Luís de Lima Pinheiro - Direito aplicável às operações bancárias internacionais


DIREITO APLICÁVEL ÀS OPERAÇÕES BANCÁRIAS INTERNACIONAIS(*)

Pelo Professor Doutor Luís de Lima Pinheiro(**)

SUMÁRIO:

INTRODUÇÃO. I. OPERAÇÕES TIPICAMENTE REALIZADAS POR BANCOS – DESIGNAÇÃO PELAS PARTES DO DIREITO APLICÁVEL. II. OPERAÇÕES TIPICAMENTE REALIZADAS POR BANCOS – CRITÉRIO DA CONEXÃO MAIS ESTREITA. A) Considerações gerais. B) Operações simples. C) Operações complexas. III. OPERAÇÕES TIPICAMENTE REALIZADAS POR BANCOS–REGRAS ESPECIAIS APLICÁVEIS A CERTOS CONTRATOS BANCÁRIOS CELEBRADOS COM CONSUMIDORES. IV. OPERAÇÕES TIPICAMENTE REALIZADAS POR BANCOS – OUTRAS CONEXÕES ESPECIAIS PARA NORMAS IMPERATIVAS. V. OPERAÇÕES NOS MERCADOS DE INSTRUMENTOS FINANCEIROS. A) Preliminares. B) Direito aplicável à emissão de valores mobiliários. C) Direito aplicável aos negócios celebrados nos mercados regulamentados. D) Direito aplicável aos negócios entre investidores e intermediários financeiros. E) Estatuto dos valores mobiliários. F) Conexões especiais para certos aspectos das operações nos mercados de instrumentos financeiros.

INTRODUÇÃO

I. Num estudo sobre o Direito aplicável às operações bancárias internacionais convirá começar por apresentar a noção de operação bancária adoptada e definir o critério de internacionalidade relevante.

Por operações bancárias entendo neste contexto os negócios jurídicos em que os bancos são geralmente parte. Incluem-se aqui não só os tradicionais contratos bancários, mas também esquemas negociais complexos — tais como a garantia bancária autónoma, o crédito documentário e a cessão financeira (factoring) —, negócios nos mercados de instrumentos financeiros — tais como as transacções de valores mobiliários, as opções e os futuros —, e, ainda, negócios sobre divisas.

É do conhecimento geral que são cada vez mais frequentes as operações bancárias que transcendem a esfera sócio-económica de um Estado soberano, seja em razão da localização das partes, da localização dos bens que são objecto do negócio ou da natureza dos bens e do mercado em que são transaccionados. A crescente internacionalização das operações bancárias é consequência de diversos factores: o processo de internacionalização da economia, a liberalização dos movimentos de capitais, o surgimento de mercados financeiros internacionais, a tendência para os bancos se transformarem em empresas transnacionais e a formação de consórcios bancários internacionais para a realização de operações financeiras de grande dimensão.

O critério de internacionalidade relevante pode depender do ângulo de análise e do domínio jurídico em causa. Aqui interessa-nos considerar as operações bancárias que colocam um problema de determinação do Direito aplicável. Há muitas hipóteses de relações entre bancos estabelecidos em países em diferentes ou entre um banco estabelecido num país e um cliente residente noutro país que são obviamente internacionais neste contexto. O mesmo se diga de muitos casos em que a relação, ainda que estabelecida entre partes localizadas no mesmo país, envolve uma transferência de valores através de fronteiras. Todavia, fenómenos como a transnacionalização das empresas, a desmaterialização da circulação da riqueza e o surgimento de mercados financeiros internacionais dão azo a muitas dificuldades de qualificação. Parece inevitável que nos contentemos com um critério flexível que permita ponderar todos os elementos relevantes para determinar, no caso concreto, se uma operação bancária deve ser regulada directamente pelo Direito material interno ou deve ser objecto do regime especial estabelecido para as operações internacionais (1). No que toca às relações entre bancos ou entre bancos e outras empresas (ou entes equiparados), podemos dizer que é internacional a operação bancária que põe em jogo interesses do comércio internacional. Nas relações entre bancos e consumidores teremos de adoptar uma perspectiva semelhante, mas que prescinde da referência ao comércio internacional.

II. O problema da determinação do Direito aplicável a situações internacionais (ou, como prefiro dizer, situações transnacionais) é tradicionalmente colocado em termos de escolha de uma ordem jurídica estadual. É nesta perspectiva a adoptada, no essencial, pela mais importante fonte de Direito de Conflitos geral em matéria de contratos obrigacionais: a Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais.

