Alexandre Soveral Martins - Suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais: Alguns problemas
DE SOCIEDADES COMERCIAIS:
ALGUNS PROBLEMAS(1)
Pelo Dr. Alexandre Soveral Martins
1. Delimitação do tema
O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais está regulado nos arts. 396.° e 397.° do CPC(2), com a redacção dada pelo DL 329-A/95, de 12/12(3). Não se pode no entanto esquecer que hoje existe um procedimento cautelar comum e que as normas da secção respectiva, de acordo com o n.° 1 do art. 392.° do CPC, são em geral aplicáveis aos procedimentos cautelares especificados em tudo quanto para estes «se não encontre especialmente prevenido». Por outro lado, o n.° 3 do art. 384.° estabelece ainda que é aplicável subsidiariamente aos procedimentos cautelares o disposto nos arts. 302.° a 304.°. É parte do regime que resulta da articulação entre estes vários preceitos que nos propomos estudar nas linhas que se seguem(4).
Antes de o fazermos, convém referir que só será aqui abordada a suspensão de deliberações sociais de sociedades comerciais, embora o procedimento em causa possa ser utilizado relativamente a deliberações de qualquer associação ou sociedade.
2. As deliberações anuláveis, nulas e ineficazes podem ser suspensas. A suspensão das deliberações sociais é suspensão de eficácia
De acordo com o n.° 1 do art. 396.°, pode ser pedida a suspensão de deliberações sociais contrárias à lei, ao contrato ou ao estatuto (5). Como é sabido, uma deliberação contrária à lei pode ser nula ou anulável. E se a deliberação tiver sido tomada sem o consentimento de determinado sócio exigido por lei, essa deliberação será ineficaz em relação a todos os sócios. Não pode por isso deixar de ser perguntado se o procedimento cautelar nominado previsto nos arts. 396.° e 397.° pode ser utilizado só quando as deliberações são anuláveis ou também quando as deliberações são nulas ou ineficazes.
O art. 403.° do CPC de 1939 estabelecia que era possível recorrer ao procedimento de suspensão de deliberações sociais como acto preparatório da acção de anulação, o que desde logo levava a doutrina a excluir do âmbito de aplicação do preceito os casos em que a deliberação era nula ou ineficaz (6).
Com o Código de Processo Civil de 1961, as opiniões dividiam-se (7). Merece aqui destaque, pela profundeza das suas reflexões, a opinião de Vasco Lobo Xavier, para quem só as deliberações anuláveis podiam ser suspensas através do procedimento cautelar em análise(8). E entendia também aquele Professor que a suspensão da deliberação era uma suspensão da sua eficácia(9). Quanto às deliberações nulas ou ineficazes, haveria que recorrer ao procedimento cautelar inominado(10).
Para se compreender a solução adoptada por Vasco Lobo Xavier, é preciso ter presente a finalidade da providência cautelar em causa. E essa finalidade é a de obstar ao periculum in mora do processo principal, de evitar os prejuízos que possam resultar das delongas do processo principal(11).
Ora, na opinião de Vasco Lobo Xavier, este objectivo só poderia ser alcançado se a suspensão da deliberação afectasse não só a eficácia executiva da deliberação, que diz respeito aos actos de execução, mas também, e por outro lado, a eficácia não executiva. E isto, desde logo, porque há casos em que a suspensão da eficácia executiva só é possível com a suspensão da eficácia não executiva: os casos em que a suspensão da eficácia executiva contende com a eficácia não executiva(12).
Dizia Vasco Lobo Xavier que a suspensão paralisava «a eficácia da deliberação num âmbito que não se cinge ao da relação sociedade-administradores; paralisa, em suma, a totalidade dos efeitos jurídicos do acto». Seria por isso suspensão da eficácia da deliberação. E acrescentava que os termos da lei (suspensão da execução) não teriam valor restritivo: apenas estaria o legislador a «aludir à forma por que a suspensão da eficácia mais ostensivamente se traduz»(13).
Acrescentava aquele Professor que há casos em que o peri-culum in mora advém de algo que nada tem a ver com a actividade dos administradores, mencionando as deliberações de alteração da sede da sociedade e suas consequências ao nível dos tribunais competentes.
Por isso, para Vasco Lobo Xavier, o dano que serve de fundamento à medida cautelar seria todo aquele que «derive do facto de a eficácia da deliberação ser tomada em conta até à sentença anulatória»(14).
Mas poderá entender-se antes que a suspensão de deliberações sociais é uma suspensão da execução da deliberação(15). Tanto mais que o n.° 1 do art. 396.° parece tornar claro que aquilo que o sócio pode requerer é que a execução seja suspensa(16) (17).
Em favor desta tese argumentar-se-á que é preciso também ter em conta que a suspensão terá lugar quando a sua execução for susceptível de causar dano apreciável. O que causará o dano será a execução da deliberação, que se quer impedir(18), e não verdadeiramente os efeitos jurídicos a que tende. E tanto as deliberações anuláveis, como as nulas e as ineficazes podem implicar actos de execução. Seriam então estes actos de execução que se pretenderia evitar com a providência cautelar.
No seguimento desse raciocínio, até se poderia dizer ainda que se a deliberação pode causar danos que não apenas os decorrentes da sua execução, então o que o requerente tem de fazer é instaurar o procedimento cautelar comum e não o de suspensão de deliberações. E se o que o requerente quer é pedir a suspensão da eficácia da deliberação, então o que terá de fazer é instaurar o procedimento cautelar comum, e não o de suspensão de deliberações.
A nosso ver, a providência em causa implica a suspensão da eficácia da deliberação, e não apenas a suspensão da execução. Contudo, também será de considerar que podem ser abrangidas pela providência as deliberações nulas e as ineficazes. E aqui não podemos deixar de dizer que nos parece correcto seguir pelo caminho que já Vasco Lobo Xavier deixou vislumbrar. Aquele Professor considerava, como vimos, que a suspensão era uma suspensão da eficácia e, por isso, o procedimento cautelar nominado apenas podia ser utilizado quanto a deliberações anuláveis. Mas era também Vasco Lobo Xavier que dizia que, se se entender que a providência abrange as deliberações nulas, a suspensão «traduzir-se-ia numa regulamentação provisória da situação, vinculante para a sociedade e para os outros interessados, segundo a qual a deliberação deveria ser considerada como desprovida dos efeitos a que aparece endereçada (fosse ou não susceptível de os produzir) até à sentença a pronunciar no processo principal»(19). E isto parece ser relevante tanto quanto às deliberações nulas, como para as ineficazes.
Tendo em conta o que se acaba de dizer, é possível sustentar então que o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais pode ser utilizado para suspender a execução de deliberações nulas, anuláveis e ineficazes(20).
No que diz respeito às chamadas deliberações inexistentes já não nos parece que isso seja defensável(21). Claro que a primeira dificuldade que logo surge é a de determinar o que sejam as deliberações inexistentes(22).
Como é sabido, o n.° 1 do art. 75.° do Projecto de Código das Sociedades previa uma hipótese que parecia ser de deliberação inexistente. Ali se podia ler, com efeito, que para nenhum efeito «se consideram tomadas as deliberações que não tenham sido aprovadas pelo número mínimo de votos ou de sócios exigido por lei ou pelo contrato».
A redacção que se pretendia dar àquela norma em projecto foi criticada por Vasco Lobo Xavier(23), que considerava que, nos casos em que faltasse ostensivamente a maioria, «revelando-se aos olhos de todos os participantes», haveria uma inexistência («e até inexistência material») de uma deliberação positiva, mas «se o procedimento deliberativo atingiu ostensivamente um resultado positivo», então a sanção preferível seria a da anulabilidade.
Para Raúl Ventura(24), uma deliberação será inexistente se falta absolutamente algum dos seus elementos essenciais específicos. No Ac. STJ de 4/12/96(25), sustentou-se que a deliberação inexistente é o acto a que falte o mínimo dos requisitos essenciais para que possa ter a eficácia jurídica própria de uma deliberação ou que não seja adequado, nem sequer na sua aparência material, a vincular a sociedade. Mas no referido aresto entendeu-se que não se pode recorrer ao procedimento de suspensão de deliberações sociais relativamente a deliberações inexistentes porque aquele procedimento pressupõe uma efectiva deliberação. Para reagir cautelarmente contra uma deliberação inexistente, seria ainda assim possível recorrer a uma providência cautelar não especificada.
E esta parecia ser a solução correcta(26). Hoje, haverá que lançar mão do procedimento cautelar comum.
3. O conceito de actos de execução
O que se disse no ponto anterior toma ainda necessário determinar o que sejam actos de execução da deliberação. Quanto a isto, a jurisprudência mostrou-se dividida. Nalguns casos, entendeu-se que seriam actos de execução apenas os actos em que se traduz o efeito típico da deliberação(27), o efeito imediato directo(28) ou ainda os actos complementares da deliberação que sejam necessários para a produção desse efeito. Noutros, considerou-se que os actos de execução abrangeriam também os efeitos indirectos da deliberação(29).
