Carlos Pinto de Abreu - Advocacia e Cidadania


ADVOCACIA E CIDADANIA
responsabilidade social na promoção da igualdade(1)

Pelo Dr. Carlos Pinto de Abreu

Sin autem quaereretur, quisnam iuris consultus vere nominaretur, eum dicerem, qui legum et consuetudinis eius qua privati in civitate uterentur, et ad respondendum et ad agendum et ad cavendum peritus esset
Cícero
De Oratore, I, 212

“No Advogado, a rectidão de consciência é mil vezes mais importante do que o tesouro dos conhecimentos. Primeiro, ser bom; depois, ser firme; por último, ser prudente; a ilustração vem em quarto lugar; a perícia, no fim de tudo”.
Angel Ossorio y Gallardo
apud Orlando Guedes da Costa in Direito Profissional do Advogado – noções elementares, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2005; p. 132.

“O Advogado serve a justiça mais do que o direito, e o direito mais do que a lei (…) O Advogado informa, aconselha, concilia, serve de mediador entre os cidadãos e entre estes e os tribunais. É, por vocação, um agente da convivência cívica e da paz social (…) Ser advogado é lutar contra o arbítrio e as iniquidades, pugnar por uma sociedade mais justa e convivente. (…) A advocacia é um humanismo e uma magistratura cívica”.
António Arnaut
Iniciação à Advocacia História-Deontologia. Questões Práticas, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1996; pp. 7 e 8.

Só há “…uma cidadania mais ampla, alimentada pela experiência e pela compreensão da nossa diversidade cultural e pelo exercício de uma solidariedade activa”.
Édith Cresson
apud Cidadanias Nacionais e Cidadania Europeia, de Françoise Parisot; Lisboa, Didáctica Editora, 2001; p. 11.

SUMÁRIO:

1. ADVOCACIA. 1.1. O Advogado – último profissional liberal, livre e independente (o que ainda é, mas pode deixar de ser). 1.2. A Sociedade de Advogados – um espaço de (maior) liberdade e de (crescente) igualdade (o que devia ser, e não é). 1.3. A Ordem dos Advogados – um exemplo de cidadania, serviço, rigor, profissionalismo e exigência (custe o que custar, doa a quem doer). 2. CIDADANIA. 2.1. A natureza do conceito e do vínculo, e o actual déficit, de cidadania. Cidadanias local, regional, nacional e europeia. A substituição destes conceitos redutores e discriminatórios pelo conceito de pessoa ou de cidadania universal. A igualdade é uma utopia? 2.2. A defesa oficiosa, a noção do dever individual, da responsabilidade colectiva e a praxis do advogado e do advogado-estagiário. O ocaso do paradigma do advogado individual em prática isolada, os riscos da advocacia pública e a proposta de uma “terceira via”. 2.3. A solidariedade e o espírito de serviço público e as especiais responsabilidades individuais e institucionais da profissão. A necessidade de repensar o acesso ao Direito. 3. RESPONSABILIDADE SOCIAL DO ADVOGADO E DA ORDEM DOS ADVOGADOS. 3.1. O exercício empenhado da Cidadania como emanação dos deveres de solidariedade individual e dos deveres de participação e de intervenção na vida pública. A importância da sensibilização para os direitos humanos, da formação e da especialização e da acção individual e colectiva. 3.2. O exercício livre da Advocacia como condição necessária, mas insuficiente, para a promoção da efectiva igualdade entre os cidadãos e para a protecção do indivíduo face à inércia e ao abuso dos poderes. Disponibilidade do Advogado e responsabilidade do Estado. 3.3. Três desafios para o século XXI: a (real e efectiva) possibilidade de consulta jurídica aos cidadãos do mundo; a (efectiva e digna) defesa oficiosa nos Tribunais e perante os Poderes e a Administração e a (permanente e eficaz) assistência jurídica aos privados de liberdade nas Prisões e nos Centros Educativos.

ADVOCACIA
O Advogado—último profissional liberal, livre e independente (o que ainda é, mas pode deixar de ser).


“Não responderás a nenhum senhor e, com total autonomia e independência, só cumprirás os ditames da tua consciência, de acordo com a lei justa e o interesse do cliente que te confiou a sua liberdade, o seu património ou a sua honra, enfim a sua vida.
Não te submeterás ao próximo ou ao poderoso, nem que ele seja o teu melhor amigo ou o teu cliente, sobretudo quando te peçam para responsabilizar a vítima, culpar o inocente ou violar a lei; nem muito menos temerás o juiz ou o procurador, pois que devem ser eles a mostrar reverência pela tua seriedade, paciência, empenho, capacidade de trabalho e domínio do caso confiado.”
Carlos Pinto de Abreu
Decálogo do Não (I e II)
apud Direitos do Homem – Dignidade e Justiça; Lisboa, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, 2005; p. 211

Por isso, “... os juízes deveriam ser os mais incansáveis defensores da advocacia, pois só onde os advogados são independentes os juízes podem ser imparciais; só onde os advogados são respeitados os juízes são honrados; e onde se desacredita a advocacia, a primeira a ser atingida é a dignidade dos magistrados e muito mais difícil e angustiante se torna a sua missão de justiça”
Piero Calamandrei
apud Eles, os Juízes, vistos por um Advogado São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. XLV.

Quem é o advogado? (2) O que é a advocacia?(3) Quem somos(4) e para quem somos(5) nós? O que queremos ou devemos ser?(6) E para onde vamos ou nos querem levar?(7)

Cícero dizia que “…o bom jurisconsulto é aquele que é perito «ad respondendum et ad agendum et ad cavendum» em todas as matérias em que os particulares necessitam de utilizar-se das leis e dos costumes”(8). Mas de então para cá o mundo mudou muito. E os advogados e a advocacia?

“A etimologia latina da palavra advogado—advocare— significa ajudar, defendendo e chamando à razão, isto é, conduzindo o outro à verdade e à sabedoria do discernimento”(9) e, assim, o advogado é “alguém que defende ou representa, perante a Justiça e o Poder, interesses alheios”.(10)

Não iremos escalpelizar muito mais o conceito de advogado ou esgotar a noção do exercício de advocacia. Outros por nós o fizeram, bem melhor do que alguma vez poderíamos. Aqui ficam também, ao longo do texto, as suas citações, única mais valia deste humilde escrito. Sempre diremos que as palavras chave de qualquer definição são as seguintes: profissão liberal, independência absoluta, múnus de interesse público, órgão de administração da justiça, função social de representação, exercício da cidadania e construção da solidariedade activa, garantia da dignidade da pessoa, da vida e da actividade humana e baluarte da defesa dos direitos humanos fundamentais.

São tão necessários advogados livres, independentes e não subordinados ao que e a quem quer que seja, como juízes isentos, imparciais, inamovíveis e independentes dos poderes. Pois que “na verdade, para que a justiça possa ser perfeita — tanto como o podem ser as instituições humanas — carece-se não só de magistrados competentes, íntegros e independentes, mas de que todos os cooperadores na obra de justiça secundem e completem o seu esforço”(11).

O advogado é, também ele, com todos os elogios e críticas que se lhe fizeram e fazem ao longo dos tempos(12), órgão de administração da justiça(13), como tal universalmente reconhecido(14), defensor lídimo dos direitos humanos, seja individualmente considerado, seja no âmbito de uma sociedade(15), seja institucionalmente enquadrado.

“O advogado é, naturalmente, um jurista, um homem de leis, alguém que contribui activamente para a Administração da Justiça. Mas o advogado é muitas outras coisas. É confidente, é conselheiro, é quase um confessor. É alguém a quem um cidadão aflito e preocupado pensa logo em recorrer. É alguém a quem uma pessoa assustada, desprotegida, vulnerável, não hesita em bater à porta. É alguém a quem uma pessoa confia os seus sentimentos, delega as suas preocupações, deposita muitos dos seus interesses”.(16)

Não é hoje pensável o acesso ao direito, a consulta jurídica e o apoio judiciário, bem como a condução do processo, de qualquer processo, ou mesmo simples procedimento, sem a assistência de um profissional do foro, de um jurista(17), enfim, de um advogado. “O Advogado é, em primeiro lugar, um intérprete e um mediador privilegiado da lei, num tempo de crescente complexidade, em que o princípio de que a ignorância da lei não aproveita a ninguém se apoia numa realidade totalmente ultrapassada e tem a carga simbólica das ficções. Nas sociedades de hoje, o cidadão comum, ainda que detentor de importantes saberes é, em geral, juridicamente iletrado”(18). Isto para não dizer que, já hoje, e cada vez mais no futuro, é o próprio advogado—na maior parte das matérias que não domina profissionalmente—também ele, juridicamente iletrado!

Somos apenas mais uma profissão, ainda que liberal? Profissionais do foro ou funcionários da área da justiça, sem mais? Meros técnicos especializados? A resposta é obviamente negativa. “O talento não é qualidade suficiente para profissão tão íntima do exercício da justiça. A independência e o desinteresse constituem virtudes essenciais e particularmente meritórias de um Advogado”.(19) Essência da advocacia é, pois, a liberdade e a independência, o seu livre exercício, a diferença entre quem depende de terceiros e aquele que só depende de si próprio e, sem medo nem temores, só se subjuga aos interesses que lhe compete defender, com regras e sem deles ficar refém.(20) “A independência pessoal e profissional (...) obstará a que a assistência devida pelo advogado ao seu cliente se desvie ou adultere em consequência de pressões de qualquer ordem; e pode resultar da acção combinada de vários factores, o mais importante dos quais não será decididamente a posse de avultados meios de fortuna”.(21)

Se bem que a independência económica seja só uma das facetas da independência do advogado ela não é despicienda, pois que aquele que vive no desespero de não conseguir pagar as contas ou prover ao seu sustento ou mesmo o que só depende de um cliente está, obviamente, mais restringido na sua liberdade de dizer não, por exemplo, ou mais limitado na sua possibilidade de reacção e capacidade de ressiliência, do que aquele que tem vários clientes e que de nenhum isoladamente depende economicamente. E “…se o advogado é independente em relação ao seu cliente a quem, por definição, deve auxiliar, é por maioria de razão independente frente aos poderes públicos, aos magistrados e outras autoridades e perante qualquer situação de interesse que não seja coincidente com o da justiça e com a livre defesa da causa que lhe cumpre patrocinar”.(22)

A liberdade e a independência em relação a terceiros(23) é conditio sine qua non da advocacia, sem a qual não há justiça justa e advogado digno de tal nome, isto é, “o Advogado... defensor dos direitos, liberdades e garantias individuais contra qualquer forma de arbítrio ou abuso de poder”(24). Se é certo que “…não haverá boa justiça sem boa advocacia…”, também “…é exacto o dizer de Labori, quanto a não haver numa grande advocacia sem grande magistratura”(25). E por isso são, por igual, necessários todos os profissionais do foro.(26) E não só, já que “…jurisconsulto é, não só o advogado, mas o professor de direito, (…) publicando livros, colaborando em revistas, efectuando conferências, etc., e é também jurisconsulto o magistrado que pelos seus escritos judiciais ou extrajudiciais, revele, bem marcada, elevação de pensamento e destacado grau de cultura”(27).

A elevação de pensamento e o destacado grau de cultura pressupõem humildade intelectual e compreensão das diferenças, das causas e das consequências dos comportamentos humanos(28). E estas características são essenciais aos profissionais do foro. A todos. Todos somos, portanto, imprescindíveis à administração da justiça: “o professor ensinando o direito, o causídico diligenciando fazê-lo aplicar na sua melhor interpretação, e o magistrado procedendo à sua aplicação, representam três momentos distintos da mesma excelsa obra de administrar a justiça, aperfeiçoando à satisfação das necessidades sociais as normas reguladoras da vida em comunidade, garantindo a esta a segurança e estabilidade inseparáveis de todo o progresso(29)”.

Mas o advogado só será útil à Justiça se puder agir livre e independentemente; se puder continuar a ser livre e independente(30), apesar de todas as ameaças à sua matriz fundamental, como veremos adiante(31). Mas será, ou poderá ser, mais útil ainda(32) se não se isolar e não pretender apenas trabalhar sozinho ou de costas voltadas para o Cidadão, a Sociedade, para os seus Colegas e outros profissionais e para a sua Ordem.

A Sociedade de Advogados – um espaço de (maior) liberdade e de (crescente) igualdade (o que devia ser, e não é).

“O advogado é, essencialmente um prestador de serviços, na medida em que põe à disposição do seu cliente os seus conhecimentos do direito e a sua experiência profissional, com a finalidade de lhe proporcionar um determinado resultado”.
João Luís Lopes dos Reis
Representação Forense e Arbitragem; Coimbra, Coimbra Editora, 2001; p. 27.

“O advogado, defensor de pobres e desvalidos, da vítima inocente que demandava justiça, capaz de arrastar a barra do Tribunal com o fulgor da sua retórica e da sua razão como numa revolta da Bounty, essa imagem romântica que perpassou o imaginário do século XX não faz mais sentido hoje”.
Luís António Noronha do Nascimento
O Advogado visto por…; Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005, p. 93.

Há que dizer que “…as grandes sociedades de advogados, se podem ter numerosos sócios, contam quase sempre com um muito superior número de jovens advogados-funcionários que trabalham de um modo geral em condições profissionais adversas”
Adalberto Alves
História Breve da Advocacia em Portugal; Lisboa, CTT, 2003, p. 193.

Uma das principais ameaças modernas à advocacia livre e independente é a sua funcionalização pela via da hierarquização, da subordinação e da massificação.

O número de advogados aumentou exponencialmente nos últimos 20 anos, fruto da proliferação de universidades públicas, privadas e do sector cooperativo e do carácter residual da profissão.(33) O próprio exercício da advocacia mudou muito nas últimas décadas, desde logo com o aumento sempre crescente, embora ainda lento, do número de sociedades de advogados e do número crescente de advogados inseridos em sociedades quer como sócios quer sobretudo como associados ou colaboradores.(34)

No mundo em geral, abandonado, ou menosprezado, o paradigma individualista do exercício das profissões liberais, “…passámos ao trabalho de equipa, em grupos pluridisciplinares. Também os advogados têm seguido o mesmo caminho. Contudo, se as condições do exercício da profissão sofrem alterações, o espírito de independência, de autonomia, e de responsabilização, mantêm-se como valores indissociáveis da ética e da deontologia profissional”(35).

As sociedades de advogados, apesar da sua curta história em Portugal, mudaram muito também; passaram rapidamente, do que foram no início, de sociedades de pessoas para, o que são maioritariamente agora, sociedades de capital(36).

O relacionamento entre advogados dentro das sociedades também tem vindo a sofrer várias alterações, quer pela via da hierarquização excessiva(37), quer pela via da funcionalização abusiva(38), do exercício da profissão.

É um facto que a lei estabelece que “as sociedades de advogados são sociedades civis em que dois ou mais advogados acordam no exercício em comum da profissão de advogado, a fim de repartirem entre si os respectivos lucros”(39).

Ora, o exercício em comum exige respeito recíproco e condições mínimas de dignidade, de igualdade e de independência. Independentemente de tudo quanto tem que mudar por força da mudança do mundo.(40)

Pode perguntar-se se “…um gabinete de advogado não será um incomparável campo de observação onde se vê viver e palpitar a nu a alma humana?”(41) e se “os esforços da intervenção do jurista na vida pública, social, empresarial e familiar serão de futuro mais evidentes”(42), sobretudo se estruturados em equipas multidisciplinares.

A resposta não deixará de ser positiva, face à crescente juridificação do mundo. Não temos dúvidas de que o futuro passará, sobretudo, pelas sociedades de advogados, mas também temos a certeza que nunca se extinguirá, e será mesmo essencial, o advogado individual em prática isolada.

Até porque se “…a juridificação do bem estar social abriu o caminho para novos campos de litigação nos domínios laboral, civil, administrativo, de segurança social, o que, nuns países mais do que noutros, veio traduzir-se no aumento exponencial da procura judiciária e na consequente exploração da litigiosidade”(43), a verdade é que, na maior parte dos casos, e sobretudo nos casos que contam(44), a relação pessoal advogado/cliente ou constituinte é inultrapassável.