Mas este modo de colocar o problema não abarca toda a realidade jurídica actual. Há diversos factores que levam a transcender este ponto de vista, mormente a unificação internacional do Direito material aplicável, a disponibilidade da arbitragem e o desenvolvimento de um Direito Transnacional que desempenha um papel especialmente relevante na arbitragem.

Em primeiro lugar, assiste-se a uma lenta mas progressiva unificação do Direito material aplicável a situações transnacionais principalmente por via de convenções internacionais mas também, no âmbito europeu, através de regulamentos comunitários. É hoje amplamente aceite que quando a situação cai dentro do âmbito de aplicação de uma fonte supraestadual não é necessário determinar o Direito estadual aplicável (2).

Em matéria de operações bancárias, foram elaboradas diversas convenções internacionais, designadamente no âmbito do UNIDROIT e da CNUDCI. O UNIDROIT adoptou, em 1988, as Convenções de Otava sobre a Locação Financeira Internacional (3) e sobre a Cessão Financeira Internacional (4), que tiveram um modesto acolhimento internacional. No âmbito da CNUDCI, há a referir as Convenções das Nações Unidas sobre as Garantias Autónomas e as Cartas de Crédito “Stand-by” (1995) (5) e sobre a Cessão de Créditos no Comércio Internacional (2001) (6), que até agora obtiveram um acolhimento internacional ainda mais reduzido. Nenhuma destas convenções vigora na ordem jurídica portuguesa.

Há um conjunto importante de Directivas comunitárias relevantes nesta matéria, mas, sendo apenas instrumentos de harmonização das legislações dos Estados-Membros, não dispensam a determinação do Direito estadual aplicável (7). Ocorre ainda referir o Regulamento (CE) n.º 2560/2001, de 19/12, Relativo aos Pagamentos Transfronteiros em Euros, que se limita a regular os encargos aplicáveis às operações de pagamento electrónico e às transferências transfronteiras e a estabelecer algumas medidas destinadas a facilitar as transferências transfronteiras.

Segundo, a arbitragem não só representa uma alternativa à jurisdição estadual, como constitui mesmo o modo normal de resolução de litígios emergentes de relações do comércio internacional (8). Segundo a opinião largamente dominante, os tribunais arbitrais, mesmo que funcionem em Portugal ou noutro Estado contratante, não estão vinculados à aplicação do Direito de Conflitos geral e, em particular, da referida Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais (9). Os tribunais arbitrais dispõem de um Direito de Conflitos especial para a determinação do Direito aplicável ao mérito da causa nas relações entre “empresários”, que resulta de uma conjugação de fontes autónomas (costume jurisprudencial arbitral e regulamentos dos centros institucionalizados de arbitragem) com directrizes estaduais (na ordem jurídica portuguesa o art. 33.º da Lei de Arbitragem Voluntária).

Sem entrar em pormenores, pode dizer-se que este Direito de Conflitos especial da arbitragem revela uma grande abertura à aplicação de usos e costumes do comércio internacional, de princípios gerais de Direito, de princípios comuns aos sistemas dos Estados em presença e de modelos de regulação, tais como os Princípios do UNIDROIT sobre os Contratos Comerciais Internacionais (10). O Direito aplicável ao mérito da causa não é, necessariamente, Direito estadual. Pelos menos desde que se verifiquem certos pressupostos, o tribunal arbitral pode decidir com base em regras e princípios autónomos e, até, com base em modelos de regulação que tenham um vasto reconhecimento internacional, independentemente da relevância que lhes seja dada por uma particular ordem jurídica estadual.

Por último, em interacção com a difusão da arbitragem, tem-se desenvolvido um Direito Transnacional formado principalmente por usos e costumes do comércio internacional e por regras e princípios desenvolvidos pela jurisprudência arbitral e que constituem hoje costume jurisprudencial arbitral (11). Esta nova lex mercatoria também é integrada pelas regras criadas por associações comerciais ou profissionais para regularem a actividade dos seus membros.

