha, inculca a ideia de que, perante essa fundada da insuficiência do património do originário devedor, ocorra logo a reversão. Sem embargo da excussão do património do devedor originário. Ou seja: não é hoje necessária a prévia excussão do património do devedor originário para que seja possível a reversão. Basta essa fundada insuficiência, baseada, por exemplo, no auto de penhora.”
Por recurso interposto pelo mesmo recorrente do acórdão antecedente, STA em 27 de Abril de 2005 julgou, novamente, improcedente o recurso interposto pelo responsável subsidiário fundamentando nos mesmos termos:
“Há pois aqui uma relevante diferença relativamente à situação prevista no CPT. Enquanto neste se considerava genericamente a insuficiência do património para a satisfação da dívida e acrescido, o que levou este Supremo Tribunal Administrativo a considerar que só quando fosse possível afirmar tal insuficiência se podia proceder à reversão, não sendo possível fazê-lo antes da venda de todos os bens (salvo se se tratasse de dinheiro ou notas de crédito), agora essa insuficiência, que tem que ser fundada, pode ter em conta os elementos constantes do auto de penhora ou outros de que disponha o órgão de execução fiscal. Quer isto dizer que o benefício da excussão que o artigo 23.º da LGT refere não tem que ser prévio, ao contrário do que antes se entendia.”
Nos mesmos termos decidiu o STA no processo 0488/06, através do Acórdão datado de 28 de Setembro de 2006:
“A LGT (…) apesar de se estabelecer a regra de «a reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão» (art. 23.º, n.º 2, da LGT), ela tem ínsito que se possa concluir pela «fundada insuficiência» e decidir a reversão antes da excussão do património do devedor originário, pois só assim se compreende que se ressalve que a reversão não prejudica o benefício da excussão.”
Este último acórdão, apesar de fazer funcionar a reversão antes da excussão, argumenta ainda que:
“Assim, à face da LGT, concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens da responsabilidade subsidiária esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário. O n.º 3 do mesmo artigo confirma a correcção desta interpretação ao admitir que «no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados», situação em que «o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado». Isto é, o processo de execução fiscal fica suspenso, já com a reversão efectuada, em relação ao revertido, pois, obviamente, quanto ao devedor originário o processo prossegue para concretizar a excussão de que depende o prosseguimento contra o revertido.”
O mesmo entendimento foi acolhido pelo TCA Norte no acórdão datado de 19 de Janeiro de 2003 e pelo TCA Sul no acórdão de 6 de Junho de 2004.(44)
2. Posição crítica
Se no regime anterior à LGT, o art. 13.º do CPT carecia de constitucionalidade por fazer recair sempre sobre os responsáveis subsidiários o ónus da prova da sua inculpabilidade na insuficiência do património da sociedade (45), devedora originária de imposto, mesmo que tal inconstitucionalidade não tivesse sido acolhida pelo Tribunal Constitucional, parece que o entendimento do STA quanto ao art. 239.º desse mesmo diploma estava em conformidade com os princípios que subjazem à responsabilidade subsidiária: a prévia excussão do património do devedor originário antes de operar a reversão.
O art. 239.º do CPT dispunha que: “1—Podem ser executados no processo de execução fiscal os devedores originários e seus sucessores dos impostos e demais dívidas referidas no artigo 233.º. 2—O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias: a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores; b) Insuficiência do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.”
Entendeu o Pleno do STA, em sede de recurso de oposição de julgados, no Acórdão de 17 de Março de 2000(46), eventualmente para compensar — pelo menos assim se pode entender — a injustiça operada pelo regime traçado no art. 13.º do CPT, que a excussão prévia do património do devedor originário de imposto era condição necessária e pressuposto essencial para operar a reversão contra o responsável subsidiário.
Todavia, o entendimento sufragado na jurisprudência maioritária após a entrada em vigor da LGT é em sentido diverso como se pode depreender dos acórdãos expostos no ponto antecedente: a reversão operará sempre, independentemente da prévia excussão do património do devedor originário, face ao qual o facto tributário se verificou.
Mas este entendimento carece de fundamentação material que o suporte, apenas se alicerçando na alteração da letra da lei e descura, por completo, a sua teleologia e a natureza subsidiária da responsabilidade.
