Parecer de 14 de Julho de 2006 - Incompatibilidades (funcionária do quadro de pessoal da polícia de segurança pública)
Parecer aprovado em 14 de Julho de 2006
Relator: Dr. Carlos Aguiar
1 – Vem o presente Recurso interposto do douto Acórdão do Conselho de Geral, de fls. 52, que negou provimento ao Recurso interposto pela Recorrente, da decisão proferida pelo Conselho Distrital de Lisboa que indeferiu o pedido de inscrição da ora Recorrente por esta se encontrar em situação de incompatibilidade para o exercício da profissão.
A incompatibilidade aferida na decisão do Conselho Distrital de Lisboa, aquando do pedido de inscrição da Recorrente, diz respeito à falta de apresentação, pela mesma, a solicitação daquele Conselho Distrital, de declaração emitida pela entidade patronal, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do Art.º 77.º do E.O.A., aprovado pela Lei n.º 15/2005 de 26/01.
2 – A Recorrente apresentou ao Conselho Distrital de Lisboa, em 23/12/2004, pedido de inscrição como Advogada Estagiária, fazendo referência à profissão que desempenha na Polícia de Segurança Pública enquanto Técnica Superior de 2.ª Classe do quadro de pessoal, com funções não policiais, colocada no Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direcção Nacional, funções essas constantes do Mapa I anexo ao Decreto-Lei n.º 248/85 de 15 de Julho.
No âmbito do requerimento apresentado, juntou aos autos os documentos constantes de fls. 4 e 5.
Em 24/01/05, a Recorrente foi notificada por despacho do Conselho Distrital de Lisboa de que poderia proceder à sua inscrição como Advogada Estagiária devendo, para tanto, proceder à entrega nos serviços de toda a documentação para a efectivação da inscrição.
Em 02/02/2005, a Recorrente apresentou o seu pedido de inscrição, em requerimento dirigido ao Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados.
Em 17/03/2005, foi proferido despacho pelo Conselho Distrital de Lisboa no sentido de que, da análise dos documentos juntos pela Recorrente era possível concluir que, face à actual redacção do E.O.A. no seu Art.º 77.º n.º 3, tendo em vista o deferimento do pedido de inscrição da Recorrente, seria necessário que a mesma juntasse ao processo de inscrição documento comprovativo emitido pela entidade patronal do qual constasse que o exercício da advocacia seria prestado em regime de subordinação e exclusividade.
A Recorrente, notificada do despacho do Conselho Distrital de Lisboa, veio responder considerando, em síntese, que:
- O seu pedido de inscrição ocorreu aquando da entrega do requerimento apresentado em 23/12/2004 ao Conselho Distrital de Lisboa e não aquando da entrega da documentação necessária ao pedido de inscrição;
- Na altura em que apresentou o seu primeiro requerimento (23/12/2004), encontrava-se em vigor o anterior E.O.A., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84 de 16/03, sendo que a incompatibilidade para o exercício da advocacia estava afastada pelo n.º 2 do Art.º 69.º daquele diploma legal, porquanto as funções que exerce na Polícia de Segurança Pública se subsumem a funções de mera consulta jurídica;
- O pedido de inscrição definitiva como Advogada Estagiária apresentado pela Recorrente deveria, assim, ser deferido dado que o diploma legal aplicável ao seu pedido de inscrição é o Decreto-Lei n.º 84/84 de 16/03.
3 - Em 07/04/2005, foi proferido despacho do Conselho Distrital de Lisboa que, considerando o requerimento apresentado pela Recorrente e indicado em 2., entendeu o seguinte:
- A Recorrente exerce funções de Técnica Superior de 2.ª Classe do Quadro da Polícia de Segurança Pública, colocada no Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direcção Nacional;
- Ao processo de inscrição em causa é aplicável a actual redacção do Estatuto da Ordem dos Advogados, dada pela Lei n.º 15/2005 de 26/01, nos termos do disposto no Art.º 205.º;
- As funções exercidas pela Recorrente são incompatíveis com o exercício da advocacia, nos termos da alínea j) do Art.º 77.º do E.O.A.;
- A situação de incompatibilidade seria afastada se o exercício da advocacia a cuja inscrição a Recorrente se candidata fosse prestado em regime de subordinação e em exclusividade ao serviço de quaisquer das entidades previstas na alínea j) e l) do n.º 1 do Art.º 77.º;
- Não tendo a Recorrente, notificada para o efeito, junto declaração emitida pela entidade patronal, nos termos e para os efeitos previstos no Art.º 77.º n.º 3 do E.O.A., encontra-se em situação de incompatibilidade para o exercício da profissão.
4 - Em 27/04/2004, a ora Recorrente veio interpor, para o Conselho Geral, recurso do despacho do Conselho Distrital de Lisboa supra referido, considerando, em síntese, que o seu pedido de inscrição ocorreu aquando da entrega do requerimento constante de fls. 2 a 5 dos autos, altura em que se encontrava em vigor o E.O.A. aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84 de 16/03, sendo que a Recorrente beneficiaria da excepção prevista no n.º 2 do Art.º 69.º desse diploma.