Assim, se é verdade que se verifica um ocaso do paradigma liberal(45) ou do advogado individual em prática isolada, também menos certo não é que continua a haver espaço para o advogado isolado.(46) E o simples facto de o advogado exercer integrado em sociedade de advogados não lhe retira a sua especial individualidade, qualidade e responsabilidade.(47)

Agora o que se não pode admitir é que a sociedade de advogados, que se pretende que seja um espaço mais livre e mais igualitário, se torne um instrumento de pressão, de opressão ou de exploração. E, muito menos, que a institucionalização da profissão possa colocar em segundo plano o cidadão, a pessoa, face aos interesses políticos ou de grupo, públicos ou corporativos, institucionais ou empresariais, económicos ou financeiros.

É que a sociedade de advogados deverá ser um espaço de liberdade e de igualdade. Dir-se-á mesmo que tem que ser um espaço de maior liberdade e de crescente igualdade, sob pena de desvirtuar a sua função e de descaracterizar a advocacia, tornando-a mera actividade de prestação de serviços.(48)

A Ordem dos Advogados — um exemplo de cidadania, serviço, rigor, profissionalismo e exigência (custe o que custar, doa a quem doer).

“A Ordem dos Advogados é tão antiga quanto a magistratura, tão nobre quanto a virtude, tão necessária quanto a Justiça”
D’Aguesseau
Da Independência do Advogado, 1689

“O Collegium de Advogados … constituiu, assim, um factor de garantia científica e prestígio pessoal dos próprios advogados”.
Fernando Sousa Magalhães
apud O Advogado e a História, de Valério Bexiga; Faro, Edição de Autor, 2000; p. 77

“Não cometerás adultério aos teus juramentos de respeito pela lei justa, de fidelidade à justiça no direito, de fidedignidade aos interesses do representado, de lealdade para com os colegas e de salvaguarda absoluta do segredo do que te for relatado.”
Carlos Pinto de Abreu
Decálogo do Não (VI)
apud Direitos do Homem – Dignidade e Justiça; Lisboa, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, 2005; p. 211

“O Advogado é o apoio da inocência e o açoite do delito.”
Robespierre
apud Manual de Deontologia Forense, de Valério Bexiga; Faro, Conselho Distrital de Faro da Ordem dos Advogados, 2003; p. 134.

O fundador da Ordem dos Advogados, o Prof. Doutor Manuel Rodrigues, foi muito claro ao afirmar que “…a Ordem dos Advogados devia existir dada a importância das suas funções: cultura das ciências sociais e do direito, este na sua técnica e aplicação prática; moralização do exercício profissional; e assistência social aos agremiados e suas famílias”(49).

Fosse assim só e pareceria, erradamente é certo, que a Ordem estaria virada para si mesma ou circunscrita à advocacia e aos advogados.(50) Depressa porém se virou para o exterior a instituição, que tem uma especial natureza e função social(51).

É que “…há uma função comunitária importante, quer em plano nacional, quer internacional, para a qual o contributo dos advogados, pode ser relevante: o aperfeiçoamento da ordem jurídica, quer no que à administração da justiça diz respeito, quer no estabelecer uma ordem jurídica internacional de respeito pelos direitos humanos e de promoção de valores que promovam a justiça e levem à paz. E nesse âmbito ganha particular relevância o contributo, não apenas dos advogados individualmente, mas das associações de advogados”(52).

Foram, logo, acrescentados como fins da Ordem “…contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica, e aperfeiçoamento da legislação, e, em especial, da concernente às instituições judiciárias e forenses; e auxiliar a administração da justiça”(53).

Mas para além da administração da justiça fora de portas, a Ordem tem como função primordial exercer, com exclusividade, a jurisdição disciplinar sobre todos os seus membros.(54) É que “…a prática de advocacia, em termos de infundir confiança e não ser fonte de perturbações, postula um conjunto de qualidades – congénitas ou adquiridas – difíceis de ver concentradas num mesmo indivíduo, especialmente se não houver uma regra forte a discipliná-lo”(55).

Não é o facto de existir uma Ordem interventiva, uma regra forte e uma jurisdição disciplinar efectiva que diminui a liberdade e a independência dos advogados. Bem pelo contrário.(56)

O grau de exigência e de rigor que os advogados impuserem a si mesmos terá certamente como contrapartida o grau de credibilidade e de confiança que a sociedade neles deposite. Maior liberdade, maior a responsabilidade. E maior responsabilidade significará também uma maior liberdade.

Por isso já se disse que “... uma verdadeira prova de probidade (...) que imprimirá à assistência do advogado um cunho de nobreza e de sinceridade que tornam o mandato judicial em contrato sui generis e a advocacia inconfundível com qualquer outra profissão comercial ou industrial, atinge-se primordialmente por uma esclarecida jurisdição disciplinar fortemente organizada e equilibradamente exercida”(57).

Mas a Ordem dos Advogados não deve ser apenas um factor de exigência e de rigor para com os seus membros. Deve ser sim, também, ela própria, um exemplo de exigência e de rigor no exercício das suas competências próprias; mas, mais do que isso, deve ser também um exemplo de profissionalismo, serviço e cidadania.

Assegurada, preventiva e repressivamente, a qualidade do exercício da advocacia é necessário fazer mais, muito mais.(58) É imperativo de cidadania.

E esse imperativo de cidadania cumprir-se-á na efectivação do acesso ao direito, com foros de igualdade para todos, sem excepção, ainda que por intermédio de estruturas sugeridas ou instituídas pela própria Ordem dos Advogados.

CIDADANIA

A natureza do conceito e do vínculo, e o actual déficit, de cidadania. Cidadanias local, regional, nacional e europeia. A substituição destes conceitos redutores e discriminatórios pelo de pessoa ou de cidadania universal. A igualdade é uma utopia?

Ora “um cidadão pode ser definido pela sua participação no exercício da justiça e do governo”.
Aristóteles
apud Cidadanias Nacionais e Cidadania Europeia; Lisboa, Didáctica Editora, 2001; p. 47.

Não se esqueça que “…a profissão de advogado é hoje uma profissão de risco… O advogado é frequentemente incómodo e incomoda na defesa dos interesses legítimos que lhe são confiados, como cumpre. Pode, por causa disso e não obstante o seu absoluto respeito pelos deveres profissionais, ser também incomodado, o que acontece muitas vezes, sobretudo por aqueles que ainda não perceberam que da essência da vida democrática não é tanto a proclamação formal de direitos, é sobretudo o cumprimento dos nossos deveres para realização dos direitos dos outros”.
Germano Marques da Silva
A Responsabilidade Profissional do Advogado (perspectiva penal) in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Brito de Almeida Costa, Lisboa, Universidade Católica, 2002; p. 642.

“Nos governos republicanos os homens são iguais e iguais são nos governos despóticos, Nos primeiros porque são tudo; nos segundos porque são nada”.
Montesquieu
Espírito das Leis
1748

O que é a cidadania?(59) Como se exerce?(60) Define-se pelos direitos ou delimita-se pelos deveres?(61) O que é, por parte do advogado, o exercício da cidadania?(62) E que papel tem a Ordem dos Advogados na construção de uma cidadania mais activa, participativa e igualitária?(63)

A cidadania é a especial qualidade da pessoa que dispõe numa dada comunidade política do conjunto dos direitos económicos, sociais, culturais, civis e políticos. E de um determinado, mas mais reduzido, catálogo de deveres.(64)

“A cidadania é um estatuto de direitos e de deveres que tem na lei o seu quadro de referência. Desde a concepção de homem titular de direitos originários, à de «homem situado» foram-se encontrando respostas cada vez mais apuradas para exprimir a fragilidade da pessoa perante o Estado”(65).

Ou seja, há pessoas que são, ou foram, e outras que não são, ou não foram, cidadãos. O escravo, a mulher, o condenado, o bárbaro, o estrangeiro, o apátrida, não são, ou não foram, cidadãos.

Assim se diz que há uma cidadania nacional(66) por contraposição a não cidadãos nacionais, ou estrangeiros ou apátridas. Assim se diz que há uma cidadania europeia(67) por contraposição aos cidadãos de Estados não membros da União Europeia, etc., etc. Fala-se até em cidadanias locais e regionais, com a finalidade de conceder um estatuto que uns têm e outros não.

Cidadão é aquele que, ao contrário de outro — o não cidadão, é titular de certos direitos e goza de determinadas liberdades e está adstrito ao cumprimento de alguns deveres. É assim também com o advogado, como com outros profissionais.(68)

“A interdependência entre os direitos humanos e os deveres para com a sociedade exigem que a comunidade não só se comprometa a garantir as condições de desenvolvimento da personalidade de todos os seus membros, mas que cada um deles se obrigue ao respeito pelas liberdades dos outros e, também, às exigências justas e razoáveis da comunidade. Entre estas avultam as de trabalhar, pagar impostos e defender a pátria e, modernamente, defender um ambiente ecologicamente equilibrado”(69).

Ser cidadão foi já uma garantia.(70) E hoje(71)? A cidadania assim vista, como estatuto que uns têm e outros não, é um factor de desigualdade e de discriminação, como o foi — e é — na história, porque se para alguns era factor de garantia para outros era a certeza da ausência de estatuto.

“Possui o status libertatis todo aquele que é pessoa livre e não escravo (…) tem o status civitatis todo aquele que, além de livre, é cidadão romano e não meramente latino ou peregrino. Tem o status familiae, finalmente, quem, além de ser livre e cidadão, é chefe de uma família autónoma, não estando subordinado a nenhum poder estranho”(72).

A função da cidadania tem sido a de dar aos indivíduos uma expressão social, política e jurídica da sua identidade(73), função que foi instrumentalizada pelos Estados para definir a pertença(74) e a não pertença de um indivíduo no grupo.(75)

“A cidadania como relação que se estabelece entre determinada pessoa e um Estado permite estruturar a aliança entre um e outro, de modo a que o indivíduo passe a ter determinadas deveres em relação aquele, enquanto como contrapartida o Estado se compromete a defender e a proteger aquele que a partir dessa vinculação passe a ser considerado como seu cidadão. A cidadania é uma relação política, um estatuto de liberdade e de responsabilidade”(76).

O cidadão, pelo simples facto de o ser, tinha — tem — direitos acrescidos. Veja-se a possibilidade de apelar a César quando imposta a sentença capital. A cidadania romana era, assim, uma garantia pessoal, muitas vezes contra os abusos do próprio Estado.

Nos dias de hoje, pode dizer-se, pelo menos em Portugal, que “o Estado deixou de ser, de facto, o grande ou o único «opressor»…”(77)? Talvez, se nos referirmos apenas à expressão «único»...(78)

Certo é que nenhum Estado, por mais democrático e respeitador que se reclame, deixou de discriminar, perseguir e oprimir e, sobretudo, de ter em si, e de pretender ter cada vez mais para si, tais potencialidades discriminatórias, persecutórias e opressoras.(79)

E se isso hoje é um facto tantas vezes repetido com os próprios cidadãos nacionais revela-se tanto pior na forma arbitrária, irresponsável e desumana como os Estados, e o Estado Português não é excepção, tratam os estrangeiros.(80)

O estrangeiro é estranho e, por isso, persona non grata.(81) O estrangeiro é diferente e, quantas vezes, por incompreensão ou temor infundado da diferença, considerado uma ameaça.(82) O estrangeiro é, mais vezes ainda, alvo de desconfiança, discriminação, abuso e exploração.(83)

Não deixa, porém, o estrangeiro de ser pessoa. Pai. Mãe. Avô. Avó. Filho. Filha. Marido. Mulher. Um como nós; um entre nós. Igual a nós? Ou menos igual? Com menos direitos? Ou sem direitos?(84)

É aqui que a cidadania se confunde com a nacionalidade. E é por aqui que a cidadania não tem, por vezes, em devida conta a pessoa, o indivíduo, mais preocupada que está com a unidade política, a sociedade, que lhe está subjacente.(85)

A noção de pessoa (prosopon) e de personalidade (prosopikotes) vai muito para além da noção actual de cidadão. Pelo menos enquanto a noção de cidadão(86) for circunscrita a alguns e sobretudo não igualitária, inclusiva e participativa(87).

Batalhemos, pois, pela igualdade de direitos(88), pela solidariedade e fraternidade(89), pela dignidade da pessoa humana(90) e pelo conceito de cidadania universal(91), o que obviamente trará consequências ao nível social, económico, político e, também, ao nível do acesso ao direito(92).

Mas essa é a utopia da igualdade(93), a transmitir e a convencer uma sociedade com um profundo déficit de cidadania(94); igualdade que derivará de um conceito, longínquo, mas queremos crer que exequível, de cidadania universal coincidente com o da pessoa, sem qualquer tipo de discriminação.

A defesa oficiosa, a noção do dever individual, da responsabilidade colectiva e a praxis do advogado e do advogado-estagiário. O ocaso do paradigma do advogado individual em prática isolada, os riscos da advocacia pública e a proposta de uma “terceira via”.

“Sê leal com os colegas, sincero com os clientes, colaborante com os magistrados, compreensivo com o adversário, urbano com todos: a advocacia é um magistério cívico”
António Arnaut
Decálogo (VI)
in Iniciação à Advocacia – Deontologia, Questões Práticas; Coimbra, Coimbra Editora; 1996; p. 142.

Há “…uma meditada hostilidade contra a advocacia; nesta, considerada a mais típica das profissões ditas liberais, alguns acreditaram discernir uma espécie de resíduo fóssil do individualismo declinante… e que, em breve, também deveria ser totalmente eliminada pela transformação, que afirmam inevitável, das profissões liberais em empregos públicos”
Piero Calamandrei
Eles, os Juízes, vistos por um Advogado, São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. XLI.

“Advocacia—profissão improdutiva que é preciso eliminar”
Muammar Al Kadhafi
Discurso no Parlamento de Tripoli
1992

O acesso ao direito está constitucionalmente garantido.(95) Tal como está assegurado também o patrocínio forense.(96) E, por isso, “a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da Justiça”.(97)

O patrocínio judiciário, ou a defesa judicial, é o terreno, por excelência, da actuação do advogado; isto é, a representação da parte ou do sujeito processual, na arena judiciária, precisamente por um profissional do foro, quer seja ele advogado, advogado estagiário ou, em certos casos, solicitador.(98)

“A função do mandatário forense— e em particular do advogado — não se restringe à prática dos actos jurídicos em que representa o mandante; tem como medida a defesa dos interesses que lhe estão confiados e como limite os poderes que lhe são conferidos”.(99)

O mandato judicial, a representação e assistência por advogado(100), bem como o patrocínio judiciário encontram-se instituídos no interesse da administração da justiça(101) aos cidadãos em causa e às partes representadas(102) ou aos sujeitos processuais visados.

“O Advogado carrega nos ombros o fardo das expectativas do cliente para que lhe seja feita justiça, defendendo-lhe a fazenda, honra, liberdade e, por vezes a própria vida”(103) e a “…a actividade do advogado reveste essencialmente uma destas três espécies: patrocínio forense, mandato não forense e consulta jurídica”.(104)

A representação por profissional do foro é, ou poderá ser, não só útil para a resolução extrajudicial dos conflitos(105) ou para a mais rápida resolução do litígio, mas também para o aprofundamento da qualidade da justiça, finalidade que parece estar em desuso, tal é a febre da eficácia e a sanha da celeridade, que tudo o mais parece ficar esquecido.

Embora não seja o único factor e actor relevante na Justiça(106), o advogado—e, por seu intermédio, o patrocínio judiciário—é também imprescindível à boa condução e conclusão dos processos judiciais.(107) Para boa decisão da causa ou para a descoberta da verdade. De toda a verdade e não apenas da verdade fácil, superficial, oficial ou oficializada, formalmente declarada com chancela burocrática.