As operações bancárias internacionais são um dos domínios em que este Direito Transnacional assume especial importância (12). Por um lado, por se tratar de um sector da actividade económica muito marcado pela observância de usos do comércio (13), alguns dos quais foram codificados por organizações privadas do comércio internacional, designadamente a Câmara do Comércio Internacional (CCI). É o que se verifica, pelo menos parcialmente, com as Regras e Usos Uniformes Relativos aos Créditos Documentários, editados pela CCI (14). Por outro, pelo elevado grau de padronização do conteúdo negocial dos contratos bancários, designadamente com base em modelos contratuais predispostos pelos bancos ou por associações sectoriais ou noutros modelos de regulação, tais como as Regras Uniformes Relativas às Garantias Contratuais (CCI, 1978), as Regras Uniformes Relativas às Garantias Mediante Solicitação (CCI, 1991) e as Regras Uniformes Relativas às Cobranças (CCI, 1995).

Não tenho elementos seguros sobre a importância da arbitragem como modo de resolução de litígios emergentes de operações bancárias. No entanto, tudo leva a crer que desempenha o principal papel na resolução de litígios emergentes de relações interbancárias ou entre bancos e outras instituições financeiras. Pelo menos nestes casos, deve ter-se em mente que a determinação do Direito aplicável se baseia em critérios específicos que divergem em muitos aspectos dos estabelecidos para os tribunais estaduais (15).

III. Pelas razões expostas, teria sem dúvida o maior interesse proceder a uma indagação sobre as tendências seguidas na jurisprudência arbitral para determinar o Direito aplicável às operações bancárias internacionais. Na impossibilidade de realizar nesta sede tal indagação, o presente estudo limitar-se-á à determinação do Direito aplicável pelos tribunais estaduais.

Este Direito de Conflitos geral também é aplicável na arbitragem de controvérsias emergentes de relações entre os bancos e os clientes não empresariais. Claro que os tribunais da arbitragem transnacional não estão submetidos a um particular sistema nacional de Direito Internacional Privado (16), e, por conseguinte, quando se ocupem de litígios emergentes de contratos com consumidores, os árbitros terão de atender aos princípios de Direito de Conflitos comuns aos Estados que têm um contacto relevante com o contrato. Na falta de princípios comuns, os árbitros devem aplicar o Direito de Conflitos do Estado que apresenta a ligação mais significativa com o contrato.

A principal fonte de Direito de Conflitos geral nesta matéria é, como já se assinalou, a Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais. Estão em curso trabalhos com vista à transformação desta Convenção num Regulamento comunitário, que conduziram já a uma Proposta da Comissão das Comunidades Europeias (2005) (17).

Na ordem jurídica portuguesa também vigora uma outra Convenção que poderia ter incidência sobre certas operações bancárias: refiro-me à Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação (1978) (18). No entanto, esta Convenção admite que os Estados contratantes reservem o direito de não a aplicar à representação exercida por um banco ou grupo de bancos em matéria de operações bancárias (art. 18.º). Portugal fez uma reserva abrangendo este caso (19). Razão por que poderemos deixar de lado este instrumento internacional.

IV. Na sistematização do presente estudo importa começar por distinguir as operações tipicamente realizadas por bancos (I a IV) das operações nos mercados de instrumentos financeiros (V) que são frequentemente realizadas por outras entidades. A razão de ser desta distinção assenta na existência de um complexo de conexões especializadas em matéria de operações nos mercados de instrumentos financeiros que não encontra paralelo nas tradicionais operações bancárias. Dada a extensão e complexidade dos problemas suscitados pelas operações nos mercados de instrumentos financeiros, vou limitar-me a um exame sumário destes problemas.

Quanto às operações tipicamente realizadas por bancos examinarei, em primeiro lugar, a designação pelas partes do Direito aplicável (I) e, em seguida, o critério da conexão mais estreita (II). A este respeito, começarei por considerações gerais (II.A), distinguindo em seguida, quanto à concretização do critério, as operações simples (II.B), que se estruturam geralmente numa única relação de natureza contratual, das operações complexas (II.C), que são esquemas negociais que coligam diversas relações jurídicas. Farei, em seguida, referência às regras especiais aplicáveis a certos contratos com consumidores (III) e a outras conexões especiais (IV).

I. OPERAÇÕES TIPICAMENTE REALIZADAS POR BANCOS - DESIGNAÇÃO PELAS PARTES DO DIREITO APLICÁVEL

As operações tipicamente realizadas por bancos são, em primeiro lugar, contratos bancários.