A Recorrente solicitou que, caso não fosse dado provimento ao recurso, lhe fosse concedido prazo para juntar aos autos a declaração emitida pela entidade patronal, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do Art.º 77 do E.O.A., aprovado pela Lei n.º 15/2005 de 26/01.
5 – Em 01/07/2005, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados proferiu o douto Acórdão, ora recorrido, que sinteticamente, considera:
- O pedido de inscrição da ora Recorrente verificou-se em data posterior a 1 de Fevereiro de 2005, impondo-se o respectivo enquadramento à luz do preceituado na Lei n.º 15/2005 de 26/01, atendo o disposto no Art.º 205.º da citada Lei;
- Considerando que a ora Recorrente não procedeu à junção do documento solicitado, com vista a provar que, não obstante a situação de incompatibilidade, o exercício da advocacia seria exercido “... em regime de subordinação e em exclusividade”, afigura-se que inexiste qualquer irregularidade na actuação do Conselho Distrital de Lisboa que, nos termos da Lei, não podia ter outro entendimento senão aquele que consta no despacho proferido em 17 de Março de 2005;
- A própria Recorrente reconhece a obrigatoriedade da entrega da documentação solicitada e admite a consequência da falta de junção da mesma;
- Considera que, não tendo a Recorrente diligenciado por forma a observar a imposição prevista o n.º 3 do Art.º 77.º do E.O.A., não poderia o Conselho Distrital de Lisboa proceder à inscrição definitiva, atento o Art.º 77.º j), pelo que nega provimento ao recurso apresentado pela Recorrente.
6 – Inconformada, a Sra. Dra. … veio interpor recurso para este Conselho Superior, da deliberação do Conselho Geral que concluiu pela manutenção da decisão do Conselho Distrital de Lisboa que indeferiu o pedido de inscrição da Recorrente, apresentando as suas Alegações, que constam de fls. 62 a 64, concluindo, em síntese, que:
- O pedido de inscrição da Recorrente como Advogada Estagiária foi apresentado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 84/84 de 16/03, pelo que, apesar de ter entregue toda a documentação para instrução do pedido de inscrição em 02/02/2005, é aquele diploma que deverá ser aplicado para efeito da aferição da eventual incompatibilidade;
- O Art.º 205.º do E.O.A. não é aplicável ao seu pedido de inscrição como Advogada Estagiária;
- Não existe qualquer incompatibilidade entre as funções que desempenha na Polícia de Segurança Pública e o exercício da advocacia, tendo em conta o Decreto-Lei n.º 84/84 de 16/03;
- Apesar de já ter solicitado à sua entidade patronal documento comprovativo nos termos e para os efeitos previstos no n.º 3 do Art.º 77.º da Lei n.º 15/2005 de 26/01, tendo o documento já sido emitido, não o juntará ao processo por manter a convicção que o seu pedido de inscrição na Ordem dos Advogados foi deferido e efectuado ao abrigo do ora revogado E.O.A., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84 de 16/03.
Posteriormente à apresentação das alegações, a Recorrente, em 09/08/2005, veio aos autos juntar declaração emitida pela entidade patronal, ao abrigo e para os efeitos previstos no n.º 3 do Art.º 77.º da Lei n.º 15/2005 de 26/01 (fls. 67).
Apreciando o recurso:
7 – Considera a Recorrente que o requerimento que apresentou em 23/12/2004 ao Conselho Distrital de Lisboa, solicitando a sua inscrição como Advogada Estagiária, teve deferimento por parte do Conselho Distrital em 24/01/2005, altura em que ainda não estava em vigor o actual E.O.A., aprovado pela Lei n.º 15/2005 de 26/01.
Entende ainda a Recorrente que o despacho do Conselho Distrital de 24/01/2005, ao considerar que não se vislumbravam impedimentos à sua inscrição como Advogada Estagiária, lhe concedeu a inscrição como Advogada Estagiária na Ordem dos Advogados e que essa inscrição seria feita ao abrigo do Decreto-Lei n.º 84/84 de 16/03.
No entanto, não assiste razão à Recorrente.
Por um lado, o despacho de fls. 6 dos autos, proferido em 24/01/2005 pelo Conselho Distrital de Lisboa, não significa, por si só, que a inscrição da Recorrente se encontrasse deferida.
Aquilo que o referido despacho fez, e bem, foi notificar a Recorrente que “…atento o requerimento apresentado, não se vislumbram, à partida, quaisquer impedimentos à sua inscrição como Advogada Estagiária, devendo para o efeito, oferecer e entregar nos serviços, até ao prazo fixado, toda a documentação necessária à instrução do seu processo de inscrição” devendo proceder à referida inscrição até dia 03/02/2005.
Veja-se que é o próprio despacho do Conselho Distrital de Lisboa que estabelece como data limite de inscrição o dia 03/02/2005.