Para a boa condução e conclusão dos processos judiciais há que contar com a livre intervenção da advocacia e com a leal colaboração de todos os outros restantes agentes judiciários. E com o respeito, por todos, dos direitos do cidadão e das prerrogativas do advogado.(108)

Para tal não subsistem dúvidas de que a planificação estratégica (desde o princípio do processo) e a actuação táctica (em todos os actos do processo) são componentes necessárias(109) à realização dos objectivos dos cidadãos ou pretensões dos constituintes, dos fins processuais e, em última análise, dos fins do Direito.(110)

Não é tolerável qualquer situação de impedimento de contacto e de assistência a um cidadão e, por maioria de razão, a um arguido. Como não o é o impedimento de acompanhamento por advogado de qualquer cidadão perante qualquer autoridade. A nossa Lei Fundamental(111) é bem clara; a nossa Lei Processual Penal(112) não admite outro entendimento, e o novo Estatuto da Ordem dos Advogados(113), também ele com força de lei, só veio confirmá-lo.

O paradigma do advogado individual em prática isolada, já o dissemos, está em crise(114). Mas a responsabilidade social(115) da advocacia parte, em primeira linha, da noção e do exercício do dever individual e, só depois, da responsabilidade social e da acção colectiva. Por isso se diz que a advocacia é uma função de relevante interesse público.(116) E um imperativo de cidadania.(117)

Cabe ao advogado uma especial responsabilidade social na forma como exerce a sua função. Sem esquecer o permanente e escrupuloso cumprimento dos seus deveres individuais terá que pautar todo o seu comportamento pessoal e conduta profissional, no estrito respeito por critérios éticos exigentes e limites acima da média do comum cidadão.

A Ordem dos Advogados tem especiais atribuições e competências(118) que não pode descurar, designadamente em matéria de co-responsabilização na gestão do regime do acesso ao direito e aos tribunais(119). Mas também no controlo ético efectivo do exercício profissional(120).

É imperativo de cidadania mas também uma decorrência da responsabilidade colectiva que nos cabe a todos enquanto profissão.

A praxis do advogado e do advogado estagiário é objecto de apertada sindicância crítica por parte das instituições em geral e dos cidadãos em particular(121), e uma das maiores críticas que se vem fazendo ao concreto exercício da advocacia tem que ver com o actual estado do patrocínio oficioso e da defesa oficiosa em Portugal.(122)

As nomeações são aleatoriamente feitas sem que se tenha em conta a experiência profissional(123) e a especial vocação ou a real competência dos advogados ou dos advogados estagiários designados. Ora, a crescente complexidade do edifício legislativo, as exigências das novas tecnologias(124), o aprofundamento e o alargamento das matérias previstas em cada ramo do direito, a proliferação de regimes especiais, de processos e de procedimentos, impõem a especialização.(125) Mas as nomeações não têm em conta, sequer, a maior parte das vezes, as áreas de actuação preferenciais de cada advogado.

É que “…a mobilização dos tribunais pelos cidadãos nos domínios civil, laboral, administrativo, etc, implica sempre a consciência de direitos e a afirmação da capacidade para os reivindicar e neste sentido é uma forma de exercício de cidadania e da participação política”(126). Infelizmente, a capacidade de “mobilização dos tribunais pelos cidadãos” não é a mesma para todos. Por isso se diz que “há uma justiça para ricos e outra para os pobres”.

Ouvem-se vozes a clamar pela alteração urgente deste estado de coisas. Vozes outras clamam pela introdução da advocacia pública. Não basta proclamar que “o sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos”. Há que resolver o drama do acesso ao direito. Haverá uma “terceira via”? Há, pois. Designadamente desenvolvendo “acções e mecanismos sistematizados de informação jurídica e de protecção jurídica”.

Por isso mesmo, “ninguém duvida da premência em se prever no judiciário um sistema de acesso ao direito que salvaguarde as necessidades efectivas dos mais desfavorecidos, o que se duvida é da coerência e/ou da eficácia do sistema que temos. Temos um modelo que combinou o exercício de uma profissão geneticamente liberal com a satisfação de necessidades eminentemente públicas, e de simbiose final deste produto poderão advir reticências centradas num exercício contraditório que tal modelo facilita”(127).

Ora, para construir uma sociedade verdadeiramente igualitária, “…medida absolutamente necessária diz respeito à garantia de assistência judiciária a todos os cidadãos que dela careçam. Sem pôr em causa o carácter liberal da advocacia, é indispensável criar uma instituição pública que assegure a todos os cidadãos uma defesa oficiosa adequada, ultrapassando a situação actual, em que tal tarefa é assegurada por estagiários de advocacia, forçosamente inexperientes e na sua maioria mal apoiados, tornando-se em muitos casos uma mera formalidade burocrática, nas quais tudo se resume a um «peço justiça» ritualmente repetido”(128).

Ora, esta instituição pública não tem que ser obrigatoriamente um departamento estatal. Dependente do poder, dependente do Governo. Nem deve sê-lo, sob pena de instituir-se a “advocacia pública”, com tudo o que de pernicioso acarreta.(129)

Há, pois, que repensar a acção do advogado, há que repensar o acesso ao direito(130), de modo a que, com espírito de serviço público(131), se cumpra a solidariedade exigível, sempre com a independência(132) desejável, incompatível com qualquer publicização da advocacia. É “…o Advogado, num Estado de direito, indispensável à Justiça e aos cidadãos, cujos direitos e liberdades ele tem a responsabilidade de defender e de quem é o conselheiro ou o defensor; a sua missão impõe-lhe múltiplos deveres e obrigações, por vezes aparentemente contraditórias, relativamente ao cliente, aos tribunais e a outras autoridades… [e a advocacia] uma profissão liberal e independente, vinculada pelo respeito das regras que ela própria criou, é um meio essencial de salvaguardar os direitos do Homem, face ao Estado e aos outros poderes”(133).

Mas para que tal se possa concretizar não é necessária a advocacia pública, com todos os riscos que comporta(134), mas sim uma “terceira via”, um novo advogado e uma nova advocacia, mais empenhada e mais solidária, mas sobretudo um novo sistema de acesso ao direito, mais igualitário, justo, eficaz e eficiente.

A solidariedade e o espírito de serviço público e as especiais responsabilidades individuais e institucionais da profissão. A necessidade de repensar o acesso ao Direito.

Vimos já os especiais deveres, e a responsabilidade, do advogado(135); analisámos também as obrigações, e a responsabilidade, da Ordem dos Advogados; não podemos agora esquecer algumas das finalidades do direito(136) — atingir o equilíbrio onde há desequilíbrios, construir a segurança onde foi imposta a desordem, corrigir assimetrias injustas, alcançar a paz onde grassa o litígio, enfim, servir as pessoas, todas as pessoas, e solucionar conflitos, quando estes não possam ser de outro modo resolvidos.

A solidariedade e o espírito de serviço público sempre foram apanágio da profissão(137), mas não escamoteamos, nem podemos recusar, a nossa quota parte na responsabilidade pela crise da justiça(138) e as especiais responsabilidades individuais e institucionais da profissão(139), designadamente no que respeita ao real apoio aos mais carentes e miseráveis(140) e, por conseguinte, à garantia do acesso ao direito(141).

Quando se “constituem atribuições da Ordem dos Advogados” por um lado, “defender o Estado de Direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça” e, por outro, “assegurar o acesso ao direito” está-se a cometer uma especial responsabilidade social ao conjunto dos advogados(142), mas não só. Porque é, no fundo, ao advogado, a cada um dos advogados, que cabe exercer o mandato forense(143) e assegurar a consulta jurídica(144). Mas será ao Estado que competirá assegurar os meios e os recursos necessários.

Para que a Lei seja efectivamente igual para todos(145), para que o Direito seja uma realidade a todos acessível(146) e a Justiça seja justa, actual e pronta, e sirva os cidadãos com eficiência, as reformas são absolutamente necessárias, tanto as de carácter constitucional e legal, como institucional, orgânico e prático.(147). Mas sempre tendo em conta um advogado livre e independente(148). Sobretudo quando actua perante os poderes e litiga no tribunal(149).

Porque é necessário então o advogado? E o advogado no tribunal? Desde logo e “…primeiramente porque só ele separando o trigo do joio, conforme a locução popular, sabe extrair de um amontoado de elementos o que pode interessar ao tribunal, evitando assim que os magistrados malbaratem a sua actividade na destrinça entre o que vale e o que não presta; em segundo lugar, porque quem patrocina uma questão no pretório deve ter a cultura geral e profissional necessárias para expor com clareza e precisão convenientes a matéria de facto e saber enquadrá-la nas disposições legais reguladoras; em terceiro lugar porque uma tal exposição tem de ser feita não só com clarividência mas com serenidade e sem paixão”. (150)

Todos os processos judiciais, e a retórica a eles subjacente, visam objectivos vários, muitos deles conflituantes, mas que se podem reconduzir à busca da Justiça, ao respeito pela Lei, à procura da Equidade, à reposição da Ordem, à obtenção da Paz, à consecução do Bem Comum, à manutenção da Segurança e ao recíproco Respeito, assim se recordando, entre outras, as velhas máximas latinas «summum ius, summa injuria», «dura lex sed lex», «libertas inaestimabilis est», «pacta sunt servanda», «sum quique tribuere» e «audi alteram partii»(151).

Mas a assistência do advogado não se pode limitar à intervenção em tribunal. Porque nem todos os problemas surgem ou desembocam no Tribunal ou são ou devem ser resolúveis no foro. Daí “…o acesso ao advogado integrar, afinal, o próprio princípio do acesso ao direito, na medida em que o recurso aos serviços de um advogado em que o litigante deposite confiança é condição da realização do seu direito a um julgamento justo. Do mesmo modo que o recurso à prestação de serviços de consulta jurídica por advogado é condição da realização do direito, à informação e à orientação jurídica”(152).

Ou seja, não sendo sua função primordial, “…é possível que o advogado se transforme, ele próprio, num mecanismo de resolução do litígio…”(153), até porque “…o advogado deve exercer também uma função de pacificação social. Aconselhando quando procurado, privilegiando procedimentos de conciliação e transacção, promovendo uma informação activa e exercendo pela sua própria conduta, uma pedagogia cívica”(154).

O difícil é compatibilizar interesses diversos e, por vezes, contraditórios; daí que se diga que “há que encontrar um equilíbrio entre o individual e o colectivo, tal como entre os direitos e os deveres, a solidariedade e a assistência, sem o qual o cidadão se encontrará [fragilizado e] desresponsabilizado”(155). É difícil, mas é também um imperativo de justiça.(156)

O artigo 83.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, sob a epígrafe de integridade, dispõe que “o advogado é indispensável à administração da justiça e, como tal, deve ter um comportamento público e profissional adequado à dignidade e responsabilidades da função que exerce, cumprindo pontual e escrupulosamente os deveres consignados no presente Estatuto e todos aqueles que a lei, os usos, costumes e tradições profissionais lhe impõe” e que “a honestidade, probidade, rectidão, lealdade, cortesia e sinceridade são obrigações profissionais”.(157) Não será demais registar que nenhuma outra profissão judiciária exige tanto dos seus membros e é tão incisiva, clara e abrangente na estatuição dos seus deveres.

Uma advocacia independente assente no advogado livre é essencial, é mesmo imprescindível, mas não é suficiente. Porque nem sempre é possível ao advogado, a cada um dos advogados, que cabe exercer o mandato forense e assegurar a consulta jurídica, responder a todas as necessidades da sociedade. E nem sempre quando estes respondem individual e isoladamente a resposta é a mais adequada. Por isso é preciso uma Ordem que intervenha. Que intervenha criando, ou propondo a criação ao Estado(158), de gabinetes de consulta jurídica local e geograficamente bem enquadrados e dotados de meios humanos adequados e equipamentos mínimos; de serviços de acolhimento nos tribunais e serviços judiciários e de gabinetes de consulta jurídica nos Estabelecimentos Prisionais e nos Centros Educativos.

A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO ADVOGADO E DA ORDEM DOS ADVOGADOS

O exercício empenhado da Cidadania como emanação dos deveres de solidariedade individual e dos deveres de participação e de intervenção na vida pública. A importância da sensibilização para os direitos humanos, da formação e da especialização e da acção individual e colectiva.

“Talvez o que caracterize melhor o mundo contemporâneo seja esta paradoxal coincidência de subida do nível da consciência dos direitos, quer individuais, quer sociais, e a capacidade, também individual ou colectiva, de os neutralizar, numa indiferença total, não só empírica, como reflectida e até teorizada, pelo absoluto desrespeito pela legalidade e pela quase lúdica assumpção da impunidade. A sociedade reage ou é sensível a esta denegação da norma ou ofensa do laço social provocada pela violência sem código ou codificada, sobretudo quando convenientemente mediatizada, mas é quase insensível ao abuso e à banalização da mesma violência na esfera privada, aquela que atinge o individuo como tal”
Eduardo Lourenço
apud Direito à Cidadania de Alberto Martins; Lisboa, Dom Quixote, 2000; pp. 26 e 27.

“Sê diligente, estuda e cultiva-te: o trabalho, a ciência e a cultura é que dão força à tua voz”.
António Arnaut
Decálogo (IV)
In Iniciação à Advocacia-Deontologia. Questões Práticas; Coimbra, Coimbra Editora, 1996; p. 143.

Em síntese, “a advocacia é uma função nobre e humanista. Servir o direito e a justiça, apoiar os fracos e os oprimidos, defender a vida, a honra, a liberdade e os interesses legítimos dos cidadãos, e pugnar por um mundo melhor”(159). E essa é, no fundo, em poucas palavras, a nossa responsabilidade social.

O que se espera de um cidadão mais não é do que o comportamento cívico, o civismo, daquele que, pertencendo a uma dada comunidade, observa as suas regras e participa na vida política, na vida social e, também, na vida judiciária. “O processo de renovação da justiça é um desafio permanente das sociedades modernas, as quais se confrontam hoje com a globalização das trocas, das novas tecnologias e com a internacionalização das relações sociais do direito e, também, com a internacionalização do crime”(160). O que se espera do advogado, vimos já: acção digna e livre, autonomia técnica, isenção e responsabilidade, empenhamento na administração da justiça, honestidade e lealdade, probidade e rectidão, cortesia e sinceridade. Mas há que cultivar estas características. Elas não são estáticas e não se mantêm para sempre sem um esforço continuado. A adequada, permanente e empenhada formação inicial e contínua, que “...obstará a que o advogado involuntariamente erre e induza em erro;... obtém-se por uma conveniente habilitação literária e jurídica, há muito fixada no mínimo de uma formatura em direito e, actualmente, de uma licenciatura seguida da prestação de um estágio”(161) ou exigirá algo mais? Por exemplo, a especialização(162). Mas não só!

É que, nos termos do artigo 190.º do novo Estatuto da Ordem dos Advogados “a formação contínua constitui um dever de todos os advogados, sendo da responsabilidade da Ordem dos Advogados a organização dos serviços de formação destinados a garantir uma constante actualização dos seus conhecimentos técnico-jurídicos, dos princípios deontológicos e dos pressupostos do exercício da actividade, incidindo predominantemente sobre temas suscitados pelo desenvolvimento das ciências jurídicas e dos avanços tecnológicos e pela evolução da sociedade civil”.

E se esta formação é essencial, a formação humana, a transmissão da experiência, a instilação da prudência, o ensino da deontologia e a sensibilização para os direitos humanos, mais do que fundamental, é imprescindível. “O Advogado tem de ser justo e esperto no direito ou ramo do direito a que se dedica, dominar o verbo para dizer o que precisa e só, mas sobretudo tem de ser corajoso e prudente, porque mesmo o justo sem coragem não ousará combater a injustiça, como sem a prudência não saberá como fazê-lo”(163). E a prudência é o resultado da experiência acumulada e da ponderação calculada. No terreno. Na acção. No exercício da profissão. Sempre livre e independente(164).

Falando-se da “utilidade social da profissão de advogado”, afirma-se que “a advocacia é, no conceito de Henri-Robert, a mais bela e a mais penosa das vidas — é sem dúvida uma nobre ocupação quando nobremente praticada, respondendo a uma necessidade social e envolvendo o seu exercício grande melindre”(165). Não pode, pois, deixar-se a formação inicial, sobretudo no capítulo da deontologia, mas também no que toca às práticas forenses, fora da Ordem dos Advogados e, sobretudo, ausente da experiência e órfã dos saberes acumulados dos Colegas mais velhos. É, se for assim, um erro crasso e um risco tremendo para o futuro. Mas também não pode menosprezar-se a necessidade, diríamos mesmo a obrigatoriedade da formação contínua. Porque a advocacia é uma necessidade social latente, premente e crescente, porque a sociedade não pára, o direito não estagna e a profissão tem que avançar, ou estiola, foi cometida à Ordem mais uma atribuição: a de prover serviços de formação contínua(166), para que a nossa acção individual e colectiva possa ser mais pronta e eficaz e responda mais adequadamente às necessidades e solicitações do indivíduo e da sociedade.