O contrato bancário nuclear, conformado pelas cláusulas gerais dos bancos e por usos bancários, é a abertura de conta (20). Através deste contrato o banco obriga-se perante o cliente, designadamente, a manter uma conta em que os movimentos de dinheiro são levados a débito e a crédito de modo a que o cliente só possa exigir o saldo, a receber depósitos, a realizar pagamentos e a emitir cheques, mediante remuneração. A conta-corrente bancária, o giro bancário, o depósito bancário e a convenção de cheque, embora susceptíveis de configuraram contratos autónomos, são na maior parte dos casos elementos do contrato de abertura de conta. Os bancos também celebram tipicamente contratos de emissão de cartão bancário e contratos de financiamento, entendidos em sentido amplo como todos aqueles em que o banco proporciona a um cliente o aproveitamento de uma quantia pecuniária, durante certo tempo (designadamente, mútuo bancário, abertura de crédito, desconto bancário, crédito documentário, locação financeira e cessão financeira).

Alguns destes contratos de financiamento configuram operações complexas, porque estão coligados com outras relações jurídicas. No crédito documentário, o banco emitente, por ordem do cliente (que é geralmente o comprador), obriga-se a efectuar um pagamento a um beneficiário (que é geralmente o vendedor), contra a entrega dos documentos representativos da mercadoria e/ou outros documentos, e obtém, em seguida, o reembolso do ordenante. Na maior parte dos casos intervém também um outro banco (banco correspondente), designadamente o banco do vendedor, que pode só notificar o beneficiário ou confirmar o crédito, caso em que, em regra, o banco correspondente também se obriga a realizar o pagamento perante o vendedor. Temos, por conseguinte, um esquema triangular ou quadrangular de relações jurídicas: relação entre o ordenante e o beneficiário, que é geralmente um contrato de venda (relação subjacente ou valutária); relação entre o ordenante e o banco emitente (contrato de abertura de crédito documentário); relação entre o banco emitente e o beneficiário; eventualmente, relação entre o banco emitente e o banco correspondente; e, eventualmente, relação entre o banco correspondente e o beneficiário. A natureza da relação entre o banco emitente (ou, sendo o caso, o banco confirmador) e o beneficiário é controversa. Segundo o entendimento dominante todas estas relações têm natureza contratual (21).

Também constitui operação tipicamente realizada por bancos a prestação de garantias bancárias, por exemplo sob a forma de fiança e de garantia autónoma. Trata-se de garantias especiais de créditos, de natureza pessoal, que constituem operações complexas. Nas modalidades mais simples trata-se de uma operação através da qual um banco (o garante), por ordem de um cliente (o ordenante), se obriga perante terceiro (o beneficiário) a pagar uma importância, desde que se verifique determinado evento desfavorável ao beneficiário, designadamente o incumprimento pelo ordenador de contrato celebrado com o beneficiário. Encontramos aqui um esquema triangular de relações: relação ordenante/beneficiário (relação subjacente ou valutária); relação ordenante/garante (relação de cobertura); e relação garante/beneficiário (relação de garantia).

Noutras garantias bancárias intervém um segundo banco (banco correspondente), dando origem a um esquema quadrangular. Também neste caso, o segundo banco pode ser meramente notificador ou confirmar a garantia; nesta segunda hipótese tanto o primeiro banco como o segundo banco assumem obrigações de pagamento perante o beneficiário. Mas se a garantia for “indirecta” só o segundo banco assume a obrigação de pagamento perante o beneficiário prestando o primeiro banco uma contragarantia a favor do segundo banco.

A natureza da relação entre o garante e o beneficiário também é controversa na garantia bancária. A doutrina dominante entende que se trata de um contrato em que a vontade do beneficiário é, em regra, tacitamente manifestada (22).

Há ainda a referir, sem pretensões de exaustividade, as transferências bancárias, que são operações escriturais de transmissão de fundos entre duas contas que engendram esquemas negociais complexos (23).

Temos, em primeiro lugar, a relação entre o ordenante e o seu banco, em que a ordem de transferência constitui normalmente um acto de execução do contrato de abertura de conta. Se não intervierem bancos intermediários, temos, em seguida, a relação entre o banco do ordenante e o banco do beneficiário. Caso intervenham um ou mais bancos intermediários temos outras relações interbancárias. Estas relações interbancárias assumem natureza contratual mas podem inscrever-se em contratos-quadro previamente celebrados entre os bancos em causa. No último segmento, temos a relação entre o beneficiário e o seu banco, que também constitui geralmente um acto de execução do respectivo contrato de abertura de conta.