Só em 02/02/2005, a Requerente apresentou toda a documentação necessária à sua inscrição como Advogada Estagiária, sendo que é nessa data que a referida inscrição ocorreu, já ao abrigo do novo E.O.A., aprovado pela Lei n.º 15/2005 de 26/01.
Outro não poderia ser o entendimento, dado que não faria qualquer sentido considerar que a Recorrente já estaria inscrita como Advogada Estagiária antes mesmo de proceder à entrega do requerimento de inscrição, o que fez em 02/02/2005 (fls. 7), e de toda a documentação que serviria para instruir tal pedido.
Em 02/02/2005, altura em que a Recorrente procedeu ao pedido de inscrição no Conselho Distrital de Lisboa, já se encontrava em vigor o actual E.O.A., aprovado pela Lei n.º 15/2005 de 26/01.
Dispõe o Art.º 205.º do referido diploma que “A presente lei só é aplicável aos estágios que se iniciem, bem como aos processos disciplinares instaurados, em data posterior ao da respectiva data de entrada em vigor”.
Assim sendo, ao processo de estágio em que a Recorrente pretende ver-se inscrita, sempre terá, face ao dispositivo legal transcrito, que se aplicar o novo E.O.A. e não o Decreto-Lei n.º 84/84 de 16/03, que já não se encontrava em vigor aquando do pedido de inscrição pela Recorrente junto do Conselho Distrital de Lisboa em 02/02/2005.
Determina o Art.º 77.º n.º 1 j) do Novo E.O.A. que “São, designadamente, incompatíveis com o exercício da advocacia os seguintes cargos, funções e actividades: j) Funcionário, agente ou contratado de quaisquer serviços ou entidades que tenham natureza pública ou prossigam finalidades de interesse público, de natureza central, regional ou local;”.
Prevê o n.º 3 do art.º 77.º do Novo E.O.A. que “É permitido o exercício da advocacia às pessoas indicadas nas alíneas j) e l) do n.º 1, quando esta seja prestada em regime de subordinação e em exclusividade, ao serviço de quaisquer das entidades previstas nas referidas alíneas, sem prejuízo do disposto no artigo 81.º”.
Tendo em consideração que a Recorrente é Técnica Superior de 2.ª Classe do Quadro da Polícia de Segurança Pública, colocada no Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direcção Nacional, verifica-se que a Recorrente encontra-se abrangida pela incompatibilidade prevista na alínea j) do n.º 1 do Art.º 77.º do E.O.A..
No entanto, o exercício da advocacia seria permitido à Recorrente, enquanto funcionária ou agente de uma entidade com natureza pública, nos termos do n.º 3 do Art.º 77.º do E.O.A., se a advocacia fosse prestada em regime de subordinação e em exclusividade, ao serviço dessa mesma entidade de natureza pública.
É nessa medida que, nos presentes autos, terá sido por diversas vezes solicitado à Recorrente que apresentasse documento comprovativo emitido pela entidade patronal de que o exercício da advocacia pretendido seria exercido em regime de subordinação e em exclusividade ao serviço da entidade pública para a qual a Recorrente presta a sua actividade profissional.
Dado que este documento, apesar de repetidamente solicitado, nunca foi apresentado pela Recorrente em data anterior ao proferimento do Acórdão do Conselho Geral de fls. 52 a 58 dos autos, não merecem, por essa razão, censura tanto a decisão do Conselho Distrital de Lisboa, constante de fls. 35, como aquela decisão do Conselho Geral, ora recorrida.
No entanto, em 09/08/2005, a Recorrente veio proceder à junção aos presentes autos da declaração emitida pela Polícia de Segurança Pública, constante de fls. 67, onde aquela instituição, enquanto entidade patronal, declara que “para efeitos de inscrição na Ordem dos Advogados, como Advogada Estagiária da Técnica Superior de 2.ª Classe – …, do quadro de pessoal com funções não policiais da PSP, licenciada em Direito, colocada no Gabinete de Deontologia e Disciplina, onde desempenha funções de consulta e apoio jurídico, que o exercício da advocacia a cuja inscrição a mesma se candidata será prestado na Polícia de Segurança Pública em regime de subordinação e em exclusividade.”.
A junção da declaração referida ocorreu posteriormente à entrega das alegações do presente recurso, pelo que é manifestamente extemporânea, não podendo, assim, ser tida em conta.
Verificando-se que a declaração apresentada cumpre os requisitos previstos no n.º 3 do Art.º 77.º do E.O.A., outra solução não resta à Recorrente que não seja a de apresentar no Conselho Distrital de Lisboa novo pedido de inscrição, instruído da declaração emitida pela entidade patronal respectiva.
Considerando todo o exposto, sou de parecer que deve ser negado provimento ao presente recurso, confirmando-se, em consequência, o Acórdão do Conselho Geral da Ordem dos Advogados que nega provimento ao recurso apresentado pela Recorrente da decisão do Conselho Distrital de Lisboa que indeferiu o seu pedido de inscrição.
Ao Plenário
Lisboa, 22 de Junho de 2006