O exercício livre da Advocacia como condição necessária, mas insuficiente, para a promoção da efectiva igualdade entre os cidadãos e para a protecção do indivíduo face à inércia e ao abuso do poder.
Disponibilidade do Advogado e responsabilidade do Estado.

“O advogado «é o homem livre, na verdadeira acepção da palavra. Não pairam sobre ele senão as servidões voluntárias; nenhuma autoridade estranha paralisa a sua actividade individual; a ninguém deve contar das suas opiniões, das suas palavras ou dos seus actos; não tem outros senhores que não seja a lei. Daí, nos advogados, um orgulho natural, por vezes irreverente, e um sorridente desdém de tudo que seja oficial ou hierarquizado”.
Raimond Poincaré
in Adelino da Palma Carlos, Homem do Foro: a vida e a ficção, R.O.A., Ano 13, n.os 1-2; apud Advogados – elogio e crítica, de Alberto Sousa Lamy; Coimbra, Almedina, 1984, p. 80.

Para Justiça alcançar
Três coisas são mister
Tê-la, dá-lo a entender
E que no-la queiram dar
Quadra popular recolhida por Jorge Sintes Pros,
apud O Cliente e a Independência do Advogado (uma chave de deontologia profissional) Lisboa, Quid Juris, 2000, p. 30.

“…a igualdade imposta mata a liberdade e a liberdade sem regras oprime e mata a igualdade”
Alberto Martins,
Direito à Cidadania; Lisboa, Dom Quixote, 2000; p. 89.

O exercício digno e livre(167) da advocacia é condição necessária, primeiro, para a promoção da efectiva igualdade entre os cidadãos e, depois, para a protecção do indivíduo face à inércia e ao abuso dos poderes instituídos. Por isso se diz que o advogado tem que “…ser em cada causa, causa de justiça. Exercer, pelo combate pacífico e pelo exemplo, uma verdadeira magistratura moral e cívica. Defender o Estado de Direito, protestar contra as violações dos direitos humanos e combater as arbitrariedades, é um dever indeclinável do advogado…”(168).

A advocacia, para ser digna de confiança(169) e credibilidade, é uma luta permanente contra os arbítrios, os incumprimentos e as iniquidades.(170) “São os advogados quem, ainda hoje e por todo o mundo, velam para a realização do Direito e combatem as leis injustas. Quando todas as portas se fecham diante do cidadão anónimo a chamar por justiça, há ainda alguém disponível para escutar as suas razões e bater-se por elas”(171).

Há, porém, que reconhecer que a educação para a cidadania(172) e o esforço isolado(173) do advogado pode dar frutos, aqui ou ali, mas será sempre — se não acompanhado do esforço de outros(174) — condição insuficiente para a promoção de desejada e efectiva igualdade de oportunidades(175). Não se esqueça que “…ser advogado é um dos mais nobres exercícios do direito de cidadania. O advogado é um combatente da liberdade e um lutador pelos direitos do cidadão”.(176) Luta que é muita vezes perdida e será sempre interminável. Por isso é que muitas vezes desabafamos, nos momentos de impotência, de desânimo ou de derrota, queixando-nos que “a vida de advogado, entre a ingratidão dos clientes a quem nos dedicamos, a deslealdade dos colegas com quem esgrimimos e a incompreensão dos juízes com quem cooperamos, não é profissão é um inferno!”(177)

Por isso, e por tudo o mais que se disse já, “(…) ser-se advogado implica uma grande responsabilidade social. (…) Um exemplo paradigmático está na defesa do princípio do acesso ao direito por parte de todos os cidadãos. Não é por acaso que são os advogados — e a respectiva Ordem, à cabeça, importa reconhecê-lo e sublinhá-lo —os primeiros a defenderem e a lutarem por um regime claro e exequível de acesso ao Direito”(178). Mas um regime claro e exequível de acesso ao direito, se está condicionado pela actuação do Estado, se depende da assunção pelo Estado das suas responsabilidades (179), designadamente financeiras, depende também da vontade dos advogados no seu conjunto, isto é, do empenhamento da Ordem dos Advogados e da disponibilidade de cada advogado.

Três desafios para o século XXI: a (real e efectiva) possibilidade de consulta jurídica aos cidadãos do mundo; a (efectiva e digna) defesa oficiosa nos Tribunais e perante os Poderes e a Administração e a (permanente e eficaz) assistência jurídica aos privados de liberdade nas Prisões e nos Centros Educativos.

“Não há na sociedade um ente fraco e desprotegido vítima de perseguição violenta e insidiosa, nem direito ignorado, liberdade asfixiada que peça socorro a um advogado que não encontre um decidido a defender interesses que não são seus”.
Anónimo
(Memória dedicada aos advogados de Paris) apud História Breve da Advocacia em Portugal; de Adalberto Alves; Lisboa, CTT, 2003; p. 191.

Nulla causa adeo mala quem peritus advocatus non possit bonan facere (nenhuma causa é tão má que um advogado sabedor não a possa fazer boa)
“O que há de melhor no advogado é que ele nos aparece quando os outros nos fogem.”
Valério Bexiga
in Manual de Deontologia Forense, de Valério Bexiga; Faro, Conselho Distrital de Faro da Ordem dos Advogados; 2003, p. 157.

“O direito à cidadania assenta na ideia essencial de que não basta a proclamação dos direitos e das liberdades mas exigem-se as condições do exercício desses direitos e dessas liberdades”
Alberto Martins
Direito à Cidadania; Lisboa, Dom Quixote, 2000; p. 11.

Aqui ficam, pois, telegraficamente, três desafios para o século XXI. Três desafios à nossa inteligência, ao nosso empenhamento e à nossa capacidade de vergar o Estado a cumprir finalmente as suas obrigações no domínio do acesso ao direito. E três desafios que são específica e directamente dirigidos à Ordem dos Advogados, mais concretamente ao Conselho Geral para que lidere as alterações a sugerir aos Conselhos Distritais e às Delegações e, seguidamente, exija ao Estado a assunção das suas responsabilidades. É que “... no apuramento da verdade em ordem a um julgamento [qualquer que ele seja], o que conta é a palavra de quem está a ser julgado [quem quer que seja], que pode ser pronunciada por si ou por quem o ajuda [o advogado ou o advogado-estagiário]. Esta ajuda é mais necessária no caso dos pobres, dos simples, dos rejeitados da sociedade”(180).

Não cumpriremos os nossos deveres, não honraremos a nossa responsabilidade social, se não formos capazes de auxiliar na instituição de novas regras de acesso ao direito. A Advocacia “é uma das profissões de dimensão humana à escala do próprio Homem, nas suas fraquezas e grandezas, na defesa do indigente, ou do criminoso, ou na protecção do indefeso perante a ditadura, mas sempre como profissão indispensável à garantia de uma das novas necessidades mais básicas, o direito à Justiça”(181).

Há que propor ao Estado que assegure a alteração, a apresentar urgentemente, do sistema, disperso e caótico, de gabinetes de consulta jurídica; instituindo uma real e efectiva possibilidade de consulta jurídica aos cidadãos do mundo(182), isto é a todas as pessoas que tenham de facto necessidade de apoio e informação.(183)

Em tempos e locais idos foi assim: “as consultas gratuitas são dadas no palácio da Justiça, no secretariado da Ordem dos Advogados. Assim, vários escritórios de consulta funcionam a tarde toda, várias vezes por semana. Cada escritório compõe-se de um advogado inscrito e dois estagiários. Diante deles desfila, durante todo o dia, um número considerável de indigentes que vêm pedir conselhos sobre os mais diversos assuntos: dificuldades com o senhorio, casos de sucessão, de partilha, de dissolução de comunidade, pedidos de divórcio, de pensão alimentar, de ressarcimento por perdas e danos”(184).

Há que propor igualmente ao Estado o real apoio a uma efectiva e digna organização, e a garantia futura do respectivo e adequado financiamento, que assegure a defesa oficiosa nos Tribunais e perante os Poderes e a Administração. É que “…a advocacia é a única profissão em cujas regras está escrito que, para os seus seguidores, «o patrocínio gratuito dos pobres é um ofício honorífico»”(185). Podemos porventura não exigir tanto altruísmo e desprendimento material, se bem que as actuais tabelas pouco mais asseguram que o pagamento de despesas(186)! Mas, já o disse, e aqui repito, que a construção de uma sociedade livre, justa e solidária faz-se pelo cumprimento escrupuloso dos deveres de cada cidadão, pelo esforço de cada um de nós, e pelo esforço da Ordem(187). E quantas vezes esse esforço não é suficiente ou não é suficientemente organizado, determinado e dirigido para o bem comum.(188)

Há que propor finalmente uma estrutura mínima, permanente e eficaz de assistência jurídica aos privados de liberdade nas Prisões(189) e nos Centros Educativos(190), sem o que a informação e a assistência jurídicas não passarão de belas proclamações sem eficácia nem consistência.(191) É que “...diga o que disser a inveja ou a malignidade, há virtude em descer aos calabouços para aí levantar a esperança dum acusado, e levar-lhe consolação. É verdade que se essa é a parte mais penosa da nossa profissão, é também a mais honrosa...”.(192)

E se é tarefa fundamental do Estado garantir os direitos e liberdades fundamentais(193), defender a democracia política, promover enfim a cidadania(194), o desenvolvimento, a participação e a igualdade, não podemos descurar aqui a responsabilidade(195) de cada um de nós quer isoladamente quer institucionalmente para afastar de vez pelo menos um aspecto da malfadada crise da justiça(196).

Este é o repto aos órgãos eleitos da Ordem. Esta é a nossa responsabilidade social. Este será o nosso contributo para o exercício da cidadania. E um passo, um pequeno passo, na promoção da igualdade. Até para que não se diga também, em relação à Cidadania, à Justiça e à Advocacia, e quase 135 anos (!!!) depois que
«O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os caracteres corrompidos. A prática da vida tem por única direcção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos. Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se que por toda a parte: o país está perdido!»
Eça de Queirós,
As Farpas
1871


Notas:

(1) Texto elaborado pelo Dr. Carlos Pinto de Abreu, Advogado e Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados e apresentado por ocasião do último Congresso da Ordem dos Advogados realizado em 2006.

(2) Vide, de AAVV, a publicação Direitos do Homem – Dignidade e Justiça; Lisboa, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, 2005; pp. 52 a 56.

(3) Cfr., de Mário Raposo, Advocacia in Polis-Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. 1., Lisboa, Verbo, 1983, pp. 158 a 162.

(4) V. o Inquérito aos Advogados Portugueses – uma profissão em mudança publicado pela Revista da Ordem dos Advogados (ROA), bem como o artigo também publicado na ROA, Ano 32, Julho/Dezembro, pp. 329 a 397.

(5) É nesta questão crucial que radica a nossa irrecusável responsabilidade social, o exercício da cidadania por parte do Advogado e da Ordem dos Advogados. A Advocacia não se justifica por si nem para si. A profissão só vale enquanto vale a terceiros, enquanto imprescindível ao exercício dos direitos de todos os cidadãos, ou melhor, de todas as pessoas; sem discriminações nem excepções. Cfr., de Eduardo de Melo Lucas Coelho o seu Qualidade na prestação de serviços jurídicos e judiciários - que espera o tribunal dos advogados? publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 53, Abril, de 1993, pp. 191 a 196.

(6) “Dae a um homem todas as qualidades do espírito, dae-lhe todas as do carácter, fazei com que tenha visto tudo, aprendido tudo e tudo retido, que tenha trabalhado sem descanso durante trinta annos da sua vida, que seja cumulativamente um literatto, um critico, um moralista, que possua a experiência de um velho, o ardor de um mancebo, a memoria infallivel de uma creança; fazei finalmente com que todas as fadas venham sucessivamente embalar-lhe o berço, dotando-o de todas as faculdades: talvez com isso se consiga formar um advogado completo”. Paillet; cit p. 22 de O Perfeito Advogado de Domingos Pinto Coelho.

(7) A nossa profissão será o que dela fizermos e o que deixarmos que dela façam. Traçado o rumo há que segui-lo com determinação. O que não podemos é permitir que outros o façam. Daí o risco da advocacia pública. Que só existe por inacção e desleixo dos advogados e tácita permissão ou demissão da Ordem dos Advogados.

(8) Cfr. de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, Vol. I; Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947; p. 17.

(9) V. de D. José Policarpo, O Advogado visto por…, Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005; p. 72.

(10) Cfr., de Adalberto Alves, História Breve da Advocacia em Portugal, Lisboa, CTT, 2003; p. 11

(11) Cfr., de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, Vol. I, Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947, p. 87.

(12) Vide de Alberto Sousa Lamy, Advogados – elogio e crítica; Coimbra, Almedina, 1984.

(13) Cfr. de José María Martínez Val, Abocacia y Abogados, Barcelona, Bosch, 1990.

(14) Vide, de Jorge de Jesus Ferreira Alves, Os Advogados na Comunidade Europeia; Coimbra, Coimbra Editora, 1989. V. também, de Alberto Sousa Lamy, o seu Advogados e Juízes na literatura e na sabedoria popular, vols. 1 a 3; Lisboa, Ordem dos Advogados Portugueses, 2001.

(15) V., de Manuel Pereira Barrocas, o estudo Qualidade e Eficácia de Serviços Profissionais de Advocacia prestados por Sociedades de Advogados e por Profissionais em Nome Individual, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 53, Abril de 1993, pp. 113 a 125.

(16) Cfr., de Luís Marques Mendes, O Advogado visto por …; Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005; p. 33

(17) Vide, de Diogo Leite de Campos, o estudo sobre O Ofício de Jurista, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 53, Abril/Junho de 1993, pp. 415 a 426.

(18) V., de Cunha Rodrigues, O Advogado visto por um Magistrado, in Lugares do Direito; Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 183.

(19) Citação de Pio XII apud Orlando Guedes da Costa, no seu Direito Profissional do Advogado – noções elementares, 3.ª ed.; Coimbra, Almedina, 2005; p. 13.

(20) “Sê livre, independente e insubmisso perante todas as justiças e arbitrariedades: que nenhuma voz alheia à tua consciência te condicione a palavra”. Decálogo de António Arnaut (III).

(21) V. de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, Vol. I; Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947; p. 188.

(22) Cfr. de Germano Marques da Silva, A Responsabilidade Profissional do Advogado (perspectiva penal) in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Brito de Almeida e Costa; Lisboa, Universidade Católica, 2002; p. 629.

(23) Por isso que “…a liberdade de consciência e de actuação pressuposto indeclinável da independência e da dignidade da advocacia não é compatível com qualquer função ou actividade que a possa afectar ou pôr em risco. No desempenho profissional, o advogado não pode estar sujeito a qualquer tipo de pressão, temor ou simples suspeita. Para ser sincero, e assim considerado, é preciso ser inteiramente livre. Para alegar tudo quanto é necessário à causa, não pode ter qualquer inibição. Não concebo a advocacia presa a liames ou a sujeições de qualquer natureza. Sou advogado porque sou livre” Cfr. de António Arnaut. Iniciação à Advocacia. História, Deontologia. Questões Práticas, 3.ª ed. Coimbra, Coimbra Editora, 1996; p. 83.

(24) Ver de Cunha Rodrigues, O Advogado visto por um Magistrado; in Lugar do Direito, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 184.

(25) Cfr., de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, Vol. I, Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947, pp. 87 e 88.

(26) Não há profissionais de primeira ou de segunda, prescindíveis ou imprescindíveis, menos ou mais puros; funções mais ou menos necessárias, com maior ou menor dignidade e mais ou menos prestigiadas.

(27) Cfr., de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, Vol. I, Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947, pp. 82 e 83.