Por sua vez, a doutrina também revelou não seguir toda na mesma direcção. Assim, o Conselheiro Pinto Furtado entendeu que a execução que se vai suspender é a que se traduz nos comportamentos factuais(30) e Carlos Olavo sustentou que a execução abrange todos os efeitos, danosos, sejam directos, indirectos, laterais ou secundários.
Vasco Lobo Xavier sugeriu que se considerassem como actos de execução «todos os actos a que os órgãos da sociedade ficam directa ou indirectamente vinculados com base na deliberação, ou ainda, mais amplamente, por toda a actividade dos órgãos sociais efectuada em conformidade com a deliberação (ainda que esta não tenha originado uma vinculação a tal actividade)»(31).
Anteriormente, na sua tese de doutoramento, a propósito do art. 179.° do Código Civil(32), Vasco Lobo Xavier propunha até uma outra noção, porventura mais límpida: seriam actos de execução todos os actos que encontrassem o seu fundamento na deliberação(33). E esta parece ser a melhor doutrina. Estarão abrangidos os actos a que a administração social fica vinculada pela deliberação, mas também os casos em que essa vinculação não existe(34).
Por tudo o que se disse já, é fácil de compreender por que razão se deve por exemplo admitir a suspensão de uma deliberação pela qual foram designados os membros de um órgão de administração de uma sociedade comercial. Uma tal deliberação não se executa imediatamente com a própria deliberação, ao contrário do que foi sustentado nos Acs. RC de 14/7/1987 e de 20/10/1987(35). Deve pois ser rejeitada a tese segundo a qual uma deliberação como aquela se esgotaria na tomada de posse das pessoas escolhidas. No nosso entender, os próprios negócios que os membros do órgão de administração da sociedade celebram são actos de execução da deliberação da assembleia.
Da mesma forma, também entendemos que uma deliberação de amortização de quota vai ter actos de execução. Tais actos de execução serão certamente a comunicação ao sócio, a escritura, o registo, o pagamento de contrapartida. Mas o perigo que igualmente há que procurar evitar encontra-se no eventual não exercício dos direitos sociais por parte do sócio cuja quota é amortizada. Por isso, a providência da suspensão de deliberações sociais tem de servir para impedir os danos dali resultantes(36).
4. Deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato: basta o fumus boni juris
Como se viu já, o n.° 1 do art. 396.° do CPC permite que um sócio requeira a suspensão de uma deliberação que seja contrária «à lei, aos estatutos ou ao contrato». Manuel de Andrade e Ferrer Correia(37) entenderam ser necessário um juízo bastante seguro sobre a verificação da irregularidade, não parecendo ser suficiente o fumus boni juris. Para aqueles autores, seria necessário que o juiz tivesse chegado «quando não a uma certeza absoluta segundo o seu próprio critério, pelo menos a uma convicção positiva nítida no sentido da irregularidade…». Vasco Lobo Xavier parecia concordar com essa opinião(38).
Não se afigura que seja essa a melhor solução. Como sustenta Oliveira Ascensão(39), a providência em causa não pressupõe «a demonstração exaustiva da violação de preceitos. Basta que prima facie se apresente como tal. Temos o fumus boni iuris»(40).
5. Podem ser suspensas deliberações dos sócios tomadas em assembleia e fora dela
Como é sabido, os sócios de sociedades comerciais podem tomar deliberações seguindo uma das formas previstas na lei(41). Assim sendo, impõe-se saber se o procedimento de suspensão de deliberações sociais pode ser utilizado apenas quando as deliberações são tomadas em assembleia regularmente convocada ou também quando essas deliberações ocorram em assembleia universal e quando sejam deliberações unânimes por escrito ou deliberações tomadas por voto escrito(42).
Não haverá dúvidas em permitir o recurso ao procedimento em causa quando as deliberações tiveram lugar em assembleia regularmente convocada ou em assembleia universal(43). No que diz respeito às deliberações unânimes por escrito e às deliberações por voto escrito, a solução deve ser a mesma. Pelo menos, é o que parece decorrer, quanto às deliberações unânimes por escrito, da segunda parte do n.° 2 do art. 396.° do CPC, uma vez que aí se lê que quando a lei dispense reunião de assembleia, a cópia da acta será substituída por documento comprovativo da deliberação. Este preceito torna assim claro que o procedimento de suspensão de deliberação social pode ser utilizado mesmo quando não haja reunião de assembleia.
Há no entanto que tomar em consideração que as deliberações unânimes por escrito são… deliberações unânimes. Ora, se todos os sócios votaram no mesmo sentido, isso irá ter consequências ao nível da legitimidade activa (quer para propor a acção principal, quer para requerer a providência cautelar). Basta ver que a anulabilidade «pode ser arguida pelo órgão de fiscalização ou por qualquer sócio que não tenha votado no sentido que fez vencimento nem posteriormente tenha aprovado a deliberação, expressa ou tacitamente»(44).
Veja-se ainda que o n.° 6 do art. 247.° do CSC prevê a existência de uma acta quanto às deliberações por voto escrito. Daí que o n.° 2 do art. 396.° do CPC só possa ter um sentido: quando a lei dispense reunião de assembleia, a acta será substituída por documento comprovativo da deliberação… quando não haja acta.
6. O procedimento de suspensão de deliberações sociais aplica-se exclusivamente a deliberações dos sócios
Outra das dificuldades com que o interprete é confrontado quando analisa o regime do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais resulta de não se encontrar dito na lei com clareza se aquele procedimento pode ser utilizado apenas para suspender as deliberações dos sócios ou também para se obter a suspensão de deliberações de outros órgãos sociais.
Sob a vigência do CPC de 1939, Alberto dos Reis considerava que o procedimento em causa só valia para deliberações dos sócios(45), solução que parecia decorrer do disposto nos arts. 146.° e 186.° do Código Comercial e 46.° da Lei de Sociedades por Quotas. Também Rodrigues Bastos(46) rejeitava a possibilidade de recurso à providência de suspensão de deliberações sociais para suspender as deliberações de outros órgãos que não a assembleia. No mesmo sentido se pronunciou o STJ, no seu Ac. de 26 de Março 1946(47).
Depois da entrada em vigor do CPC de 1961, a discussão mantém-se aberta. Assim, Oliveira Ascensão(48) rejeita a possibilidade de recurso ao procedimento em causa para se obter a suspensão de outras deliberações que não as dos sócios. Essa é também a orientação sustentada no Ac. RC de 3/12/91(49), no Ac. RP de 28/9/92(50), no Ac. RL de 14/10/93(51) e no Ac. STJ de 17/10/89(52).
Opinião diferente tem Pinto Furtado(53), para quem o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais pode ser o expediente para se obter a suspensão da execução das deliberações de quaisquer órgãos com competência para deliberar. Em apoio da tese que alarga o âmbito de utilização da providência para além das deliberações dos sócios é possível citar o Ac. RL de 23/2/89(54), o Ac. RL de 3/10/95 e o Ac. STJ de 29/4/1992, Proc. n.° 82100.
Por sua vez, Taveira da Fonseca(55) adopta uma tese híbrida, que tem em conta as matérias sobre as quais o órgão de administração delibera.
A nosso ver não parece que o procedimento cautelar nominado de suspensão de deliberações sociais seja o adequado para obstar à execução de deliberações dos órgãos de administração. As normas do CPC parecem pensadas para deliberações dos sócios(56). Tratando-se de deliberações de outros órgãos que não a colectividade dos sócios, só será possível o recurso ao procedimento cautelar comum, não ao de suspensão de deliberações sociais(57).
7. Qualquer um dos sócios tem legitimidade para pedir a suspensão?
De acordo com o n.° 1 do art. 396.° do CPC, qualquer sócio pode requerer a suspensão das deliberações sociais nos termos ali referidos. Assim sendo, essa suspensão pode ser requerida tanto por um sócio “de capital” como por um sócio “de indústria”.
E pode também requerer a suspensão tanto o sócio que tem direito de voto, como aquele que o não tem(58). Além disso, o direito de requerer a suspensão das deliberações sociais não está dependente do valor relativo da participação social do sócio em causa.
No entanto, há que ter em conta que quem requer a suspensão deve ser sócio na altura em que a deliberação foi tomada, mas também deverá conservar essa qualidade quando requer a suspensão da deliberação(59).
Por outro lado, só se deve admitir que a deliberação seja suspensa se o sócio que requer essa providência pode também intentar a acção principal. Ora, sabemos que, quanto às acções para declaração de nulidade de deliberação dos sócios, qualquer interessado tem legitimidade para intentar as referidas acções. Pode por isso pedir a suspensão qualquer sócio que nisso tenha interesse: é o que parece decorrer do n.° 1 do art. 57.° CSC(60).
Quanto às acções para pedir a declaração da ineficácia, podem ser intentadas por qualquer sócio, tanto mais que a deliberação que seja ineficaz nos termos do art. 55.° do CSC é ineficaz para todos os sócios.
No que diz respeito às acções para anulação de deliberação social, sabemos que o sócio só pode pedir a anulação se não tiver votado no sentido que fez vencimento(61). Se votou no sentido que fez vencimento, ele não poderá também requerer a suspensão da deliberação em causa.