Argumenta o julgador que, uma vez revogado o CPT e alterada a redacção do conteúdo da norma respectiva na LGT — art. 23.º n.º 2 — e no CPPT — art. 153.º — e não estando patente a prévia excussão do património do devedor nessas previsões, a excussão está afastada como pressuposto da reversão, sendo certo que mesmo depois de revertida a execução sempre haverá excussão do património do devedor.
Na linha de pensamento expendida pelo STA, o mesmo se poderia dizer relativamente ao art. 239.º do CPT que revogou o CPCI e que alterou o conteúdo da redacção do art. 146.º(47). Na vigência deste último diploma, a prévia excussão do património do devedor era condição de legitimidade do responsável subsidiário, e assim, entrando em vigor o CPT e alterada a letra da lei da norma correspondente modificando a redacção, deveria também ter-se alterado o sentido da mesma, o que efectivamente não sucedeu como resulta do acórdão do STA de 17 de Março de 2000.
Mas o n.º 2 do art. 23.º da LGT bem como o art. 153.º do CPPT, tal como também resultava da lei anterior e cujo sentido se deverá manter não obstante a redacção ser díspar, deverá ser interpretado, nos termos gerais de direito — art. 11.º da LGT ex vi art. 9.º do CC — e no sentido de que deverão os bens do devedor originário ou dos responsáveis solidários serem excutidos previamente à reversão e esta terá lugar quando se concluir pela sua “fundada insuficiência” objectivada pela excussão, que deverá fazer cumprir a dívida tributária.(48)
E o resultado apurado pela excussão deverá ser deduzido ao valor da execução total e apenas esse deve ser revertido para o responsável subsidiário.(49) De outro modo, o responsável tornar-se-ia solidariamente responsável com o devedor originário.
É este o cerne e a justificação da modificação operada pelo Decreto-lei 68/87 de 9 de Fevereiro relativamente aos regimes anteriores consagrando a responsabilidade subsidiária, face à qual a excussão do património do devedor era condição necessária para a reversão da execução e assim a interpretação das normas reguladoras da responsabilidade deverá ser efectivada nesse sentido tendo em consideração o espírito da norma e os princípios que a mesma comporta.
A intenção do legislador com a referência “sem prejuízo do benefício da excussão” tende a ser no sentido dessa mesma excussão ser prévia à reversão, implicando a venda dos bens do executado principal e, dessa forma, a legitimidade do responsável subsidiário como executado na diferença entre o montante devido e o valor conseguido com a venda dos bens penhorados(50).
O que encontra apoio, pelo menos, implicitamente no n.º 3 do art. 23.º da LGT que prescreve que: “Caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal fica suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado (...)” (51), embora a suspensão da execução apenas opere face à fundada insuficiência dos bens do devedor originário. A não verificar-se a hipótese da norma — impossibilidade de averiguar a suficiência dos bens — a reversão opera automaticamente, sendo certo que deverá o património do devedor ser excutido para que o responsável subsidiário apenas responda pela diferença.(52)
A prévia excussão do património do devedor, além de dever funcionar como pressuposto processual em sede de execução fiscal, por força do art. 153.º do CPPT e art. 23.º n.º 2 da LGT, deve ser entendida como pressuposto essencial e imprescindível da própria responsabilidade dos membros dos órgãos sociais prevista no art. 24.º da LGT, independentemente da suficiência do património do devedor para o cumprimento da obrigação tributária.
O entendimento do STA, de que a excussão não é prévia à reversão da execução fiscal contra o devedor subsidiário, atenta contra o princípio da justiça na medida em que a própria noção de “fundada insuficiência” é um conceito indeterminado que poderá funcionar desfavoravelmente contra o responsável subsidiário, aliada à circunstância da sua concretização se encontrar na disponibilidade da própria administração fiscal, não sendo “adequado a promover a real igualdade da sua aplicação”(53), e que se reflecte na violação do princípio da capacidade contributiva do responsável subsidiário à luz do art. 4.º da LGT, uma vez que ele mesmo já foi tributado em sede de IRS pelo exercício das suas funções, o que até poderá configurar uma situação de asfixia tributária que desembocará num impedimento objectivo de escolha e livre exercício da actividade de administração/fiscalização numa sociedade. Tudo o que convoca uma eventual dupla-responsabilidade por dívidas fiscais (54) —pelas pessoais e pelas da sociedade — o que é expressamente proibido pelo art. 7.º n.º 3 da LGT.