(28) Até porque, se os advogados são os profissionais do foro que mais próxima e imediatamente contactam com o cidadão, os juízes são aqueles que podem decidir no sentido da protecção dos seus interesses e no respeito pelos seus direitos. Se é aos advogados que compete, em primeira linha, a defesa da dignidade da pessoa humana em todas as suas manifestações é aos juízes que cabe a última palavra na protecção da cidadania e do cidadão. Seja na normalidade. Seja na patologia.

(29) V., de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, Vol. I, Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947, p. 84.

(30) “[O advogado] livre de todos os entraves que cativam os outros homens, demasiado orgulhoso para ter protectores, demasiado obscuro para ter protegidos, sem escravo e sem dono, seria o homem na sua dignidade original, se um tal homem existisse ainda”. Cit. de Henrion de Pensey, apud História Breve da Advocacia em Portugal, de Abalberto Alves, Lisboa, CTT, 2003; p. 14.

(31) São as seguintes as três principais ameaças modernas à advocacia livre e independente: a funcionalização pela via da hierarquização, da subordinação e da massificação excessivas; a descaracterização, o laxismo e o relativismo pela via da desestruturação da função e da demissão ou fragilidade do poder disciplinar e a ameaça de publicização da profissão por via da sua degradação crescente.

(32) Em bom rigor o grau de utilidade ao Outro pode tão-só significar uma cidadania passiva (em que se cumpre o que não se pode deixar de cumprir), pode ser um pouco mais, isto é, uma cidadania reivindicativa (em que se protesta, critica e exige) ou pode ser (o que deve ser) uma cidadania construtiva (em que a responsabilidade social exige proactividade, imaginação e mais valia no pensar e no agir em prol da Comunidade e das Pessoas).

(33) Não tendo aumentado, em proporção, o número de juízes, magistrados do Ministério Público e funcionários judiciais, só para perceber também uma das razões da crise da justiça.

(34) A evolução estatística é facilmente comparável, e apreensível, com base numa análise atenta dos dois inquéritos feitos à profissão citadas na nota de rodapé n.º 4, isto é, o Inquérito aos Advogados Portugueses — uma profissão em mudança publicado pela Revista da Ordem dos Advogados (ROA), bem como o artigo também publicado na R.O.A., Ano 32, Julho/Dezembro, pp. 329 a 397.

(35) Cfr. de Fernando Santo, O Advogado visto por…; Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005, p. 136.

(36) Não olvidamos que segundo o art.° 12.° do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados aprovado pelo Decreto-Lei n.° 229/2004, de 10 de Dezembro, “todos os sócios integram obrigatoriamente a sociedade com participações de indústria e todos, alguns ou algum deles, segundo o que for convencionado, também com participações de capital”. Assim é na letra da lei. Mas a prática leva-nos a concluir que, sobretudo com o movimento da internacionalização, o factor capital é sobrevalorizado em relação às participações de indústria que são subvalorizadas.

(37) Mesmo entre sócios.

(38) Dos associados ou de colaboradores, nomeadamente de colaboradores externos.

(39) Cfr., art.° 1.°, n.° 2 do Regime Jurídico das Sociedades de Advogados aprovado pelo Decreto-Lei n.° 229/2004, de 10 de Dezembro.

(40) Cfr., de José Miguel Alarcão Júdice, o seu Advocacia: um admissível mundo novo? In R.O.A, Ano 58, Janeiro de 1998; pp. 627 a 636.

(41) Cfr., de Henri Robert, O Advogado; São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 43.

(42) Cfr., de Cunha Rodrigues, O Advogado visto por um Magistrado, in Lugares do Direito; Coimbra, Coimbra Editora, 1999, 175.

(43) Cfr., de AAVV, Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas – o caso português; Porto, Edições Afrontamento, 1996; p. 25.

(44) Aqueles em que está ou pode estar em causa a sobrevivência, a liberdade ou a honra, por exemplo.

(45) Cfr., de Paulo Castro Rangel, o seu Advocacia e Preconceito in R.O.A, Ano 62, Abril 2002; pp. 487 a 489. O autor vai mais longe quando afirma que “ruiu por completo o paradigma liberal da advocacia”.

(46) “Os advogados são as testemunhas profissionais dos maus dias, os confidentes obrigatórios a quem o cliente é forçado a confessar seus segredos de família, até mesmo pequenas baixezas de que não tem motivo para se orgulhar”. Cfr. de Henri Robert, O Advogado; São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 6. Ora este múnus individual é insubstituível.

(47) Coisa distinta é a responsabilidade própria, não do advogado inserido em sociedade, mas da própria sociedade de advogados. Cfr., de Rui Lopes dos Santos, o seu Sociedades de Advogados e Deontologia – o art.° 198.° do Projecto de Estatuto da Ordem dos Advogados, in R.O.A., Ano 59, Abril de 1999; pp. 817 a 832.

(48) Os serviços prestam-se não na medida das necessidades, mas da real procura, normalmente de quem pode pagar. Há serviços que não são pedidos por impossibilidade de serem pagos e há outros que, do ponto de vista patrimonial, não compensam. A oferta não pode, porém, limitar-se aos serviços solicitados e remunerados ou àqueles que possam ser remunerados, quando pedidos.

(49) Ver de Alberto Sousa Lamy, o seu A Ordem dos Advogados Portugueses. História. Órgãos. Funções. Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1984; p. 29.

(50) “A dignificação da nossa profissão passa, na realidade, pelo reforço da sua autonomia e pela defesa do seu estatuto deontológico, encarado certamente pela perspectiva dos seus valores tradicionais e seculares, mas reflectindo, permanentemente, as constantes mutações de uma sociedade em evolução, onde cada vez se afirma mais a necessidade de uma Advocacia livre e responsável como verdadeira reserva moral e condição de construção dos modernos Estados de Direito”. Cfr., de Fernando Sousa Magalhães, o seu A Advocacia uma síntese da sua evolução histórica. Porto, Centro Distrital de Estágio do Porto, 1993; p. 29.

(51) Cfr., de Manuel Gonçalves, o seu Advocacia, Sociedade, Democracia – Ordem dos Advogados. Natureza e função social. in R.O.A., Ano 57, Abril de 1997, pp. 843 a 854.

(52) Cfr., de D. José Policarpo, O Advogado visto por… Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005; p. 77.

(53) Ver de Alberto Sousa Lamy, o seu A Ordem dos Advogados Portugueses. História. Órgãos. Funções; Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1984, p. 47.

(54) “A lição, que a história da Advocacia encerra, e que deixamos como motivo de reflexão...ensina-nos que os Advogados só perderam prestígio e influência social quando não souberam ou não puderam salvaguardar a sua independência e liberdade passando a agir ao sabor dos interesses dominantes”. Cfr., de Fernando Sousa Magalhães, o seu A Advocacia uma síntese da sua evolução histórica. Porto, Centro Distrital de Estágio do Porto, 1993; p. 29.

(55) Cfr. de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, vol. I; Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947; p. 87.

(56) Aliás, remonta já há muito, antes mesmo da Ordem dos Advogados Portugueses ter sido criada a constatação evidente de tal asserção. “Sem organização, sem união, sem disciplina, que só a organização pode dar, a advocacia portuguesa por milagre tem sabido guardar fielmente a dignidade profissional; mas se, honra lhe seja, o tem conseguido até hoje, se ainda não desapareceram as tradições de honestidade do fôro português, urge evitar que, no futuro, a onda de imoralidade que alastra o espírito de extrema comercialização que tudo invade atinge uma profissão que só a virtude pode dignamente sustentar, e sendo com honra um grande valor social, sem ela se transformaria num flagélo”. V. a citação de Luís da Silva Ribeiro, apud A Advocacia – uma síntese de uma evolução histórica; de Fernando Sousa Magalhães; Porto, Centro Distrital de Estágio do Porto da Ordem dos Advogados, 1993; p. 28.

(57) Cfr., de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, Vol. I, Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947, p. 88.

(58) E, por isso mesmo, vamos aqui lançar três desafios para o século XXI: instituir a (real e efectiva) possibilidade de consulta jurídica aos cidadãos do mundo; assegurar a (efectiva e digna) defesa oficiosa nos Tribunais e perante os Poderes e a Administração e possibilitar a (permanente e eficaz) assistência jurídica aos privados de liberdade nas Prisões e nos Centros Educativos.

(59) “A cidadania (o status civitatis dos Romanos) é o vínculo jurídico-político que, traduzindo a pertinência de um indivíduo a um Estado, o constitui perante este num particular conjunto de direitos e obrigações”. Cfr., de Rui Manuel Moura Ramos, o seu Cidadania, in Polis-Enciclopédia Verbo da Sociedades e do Estado; Lisboa, Verbo, 1983; p. 824.

(60) Mais do que pelo catálogo dos direitos, o exercício da cidadania devia definir-se pelo conjunto dos deveres. Não porque o estatuto do cidadão implique a vinculação ao Estado ou a outra entidade supra-individual. Mas sim porque correlativos aos deveres de cada um estão os direitos de todos. É isso a responsabilidade social, será isso que se pretende com o exercício de cidadania.

(61) É porventura no elenco de deveres que podemos melhor entender o alcance da expressão “exercício da cidadania”. Assim temos o dever de cumprir a lei, de frequentar a escolaridade obrigatória, de cumprir o serviço militar ou o serviço cívico, de contribuir para a segurança social e os deveres de trabalhar, votar ou pagar impostos, só para exemplificar.

(62) Desde logo, e primacialmente, o cumprimento dos seus deveres deontológicos gerais para com a Comunidade em geral e para com a Ordem — arts. 76.°, n.° 2; 77.°, n.° 1; 83.°, n.os 1 e 2; 84.°; 85.°, n.os 1 e 2; 86.°; 87.°, n.os 1 a 3 e 8; 88.°, n.° 1; 89.°, n.° 4; 90.°; 91.°; 99.°, n.° 1; 102.°; 103.°, n.° 2; 104.°; 105.°, n.° 1; depois o dos seus deveres deontológicos gerais para com o Cliente – arts. 92.°, n.os 1 e 2; 93.°, n.os 1 e 2; 94.°, n.os 1 a 6; 95.°, n.os 1 e 2; 96.°, n.os 1, 2, 4 e 5; 97.°, n.° 1; 100.°, n.os 2 e 3; 101.°, n.° 1; 103.°, n.° 1; 105.°, n.° 2; e, finalmente, o dos seus deveres deontológicos gerais para com os Colegas – arts. 106.°; 107.°, n.os 1 e 2 e 108.°; todos do Estatuto da Ordem dos Advogados. Acresce ainda, e só para exemplificar, que o advogado está sujeito à obrigatoriedade de voto para os órgãos da Ordem (art.° 14.°, n.° 4, do EOA); vinculado à aceitação do exercício de funções para as quais se candidate e seja eleito, também para a Ordem (art.° 15.° do EOA); e obrigado a assiduidade e diligência no desempenho dos cargos que lhe sejam confiados (art.° 17.°, n.° 1, do EOA). Finalmente, e não é pouco, está adstrito a todos os deveres do comum cidadão.

(63) Não certamente, neste domínio, “impor decisões, como é próprio do poder” ou fazer o advogado “sujeitar-se, como é condição do indivíduo”, mas sim, seguramente, “agir no campo de solidariedade, como é atributo das instituições intermédias”. Cfr., de Cunha Rodrigues, o seu Poder, Lei e Cidadania, in Em Nome do Povo; Coimbra, Coimbra Editora, 1999; p. 296.

(64) Tradicionalmente não se estatuem, por via legal, catálogos de deveres positivos; eles resultam do reverso dos direitos. Basta compulsar a nossa Lei Fundamental para constatar tal facto.

(65) Ver de Cunha Rodrigues, o seu Poder, Lei e Cidadania, in Em Nome do Povo, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, pp. 295 e 296.

(66) A cidadania, no sentido do vínculo de nacionalidade, como conceito dependente do Estado, imposta artificialmente e mal interpretada, foi causa dos nacionalismos exacerbados.

(67) V. o art.° 8.°, n.os 1 a 3 , do Projecto de Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa.

(68) “Na advocacia e na política há um compromisso cívico e de cidadania. Ambos advogados e políticos, concorrem para o bom funcionamento do Estado de Direito. Ambos têm uma relação directa com o domínio das leis, seja na sua elaboração, seja na sua aplicação. Ambos assumem um poder/dever de inegável relevância social”. Cfr. de Luís Marques Mendes, O Advogado visto por…, Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005, p. 34.

(69) V. de Alberto Martins, o seu Direito à Cidadania; Lisboa, Dom Quixote, 2000; p. 25.

(70) É que “…o homem da base da pirâmide, que depois virá a tornar-se cidadão quando a Polis afirmou o seu primado, esteve séculos a fio desarmado perante o Estado, cabendo-lhe, tão-somente, quando lhe era consentida a oportunidade, dizer algo em sua defesa, fosse ou não capaz de o fazer ele próprio”. Cfr. de Adalberto Alves, História Breve de Advocacia em Portugal; Lisboa, CTT, 2003; p. 28.

(71) É um facto que “...o conceito de cidadania tem de certo modo perdido algo da sua importância, pela progressiva extensão de crescentes fracções do seu conteúdo em indivíduos que dele se não podem reclamar(o que resulta quer da construção de alguns dos direitos essenciais do cives como direitos do homem quer da equiparação do estrangeiro ao nacional no que toca ao gozo de muitos dos restantes)...”. Cfr., de Rui Manuel Moura Ramos, o seu Cidadania, in Polis-Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. 1.; Lisboa, Verbo, 1983, p. 826.

(72) Cfr. de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, Vol. I, Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947, p. 10.

(73) Por norma, e na antiguidade, a cidadania não só implicava a titularidade de direitos e o cumprimento de deveres civis e políticos mas também uma comunidade de língua, de etnia e de religião. Confundia-se cidadania com identidade. Ora, com Roma terminou, ou poderia ter terminado, esta tranquila e aparentemente sedutora noção. A cidadania passava a ser um vínculo político, sobretudo após concessão de cidadania romana a todo o Império. Pela primeira vez, as diferenças foram aceites com base num ideário mais amplo. E hoje seremos capazes de dar um passo tão amplo? Em que se passe do império do poder para o império da lei. E em que a lei seja igual para todos ...e acessível a todos?

(74) Pertença que o visa proteger dos outros, mas que o obriga a agir para o outro.

(75) Cfr., também, de José de Souto Moura, o seu artigo Cidadania e Participação do Cidadão in Direito ao assunto; Coimbra, Coimbra Editora, 2006, pp. 127 a 146.

(76) Cfr. de José Gabriel Pereira da Silva, o seu O Sistema Judicial e o Sistema Político, in Interrogações à Justiça; Coimbra, Movimento Justiça e Democracia, 2003; p. 73.

(77) Ver de Cunha Rodrigues, o seu Poder, Lei e Cidadania in Em Nome do Povo; Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 296.

(78) Certo é que nenhum Estado, por mais democrático e respeitador que se reclame, deixou de discriminar, perseguir e oprimir e, sobretudo, de ter em si, e de pretender ter cada vez mais para si, tais potencialidades discriminatórias, persecutórias e opressoras.

(79) Já alertámos para as derivas securitárias, para a discriminação da advocacia e para a generalização das excepções e aberrações processuais que põem em causa o ideário da justiça, a civilização democrática e os mais sagrados princípios do processo penal.

V. em Direitos do Homem – Dignidade e Justiça; Lisboa, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, 2005.

(80) V. as Palavras da Bastonária Maria de Jesus Serra Lopes na sessão comemorativa do I Dia Nacional do Advogado celebrado em 19 de Maio de 1992., in R.O.A., Ano 52, Abril de 1992; pp. 307 a 311. “os negros, mulatos e brancos que, anos a fio, aceitaram viver em ghetos, aceitaram condições degradantes, sofreram uma igualdade que não ia além das palavras porque a realidade a desmentia, esses mesmos negros, mulatos e brancos não aceitaram ser injustiçados. Quantas vezes, nos hospitais, terão sido vítimas de tratamento desigual? Quantas vezes terão sido discriminados, negligenciados, maltratados? Mas não foi isso que os fez erguer. Não foi uma perna amputada, não foi uma morte que, talvez, pudesse ter sido evitada. Foi a injustiça. Isso os armou. Isso os fez lançar fogo ao seu próprio país. É que a Justiça há-de ser o valor primeiro, sem o qual não há sociedade civilizada. E a injustiça – tal como a fé, mas em sentido negativo – pode mover montanhas”.