Relativamente às deliberações nulas e ineficazes; Pinto Furtado sustenta que pode ser pedida a suspensão das deliberações mesmo por quem não seja sócio, desde que tenha legitimidade para pedir a declaração de nulidade ou de ineficácia. Essa solução parece estar em clara oposição com a letra da lei. Quem não seja sócio e tenha legitimidade para intentar a acção para declaração de nulidade ou de ineficácia só poderá recorrer ao procedimento cautelar comum para evitar o periculum in mora.
8. A prova de que a execução pode causar dano apreciável.
O dano será aquele que possa ser causado à sociedade ou a sócios
Exige a lei que o sócio que requeira a suspensão da deliberação demonstre que a execução pode causar um dano apreciável. Não diz a lei se esse dano tem de ser um dano que possa ser causado à sociedade ou antes aos sócios. Mas deve entender-se que o procedimento pode ser utilizado em qualquer dos casos referidos(62), quer porque tal será a melhor forma de realizar a finalidade da providência, quer porque a lei não distingue.
Há, pois, aqui uma grande diferença em relação ao procedimento cautelar comum. É que este último só pode ser utilizado quando o requerente mostrar fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito. Se for o sócio o requerente, só poderá invocar esse receio em relação ao seu direito, não em relação ao direito da sociedade.
Deve ter-se em conta que o requerente terá de alegar e provar factos de onde resulte que a execução da deliberação pode causar dano apreciável. Isso não é o mesmo que alegar e provar factos de onde resulte a ilegalidade da mesma deliberação(63). Por outro lado, é preciso sublinhar que o dano apreciável de que se trata aqui é o dano que pode resultar da demora do processo principal(64).
Claro está que o dano apreciável não tem de ser um dano irreparável. Assim se entendeu também no Ac. STJ de 25 de Junho de 1998, Proc. n.° 98B492, no qual se pode ver defendido que dano apreciável é o dano “visível, de aparente dignidade, estimável”, por contraposição ao dano irreparável, que será o dano incompensável(65).
A suspensão da deliberação social só pode ser decretada se o requerente provar que a execução pode causar dano apreciável, o risco ou a existência desse dano apreciável não é requisito para a declaração de nulidade e de ineficácia da deliberação, ou para a sua anulação.
Uma vez decidido pelo tribunal que aprecia matéria de facto que a execução pode causar dano apreciável ou não, colocar-se-á a dúvida sobre a natureza do juízo formulado. Poderá pensar-se que estaremos perante um juízo fundado em factos que é também facto. No Ac. STJ de 20/5/97(66), defendeu-se que o juízo sobre a existência ou a gravidade do dano, assente nos factos provados, reconduz-se também a matéria de facto(67).
Mas no Ac. RP de 12 de Fevereiro de 1996, Proc. n.° 9551089, já se defendeu que «constitui matéria de facto a alegar na petição a existência de tal dano, bem como a sua dimensão ou ordem de grandeza; sendo matéria de direito a sua qualificação como apreciável». E esta parece ser a solução mais adequada.
Deve ainda referir-se que poderá não ser decidida a suspensão da deliberação se o prejuízo resultante da suspensão for superior ao prejuízo que pode resultar da execução (n.° 2 do art. 397.°).
9. A acta
De acordo com o disposto no n.° 2 do art. 396.° do CPC, o requerente da suspensão da deliberação social instruirá o requerimento com cópia da acta. A direcção (leia-se o órgão de administração) deve fornecer a cópia no prazo de 24 horas. Já se entendeu que isto queria dizer que a acta tinha de ser feita no prazo de 24 horas. Não é assim: o prazo de 24 horas conta-se do momento em que sócio requer à sociedade a cópia.
Se a lei dispensa a reunião da assembleia, diz o n.° 2 do 396.° do CPC que a cópia da acta será substituída por documento comprovativo da deliberação. No entanto, e como já se disse antes, as deliberações por voto escrito a que se faz referência no art. 247.° do CSC constarão de acta lavrada pelo gerente.
A acta não será um documento que possa ser encarado como a forma da deliberação(68) e não será condição de validade da deliberação. Não parece ser também condição de existência.
Para Pinto Furtado, a acta é indispensável para a demonstração da validade e eficácia da deliberação, mas dispensável para a obtenção da anulação. Segundo o referido autor, a acta será uma formalidade ad substantiam secundum eventum litis: é ad substantiam para a afirmação positiva da deliberação, mas é ad probationem para se obter a sua destruição judicial.
No entanto, Vasco Lobo Xavier sustentava antes que «a deliberação sem acta tem simplesmente a sua eficácia suspensa»(69). Também Albino Matos(70) defendeu que a acta é mera condição de eficácia(71). E esta parece ser a solução preferível.
Se o sócio não apresenta a cópia da acta ou documento comprovativo da deliberação, diz o n.° 1 do art. 397.° do CPC que ele terá de alegar que não lhe foi fornecida a referida cópia ou documento dentro do prazo de 24 horas. Se o sócio requerente não alegar isso mesmo, a providência não será decretada.
Mas se aquela alegação for feita, então a sociedade será citada para contestar com a cominação de que a contestação não será recebida se não vier acompanhada da cópia ou do documento em falta. E se assim for, tudo se passará como se a sociedade pura e simplesmente não tivesse contestado. Só que, embora o n ° 4 do art. 385.° do CPC estabeleça que «a revelia do requerido que haja sido citado tem os efeitos previstos no processo comum de declaração», a verdade também é que não se podem considerar confessados os factos articulados pelo autor «quando se trate de factos para cuja prova se exija documento escrito»(72)(73).
10. O requerente tem de pedir a suspensão no prazo de dez dias a contar da data da assembleia se foi regularmente convocado, ou da data em que teve conhecimento da deliberação
O prazo para se requerer a suspensão das deliberações sociais é de dez dias(74) mas o momento a partir do qual se inicia a contagem desse prazo varia consoante o requerente tenha ou não sido regularmente convocado para a assembleia(75).
Se o requerente foi regularmente convocado para a assembleia, o prazo de dez dias conta-se a partir da data da assembleia em que foram tomadas as deliberações(76). E isto quer o sócio tenha estado presente na assembleia, quer não tenha.
Mas se o requerente não foi regularmente convocado para a assembleia, o prazo conta-se da data em que teve conhecimento da deliberação(77). Se esteve presente na assembleia e aí tomou conhecimento da deliberação, é óbvio que o prazo se conta da data da assembleia também, porque foi nessa data que tomou conhecimento da deliberação.
Se foi pedida a suspensão de uma deliberação anulável, o prazo para propor a acção de anulação não se conta da data em que é proferida a sentença no procedimento cautelar. Com efeito, o prazo de 30 dias previsto no art. 58.° do CSC conta-se da data da assembleia ou do conhecimento da deliberação, pelo que a propositura do procedimento cautelar não interrompe nem suspende o prazo para interpor a acção de anulação(78).
11. Registo do procedimento
Dispõe a al. e) do art. 9.° do CRC que estão sujeitas a registo as acções de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais e os procedimentos cautelares de suspensão destas(79). Por sua vez, a al. h) do mesmo preceito acrescenta que estão sujeitas a registo as decisões finais, com trânsito em julgado, proferidas nas acções e procedimentos cautelares referidos nas alíneas anteriores, aí se incluindo, obviamente, a al. e).
Além disso, no n.° 4 do art. 15.° do mesmo CRC também se pode ler que as acções de declaração de nulidade ou anulação de deliberações sociais não terão seguimento após os articulados enquanto não for feita a prova de ter sido pedido o seu registo; nos procedimentos cautelares de suspensão de deliberações sociais, a decisão não será proferida enquanto aquela prova não tiver sido feita. E de acordo com o n.° 5 do mesmo artigo, os registos das decisões finais nas acções e procedimentos referidos no n.° 4 devem ser pedidos no prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado.
Mais adiante, na al. d) do n.° 1 do art. 70.° do CRC, também se pode verificar que é obrigatória a publicação dos actos de registo previstos na já mencionada al. h) do art. 9.°(80).
12. Citação da sociedade no procedimento cautelar
Atendendo ao teor da al. b) do n.° 4 do art. 234.° do CPC, nos procedimentos cautelares deve haver um despacho judicial a ordenar a citação. E, segundo o disposto no n.° 3 do art. 397.° do mesmo Código, após a citação da sociedade não é lícito a esta executar a deliberação(81).
Esta última foi norma introduzida com a Reforma de 1961, retomando-se então o efeito que já tinha sido previsto no § 4.° do art. 124.° do Código de Processo Comercial(82) para a notificação aí tratada. Efeito esse que tinha sido suprimido com o CPC de 1939. Mas foi a Reforma de 1995 que tornou claro que a proibição da execução tinha lugar até à decisão em primeira instância.