Ademais, a solução propugnada pelo STA coloca em causa o princípio da proporcionalidade — art. 18.º n.º 2 com repercussões no art. 266.º ambos da CRP e nos art. 55.º da LGT e art. 46.º do CPPT — uma vez que os meios adequados para a prossecução do interesse público devem ser os que menos sacrifício comportarem para os particulares. Ora, a reversão antes da excussão do património do executado configura um mecanismo desproporcional de arrecadação de receitas públicas e de exigência coerciva do pagamento da dívida fiscal, restringindo os direitos do administrador/gerente como responsável subsidiário, para além do que seria necessário e adequado com vista à tributação subsidiária, transformando o responsável subsidiário em responsável solidário.
A administração fiscal, face a tal entendimento, acaba por ficar desonerada de executar cabalmente o património do devedor originário, uma vez que a execução já corre contra o responsável subsidiário, funcionando a reversão fiscal antes da excussão como que de um meio cautelar se tratasse, desenquadrado das providências cautelares consagradas no art. 135.º do CPPT e permitidas pelo art. 51.º da LGT, assente na “fundada insuficiência dos bens penhoráveis” quando até se deveria exigir a “comprovada insuficiência” a ser indagada pelo resultado da venda desses bens.
Assim, a reversão da execução só deverá ser efectivada depois de excutido o património do devedor originário com a consequente venda dos bens, o que está de acordo com o preceituado no art. 153.º do CPPT, segundo o qual tem legitimidade como executado o responsável subsidiário que assume a qualidade de sujeito passivo do imposto nos termos do art. 18.º da LGT, mas só quando o resultado dessa excussão for comprovadamente insuficiente para o cumprimento total da dívida(55) e verificados os pressupostos do art. 24.º da LGT, o que o tornará responsável apenas na diferença entre o montante total da obrigação exequenda e o resultado do produto da venda dos bens excutidos do devedor originário, só assim se respeitando os princípios que presidem à responsabilidade subsidiária.
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Notas:
(1) Apontadas como outras fontes do direito fiscal são o costume, o regulamento, as ordens internas da administração, as normas internacionais e a doutrina. V. Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, Coimbra, Novembro 2003, pág. 101 e ss.
(2) Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, Coimbra 1999, pág. 50, acerca das fontes de direito civil exclui a jurisprudência como fonte de direito uma vez que os resultados obtidos pelo julgador apenas têm força vinculativa nos casos que versam, sendo que um outro juiz não está vinculado, numa situação semelhante, a decidir de forma semelhante, vigorando a liberdade decisória do juiz.
(3) O art. 8.ºdo ETAF prevê, além do STA, o TCA como órgão imediatamente inferior que funciona como tribunal de recurso ao mesmo nível dos Tribunais da Relação, cujas competências estão delimitadas no ETAF nos art. 37.º e 38.º.
(4) Casalta Nabais, Direito Fiscal, 4.ª edição, Coimbra, pág. 209, considera que a jurisprudência não constitui fonte formal do direito fiscal, sendo que uma excepção a este princípio é a declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade com força obrigatória geral. Mas acaba por considerar que a jurisprudência do STA poderá ter força vinculativa além da aplicação ao caso concreto. E nesta medida é uma fonte de direito fiscal. No sentido de que a jurisprudência não é entendida como fonte de direito em sentido estrito, mas sim uma forma de complementar, o ordenamento jurídico, Juan Martín Querelt e outros, Curso de Derecho Financeiro y Tributário, Tecnos, Valência, pág. 164.
(5) Fundamentalmente, em sede de dupla tributação fiscal.
(6) Além de Portugal, Espanha, Itália, China, Alemanha, França entre outros.
(7) Neste sentido, Diogo Leite de Campos e Mónica Horta Neves Leite de Campos, Direito Tributário, 2.ª edição, Almedina, Coimbra 2003, pág. 101, uma vez que o poder de tributar “representa uma limitação a direitos da pessoa tão relevantes como os direitos à propriedade e ao rendimento ao trabalho”.