(81) “A tolerância desempenha um papel central nos projectos de uma sociedade multicultural e transnacional: tolerância cultural em relação a si mesmo, em relação aos outros, em relação aos detentores do poder, à sociedade e aos valores”. Cfr. Françoise Parisot, o seu Cidadanias Nacionais e Cidadania Europeia; Lisboa, Didáctica, Editora, 2001; p. 120.

(82) “Bons cidadãos aceitam as diferenças, podem entrar em diálogo, eles são vigilantes e activos, interessam-se pelos negócios públicos, exigem a responsabilidade política dos titulares do poder e empenham-se em favor do desenvolvimento progressivo da sociedade”. E uma sociedade progressista caracteriza-se pela inclusão. Cfr. Françoise Parisot, o seu Cidadanias Nacionais e Cidadania Europeia; Lisboa, Didáctica, Editora, 2001; p. 120.

(83) O que certamente viola o sagrado princípio da dignidade da pessoa humana e choca com a universalidade, um dos traços fundamentais e inegáveis de diáspora portuguesa.

(84) Apesar de tudo, os estrangeiros não estão totalmente desprotegidos, no que toca, formalmente, ao acesso ao direito. V. o art.° 7.°, n.° 1, da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, que refere que “têm direito a protecção jurídica, nos termos da presente lei, os cidadãos nacionais e da União Europeia, bem como os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num Estado membro da União Europeia, que demonstrem estar em situação de insuficiência económica”. E o n.° 2 esclarece que “aos estrangeiros sem título de residência válido num Estado membro da União Europeia é reconhecido o direito a protecção jurídica, na medida em que ele seja atribuído aos Portugueses pelas leis dos respectivos Estados”.

(85) “A noção de cidadania portuguesa vive, sem receio de exagerar, um singular paradoxo: a sua sólida unidade interna, em lugar de se esfumar progressivamente devido aos diversos contactos da comunidade portuguesa com as outras culturas ao longo dos tempos, adquiriu, pouco a pouco, uma gradual densidade, conservando contudo os seus traços fundamentais. As razões disto são a expansão territorial ultramarina e, a seguir, a sua dispersão geográfica após diferentes fases do fenómeno migratório em direcção ao estrangeiro. Isto significa que a singularidade de um povo, como a experiência portuguesa o demonstra claramente, não constitui necessariamente um factor de impermeabilidade, podendo muito bem tornar-se um instrumento privilegiado de porosidade cultural.” Cfr., de Françoise Parisot; Cidadanias Nacionais e Cidadania Europeia; Lisboa, Didáctica Editora, 2001; pp. 223 e 224.

(86) “É preciso, pois, recentrar toda a problemática de justiça no seu devido lugar, ou seja, no seu destinatário último – o cidadão”. Cfr., de Guilherme Silva, o seu Justiça: reformar ou adiar?, Lisboa, Dom Quixote, Lisboa., p. 205. Mas quem é, afinal, o cidadão? A resposta do homem de boa vontade só pode ser uma: a pessoa.

(87) Cfr., de Diogo de Leite Campos, o seu O Cidadão – absoluto e o Estado, o Direito e a Democracia. In R.O.A, Ano 53, de Abril de 1993, pp. 5 a 19.

(88) E para a promoção da igualdade é imprescindível o reconhecimento do primado das pessoas, de cada pessoa individualmente considerada, sobre as estruturas, e sobre a colectividade; é necessário o culto da liberdade com responsabilidade e o apelo à consciência colectiva de reconhecimento de igual dignidade de todas as pessoas, em todas as circunstâncias.

(89) Não se esqueça o ideário da Revolução francesa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade: pontos cardeais da vida, estações maiores do processo de desenvolvimento humano, rotas que sinalizam os territórios individuais e colectivos, os espaços públicos e privados, os direitos e liberdades, os deveres e obrigações de todos e de cada um dos cidadãos.” Cfr., de Carlos Alberto Poiares, o seu Novas Gerações, Novas Cidadanias: contribuição para a actual gramática dos direitos fundamentais in Direitos do Homem – Dignidade e Justiça; Lisboa, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, 2005; pp. 21 a 33.

(90) “À busca da verdade dos factos e da lei, o advogado acrescenta a busca da compreensão da verdade pessoal. Trata-se de conhecer e compreender a pessoa, situando factos concretos no conjunto de uma vida”. Cfr. de D. José Policarpo, O Advogado visto por …; Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005, p. 76.

(91) Não podemos olvidar a crescente “ausência de fronteiras”, a “verdadeira globalização”. Hoje somos já “cidadãos do Mundo”. Temos responsabilidades universais. Na defesa dos direitos humanos, onde quer que seja. No equilíbrio da economia global. Na defesa da ecologia e de um ambiente saudável. Na defesa, enfim, da pessoa, quem quer que ela seja, de onde quer que ela venha.

(92) “O acesso ao direito e à Justiça é a pedra de toque do regime democrático. Não há democracia sem o respeito pela garantia dos direitos dos cidadãos. Estes, por sua vez, não existem se o sistema jurídico e o sistema judicial não forem de livre e igual acesso a todos os cidadãos, independentemente da sua classe social, sexo, raça, etnia e religião” in Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas – o caso português, Porto, Edições Afrontamento, 1996, p. 483. Acrescentamos agora nós, independentemente da sua nacionalidade ou proveniência geográfica. E obviamente também sem dependência do princípio da reciprocidade!

(93) Já escrevemos que o acolhimento, a integração e o combate à exclusão dos imigrantes é matéria bastante delicada, e que será, naturalmente, um claro desafio a promover através de políticas de integração social e de combate à exclusão, bem como assegurando a efectividade da proibição das discriminações. No que respeita às discriminações, a realidade, sob o olhar dos direitos humanos, é dramática. Releva aqui a completa ignorância e desconhecimento dos direitos mais elementares em caso de discriminação ou perseguição. São inúmeros os casos de discriminação no acesso ao emprego, no tratamento recebido nos serviços públicos, na celebração de alguns contratos, etc. Porém, escassas são as queixas recebidas pelo Departamento de Investigação e Acção Penal e mais escassas ainda as referências na jurisprudência dos tribunais superiores. Esta realidade é potenciadora de problemas sociais relacionados com a vulnerabilidade daquela faixa da população, tais como a pobreza e a marginalidade, e também de manifestações nacionalistas e xenófobas a que temos vindo a assistir.

(94) “Uma sociedade que não promova a integração social conduzirá, inevitavelmente, à generalização das desordens e susceptibilizará a produção de políticas limitadoras dos direitos fundamentais, pelo menos pela quebra da vocação universal que lhes é assinalada. A mera consignação em sede de cardápio de direitos fundamentais revela-se, cada vez mais, exígua, insuficiente: impõe-se salvaguardar o respeito escrupuloso e integral por esses direitos, tornando-os possíveis e exequíveis, sob pena de se violar, por omissão ou inacção, os princípios que corporizam as grandes declarações internacionais æ desde logo, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948).” Cfr., de Carlos Alberto Poiares, o seu Novas Gerações, Novas Cidadanias: contribuição para a actual gramática dos direitos fundamentais in Direitos do Homem – Dignidade e Justiça; Lisboa, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, 2005; pp. 21 a 33.

(95) O art.° 20.° da Lei Fundamental, sob a epígrafe de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, estabelece que “1-A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2- Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade. 3- A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4- Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5- Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.

(96) No artigo 208.° da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe de patrocínio forense, é claramente expresso que “a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”.

(97) Cfr., art.° 114.°, n.° 1, da Lei n.° 3/1999, de 13 de Janeiro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais). No n.° 3 deste preceito estabelece-se expressamente “o direito à protecção do segredo profissional; o direito ao livre exercício do patrocínio e ao não sancionamento pela prática de actos conformes ao estatuto da profissão e o direito à especial protecção das comunicações com o cliente e à preservação do sigilo da documentação relativa ao exercício da defesa”.

(98) Cfr., de Miguel Teixeira de Sousa, a sua monografia As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa; Lisboa, Lex, 1995; p. 35. Aí refere que “o patrocínio judiciário distingue-se da representação do incapaz: esta última supre uma incapacidade de exercício e uma impossibilidade de orientar devidamente a defesa de interesses próprios, aquele justifica-se pela necessidade de atribuir a condução do processo, pelo lado das partes [e dos sujeitos processuais, acrescentamos nós], a profissionais com a devida habilitação técnica” e, sobretudo, “com as devidas competências humanas e formação ética”, diríamos nós.

(99) Cfr. de João Luís Lopes dos Reis, o seu Representação Forense e Arbitragem; Coimbra, Coimbra Editora, 2001; p. 20.

(100) V., o art.° 61.° n.° 3 do novo Estatuto da Ordem dos Advogados o qual estabelece que “o mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa, ou de qualquer outra natureza”.

(101) Se dúvidas houvesse as mesmas estariam inteiramente esclarecidas pelo teor do art.° 208.° da Constituição da República Portuguesa que estatui que “a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça”.

(102) V., de Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, 1995, p. 35. É que “através desse patrocínio procura obviar-se ao uso indevido dos tribunais, por que se espera que os profissionais forenses, dada a sua posição de relativa neutralidade perante os interesses das partes, se abstenham de patrocinar causas insusceptíveis de sucesso e de formular, nas causas pendentes, pedidos sem fundamento”.

(103) Cfr. de Adalberto Alves, História Breve da Advocacia em Portugal; Lisboa, CTT, 2003, p. 21.

(104) Cfr. de Germano Marques da Silva, A Responsabilidade Profissional do Advogado (perspectiva penal) in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Brito de Almeida e Costa, Lisboa, Universidade Católica, 2002; p. 629.

(105) V., de Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lisboa, Lex, 1995, p. 35. Com efeito, “...a consulta prévia realizada pelas partes aos seus advogados e as tentativas de diálogo entre as partes encetadas por estes podem proporcionar a obtenção de uma conciliação extrajudicial e, com isso, evitar uma acção judicial”.

(106) Apesar do humor, por vezes cáustico, de Piero Calamandrei, no seu livro Eles, os Juízes, vistos por um Advogado, São Paulo, Martins Fontes, 1995; a verdade é que acaba por concordar que ai da advocacia, que mesmo sem perder a sua independência, coragem e sentido de justiça, perca de todo a “fé nos juízes, primeiro requisito dos advogados”.

(107) Cfr., de Miguel Teixeira de Sousa, a sua monografia As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa; Lisboa, Lex, 1995; p. 35. “Nas acções pendentes, o patrocínio judiciário visa igualmente proteger os interesses das partes, pois que dificilmente estas saberiam observar as formalidades processuais e utilizar correctamente os mecanismos judiciais. A isso ainda acresce a importante função de aconselhamento das partes que nelas é realizada pelos mandatários judiciais.”

(108) Como muito bem se diz sobre o conjunto de direitos e deveres processuais do arguido (art.° 61.° do CPP), o certo é que “cabe ao ...defensor assegurar, em toda e qualquer altura que os direitos do arguido estão a ser observados e assistir o arguido em todos os actos processuais em que este participar”. E que “o arguido tem direito a ser assistido por advogado e tem direito a com ele contactar”. “Por sua vez, o advogado (constituído ou nomeado) certamente não pode ser impedido, por forma alguma, do exercício do patrocínio, que inclui aquela assistência (art.° 54.° do Estatuto da Ordem dos Advogados)”, hoje art.° 61.° n.° 3 do novo Estatuto. Sendo que “o defensor nomeado para um acto mantém-se para todos os actos subsequentes do processo (art.° 41.°, n.° 4, da Lei n.° 34/2004, de 24 de Julho)”.

(109) O que implica a expectável e desejável continuidade do exercício do mandato ou da nomeação, o conhecimento atempado, até para preparação, das diligências a realizar ou o acompanhamento presencial, constante e activo, das ocorrências processuais. Sobretudo quando o cidadão mais precisa. Isto é quando se encontra só ou contra ele está toda a máquina persecutória do Estado. Cfr., de Carlos Pinto de Abreu, Estratégia Processual – de uma visão bélica para uma perspectiva meramente processual; Alcobaça, Edição do Autor, 2000.

(110) Vide também de Miguel Teixeira de Sousa, Sobre a Teoria do Processo Declarativo; Coimbra, Coimbra Editora, 1980; p. 57. “O processo judicial, aliás como os outros processos, obedece a uma certa programação, quer na tramitação quer na fase decisória. Em geral, uma decisão importa a disponibilidade de uma programação final e de uma programação condicional. A programação referida ao fim parte dos efeitos desejados e procura encontrar, tendo em consideração condições colaterais, o melhor meio para os atingir”.

(111) O art.° n.° 20, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa estatui que “todos têm direito, nos termos da lei à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.”

(112) O art.° 61.°, n.° 1, alínea e), do Código de Processo Penal estabelece que “o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as excepções da lei, dos direitos de ser assistido por defensor em todos os actos processuais em que participar e, quando detido comunicar, mesmo em privado com ele”. Mas nem o Código de Processo Penal impede que qualquer outro sujeito processual ou interveniente no processo possa contar, sempre, com a assistência de advogado. Nem qualquer outro entendimento é defensável face à Constituição. Cfr., de Germano Marques da Silva, o seu Direito a não estar só ou o Direito a acompanhamento por advogado (art.° 20 n.° 2 da Constituição), in Nos 25 anos da Constituição da República Portuguesa de 1976 – evolução constitucional e perspectivas futuras; Lisboa, AAFDL, 2001; pp. 123 a 148.

(113) V., art.° 61 n.° 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados.

(114) Cfr., de Paulo Castro Rangel, o seu Advocacia e Preconceito in R.O.A, Ano 62, Abril 2002; pp. 487 a 489.

(115) O tema do VI Congresso da Ordem dos Advogados é precisamente este: o da responsabilidade social do advogado. Claro que há quem denigra esta expressão e o que com ela se quer significar. Veja-se por exemplo o artigo Responsabilidade Social não passa de uma treta?, publicado no jornal “O Expresso” de 13 de Agosto de 2005, p. 10. Outros, porém, referem que a Responsabilidade social também está ao alcance de pequenas empresas, considerando-a uma mais valia das empresas para a comunidade, tal como se publica na “Vida Económica” de 9-15 de Setembro, pp. 4 e 5. Aí se diz que “Responsabilidade social não é uma imposição legal, não é uma obrigação, é uma atitude voluntária (...) é uma questão de envolvimento, que pode passar por acções de voluntariado, disponibilização de recursos ou, desde logo, pela transposição do modelo organizacional”.

(116) Ou seja, “…independentemente da natureza privada ou pública, colectiva ou individual, do beneficiário imediato dos serviços do advogado a prestação destes corresponde à realização de um interesse público”. Cfr. de João Luís Lopes dos Reis, o seu Representação Forense e Arbitragem, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 36.

(117) E assim, “…os advogados fazem parte da polis como se dizia na Grécia (…). Os advogados têm uma maneira de funcionar sobre a polis, que se revela mais plástica, mais dinâmica. Considero que os advogados tiveram, e continuam a ter, uma importância fundamental como cidadãos na polis, na cidadania, na política”. Cfr. de Fernando Lopes, O Advogado visto por…, Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005; p. 63.

(118) O artigo 3.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, sob a epígrafe de atribuições da Ordem dos Advogados, estabelece que, entre outros, “constituem atribuições da Ordem dos Advogados: a) Defender o Estado de direito e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e colaborar na administração da justiça; b) Assegurar o acesso ao direito, nos termos da Constituição; c) Atribuir o título profissional de advogado e de advogado estagiário, bem como regulamentar o exercício da respectiva profissão; d) Zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de advogado, promovendo a formação inicial e permanente dos advogados e o respeito pelos valores e princípios deontológicos; e) Defender os interesses, direitos, prerrogativas e imunidades dos seus membros; f) Reforçar a solidariedade entre os advogados; g) Exercer, em exclusivo, jurisdição disciplinar sobre os advogados e advogados estagiários; h) Promover o acesso ao conhecimento e aplicação do direito; i) Contribuir para o desenvolvimento da cultura jurídica e aperfeiçoamento da elaboração do direito; j) Ser ouvida sobre os projectos de diplomas legislativos que interessem ao exercício da advocacia e ao patrocínio judiciário em geral e propor as alterações legislativas que se entendam convenientes; l) Contribuir para o estreitamento das ligações com organismos congéneres estrangeiros; m) Exercer as demais funções que resultem das disposições deste Estatuto ou de outros diplomas legais”.