No entanto, se a sociedade não pode executar as deliberações após a citação que tiver lugar no procedimento cautelar de suspensão das mesmas, qual o regime dos actos que praticar em execução das deliberações? Isto é, se a sociedade executar as deliberações após a citação, os actos de execução são anuláveis, nulos ou ineficazes? Ou a citação apenas implica responsabilidade civil dos membros do órgão de administração se a decisão proferida na acção principal vier a ser favorável ao autor?
Em nosso entender, e tendo em conta a apreciação que é feita pelo julgador na altura em que elabora o despacho a ordenar a citação, esta última não antecipa os efeitos da decisão final de suspensão da deliberação(83). E, por outro lado, nada nos permite dizer que os actos praticados em execução da deliberação pela sociedade após a citação sejam, sem mais, nulos, anuláveis ou ineficazes. Com Vasco Lobo Xavier(84), entendemos que a execução pela sociedade da deliberação após a citação só implica responsabilidade dos administradores que executem a deliberação, pelos danos que causarem, se a acção principal der razão ao autor.
O n.° 3 do art. 397.° do CPC esclarece que a ilicitude da execução só se verifica até que o pedido seja julgado em primeira instância. Isto é assim, desde logo, mesmo que haja recurso do despacho que não ordene a proviência. De acordo com o disposto no art. 738.°, o agravo de despacho que não ordene a providência sobe imediatamente nos próprios autos. Por sua vez, dispõe o n.° 1 do art. 740.° que têm efeito suspensivo os agravos que subam imediatamente nos próprios autos. E por isso suspendem os efeitos da decisão recorrida. Mas não se mantêm os efeitos da citação.
13. Caducidade da providência e extinção do procedimento: os casos em que a acção principal fica parada por mais de 30 dias por negligência do requerente da providência
Vimos já quais os efeitos da citação da sociedade no âmbito do procedimento de suspensão de deliberações sociais. Discutia-se, antes da actual redacção do art. 389.° do CPC, o que deveria suceder se o requerente deixasse que a acção principal ficasse parada por mais de 30 dias por negligência sua(85). O n.° 1 do art. 382.° do CPC estabelecia, com efeito, que as providências cautelares ficariam sem efeito se a acção principal estivesse parada por mais de 30 dias por negligência do requerente. Isto é, a providência cautelar é que ficaria sem efeito, pelo que parecia que era necessário que já tivesse sido decretada a providência(86). Se ainda não tivesse sido decretada a providência, então não havia providência que ficasse sem efeito e poderia entender-se que se mantinham assim os efeitos da citação: ilicitude da execução da deliberação e responsabilidade dos membros do órgão de administração que a executassem.
Agora, o art. 389.° do CPC, no n.° 1, trata, por um lado, dos casos em que a providência caduca, e por outro, dos casos de extinção do procedimento, mesmo que não tenha sido decretada a providência. Por isso, se a acção principal estiver parada por mais de 30 dias por negligência do requerente, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca. Quando decretada, sublinhe-se. Pelo que o procedimento cautelar também pode extinguir-se pelas razões referidas antes de decretada a providência.
Tendo havido citação, a sociedade, como vimos, não pode executar a deliberação. Os membros do órgão de administração serão responsáveis pelos danos que causarem se executarem a deliberação depois da citação. Mas se o procedimento cautelar se extinguir, nomeadamente por a acção principal estar paralisada por mais de 30 dias por negligência do requerente, não parece que os efeitos da citação se mantenham(87).
14. Actos de execução praticados depois da decisão de suspensão das deliberações sociais
Após a decisão que suspende a deliberação social, não poderá a deliberação ser executada. Mas se o for, para além de se dever considerar que serão responsáveis os administradores que praticarem os actos de execução, há que perguntar se os actos em causa são válidos ou inválidos, eficazes ou ineficazes.
Para Pinto Furtado, a execução constituirá um ilícito civil, que gera responsabilidade dos executantes(88). Por sua vez, Vasco Lobo Xavier considerava que, no plano interno, os actos de execução seriam ineficazes e, no plano externo, tudo dependia do momento em que o acto tivesse sido praticado (se antes ou depois do registo da decisão).
Quanto a este último plano, Taveira da Fonseca entendeu justificar-se aqui a aplicação por analogia do disposto no n.° 2 do art. 61.° do CSC. Assim, e quanto a terceiros, a suspensão «só será oponível quando se demonstre o conhecimento efectivo da nulidade ou anulabilidade, não bastando a prova que a pendência da providência e o teor da decisão foram publicitados pelo registo». E acrescenta: «Na verdade, se, em face da actual solução legal, a oponibilidade da decisão definitiva depende do vício da anulabilidade ou da nulidade da deliberação serem ou não do conhecimento efectivo e não presumido do terceiro, afigura-se que idêntico terá de ser o entendimento em relação a uma decisão provisória, como é a proferida no procedimento cautelar.
Parece, no entanto, que, atendendo ao que se pretende com a providência cautelar em causa (obstar ao periculum in mora do processo principal, evitar os prejuízos que possam resultar das delongas do processo principal), estar a exigir um conhecimento efectivo da invalidade pelo terceiro para que a decisão de suspensão lhe fosse oponível seria contraditório(89). A aplicação do disposto no n.° 2 do art. 61.° do CSC justificar-se-ia se houvesse lacuna. Mas, quanto aos actos de execução da deliberação que ponham a sociedade em relação com terceiros, há que ter em conta os termos em que a decisão de suspensão da execução é oponível a terceiros. E esses termos são, a nosso ver, os que estão definidos no art. 168.° do CSC: este preceito é que nos diz quando é que é oponível a terceiros a decisão pela qual a deliberação deve ser «considerada como desprovida dos efeitos a que aparece endereçada (fosse ou não susceptível de os produzir) até à sentença a pronunciar no processo principal». Isto só tem verdadeiramente interesse, quanto aos actos praticados em execução da deliberação, se esta for mesmo declarada nula ou ineficaz, ou se vier a ser anulada. Sendo a decisão de suspensão oponível aos terceiros, tudo se passará, em relação a eles e em relação aos actos de execução, como se a deliberação não tivesse os efeitos «a que aparece endereçada».
Deve ainda ter-se em conta que a parte final do n.° 2 do art. 61.° do CSC trata dos casos em que a boa fé dos terceiros deve ser considerada excluída: não diz que só nesses casos é que é oponível a terceiros a decisão que declara a nulidade ou anula a deliberação. Mais: o preceito só parece ter sentido justamente quanto aos actos praticados antes de a referida decisão se tornar oponível a terceiros. Em nosso entender, o preceito trata da eficácia da decisão que declara a nulidade ou anula a deliberação em relação a actos praticados antes de a decisão referida se tornar oponível a terceiros. Por isso, não tem sentido a aplicação por analogia do preceito em causa quando se pretende saber em que termos é que a decisão que suspende a deliberação é oponível a terceiros que adquirem direitos com fundamento em actos praticados após a referida decisão de suspensão.
O que se revela mais difícil é saber qual é a posição dos terceiros que, não tendo conhecimento da nulidade ou da anulabilidade, adquirem direitos com fundamento em actos praticados em execução de uma deliberação suspensa nos casos em que a decisão que suspendeu a deliberação é já oponível a terceiros. Quanto aos actos praticados após o momento em que se torna oponível a terceiros a decisão de suspensão de deliberação social, deve sublinhar-se que por essa decisão a deliberação deve ser «considerada como desprovida dos efeitos a que aparece endereçada (fosse ou não susceptível de os produzir) até à sentença a pronunciar no processo principal». É isso que se torna oponível a terceiros, e não a declaração de nulidade ou a anulação, que não tiveram lugar no procedimento cautelar.
Claro está que, após o momento em que se considera oponível a terceiros a decisão proferida no procedimento cautelar de suspensão de deliberação social, o terceiro ainda pode ignorar a invalidade da deliberação. E é esse conhecimento que exclui a boa fé do terceiro. Mas cabe aqui perguntar se terá sentido a aplicação do disposto no n.° 2 do art. 61.° do CSC quando o acto de execução é praticado após o momento em que a decisão de suspensão é oponível a terceiros. A solução mais razoável parece ser a negativa.
Ora, sendo oponível a terceiros a decisão que suspende a deliberação social, e vindo a ser declarada nula ou anulada a deliberação, o tratamento a dar a cada acto de execução praticado após o momento em que a decisão de suspensão é oponível a terceiros dependerá das consequências que, para o acto de execução, tenha a falta de uma válida deliberação social de que aquele acto constituía a execução.
Assim, por exemplo, nos casos em que a decisão de suspensão de deliberação social que designou os administradores de uma sociedade anónima é oponível a terceiros, considera-se que, se a deliberação é suspensa, «a pessoa colectiva não estará devidamente representada pelos administradores através daquela nomeados»(90). Os actos de representação que esses administradores pratiquem deverão, por isso, ser considerados ineficazes em relação à sociedade se foram praticados após a decisão de suspensão da deliberação se ter tornado oponível a terceiros. Isto é assim «se a acção anulatória vier a ser julgada procedente», pois «tal sentença elimina ex tunc os efeitos da deliberação, que até aí se encontravam unicamente paralisados por virtude da medida cautelar»(91). E aquilo é assim também quando seja declarada a nulidade da deliberação.