(8) Casalta Nabais, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo, Almedina, Coimbra 1998, pág. 275 e ss, entende este poder tributário como um poder tributário em sentido estrito ou técnico que é a razão subjacente ao dever de pagar impostos, definindo-o como “conjunto de poderes necessários à instituição e disciplina essencial dos impostos”.
(9) Responsabilidade que pode ser solidária ou subsidiária; mas o objecto de estudo apenas se prende com esta.
(10) Vide Soares Martinez, Direito Fiscal, Almedina, Coimbra 2000, pág. 251.
(11) Ideia colhida por Soares Martinez, ob. cit. pág. 251, na esteira de Myrbach-Rheinfeld.
(12) Brito Correia, Os administradores de Sociedades Anónimas, Almedina, Coimbra 1993, refere que os “administradores exercem, na verdade, o poder na empresa, na célula base da economia, e, portanto, numa das componentes fundamentais da humanidade”.
(13) Que será objecto de análise no ponto subsequente.
(14) Capacidade contributiva que os responsáveis subsidiários não possuem porque a obrigação jurídica do devedor originário não incide sobre os seus rendimentos mas sim sobre os rendimentos deste ultimo. Assim, Leite de Campos, ob. cit. pág. 389, referindo que o administrador e gerente já pagaram IRS pelo exercício das suas funções, a propósito inconstitucionalidade da presunção de culpa traçada no art. 24.º n.º 1 alinea b.
(15) Como sucede no Brasil, em que a responsabilidade é directa: art. 135.º do Código Tributário Nacional, bem como na Espanha. Para mais desenvolvimentos de direito comparado, Sofia de Vasconcelos Casemiro, A responsabilidade dos Gerentes, Administradores e Directores pelas dividas tributárias das sociedades comerciais, Almedina, Coimbra 2000, pág. 26 e ss.
(16) Acerca da temática dos deveres do administrador e gerente, Coutinho de Abreu, Os deveres de cuidado e de lealdade dos administradores e o interesse social, Reformas do Código das Sociedades, IDET, Colóquios n.º 3, Almedina, Coimbra 2007, Pedro Caetano Nunes, Corporate Governance, Almedina, Coimbra 2006.
(17) Para mais detalhes, ver American Law Institute, Principles of Corporate Governance: analyis and recomendations, Vol. I, Maio de 1992, parte IV.
(18) Como os arts. 98.º, 118.º, art. 387.º, art. 398.º n.º 1, art. 398.º n.º 3, art. 410.º n.º 6, art. 414.º-A n.º 1 alíneas b e c, art. 425.º n.º 6, art. 449.º, art. 447.º, art. 181.º n.º 5 alínea d).
(19) Foi precisamente essa a intenção que presidiu à reformulação dos deveres de cuidado, explanada no processo de consulta pública 1/2006, de Janeiro de 2006, onde a Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, principal impulsionar da reforma societária, referiu que “a lei deve recortar um núcleo mínimo dos deveres dos administradores e dos titulares dos órgãos de fiscalização, não só para fornecer modelos de decisão claros mas também para permitir a efectivação aplicativa de previsões normativas decorrentes do incumprimento dos deveres societários alteração dos deveres gerais dos administradores”.
(20) Dizer art. 13.º do CPT e art. 24.º da LGT quanto à questão da culpa não desvirtua a consideração tecida pelo STA.
(21) Disponível www.dgsi.pt. No mesmo sentido o Acórdão do TCA Sul de 7 de Março de 2006, disponível em http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/a10cb5082dc606f9802565f600569da6/a9dfc4338e5c61e28025712a005b3bb2?OpenDocument
(22) Administrador/gerente de facto é todo aquele que não obstante estar desprovido de qualquer título ou com título insuficiente exerça, de facto, as funções de administrador/gerente de direito. Acerca desta figura, Coutinho de Abreu/Elisabete Ramos, Responsabilidade civil dos administradores e de sócios controladores”, Miscelâneas n.º 3 e Ricardo Costa, Responsabilidade Civil dos Administradores de facto, Temas Societários, Miscelâneas n.º 2. No âmbito do direito fiscal, Diogo Leite de Campos, ob. cit. pág. 390 e José Costa Alves, A responsabilidade tributária dos membros dos corpos sociais e dos responsáveis técnicos, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora, Ano III 2006, pág. 389 e ss.