(119) E assim, nos termos do art.° 45.°, n.os 1 e 2, do Regime do Acesso ao Direito e aos Tribunais, aprovado pela Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, e sob a epígrafe de competência da Ordem dos Advogados, estabeleceu-se que “sem prejuízo das competências próprias dos serviços da segurança social, a Ordem dos Advogados poderá exercer as competências previstas nesta lei, nos exactos termos nela consagrados, por meio de unidade orgânica própria destinada a gerir o sistema de acesso ao direito, com autonomia funcional e organizacional relativamente às suas restantes atribuições” e que “a Ordem dos Advogados pode prever, ainda, no âmbito da regulamentação da unidade orgânica prevista no número anterior, a participação dos advogados estagiários, tendo em vista a prossecução dos interesses específicos da formação e do acesso à profissão de advogado”. Mais, estabelece-se também no número 3 do mesmo artigo que “as regras sobre selecção dos profissionais forenses envolvidos respeitarão os princípios aplicáveis às entidades públicas e serão definidas por regulamento da Ordem dos Advogados, homologado pelo Ministro da Justiça”.

(120) É que “...não obstante as dificuldades do cometimento, até mesmo em razão do seu ineditismo, é possível, é útil e conveniente construir um modelo de integração, para o controle ético do exercício profissional. Como quase sempre se dá, nos assuntos pioneiros, o principal ingrediente é só uma vontade política de enfrentar o desafio”. Cfr., de Sérgio Ferraz, o seu O Controlo Ético do Exercício profissional: modelos de integração na R.O.A., Ano 60, Abril 2000; pp. 971 a 980.

(121) Cada vez que o advogado é menos diligente ou mais negligente tal repercute-se necessariamente na sua imagem, na imagem da advocacia em geral e na descrença na justiça em última análise. O prestígio da justiça é directamente proporcional ao prestígio de todas as profissões judiciárias, incluindo a advocacia. A crença na justiça só existirá se os seus actores principais respeitarem as regras, respeitarem os direitos do cidadão e, enfim, se se respeitarem a si próprios. A imagem da advocacia será aquilo que os advogados dela fizerem ou deixarem fazer. E será aquele que resultar do esforço da Ordem e dos seus órgãos.

(122) Já se constatou, bem ou mal, que “o actual sistema de defensor oficioso é muito frágil e traduz-se, vezes de mais, num simulacro de defesa. Qualquer julgamento será tanto mais justo, quanto mais for a competência e a qualidade técnica de todos os intervenientes. É um imperativo constitucional a garantia de assegurar aos arguidos que não tenham mandatário constituído, uma verdadeira defesa processual, o que poderia ser conseguido através de uma carreira de defensores públicos”. Cfr., de Renato Barroso, in Interrogações à Justiça; Coimbra, Movimento Justiça e Democracia, 2003; p. 428. Concordamos com o diagnóstico. Não podemos porém aceitar e concordar com a terapêutica.

(123) Tem sido jurisprudência da nossa Ordem, obrigar ao patrocínio oficioso quem invoca também, em pedido de escusa, a sua “falta de experiência no tratamento da matéria”. Cfr., o teor do Acórdão do Conselho Superior de 1 de Março de 2002, publicado na R.O.A., Ano 63, Abril de 2003, pp. 519 a 521.

(124) Cfr., de Pedro Guilherme Moreira, o seu As Novas Tecnologias ao Serviço do Advogado; in R.O.A., Ano 59, Dezembro de 1999; pp. 1097 a 1136.

(125) Cfr., de Rita Santos, o seu A Nova Sociedade da Informação: um apelo à especialização do advogado in R.O.A., Ano 62, Abril 2002; pp. 491 a 520.

(126) V., de AAVV, os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas – o caso português; Porto, Edições Apontamento, 1996; p. 54.

(127) Cfr., de Luís António Noronha do Nascimento, O Advogado visto por…, Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005, p. 96.

(128) Cfr., de António Filipe, o seu Colapso da Justiça exige medidas estruturais in Justiça em Crise? Crises da Justiça, Lisboa, Dom Quixote, 2000; p. 114.

(129) “A lição histórica mostra que, nos países de regime autocrático, a advocacia foi «espartilhada» ou até mesmo «funcionalizada», perdendo afinal autonomia”. Cfr., de Abel Laureano, o seu O Cliente e a Independência do Advogado (uma chave de deontologia profissional), Lisboa, Quid Juris, 2000; p. 29.

(130) Até porque, de acordo com o n.° 1 do art.° 3.° da Lei n.° 49/2004, de 24 de Agosto, “o sistema de acesso ao direito e aos tribunais funcionará por forma que os serviços prestados aos seus utentes sejam qualificados e eficazes”, o que está por demonstrar.

(131) Que não se confunde com o espírito de servidor, ou funcionário, público, por muito nobre e necessária que seja, e é, a função.

(132) Ou seja, nos termos do artigo 84.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, sob a epígrafe de independência, estabelece-se que “o advogado, no exercício da profissão, mantém sempre em quaisquer circunstâncias a sua independência, devendo agir livre de qualquer pressão, especialmente a que resulte dos seus próprios interesses ou de influências exteriores, abstendo-se de negligenciar a deontologia profissional no intuito de agradar ao seu cliente, aos colegas, ao tribunal ou a terceiros”.

(133) Cfr., de Orlando Guedes da Costa; o seu Direito Profissional do Advogado – noções elementares, 3.ª ed.; Coimbra, Almedina, 2005; p. 6.

(134) Subserviência, rotina, ineficácia, desperdício, acomodação, temor, desmotivação, discriminação, arrogância, laxismo, etc., etc... tudo, enfim, o que de melhor tem sido a experiência e o exemplo de quanto é, e não devia ser, o serviço público em Portugal!

(135) Assim sendo, “…o advogado é uma espécie de Dom Quixote dos tempos modernos. Hoje, o advogado tem que dar garantias aos cidadãos que existe, resiste, persiste e insiste. Que é alguém capaz de lutar ou ir à procura de uma causa perdida. (…) Os instrumentos do advogado são a palavra e a racionalidade. O advogado tem de desconstruir os sistemas dominantes, tem de saber como os interpretar e reorientar. O advogado tem de fazer das leis cegas, leis que possam servir para lembrar que o seu cliente ou o cidadão são pessoas”. Carlos Magno, O Advogado visto por..., Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005; p. 19.

(136) “O Direito nasceu para servir o Homem – tal como este é, com as suas virtudes e defeitos, com a sua falível e imperfeita natureza”. Cfr. de Abel Laureano, O Cliente e a Independência do Advogado (uma chave de deontologia profissional); Lisboa, Quid Juris, 2000; p. 126.

(137) “Para alguns, o advogado é tradicionalmente o “defensor do órfão e da viúva, o paladino abnegado de todas as nobres causas, aquele cujo devotamento se volta inteiramente para todos os oprimidos, todos os infelizes, todos os deserdados da fortuna, e que faz ouvir perante a justiça a voz da piedade humana e da misericórdia” Cfr., de Henri Robert, O Advogado, São Paulo, Martins Fontes, 1999; p. 5.

(138) “Os advogados, por seu turno, pretendem apresentar-se como vítimas do estado caótico a que chegou a justiça, mas esquecem-se geralmente do seguinte: em primeiro lugar, que a «crise» da justiça – designadamente a morosidade processual – não deixa muitas vezes de interessar às partes e, em consequência, aos seus mandatários; em segundo lugar, que os advogados não estão inocentes no statu quo do sistema judicial, já que muitas das reformas não podem ser empreendidas para não afectarem os seus interesses; finalmente, que, de um ponto de vista técnico-jurídico, a qualidade média da advocacia portuguesa é, de um modo geral, comparativamente muito mais baixa do que a dos juízes ou dos magistrados do Ministério Público”. Cfr., de António Araújo, o seu A Crise da Justiça Portuguesa (breves considerações) in Justiça em Crise? Crises da Justiça; Lisboa, Dom Quixote, 2000; p.70.

(139) “Havendo hoje em Portugal mais de vinte mil advogados (o nosso é um dos países que maior número de advogados tem em relação à população), temos de reconhecer que nem todos são excelentes: ao lado de alguns excepcionais, conhecedores profundos do direito, estudiosos atentos da matéria de facto, colaboradores leais, há outros que não reúnem esses requisitos”. Cfr. Álvaro Figueira in Interrogações à Justiça; Coimbra, Movimento Justiça e Democracia, 2003, pp. 166 e 167.

(140) “O quadro histórico e cultural do exercício desta profissão situa-se, exactamente, nesse campo da ajuda fraterna, em momentos particularmente exigentes de discernimento, de assimilação da verdade e da responsabilidade” Cfr. de D. José Policarpo, O Advogado visto por …, Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005; p. 72.

(141) Pois que apesar da proclamação formal da existência de direitos, “…na intrínseca conflitualidade entre direitos ou entre deveres perante os direitos dos outros ou da comunidade, talvez o que melhor caracterize a realidade moderna seja a precariedade das garantias ou a distância entre o proclamado e o vivido”. Cfr., de Alberto Martins, o seu Direito à Cidadania; Lisboa, Dom Quixote, 2000; p. 26.

(142) Têm os vários órgãos da Ordem, a saber o Conselho Geral, o Conselho Distrital e a Delegação especiais competências, o primeiro, na definição da posição da Ordem dos Advogados “no que se relacione com a defesa do Estado de Direito, dos direitos, liberdades e garantias e com a administração da justiça”, o segundo, para “nomear advogado ao interessado que lho solicite por não encontrar quem aceite voluntariamente o seu patrocínio” e, a terceira, se o segundo o não fizer, “promover a criação e instalação de gabinetes de consulta jurídica, bem como exercer as demais funções no âmbito do acesso ao direito”.

(143) E, nos termos do artigo 62.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, sob a epígrafe de mandato forense, estabelece-se que “1-Sem prejuízo do disposto na Lei N.° 49/2004, de 24 de Agosto, considera-se mandato forense: a) O mandato judicial para ser exercido em qualquer tribunal, incluindo os tribunais ou comissões arbitrais e os julgados de paz; b) O exercício do mandato com representação, com poderes para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurídicas; c) O exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas colectivas públicas ou respectivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto. 2- O mandato forense não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha pessoal e livre do mandatário pelo mandante”.

(144) Nos termos do artigo 63.° do Estatuto da Ordem dos Advogados “constitui acto próprio do advogado o exercício de consulta jurídica nos termos definidos na Lei N.° 49/2004, de 24 de Agosto”.

(145) “Ora, a pretensão de um legalismo absorvente e excessivo, esperançado que a norma modela comportamentos, instituições e até realidades, será sempre uma contrafacção da justiça se colocar à margem da efectiva igualdade de oportunidades os excluídos e pobres da humanidade” Cfr., de Alberto Martins, o seu Direito à Cidadania; Lisboa, Dom Quixote, 2000; pp. 11 e 12.

(146) Cada vez mais se torna “…o direito como elemento «fundador», «regulador» e «controlador» da actividade do Estado”. E, acrescentamos nós, elemento necessário à vida em sociedade e imprescindível à promoção da igualdade. Ver, de Cunha Rodrigues, O Advogado visto por um Magistrado; in Lugares do Direito; Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 175.

(147) Cfr., o Prefácio de António Barreto à obra Interrogações à Justiça; Coimbra, Movimento, Justiça e Democracia, 2003; p. 18.

(148) Pois que nos termos dos números 1 e 2 do artigo 76.° do Estatuto da Ordem dos Advogados “o advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável” e “o exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou actividade que possam afectar a isenção, a independência e a dignidade da profissão”.

(149) “Uma vez que os direitos de cidadania, quando interiorizados, tendem a enraizar concepções de justiça retributiva e distributiva, a garantia de uma tutela por parte dos tribunais tem geralmente um poderoso efeito de confirmação simbólica”. Cfr. de AAVV. Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas – o caso português; Porto, Edições Apontamento, 1996, p. 55.

(150) V., de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX; Vol. I; Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947, p. 87.

(151) Cfr., de Carlos Pinto de Abreu, o seu Estratégia Processual – de uma visão bélica para uma perspectiva meramente processual; Alcobaça, Edição do Autor, 2000, p. 43.

(152) V., de João Luís Lopes dos Reis, o seu Representação Forense e Arbitragem; Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 37.

(153) Cfr., de AAVV, Os Tribunais nas Sociedades Contemporâneas – O caso português; Porto, Edições Afrontamento, 1996, p. 50.

(154) V., de Cunha Rodrigues o Advogado visto por um Magistrado in Lugares do Direito; Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 184.

(155) Cfr., de Françoise Parisot; Cidadanias Nacionais e Cidadania Europeia; Lisboa, Didáctica Editora, 2001; p. 31.

(156) Pois que “por um lado, a justiça não se destina apenas a resolver os conflitos, o que já não seria pouco. A justiça tem uma missão muito mais importante e geral a de permitir que as liberdades sejam efectivas, que a democracia funcione, que se estabeleça a segurança essencial, que a ordem pública seja possível e faça sentido e que o mercado não se transforme numa selva”. Cfr., o Prefácio de Álvaro Barreto in Interrogações à Justiça; Coimbra, Movimento Justiça e Democracia, 2003; p. 20

(157) E para isso, nos termos do artigo 85.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, sob a epígrafe de deveres para com a comunidade, fica bem claro que “o advogado está obrigado a defender os direitos, liberdades e garantias, a pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas [e que] “em geral, constituem deveres do advogado para com a comunidade: a) não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correcta aplicação de lei ou a descoberta da verdade; b) recusar os patrocínios que considere injustos; c) verificar a identidade do cliente e dos representantes do cliente, assim como os poderes de representação conferidos a estes últimos; d) recusar a prestação de serviços quando suspeitar seriamente que a operação ou actuação jurídica em causa visa a obtenção de resultados ilícitos e que o interessado não pretende abster-se de tal operação; e) recusar-se a receber e movimentar fundos que não correspondam estritamente a uma questão que lhe tenha sido confiada; f) colaborar no acesso ao direito; g) não se servir do mandato para prosseguir objectivos que não sejam profissionais; h) não solicitar clientes por si ou por interposta pessoa”. Sem esquecer que, nos termos do artigo 86.° do Estatuto da Ordem dos Advogados “constituem deveres do advogado para com a Ordem dos Advogados: a) não prejudicar os fins e prestigio da Ordem dos Advogados e da advocacia; b) colaborara na prossecução das atribuições da Ordem dos Advogados, exercer os cargos para que tenha sido eleito ou nomeado e desempenhar os mandatos que lhe forem confiados; c) declarara, ao requerer a inscrição, para efeito de verificação de incompatibilidade, qualquer cargo ou actividade profissional que exerça; d) suspender imediatamente o exercício da profissão e requerer, no prazo máximo de 30 dias, a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados quando ocorrer incompatibilidades supervenientes; e) pagar pontualmente as quotas e outros encargos, designadamente as obrigações impostas como penas pecuniárias ou sanções acessórias, devidos à Ordem dos Advogados, estabelecidos neste Estatuto e nos regulamentos; f) dirigir com empenhamento o estágio dos advogados estagiários; g) comunicar, no prazo de 30 dias, qualquer mudança de escritório; h) manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, nos termos de regulamento a aprovar pelo conselho geral; i) promover a sua própria formação, com recurso a acções de formação permanente, cumprindo com as determinações e procedimentos resultantes da regulamentação a aprovar pelo conselho geral”.

(158) Que deve assegurar o seu financiamento adequado e a longo prazo.

(159) Cfr., de António Arnaut, Iniciação à Advocacia. História – Deontologia. Questões Práticas, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1996; p. 51.

(160) V., de Alberto Martins, o seu Direito à Cidadania; Lisboa, Dom Quixote, 2005; pp. 21 e 22.