Deve ainda ter-se em conta que o art. 391.° do CPC estabelece actualmente que incorre na pena do crime de desobediência qualificada todo aquele que infrinja a providência cautelar decretada, sem prejuízo das medidas adequadas à sua execução coerciva. E o n.° 1 do art. 392.° do CPC manda aplicar aos procedimentos cautelares nominados as disposições relativas ao procedimento cautelar comum.
Sobre este último preceito, escreveu Lopes do Rego que «a decisão que decreta uma providência cautelar, qualquer que seja o seu conteúdo, mais do que a mera composição provisória do litígio, contém ínsita a ordem ou injunção do juiz ao destinatário ou destinatários da providência para que adoptem certo comportamento, activo ou omissivo».
Notas:
(1) O texto que se segue foi elaborado pelo Autor para a realização de uma conferência proferida em 27 de Outubro de 2000 e integrada nas Jornadas de Direito das Sociedades que o Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados organizou. Foram introduzidos alguns aditamentos e uma ou outra nota de pé de página.
(2) São deste diploma todas as normas referidas sem indicação em contrário.
O CSC não trata do procedimento em causa, embora o refira nos seus arts. 31.° e 282.°. As referências feitas a decisões judiciais sem indicação de local de publicação dizem respeito a Acórdãos ou Sumários que constam das Bases de dados da DGSI. (www.dgsi.pt)
(3) O tema que nos propomos aqui tratar foi já objecto da atenção de alguns dos nossos mais conceituados juristas: cfr., por exemplo, BARBOSA DE MAGALHÃES, «Suspensão de deliberações sociais», GRL, 24.°, 1910-1911, p. 81 e ss.; MANUEL DE ANDRADE/FERRER CORREIA, «Suspensão e anulação de deliberações sociais», RDES, 1947, III, p. 329 e ss.; ALBERTO PIMENTA, «Suspensão e anulação de deliberações sociais», RT, 1964, 82.°, p. 147 e ss.; VASCO LOBO XAVIER, «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», RDES, 1975, XXII, p. 195 e ss.; ID., «Suspensão de deliberações sociais ditas “já executadas”», RLJ, 1990-1991, 123.°, p. 375 e ss.; MOUTINHO DE ALMEIDA, Anulação e suspensão de deliberações sociais, 2.a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1990; PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, Almedina, Coimbra, 1993; TAVEIRA DA FONSECA, «Deliberações sociais: suspensão e anulação», Textos, Separata, 1994. Da nossa autoria, veja-se o estudo «O procedimento cautelar de suspensão da deliberação social pela qual foram designados os administradores de uma sociedade anónima: breves considerações sobre a posição dos terceiros», ROA, 1998, 58.°, III, p. 1384 e ss.. Sobre os procedimentos cautelares em geral, cfr., por todos, ALFREDO SOVERAL MARTINS, Processo e direito processual. Noções complementares, Centelha, Coimbra, 1980, p. 147 e ss.
(4) No Código Comercial de 1888, havia uma alusão ao referido procedimento no art. 186.° («Todo o accionista tem direito de protestar contra as deliberações tomadas em oposição às disposições expressas na lei e nos estatutos, e poderá requerer ao respectivo juiz presidente do tribunal de comércio a suspensão da execução de tais deliberações, com prévia notificação dos directores»), e na Lei Sociedades por Quotas, de 11 de Abril de 1901, também se podia encontrar uma referência à suspensão de deliberações sociais no seu art. 46.° («§ 2.° — A suspensão das deliberações deve ser requerida no prazo de cinco dias a contar do protesto, devendo produzir-se o instrumento deste ou cópia legal, e justificar-se a qualidade de sócio»). No Código de Processo Civil de 1939, esta matéria estava regulada nos arts. 403.° e 404.°, no âmbito dos processos preventivos e conservatórios. Também o Código de Processo Comercial de 1905 previa a possibilidade de suspensão das deliberações nos arts. 124.° e 125.° como processo especial, mas o mesmo era entendido como um acto preparatório da acção de anulação das deliberações sociais. Nos Códigos de Processo Comercial de 1895 e 1896, igualmente se previa nos arts. 115.° e 116.° a possibilidade de suspensão de deliberações. O Código de Processo Comercial de 1895 foi aprovado pelo Decreto Ditatorial de 24 de Janeiro daquele ano, decreto que foi submetido à sanção parlamentar, que o converteu na Lei de 13 de Maio de 1896. Sobre estas andanças, escrevia BARROSA DE MAGALHÃES, Código Completo do Processo Comercial, II, Livraria de António Maria Pereira, Lisboa, 1897, p. 297, em nota, o seguinte: «Adoptou d’esta feita o parlamento um modo original de confirmar alguns actos da dictadura. Em vez de os approvar com as modificações que julgasse convenientes, e de os considerar, portanto, vigentes desde a sua promulgação, converteu-os em lei, como se nunca o houvessem sido, e assim os tornou a publicar sem lhes fazer referncia, e sem attender aos effeitos que já haviam produzido. Temos por esta forma dois diversos Códigos de processo commercial e não um só ratificado pelas côrtes (…)».
(5) Os estatutos integram o contrato de sociedade, mas não se confundem com este (cfr. COUTINHO DE ABREU, Curso de direito comercial, vol. II, Das sociedades, Almedina, Coimbra, 2001, p. 98). Como o contrato de sociedade deve ser celebrado por escritura pública, os estatutos até podem ficar a constar de documento complementar (cfr. o n.° 2 do art. 64.° do Código do Notariado). Em Itália, a distinção entre acto constitutivo e estatuto faz-se considerando que o primeiro contém a manifestação da vontade de constituir a sociedade e os elementos essenciais para tal e o segundo as regras relativas à organização, funcionamento e dissolução (cfr. DI SABATO, Manuale delle società, 4.a ed., UTET, Torino, 1992, p. 243 e ss.). Não há por isso uma separação rígida entre um e outro, podendo ler- se no art. 2328.° do Codice Civile que «lo statuto contenente le norme relative al funzionamento della societá, anche se forma oggetto di atto separato, si considera parte integrante dell’atto costitutivo e deve essere a questo allegato». Para mais desenvolvimentos, veja-se o nosso estudo Os poderes de representação dos administradores de sociedades anónimas, Coimbra, Coimbra Editora/Boletim da Faculdade de Direito, 1998, p. 194, nota 359.
(6) Contra a possibilidade de recurso à providência de suspensão para deliberações nulas, cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, I, cit., p. 675 («a suspensão é um acto preparatório da acção de anulação; segue-se daí que a providência preventiva e preparatória só pode ter lugar nos casos em que a acção anulatória é admissível»); MANUEL DE ANDRADE/FERRER CORREIA, «Suspensão de deliberações sociais e direitos individuais dos accionistas», cit., p. 66.
(7) ALBERTO PIMENTA, «Suspensão e anulação de deliberações sociais», cit., p. 445, nota 173, defendia que «o pedido de suspensão das deliberações só pode ser formulado como acto preparatório da acção de impugnação prevista no art. 146.° do Cód. Com.»).
A favor da possibilidade de suspensão de deliberações nulas, cfr. o Ac. STJ de 20/03/1962, BMJ, 115.°, p. 541 (que admite também a suspensão de deliberações inexistentes) e o Ac. STJ de 21/12/1976, BMJ, 262.°, p. 168.
(8) «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 57.
(9) Assim também o Ac. RP de 11/3/96, CJ, 1996, II, p. 191, e o Ac. RL de 3/10/1996, Proc. n.° 101072. Na Itália, GALGANO, Le società di capitali e le cooperative, Cedam, Padova, 2.a ed., 1994, p. 190, também sustentou, a propósito do art. 2378/4 do Codice Civile, que «la norma, se non se ne vuole frustrare la finalitá proprio in relazione al casi piú rilevanti, deve essere riferita alla efficacia della deliberazione».
(10) «Suspensão de deliberações sociais ditas “já executadas”», cit., p. 376. No mesmo sentido, VAZ SERRA, Anotação ao Ac. STJ de 21/12/76, RLJ, 110.°, p. 371.
(11) VASCO LOBO XAVIER, «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 212 e ss.
(12) Outros argumentos foram também apresentados por VASCO LOBO XAVIER, no estudo «Conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», p. 247 e ss., que merecem ser lidos no lugar onde foram produzidos com desenvolvimento.
(13) «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 247.
(14) «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 248.
(15) É esta a opinião de PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 473 e ss.
(16) Veja-se que isto é bem diferente do que se diz no art. 76.° da LPTA: aí se trata da suspensão da eficácia do acto recorrido, dizendo que isso é possível quando a execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação.
(17) Esta norma tem uma redacção diferente da que fora dada ao art. 403.° do CPC de 1939, pois nesta última apenas se dizia que se podia requerer a suspensão da deliberação. No entanto, o art. 186.° do Código Comercial já estatuía que todo o accionista podia requerer a suspensão da execução das deliberações tomadas em oposição às disposições expressas da lei e dos estatutos.
(18) No mesmo sentido, PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 479.