(23) Também neste sentido, Diogo Leite de Campos, ob. cit. pág. 392.
(24) Que fazia recair sempre o ónus da prova para o administrador e gerente: “Os administradores, gerente e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do cargo, salvo de provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa e da sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para as prestações devidas.” E cuja inconstitucionalidade era defendida por grande parte da doutrina, como Diogo Leite de Campos, ob. cit. pág. 384, entre outros.
(25) Defendo a injustiça operada pelo regime, Casalta Nabais, ob. cit. pág. 282, Diogo Leite de Campos ob. cit. pág. 287. Em sentido diverso, Sérgio Vasques, defendendo que “o que justifica esta solução é a constatação mais mundana de que, quando em dificuldades, as empresas preferem faltar nos pagamentos do Estado do que falhar no pagamento dos credores privados. Por razões evidentes: à falta de pagamento aos fornecedores pode seguir-se a interrupção dos fornecimentos; à falta de pagamento aos trabalhadores pode seguir-se a greve e o protesto. Já o estado não dispõe de nenhum meio rápido e eficaz de reagir contra o incumprimento das obrigações fiscais, porque são obrigações sem contrapartida. O estado padece, pois, neste capitulo de uma fragilidade estrutural que o diminui no confronto com os credores privados. É portanto uma debilidade especial que justifica o regime probatório especial que a Lei Geral Tributária ainda reserva ao Estado na alínea b do art. 24.º”
(26) Ver por todos, Sofia Casemiro, ob. cit. pág. 145 e ss.
(27) Entendimento sufragado por José Manuel Cardoso da Costa, Curso de Direito Fiscal, 2.º edição, Almedina, Coimbra 1972 e partilhada por Diogo Leite de Campos, ob. cit. pág. 391.
(28) Assim, João Calvão da Silva, Direito Bancário, Almedina, Coimbra 2001, pág. 380.
(29) Outras manifestações de dependência são as que decorrem do art. 634.º e art. 631.º ambos do CC. A característica da acessoriedade permite distinguir a fiança da assunção da divida do art. 595.º do CC. Vide Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, volume I, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 644.
(30) No domínio comercial, o fiador responde solidariamente com o devedor principal numa obrigação mercantil tal como o dispõe o art. 101.º do Código Comercial, constituindo uma excepção ao regime geral da fiança.
(31) Na esteira do que defende Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. pág. 658, o credor não tem qualquer interesse em não demandar o devedor conjuntamente com o fiador, até porque findo o processo sempre terá uma sentença condenatória a executar também contra o devedor.
(32) Neste sentido, Sofia Casemiro, ob. cit. pág. 163.
(33) Diogo Leite de Campos, ob. cit. pág. 393.
(34) Acompanhando o pensamento de Diogo Leite de Campos, ob. cit. pág. 391 e ss e Sofia Casemiro, ob. cit. pág. 161 e ss.
(35) José Lebre de Freitas, A acção executiva. Depois da reforma, Coimbra Editora, Coimbra 2004, pág. 35. Refere que o título executivo contém o acertamento, que é o ponto de partida da acção executiva na medida que pressupõe a definição dos elementos da relação jurídica de que ela é objecto. Bem como sucede também no âmbito da execução fiscal uma vez que só após a verificação dos pressupostos da relação jurídica tributária é que surgirá uma eventual acção executiva.
(36) Rui Duarte Morais, A execução fiscal. 2.ª Edição, Almedina, Coimbra 2006, pág. 37, coloca duas questões: a de saber até que momento vale a prova documental e quais os seus efeitos. No que respeita à primeira, defende que pode a nulidade pode ser invocável a todo o tempo nos termos do art. 165.º n.º 4 do CPPT, e constatada a irregularidade poderá ser o credor exequendo convidado para a apresentação da prova documental, para regularizar o titulo executivo. Caso seja regularizado, os efeitos não poderão, para o autor, ser a nulidade de todo o processado tal como o dispõe o art. 165.º n.º 2, uma vez que se assim fosse as garantias dos contribuintes seriam prejudicadas face a uma “irregularidade inicial”.