(161) Cfr., de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses do Século XIX, Vol. I, Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947, pp. 87 e 88.

(162) V., de Rita Santos, o seu A Nova Sociedade da Informação: um apelo à especialização do advogado in R.O.A., Ano 62, Abril 2002; pp. 491 a 520.

(163) Cfr., de Germano Marques da Silva, A Responsabilidade Profissional do Advogado (perspectiva penal) in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Brito de Almeida Costa, p. 642.

(164) V. as Palavras do Presidente da República no Dia Nacional do Advogado ao condecorar a Ordem dos Advogados com a Ordem da Liberdade, in R.O.A., Ano 52, Abril de 1992, pp. 303 a 306.

(165) Cfr., de José Pinto Loureiro, o seu Jurisconsultos Portugueses no Século XIX, Vol. I; Lisboa, Conselho Geral da Ordem dos Advogados, 1947, p. 86.

(166) O artigo 191.° do Estatuto da Ordem dos Advogados dispõe que “o conselho geral regulamenta a organização de formação contínua a nível nacional que garanta o cumprimento do dever referido no artigo anterior, assegurando a uma efectiva coordenação das iniciativas dos centros de estudos e dos serviços de formação dos diversos centros distritais de estágio e delegações comarcãs que se constituam como pólos de formação permanente. [e que] na elaboração dos programas de formação contínua podem ser prosseguidas parcerias e formas de colaboração e participação com outras entidades ou instituições”.

(167) “É que ser advogado constitui a obrigação de servir a justiça. E servir a justiça, na fase preventiva, impõe saber evitar o litígio. Na fase subsequente, quando o diferendo já existe, há que tentar eliminá-lo ou, se impossível, cumpre oferecer ao julgado o melhor estudo sobre a versão que se defende. (…) É, por isso sim, uma actividade, onde a independência e a dignidade têm um preço enorme”. Cfr. de António Pires de Lima, o seu Sempre houve crise in Justiça em Crise? Crises da Justiça; Lisboa, Dom Quixote, 2000; p. 130.

(168) Cfr., de António Arnaut, a sua Iniciação à Advocacia. História – Deontologia. Questões Práticas, 3.ª ed.; Coimbra, Coimbra Editora, 1996; p. 45.

(169) “Um advogado não é apenas um técnico do direito, por melhor técnico que seja. Um advogado é o depositário da confiança dos seus clientes e de terceiros, e um exemplo vivo de ética, urbanidade, respeito pela lei e pelo direito, na permanente observação dos interesses que lhe cumpre defender”. Ver, de Rogério Alves, no Prefácio à Colectânea de Legislação Profissional; Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005, p. 9.

(170) “A luta pelos direitos humanos é uma luta pela justiça, a qual se cumpre na vida quotidiana dos cidadãos, nas suas partilhas, arbitragens, conflitos. Mas também nas instâncias judiciárias, de garantia judiciária, onde o acesso ao direito e à realização da justiça são valores que justificam a própria justiça”. Cfr., de Alberto Martins, o seu Direito à Cidadania; Lisboa, Dom Quixote, 2000; p. 21.

(171) Cfr., de António Arnaut, Iniciação à Advocacia. História – Deontologia. Questões Práticas, 3.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1996, p. 45.

(172) Cfr., de Fernão Fernandes Thomaz, o seu Educação para a cidadania e limitação do acesso aos Tribunais, in R.O.A., Ano 61, Dezembro; pp. 1335 a 1366.

(173) “A Advocacia é uma das funções chaves da democracia, e é tal a sua projecção social que, embora sendo uma profissão liberal rende um serviço insubstituível aos cidadãos e à justiça”, disse-o Maria Mérida, em 1996, no decurso da iniciativa Hablan los Jueces.

(174) Cfr., de Alfredo Gaspar, o seu O Advogado e a sua liberdade de expressão nos tribunais in R.O.A., Ano 48, Dezembro de 1988; pp. 991 a 1038.

(175) Basta estar atento às discriminações e injustiças, e não virar as costas às denúncias, queixas e queixumes, para perceber que a sociedade em que vivemos é profundamente economicista, hipócrita e egoísta; o Estado que temos quantas vezes se demite das suas funções ou abusa dos seus poderes, e viola os mais sagrados direitos do cidadão, sem esquecer ainda que o povo que somos, no geral, só reclama direitos esquecendo que a cada direito correspondem também deveres.

(176) “Na nossa época cabe aos advogados, em exclusivo, assegurar a função social da defesa em processo crime e os interesses judiciais das partes em processo civil; temos de o fazer com espírito de serviço, responsabilidade e diligência”. Cfr., de Júlio de Castro Caldas, o seu Discurso da Tomada de Posse in R.O.A., Ano 56, Janeiro de 1996; pp. 427 a 432.

(177) Expressão de autor desconhecido que correu na net no ano de 2004.

(178) Cfr., de Luís Marques Mendes, O Advogado visto por…; Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005; pp. 31 e 32.

(179) Pois que, nos termos do n .° 1 do art.° 2.° da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, “o acesso ao direito e aos tribunais constitui uma responsabilidade do Estado, a promover, designadamente, através de dispositivos de cooperação com as instituições representativas das profissões forenses”. E conforme dispõe o art.° 4.° do mesmo diploma legal “incumbe ao estado realizar, de modo permanente e planeado, acções tendentes a tornar conhecido o direito e o ordenamento legal, através de publicação e de outras formas de comunicação, com vista a proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres legalmente estabelecidos”. Finalmente, estatui ainda o art.° 5.° que “no âmbito das acções referidas no artigo anterior serão gradualmente criados serviços de acolhimento nos tribunais e serviços judiciários”.

(180) Cfr., de D. José Policarpo, O Advogado visto por…, Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa, 2005, p. 73

(181) Cfr., de Fernando Santo, O Advogado visto por…, Lisboa, Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, 2005, p. 139.

(182) Já o escrevemos, a realidade destes muitos milhares de imigrantes que residem em Portugal é tema polémico e actual, que preocupa a sociedade em geral. É, no entanto, uma realidade precária e incerta que se traduz numa crescente marginalização de muitos imigrantes que os torna vítimas fáceis das organizações criminosas de tráfico humano que proliferam na Europa. Como se não bastasse, são, ainda, vítimas da exploração laboral de empregadores despudorados que se aproveitam da sua situação de clandestinidade. E isto acontece sobretudo com os indocumentados, aqueles que entraram ou permanecem ilegalmente em Portugal. Mas que não deixam por isso de ser pessoas. E de ter direitos...e acesso ao direito.

(183) Cfr. o Relatório da experiência de funcionamento do Gabinete de Consulta e Apoio ao Estrangeiro assegurado temporariamente pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados onde se concluiu “...pela necessidade imediata da criação de uma estrutura onde os cidadãos estrangeiros possam apresentar as suas queixas e que actue na defesa dos seus direitos, procurando influir na correcção e supressão das injustiças e abusos, da exploração deste sector social bastante desfavorecido e desprotegido. Não menos importante é a criação de uma estrutura de consulta, para que os imigrantes possam estar a par da sua situação jurídica e informar-se correcta, atempada e gratuitamente das possibilidades e procedimentos que têm, ou não, ao seu dispor. Uma vez que o trabalho incidirá sobre a mesma área, e que as questões objecto de queixa são, muitas vezes, as mesmas sobre as quais é requisitada informação, não seria, de todo, despiciendo atribuir ao Gabinete competência para ambos. Evitar-se-ia, deste modo, a sobreposição de competências e a excessiva desconcentração e burocratização dos serviços prestados. Mas aqui deverá ser o Estado a custear esta valência. E deverá ser o Conselho Geral a exigir ao Estado que cumpra a sua obrigação para com os mais desfavorecidos, independentemente da sua nacionalidade. Só assim se promoverá a igualdade e se permitirá o exercício pleno da cidadania”.

(184) Cfr., de Henri Robert, O Advogado; São Paulo, Martins Fontes, 1999, pp. 71 e 72.

(185) V., de Piero Calamandrei, o seu Eles, os juízes, vistos por um advogado, São Paulo, Martins Fontes, 1995, p. XLVII.


(186) Pois que jurisprudência há que inclui as despesas nos já depauperados montantes das tabelas de honorários!!!

(187) A Ordem dos Advogados tem como atribuição primeira defender o Estado de Direito e os direitos e garantias individuais. É ao Conselho Geral a quem compete definir a política e a acção da Ordem dos Advogados perante os órgãos de soberania e da administração pública em tudo quanto se relacione com a defesa do Estado de Direito e com a salvaguarda dos direitos e garantias individuais e, por conseguinte, com o regime do acesso ao direito. Não há, pois, nem pode haver, dúvidas quanto ao especial dever e honrosa incumbência da Ordem no que toca à defesa, em geral, dos cidadãos, de todas as pessoas. Não há, também, nem pode haver, quaisquer direitos próprios ou atribuições exclusivas no que toca à efectiva salvaguarda dos direitos fundamentais. Até porque é individualmente o advogado quem mais próxima e legitimamente persegue e protege efectivamente os direitos das partes, patrocina os interesses das vítimas ou defende os direitos do arguido. Não qualquer funcionário público.

(188) “Queremos que o cidadão – todo o cidadão, rico ou pobre – tenha direito a ser assistido por um advogado tecnicamente competente, deontologicamente bem preparado e eticamente irrepreensível”. Cfr., de Maria de Jesus Serra Lopes, a sua intervenção no Painel sobre a Justiça de 27.06.91 in R.O.A., Ano 51, Julho de 1991; pp. 621 a 624.

(189) Cfr. o Relatório da experiência do Gabinete de Consulta Jurídica do Estabelecimento Prisional de Lisboa assegurado temporariamente pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados onde se expressou que “...é inevitável concluir que a criação de gabinetes de consulta jurídica [em todos os estabelecimentos prisionais do país] corresponde a necessidades prementes dos reclusos”.

(190) Cfr. o Relatório da Visita ao Centro Educativo da Bela Vista em Lisboa realizada pela Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados em que se verificou que “todos os jovens têm advogado constituído ou nomeado.” Mais, “foi-nos entregue a lista nominativa dos defensores oficiosos dos educandos.” E constatou-se que “nem todos, porém, os visitam. Muito menos regularmente.” Tal como “(...) foi constatada a necessidade de acompanhamento e ajuda nos momentos posteriores à saída, bem como de maior intervenção dos defensores quer no âmbito do processo, e na sua preparação, e da execução e flexibilização das medidas, quer, depois, no âmbito da estrita protecção dos interesses próprios do menor.” Disse-se então que “é urgente, nesta área, a especialização da advocacia. E a intervenção mais empenhada dos advogados. E não pode circunscrever-se à denominação lata de “Direito da Família” uma próxima especialidade que abranja esta área. Caso se pretenda avançar com uma proposta de especialidade autónoma sugere-se a designação de “Direito de Menores”. Caso não se pretenda para já autonomizar este campo de actuação e intervenção sugere-se então a seguinte denominação da nova especialidade: “Direito da Família e Menores”. Hoje pensamos que esperar por tal será, porventura, tarde demais,

(191) Já o escrevemos, muitas das questões/problemas apenas surgem por haver falta de acompanhamento dos reclusos por parte dos seus defensores, no período pós-condenação. Aliás, mais grave, foram-nos até relatados casos em que os defensores nomeados, ou mandatários, nem estiveram presentes na audiência de julgamento…quanto mais depois… De qualquer modo, não podemos atribuir exclusivamente responsabilidades aos defensores ausentes, pois casos detectados houve de suspensão da inscrição ou outros de falta de articulação entre os anteriores defensores e os recém nomeados, sendo que também estes se defrontam com dificuldades, nomeadamente monetárias, em acompanhar os seus clientes…o defensor oficioso não é pago por visitar o seu cliente no estabelecimento prisional, ou resolver problemas jurídicos com que este se depare fora do processo…Algo precisa de ser alterado no sistema actual…e no comportamento deontológico de alguns representantes da profissão... e das profissões jurídicas, em geral.

(192) Cfr., de M. Dufin Aîré, o seu Apologia dos Advogados in R.O.A., Ano 63, Abril de 2003; pp. 405 a 413.

(193) “Importa, então, definir quais os objectos que, na dinâmica contemporânea, se perfilam e merecem protecção legal e constitucional; quais os interesses de que são potencialmente portadores; e que necessidades suscitam; e este conjunto de questões coloca-se porque, em rigor, as sociedades atravessam uma fase conturbada, caracterizada por fenómenos sociais novos ou renovados, que determinam nóveis consagrações. Vive-se, com efeito, a mudança; e esta mudança, como todas, implica criatividade, inovação e capacidade de agir, de forma securizante e integrada. Por um lado, há que actuar na defesa dos direitos dos cidadãos e ao nível da segurança das populações face a ameaças que, ainda há poucas décadas, eram imprevisíveis; por outro lado, há que saber ser criativo, ousado e inovador para tornar possível a compaginação entre direitos fundamentais e necessidades securitárias, sabendo-se que o risco de contradição insanável é grande æ e sabendo-se também que não há tempo nem condições para o fracasso. Há que saber separar as águas e não confundir as questões emergentes da segurança com potenciais atropelos aos direitos fundamentais ou com a invenção de novos panoptismos, sempre perigosos e eventualmente perniciosos (Robert, 2002). Porque a linha de fronteira entre o excesso securitário e a ruptura com os direitos fundamentais é demasiadamente fluida. (...) Cumpre observar que esses objectivos, disseminando-se por múltiplas áreas, são reconduzíveis, no essencial, aos três vectores a que fiz referência: a Liberdade, numa acepção abrangente, provocando a responsabilização de todos pela sua exercitação, de que todos beneficiam; a Segurança, tomando como ponto nevrálgico as necessidades securitárias e a preservação da Liberdade, cuja conjugação levanta dificuldades pelos perigos de eventual colisão que oferece; e a Justiça, valor maior, exigindo-se-lhe, na economia dos três valores, a gestão sábia, equitativa e prudente das articulações entre os três segmentos.” Cfr., de Carlos Alberto Poiares, o seu Novas Gerações, Novas Cidadanias: contribuição para a actual gramática dos direitos fundamentais in Direitos do Homem – Dignidade e Justiça; Lisboa, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, 2005; pp. 21 a 33.

(194) “Uma das noções que melhor traduzem a segunda metade do século vinte é a de que a cidadania deixou de ser abstracta, como resultava das declarações revolucionárias, para ser situada ou concreta. Sucederam-se gerações de direitos: primeiramente os civis e políticos depois os económicos, sociais e culturais, a seguir o direito ao ambiente e à qualidade de vida, depois o direito dos povos à autodeterminação, ao progresso e ao desenvolvimento”. Paralelamente as democracias organizaram-se à luz da ideia de Estado de direito e definiram e constitucionalizaram os direitos, liberdades e garantias individuais. E na euforia gerou um novo tipo de homem, dignificado pelo estatuto de cidadão, mas simultaneamente instalado na miragem do direito aos direitos. Por isso, solitário, rebelde e indignado quando vê frustradas as expectativas que lhe vão sendo gradualmente instiladas.
O Estado de Direito converteu-se nominalmente num Estado de Justiça. Previu tutela judicial para tudo e não raro organizou indiscriminadamente as respostas não as escalonando segundo a gravidade ou importância das solicitações” Cfr. de José Narciso da Cunha Rodrigues, O ser, um apontamento e algumas sugestões in Justiça em Crise? Crises da Justiça; Lisboa, Dom Quixote, 2000; p. 317.E respondendo a tudo, acaba por não responder a nada!

(195) Cfr., de Fernão Fernandes Thomaz, o seu Da Responsabilidade à Responsabilização dos Juízes, in RT.O.A., Ano 54, Julho de 1994; pp. 489 a 503.

(196) Sinal dos tempos é a tão propalada crise da justiça. Chegou-se a um ponto de descrédito e desconfiança tal que há que perceber a situação presente da justiça em Portugal. Muitas vezes confunde-se justiça com tribunais. E como se disse já a justiça não é um desígnio exclusivo dos tribunais…é tarefa comum do parlamento, do governo, do poder local, da administração central e das polícias…e também dos cidadãos. Mas pior do que a percepção da crise é a falta de motivação para a justiça.

08/02/2025 17:05:06