(19) «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 250 (itálico no original). Veja-se que só entendendo daquela forma o conteúdo da providência é que se poderá sustentar que a providência suspende a eficácia da deliberação. Daí que não se compreenda muito bem como é que TAVEIRA DA FONSECA, «Deliberações sociais: suspensão e anulação», cit., p. 15, defende que por um lado a providência cautelar de suspensão de deliberação social pode ser aplicada tanto no caso de deliberações anuláveis, como nulas e ineficazes, e por outro considere que a providência suspende a eficácia da deliberação.
(20) Sobre a possibilidade da aplicação da providência às deliberações nulas e ineficazes, em sentido afirmativo, cfr. o Ac. STJ de 20/3/1962, BMJ, 115.°, p. 541, o Ac. STJ de 21/12/1976, BMJ, 262.°, p. 168, o Ac. STJ de 10/4/1984, BMJ, 336.°, p. 442 (é o que parece resultar do Acórdão), o Ac. RL de 3/10/95, CJ, IV, p. 103, PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 466, TAVEIRA DA FONSECA, «Deliberações sociais: suspensão e anulação», cit., p. 93, e CARLOS OLAVO, «Impugnação de deliberações sociais», CJ, 1988, III, p. 21. Na Itália, GALGANO, Le società de capitali e le cooperative, 2.a ed., Padova, 1994., p. 190, nota 34, também sustenta a possibilidade de suspensão da execução de deliberações nulas e anuláveis.
(21) Em sentido diverso, cfr. o Ac. STJ de 20/3/1962, BMJ, 115.°, p. 541, PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 467, e ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, IV, Almedina, Coimbra, p. 74.
(22) VASCO LOBO XAVIER tratou o tema em Anulação de deliberação social e deliberações conexas, cit., p. 196, nota 94, referindo-se a outros casos em que a doutrina e a jurisprudência se dividiram quanto à caracterização do vício da deliberação. Deliberação inexistente seria desde logo aquela em que não-sócios deliberam sobre assuntos da sociedade. Outros casos seriam mais duvidosos, mas a maior parte daqueles que a doutrina estrangeira tratava como exemplos de deliberações inexistentes tem hoje diferente tratamento entre nós, face ao regime consagrado no CSC. Assim: a) a falta de convocação de assembleia conduz à nulidade das deliberações tomadas na assembleia, a não ser que todos os sócios tenham estado presentes ou representados; b) a falta de quórum constitutivo conduzirá em princípio à anulabilidade da deliberação que se considere tomada, o mesmo valendo para a falta de quórum deliberativo se se revela exteriormente algo que possa considerar-se uma deliberação positiva (se nem sequer se revela exteriormente algo que se possa configurar como deliberação positiva, então a deliberação positiva não existe: cfr. VASCO LOBO XAVIER, «Regime das deliberações sociais no Projecto de Código das Sociedades», Temas de direito comercial, Almedina, Coimbra, 1986, p. 16); c) quanto à falta de acta, o n.° 1 do art. 63.° do CSC parece revelar que não acarreta inexistência.
(23) «Regime das deliberações sociais no Projecto de Código das Sociedades», cit., p. 15 e ss.
(24) Sociedades por quotas, II, Almedina, Coimbra, 1996, p. 247.
(25) CJ, III, p. 36.
(26) Contra, PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 467. Interessa referir que, actualmente o n.° 3 do art. 392.° do CPC estabelece que «o tribunal não está adstrito à providência concretamente requerida (…)». Quanto a este preceito, escreveu LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1999, p. 288, que «cumpre, pois, ao juiz corrigir, mesmo oficiosamente, o erro na forma de processo, consistente em se requerer procedimento cautelar comum quando a situação é subsumível aos pressupostos de determinado procedimento nominado, ou vice-versa, bem como em ter-se requerido um destes, quando seja legalmente aplicável outro à hipótese “sub juditio”». Contudo, o procedimento cautelar comum só pode ser utilizado por quem tenha o receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito. Ao seu direito.
O sócio já não poderá utilizar o procedimento cautelar comum para procurar evitar uma lesão de um direito da sociedade. Os exemplos de que VASCO LOBO XAVIER, «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 240, 242 e 247, lança mão, parecem demonstrar que nem sempre será possível recorrer ao procedimento comum nos casos que ficarão de fora do âmbito de aplicação da providência de suspensão de deliberações sociais se esta for apenas uma suspensão da execução.
(27) Cfr., por exemplo, o Ac. RC de 1/6/1982, CJ, 1982, III, p. 45, e o Ac. RC de 14/7/1987, RLJ, 123.°, p. 371 e ss.
(28) Cfr. o Ac. RC de 1/6/1982 citado e o Ac. RC de 13/6/1989, BMJ, 388.°, p. 615.
(29) O STJ entendeu já que se poderia ainda falar, nalguns casos, de deliberações de execução permanente (cfr. o Ac. STJ de 13/4/1962, BMJ, 116.°, p. 506) e que mesmo que a execução se tenha dado, pode a deliberação ser suspensa se continuar a produzir efeitos danosos (Acs. de 12/11/1987, BMJ, 371.°, p. 378, de 6/6/91, BMJ, 408.°, p. 445, e de 16/5/95, CJ, 1995, II, p. 87).
(30) «…e é então que surge a ideia de execução, que se situa já no plano das realidades sensíveis, no mundo dos factos que se inserem no quadro do Sein. Tem-se, realmente, como tal, a prática de actos de realização material dos efeitos jurídicos» (Deliberações dos sócios, cit., p. 478).
(31) «Suspensão de deliberações sociais ditas “já executadas”», cit., p. 380.
(32) Que reza assim: «a anulação das deliberações da assembleia não prejudica os direitos que terceiro de boa fé haja adquirido em execução das deliberações anuladas».
(33) Anulação de deliberação social e deliberações conexas, Atlântida, Coimbra, 1976, p. 427, nota 76 (e seguindo a opinião de MIGNOLI, «Invalidità di deliberazioni assembleari di società per azioni e diritti dei terzi», Riv. Dir. Comm., 1951, I, p. 314 e ss. quanto ao art. 2377 do Codice Civile).
(34) VASCO LOBO XAVIER, «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 224 e ss., distinguia várias possibilidades. Quanto às deliberações que continham uma ordem ou directiva aos administradores, havia que colocar de um lado os casos em que mesmo sem a deliberação os administradores teriam competência para o acto e, do outro, os casos em que os administradores não teriam essa competência; quanto aos primeiros, passavam os administradores a estar obrigados a praticar o acto; quando aos segundos, ficavam os administradores não só obrigados, mas também com poderes para a prática do acto. O referido Professor faz ainda referência aos actos complementares que os administradores sociais estão obrigados a praticar para que se venha a produzir o efeito da deliberação, actos esses que são ainda um efeito da deliberação (e a que chama efeitos laterais ou secundários) e aos actos em que se traduz a actuação dos mesmos administradores em cumprimento do «dever de se conduzirem em conformidade» com a deliberação (efeitos reflexos da deliberação). A distinção mantém o seu interesse, mas deve ser lida tendo em conta os termos em que o CSC regula a distribuição de competências entre os órgãos da sociedade (sobre o tema, cfr. PEDRO MAIA, «Tipos de sociedades comerciais» e «Deliberações dos sócios», em PEDRO MAIA/ELISABETE RAMOS/ALEXANDRE SOVERAL MARTINS/PAULO DE TARSO DOMINGUES, (sob a coordenação de COUTINHO DE ABREU), Estudos de direito das sociedades, 4.a ed., Almedina, Coimbra, 2001, respectivamente p. 20 e ss. e p. 178 e ss.
(35) RLJ, 123.°, p. 371, e CJ, 1987, IV, p. 82. Em sentido diferente, Ac. RP de 12/4/87, CJ, XII, V, p. 101; RL, 11/3/80, CJ, V, II, p. 189 ; RE, 19/1/79, CJ, IV, I, p. 184. Também no Ac. RP de 12 de Fevereiro de 1996, Proc. n.° 9551089, se pode ler o seguinte: «Pode ser objecto de providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, a deliberação que elege os corpos sociais porquanto o mesmo é de execução continuada ou permanente, não se podendo considerar desde logo executada». Para a Itália, cfr. ZAGANELLI, «Sulla sospensione di delibere di nomina di amministratori di società per azioni e cooperative», anotação às decisões do Tribunal de Avezzano de 19 de Julho de 1974 e do Tribunal de Chieti de 23 de Outubro de 1975, Giur Comm., 3.°, 1976, II, p. 369.
(36) A deliberação de amortização de quota não é alteração do contrato de sociedade. Essa a opinião também de FERRER CORREIA, «A sociedade por quotas de responsabilidade limitada segundo o CSC», Temas de direito comercial e direito internacional privado, Almedina, Coimbra, 1989, p. 164. Mas há também autores com opinião diferente: cfr. PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 491, e BRITO CORREIA, Direito Comercial, 2.° vol., Sociedades comerciais, AAFDL, Lisboa, 1989, p. 427 e s.