(37) Neste sentido, perfunctóriamente, Hélder Martins Leitão, O processo de Execução Fiscal, Nova Fiscus n.º 4, Almeida e Leitão, Lda, Porto 2004.
(38) Vide ult. A. cit. pág. 15 acerca do acto de liquidação.
(39) Assim, Soares Martinez, ob. cit. pág. 444. Para uma análise acerca das receitas fiscais em Portugal e respectiva progressividade consultar http://www.dgci.min-financas.pt/pt/dgci/noticias.
(40) Filippo Briguglio, “Beneficium ordinis seu excussionis”, in Bolletino dell’ Istituto de Diritto Romano Vittorio Scialoja, vol. 37 e 38, Giuffrè, Milão, 1996, pág. 412.
(41) Diogo Leite de Campos, ob. cit. pág. 398.
(42) Castanheira Neves, Metodologia jurídica. Problemas fundamentais. Coimbra Editora, Coimbra 1993, pág. 158, acerca do caminho para a construção de um modelo da realização do direito.
(43) Tal como o legislador acaba por não fazer uma antecipação em abstracto do julgador, segundo o entendimento do ult. A. cit. pág. 19.
(44) Disponíveis no site da DGSI.
(45) Ver os argumentos deduzidos por Diogo Leite de Campos, ob. cit. pág. 384 e ss e Sofia Casemiro, ob. cit.
(46) Publicado em Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2001, disponível em http://www.dre.pt/pdfgratisac/2000/32410.pdf
(47) Cuja redacção era a seguinte: “A execução pode ser instaurada contra a pessoa que no título executivo figurar como originário devedor ou seu sucessor e poderá reverter, na falta de bens penhoráveis, contra os responsáveis solidários ou subsidiários pelo pagamento da dívida exequenda.”
(48) Neste sentido, Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária Comentada e anotada, 3.ª edição, Vislis Editores, Lisboa, Setembro 2003 pág. 135: “O n.º 2 do art. 23.º consagra o benefício da excussão prévia. Este beneficio já decorria do regime anterior (...) pelo que o n.º 2 tem um significado interpretativo. O benefício da excussão significa que antes de revertida a execução contra o responsável subsidiário, devem ter sido penhorados os bens e vendidos os bens do devedor principal e dos responsáveis solidários.”.
(49) Vide, ult. A. cit. pág. 135.
(50) Neste sentido se pronuncia, José Antunes Ribeiro, Lei Geral Tributária, Comentada e anotada. Legislação complementar. Quid Juiris?, Lisboa 2003, pág. 47: “o benefício da excussão referido no n.º 2 impõe que a reversão não possa ter lugar, sem terem sido vendidos os bens que forem penhorados ao devedor originário”.
(51) Norma que, na óptica do ult. A. cit., salvaguarda o benefício da excussão previsto no n.º 2 admitindo que mesmo revertida a execução o processo ficará suspenso até se encontrarem excutidos os bens do devedor, executado.
(52) O início do prazo para a suspensão – termo da oposição – configura uma opção infeliz do legislador na medida que a hipótese da norma se reporta ao “momento da reversão”, o que deverá ser interpretado como “aquando da respectiva notificação”, o que constitui uma solução mais justa para o responsável subsidiário, aproveitando este, depois da excussão do património do devedor, o prazo para a oposição nos termos do 203.º do CPPT. Pode até suceder que depois da excussão dos bens do devedor originário e responsáveis solidários ocorra alguma circunstância que consubstancie fundamento de oposição e suspendendo-se a reversão após o termo do prazo o responsável subsidiário deixará de ter a faculdade de o alegar em sede de oposição à reversão.
(53) Diogo Leite de Campos/ Mónica Horta Neves Leite de Campos, ob. cit. pág. 121.
(54) O que se aplica, também, à injustiça operada pelo legislador na alínea b) do n.º 1 do art. 24.º da LGT, pelo que o ónus da prova deveria sempre impender sobre a administração fiscal.
(55) Cfr. Diogo Leite de Campos/ Mónica Horta Neves Leite de Campos, ob. cit. pág. 394.