(37) «Suspensão e anulação de deliberações sociais», RDES, III, 1947-48, p. 381.
(38) «Conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 253, nota 84.
(39) Direito Comercial, IV, p. 302. No mesmo sentido, ANTUNES VARELA, Manual de processo civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, 2.a ed., p. 25, e ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, cit., p. 87.
(40) Na Itália, também era essa a opinião sustentada por GALGANO, Le società di capitali e le cooperative, cit., p. 190, nota 34.
(41) Cfr. o n.° 1 do art. 53.° do CSC.
(42) A Lei Sociedades por Quotas de 1901, no seu art. 46.°, já admitia a suspensão de deliberações por escrito.
(43) Sobre as diferenças entre deliberações tomadas em assembleia geral convocada e em assembleia universal, cfr. PEDRO MAIA, «Deliberações dos sócios», in PEDRO MAIA/ELISABETE RAMOS/ALEXANDRE SOVERAL MARTINS/PAULO DE TARSO DOMINGUES, Estudos de direito das sociedades, cit., p. 174 e ss.
(44) N.° 1 do art. 59.° do CSC. Sobre o sentido deste preceito, cfr. PEDRO MAIA, «Deliberações dos sócios», in PEDRO MAIA/ELISABETE RAMOS/ALEXANDRE SOVERAL MARTINS/PAULO DE TARSO DOMINGUES, Estudos de direito das sociedades, cit., p. 205. Quanto às deliberações ineficazes, há que ter em conta ainda o disposto no art. 55.° do CSC, em que se pode ler que «as deliberações tomadas sobre assunto para o qual a lei exija o consentimento de determinado sócio são ineficazes para todos enquanto o interessado não der o seu acordo, expressa ou tacitamente». E as deliberações unânimes por escrito são… deliberações unânimes.
(45) Cfr. Código de Processo Civil anotado, I, p. 676.
(46) Dos procedimentos cautelares, cit., p. 36.
(47) RLJ, 79.°, p. 139. Naquela decisão entendeu o STJ que os sócios teriam de levar a deliberação dos administradores à assembleia para que esta última deliberasse sobre o assunto.
(48) Direito Comercial, vol. IV, cit., p. 302.
(49) CJ, 1991, V, p. 73 e ss.
(50) Citado por TAVEIRA DA FONSECA, «Deliberações sociais: suspensão e anulação», cit., p. 21.
(51) CJ, 1993, IV, p. 149.
(52) BMJ, 390.°, p. 394.
(53) Deliberações dos sócios, cit., p. 465.
(54) CJ, 1989, I, p. 131.
(55) «Deliberações sociais: suspensão e anulação», cit., p. 21 e ss.
(56) Nesse sentido, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Comercial, IV, cit, p. 302.
(57) Qualquer que seja a solução que se adopte, é óbvio que só se poderá admitir a suspensão de deliberações de outros órgãos se se admitir também uma acção principal para impugnar a deliberação desse outro órgão.
(58) No mesmo sentido, Ac. STJ de 20/5/1997, CJ/STJ, 1997, II, p. 99.
(59) PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 430, 497 e 501; Ac. STJ de 20/5/97, CJ, 1997, II, p. 101.
(60) No mesmo sentido, PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 357.
(61) N.° 1 do art. 59.° do CSC.
(62) Seguem esse caminho o Ac. RL de 12/11/87, CJ, 1987, V, p. 101, o Ac. RL de 3/10/95, CJ, IV, p. 103, e o Ac. RC de 19/12/89, CJ, XIV, 5, p. 64. A mesma opinião tem TAVEIRA DA FONSECA, «Deliberações sociais: suspensão e anulação», cit., p. 27.
(63) Cfr. Ac. STJ de 16/5/95, CJ, 1995, II, p. 87.
(64) Cfr. VASCO LOBO XAVIER, «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 215, e o Ac. RL de 3/10/95.
(65) Mas já no Ac. STJ de 28/11/1996, Proc. n.° 96B600, se entendeu que dano apreciável era dano irreparável.
(66) CJ, 1997, II, p. 101.
(67) Sobre o tema, cfr. ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil anotado, I,
p. 678.
(68) Diferente será a nossa posição quanto aos documentos de que constem as deliberações por escrito: esse documento será a forma da deliberação (PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 674, que considera que se falta esse documento o tribunal não pode conhecer o pedido).
(69) Retirámos a citação de NOGUEIRA SERENS, Notas sobre sociedades anónimas, 2.a ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, p. 54.
(70) «A documentação das deliberações sociais no Projecto do Código das Sociedades», Revista do Notariado, 1986, p. e ss.
(71) Em sentido próximo, BRITO CORREIA, Direito comercial, 3.° vol., AAFDL, Lisboa, 1992, p. 348: «a falta de acta da assembleia faz com que não se possam provar as deliberações nela tomadas (art. 63.°, n.° 1), o que impede a produção dos seus efeitos — ou de alguns deles, pelo menos — mas não põe em causa, em regra, a sua existência ou validade».
(72) Al. d) do art. 485.° do CPC.
(73) Tendo em conta o teor do n.° 1 do art. 63.° do CSC e o disposto no art. 364.° do Código Civil, é fácil concluir que o legislador poderia e deveria ter sido mais claro. Diz o n.° 1 do art. 63.° do CSC que «as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem». Este preceito coloca o intérprete perante sérias dificuldades, na medida em que há que determinar as consequências que resultam de não constar dos autos a acta ou o documento em causa. E isto tanto no que diz respeito à providência cautelar de suspensão de deliberação social como relativamente às acções de declaração de nulidade ou de ineficácia ou ainda às de anulação. Quanto às deliberações anuláveis, dispõe o n.° 4 do art. 59.° do CSC que «a proposição da acção de anulação não depende de apresentação da respectiva acta, mas se o sócio invocar impossibilidade de a obter, o juiz mandará notificar as pessoas que, nos termos desta lei, devem assinar a acta, para a apresentarem no tribunal, no prazo que fixar, até 60 dias, suspendendo a instância até essa apresentação». Não existe um preceito idêntico para as acções de declaração de nulidade ou de declaração de ineficácia, como não existe também para os procedimentos de suspensão de deliberações sociais. Para VASCO LOBO XAVIER, «O início do prazo da proposição da acção anulatória de deliberações sociais e o funcionamento da assembleia geral repartido por mais do que um dia», cit., p. 332, se a acta, mesmo depois do prazo fixado pelo juiz, não constar do processo, a acção de anulação não poderá prosseguir (embora o autor manifestasse dúvidas sobre se seria esta a solução correcta quando se tratasse de uma deliberação anulável devido a vício de procedimento anterior à sessão). BRITO CORREIA, Direito comercial, 3.° vol., cit., p. 349, defende, por seu lado, que se a acta não é apresentada nos casos previstos no n.° 4 do art. 59.° do CSC, o juiz não pode considerar válida a deliberação, pois nem sequer terá sido feita prova da sua existência. Consequentemente terá de decretar a anulação. Solução que se afigura um pouco estranha, na medida em que se estará a anular algo cuja existência não se provou. Por sua vez, PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 674, sustenta que deve ter lugar uma interpretação restritiva do n.° 1 do art. 63.° do CSC: a acta será indispensável para a demonstração da validade e eficácia da deliberação, mas dispensável para obter a sua anulação. Mais recentemente, ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, cit., p. 86, escreveu, a propósito do procedimento de suspensão de deliberações sociais, que com a falta de apresentação da acta pela sociedade «deve considerar-se invertido o ónus da prova, nos termos do art. 344.°, n.° 2, do CC, assumindo-se a existência da deliberação social nos termos configurados pelo requerente, restando ao juiz proceder à respectiva subsunção normativa». Solução que, no entanto, levanta algumas dúvidas, desde logo porque uma coisa é a prova de que houve uma deliberação, e outra a prova do teor da deliberação.
(74) O prazo referido é de caducidade: cfr. o Ac. RP de 5/1/1998, Proc. n.° 9751150, e ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, cit., p. 77. O tribunal competente, nos termos do disposto na al. d) do n.° 1 do art. 89.° da Lei de organização e funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei 3/99, de 13 de Janeiro; na referida al. d) pode ver-se que a lei preferiu falar agora de “acções” de suspensão de deliberações sociais), será o tribunal de comércio, onde o houver. Vejam-se ainda a al. c) do art. 83.° e o n.° 2 do art. 86.°, ambos do CPC.
(75) Este prazo vale também quando se pretende obter a suspensão de deliberações nulas e ineficazes. O que está em causa no procedimento cautelar é afastar o periculum in mora. Mas para que o sócio possa alcançar este objectivo, deverá agir com rapidez. E não se vê por que razão é que o sócio poderá ser mais lento quando a deliberação é nula ou ineficaz.
(76) Se a convocatória foi enviada por carta registada para a morada correcta mas o sócio se recusou a receber, o prazo para pedir a suspensão deve contar-se da data da assembleia e não da data em que o sócio tomou conhecimento da deliberação (Ac. RC de 28/4/98, BMJ, 476, 1998, p. 499). Quando tenha ocorrido interrupção da assembleia, o prazo de dez dias contar-se-á da data da reunião em que a deliberação foi tomada.
(77) Nos casos em que o requerente não foi regularmente convocado, poderá perguntar-se se tem de ter conhecimento de tudo o que foi deliberado para que o prazo comece a correr. No Ac. RL de 22/11/90, CJ, V, p. 125, relatado por CARDONA FERREIRA, entendeu--se que o prazo começava a correr mesmo que não houvesse um conhecimento exacto e formal das deliberações. Houve assim uma presunção judicial retirada do facto de haver documento comprovativo de que os requerentes souberam no próprio dia que tinha havido assembleia e qual a ordem do dia.
(78) Cfr. tb., no mesmo sentido, tendo obviamente em conta as soluções que as leis então consagravam, PALMA CARLOS, «Prazo para requerer a anulação de deliberações sociais, quando se haja requerido a suspensão», RT; 62.°, p. 212; ALBERTO DOS REIS, «Acção de anulação de deliberações sociais», RLJ, 78.°, p. 364; BAPTISTA LOPES, Dos procedimentos cautelares, cit., p. 42; VASCO LOBO XAVIER, «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», p. 71, nota 104; MOITINHO DE ALMEIDA, Anulação e suspensão de deliberações sociais, cit., p. 55; TAVEIRA DA FONSECA, Deliberações sociais: suspensão e anulação, cit., p. 39; AC. RL de 20/10/1981, BMJ, 315.°, p. 309; contra, PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 509; Ac. RL de 11/3/1980, CJ, 1980, II, p. 190.
(79) No referido normativo nada se diz quanto às acções de declaração de ineficácia.
(80) Sendo a decisão proferida no procedimento cautelar de suspensão de deliberação social um acto relativo à sociedade, parece valer aqui a regra contida no n.° 3 do art. 168.° do CSC: «a sociedade não pode opor a terceiros actos cuja publicação seja obrigatória sem que esta esteja efectuada, salvo se a sociedade provar que o acto está registado e que o terceiro tem conhecimento dele». «Dele», acto, e não «dele», registo. Tal é a interpretação que maior correspondência tem na letra da lei. Além disso, é também o sentido que coincide com aquilo que resulta do n.° 5 do art. 3.° da Primeira Directiva sobre Direito das Sociedades (Directiva de 9 de Março de 1968, n.° 68/151 CEE, cujo texto actualizado pode ser consultado na nossa Colectânea de Directivas Comunitárias sobre Direito das Sociedades, Fora do Texto, Coimbra, 1999): «os actos e as indicações não são oponíveis a terceiros pela sociedade antes de efectuada a publicação referida no n.° 4, excepto se a sociedade provar que esses terceiros tinham conhecimento deles» («deles», actos e indicações). Por último, diga-se ainda que, se o regime que regula a publicidade dos actos sociais foi pensado para proteger terceiros, essa tutela deve cessar quando se faça prova de que o terceiro tinha conhecimento do acto, não sendo razoável pensar que só terminará quando se faça antes a prova de que tinha ele conhecimento do registo.
(81) Tenha-se em atenção que é a sociedade que não pode executar a deliberação. No dizer de VASCO LOBO XAVIER, o preceito em causa «tem claramente por fim prevenir, numa cena medida, o periculum in mora do próprio processo cautelar de suspensão» (cfr. «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 276; veja-se tb. o Projecto de revisão do Código de Processo Civil, I, Lisboa, 1958, p. 112).
(82) Sobre as diferenças entre a redacção do art. 1 24.° de 1895 e a de 1896, cfr. BARBOSA DE MAGALHÃES, Código de Processo Comercial anotado, vol. 2.°, 3.a ed., Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1912, p. 70.
(83) Para JACINTO RODRIGUES BASTOS, Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, Lisboa, 1966, p. 258, «a citação produz, desde logo, suspensão preventiva, que opera até à decisão definitiva do procedimento». PINTO FURTADO, em Deliberações dos sócios, cit., p. 504, defendeu que os efeitos da citação são os mesmos da suspensão, i.é, a responsabilização dos membros do órgão de administração que executam a deliberação. No mesmo sentido se pronunciaram OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito comercial IV, cit., p. 304 («o requerente obtém, logo com a citação, o efeito que obteria se a providência fosse julgada procedente»), e CARLOS OLAVO, «Impugnação de deliberações sociais», CJ, 1988, III, p. 30 («a citação da sociedade para o procedimento produz, desde logo, suspensão preventiva da execução da deliberação impugnada, que opera até à decisão definitiva desse procedimento»; e acrescenta o autor, na nota 76, que «na providência de suspensão, ao invés do regime geral dos procedimentos cautelares, há sempre a audiência da requerida previamente à decisão. Às maiores garantias que assim se oferecem à sociedade, correspondem maiores garantias ao requerente da providência, pela antecipação do efeito final do procedimento cautelar logo com a citação da sociedade»).
(84) «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 195; e «Suspensão de deliberações sociais ditas “já executadas”», cit., p. 377.
(85) No Ac. RL de 22/11/90, CJ, V, p. 127, entendeu-se que a suspensão caducava devido à negligência do requerente em promover o andamento do processo principal. No Ac. STJ de 8/11/1994, Proc. n.° 87232, considerou-se que «as providências cautelares ficam sem efeito se o requerente, tendo proposto a acção de que forem dependência, deixar parada esta durante mais de trinta dias, por sua negligência em promover os respectivos termos».
(86) Nesse sentido, VASCO LOBO XAVIER, «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 104; TAVEIRA DA FONSECA, «Deliberações sociais: suspensão e anulação», cit., p. 42 e s.; na jurisprudência, pronunciou-se em sentido diverso o
Ac. RL de 22/11/1990, CJ, 1990, V, p. 125. Claro que, se se entendia que a citação antecipava os efeitos da decisão final do procedimento, então com a citação já havia providência.
(87) O problema tratado no texto não se confunde com um outro que também merece alguma atenção. Como é sabido, a providência caduca se o requerente não propuser a acção da qual a providência depende dentro de 30 dias, contados da data em que lhe tiver sido notificada a decisão que a tenha ordenado. Ora, quanto às acções de anulação de deliberação dos sócios, o prazo para a proposição da acção de anulação é de 30 dias contados da data em que foi encerrada a assembleia geral, da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação, se esta incidir sobre o assunto que não constava da convocatória ou do 3.° dia subsequente à data do envio da acta da deliberação por voto escrito (cfr. o n.° 2 do art. 59.° do CSC). Tendo sido pedida a suspensão da deliberação anulável, ainda
assim, o requerente terá de respeitar estes últimos prazos, não podendo aguardar sem mais pela notificação da decisão que ordenar a providência (neste sentido, ABRANTES GERALDES, Temas da reforma do processo civil, p. 93; cfr. também, com grande desenvolvimento e por todos, quanto à al. a) do n.° 1 do art. 382.°, na redacção anterior a 1995, VASCO LOBO XAVIER, Anulação de deliberação social e deliberações conexas, cit., p. 94 e ss., em nota, que claramente afirmava que «a al. a) do n.° 1 do art. 382.° do CPC não contende com os prazos de proposição das acções, que são regulados pela lei própria: não os restringindo, evidentemente, também não os alarga, quando, de harmonia com aquela lei, vierem a terminar antes de decorridos os trinta dias a que se refere o preceito»; ao abrigo do disposto no art. 387.° do CPC de 1939, era esse também o entendimento seguido por PALMA CARLOS, «Prazo para requerer a anulação de deliberações sociais, quando se haja requerido a suspensão», RT, 62.°, p. 210 e ss., por ALBERTO DOS REIS, «Acção de anulação de deliberações sociais», cit., p. 361 e ss., por J. G. PINTO COELHO, Anotação ao Ac. STJ de 9/5/61, RLJ, 95.°, p. 39). Em sentido contrário, ao abrigo ainda do disposto na al. a) do n.° 1 do art. 382.° do CPC na redacção anterior à reforma de 1995, cfr. PINTO FURTADO, Deliberações dos sócios, cit., p. 509 e ss. (que segue o entendimento de VASSANTA TAMBÁ, Contratos de objecto ilícito e outras decisões judiciais, Coimbra, 1967, p. 28 e ss., obra a que não nos foi possível ter acesso).
(88) Deliberações dos sócios, cit., p. 504.
(89) O que a seguir se escreve no texto está apenas pensado para os casos em que a deliberação sofre de uma causa de invalidade, únicos de que trata o n.° 2 do art. 61.° do CSC. São também esses apenas os casos em que o art. 9.° do CRC permite o registo da instauração do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais e da decisão proferida nesse procedimento. De fora do âmbito de aplicação dos preceitos referidos parece ficar o procedimento cautelar de suspensão de deliberação social ineficaz. A menos que se sustente a aplicação das normas indicadas, por interpretação extensiva ou extensão teleológica, a estas últimas deliberações.
(90) VASCO LOBO XAVIER, «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 262.
(91) VASCO LOBO XAVIER, «O conteúdo da providência de suspensão de deliberações sociais», cit., p. 263.