É pacífico que os contratos bancários estão submetidos às mesmas regras de conflitos que os outros contratos obrigacionais. Isto significa a aplicabilidade da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais.

Em matéria de determinação do Direito aplicável aos contratos obrigacionais o art. 3.º da Convenção de Roma consagra o princípio da autonomia da vontade: as partes são inteiramente livres de escolher uma ordem jurídica estadual ou local (nos Estados em que vigora uma pluralidade de sistemas locais) (24). Este preceito não subordina a escolha a qualquer laço objectivo entre o contrato e a lei escolhida nem à demonstração de um interesse sério na escolha.

Isto corresponde às necessidades do comércio internacional. No que toca às operações bancárias internacionais e, em particular, aos contratos interbancários ou aos contratos para o financiamento de grandes projectos celebrados por consórcios bancários, as partes estão frequentemente interessadas em atribuir competência a uma ordem jurídica estadual que contém o regime que em seu juízo é especialmente adequado à operação em causa, apesar de ser a ordem jurídica de um Estado que não tem qualquer laço objectivo com esta operação (25). Por outro lado, permitir que o órgão de aplicação controlasse a seriedade do interesse subjacente à escolha não deixaria de prejudicar a certeza e a previsibilidade sobre o Direito aplicável.

A lei aplicável à formação e à validade do consentimento é — segundo a Convenção de Roma (art. 3.º/4) — a própria lei designada. Normalmente uma parte ficará vinculada pela estipulação individual que tenha celebrado com respeito ao Direito aplicável. Já há regras mais exigentes quanto à integração nos contratos singulares de cláusulas contratuais gerais, predispostas por uma das partes, e que são propostas à adesão da outra parte.

Ora, nos contratos mais correntes celebrados por bancos com clientes sucede frequentemente que o modelo contratual utilizado pelo banco inclui uma cláusula geral de designação do Direito aplicável, em geral a lei do país em que situa a sede do banco ou, em relação às operações realizadas por filiais ou sucursais estabelecidas noutro país, a lei do país onde se encontra sedeada a filial ou estabelecida a sucursal (26).

A este respeito deve também atender-se ao n.º 2 do art. 8.º da Convenção sobre a relevância negocial de um comportamento. Se a professio iuris constituir uma cláusula contratual geral a sua inclusão no contrato será apreciada, em primeiro lugar, pela lei escolhida; se a questão for respondida afirmativamente pela lei escolhida, o declaratário poderá ainda invocar a lei da sua residência habitual para demonstrar que não deu o seu acordo, se resultar das circunstâncias que não seria razoável que o valor do seu comportamento fosse determinado pela lei escolhida (27).

Quer isto dizer que a vinculação do adquirente pela cláusula geral de designação do Direito aplicável fica dependente não só do regime aplicável às cláusulas contratuais gerais contido na lei escolhida, mas também, se resultar das circunstâncias que não é razoável que o valor do seu comportamento seja determinado pela lei escolhida, do regime contido na lei da residência habitual.

Deve partir-se do princípio que a vinculação de um cliente de um banco estrangeiro, que celebra os actos necessários à celebração do contrato no país da sua residência habitual, por uma cláusula geral de designação do Direito aplicável, depende também da lei da sua residência habitual, quando a lei designada não lhe seja familiar.

O regime português das cláusulas contratuais gerais determina expressamente a sua aplicação a todas as cláusulas gerais independentemente da forma da sua comunicação ao público (art. 2.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais). Este regime exclui dos contratos singulares as cláusulas contratuais gerais que (28):

— não tenham sido comunicadas na íntegra aos aderentes (arts. 5.º e 8.º/a);
— tenham sido comunicadas com violação do dever de informação (arts. 6.º e 8.º/b);
— pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real (art. 8.º/c);
— estejam inseridas em “formulários” depois da assinatura de algum dos contratantes (art. 8.º/d).

Este regime é aplicável tanto nas relações com consumidores como nas relações entre empresários. Poderá ser questionado se não se justificaria uma diferenciação, à semelhança do que se verifica com a lei alemã que sujeita a inclusão das cláusulas gerais nas relações entre empresários exclusivamente às regras gerais sobre declarações de vontade e sobre a celebração de contratos (29). Nesta ordem de ideias, creio que nas relações entre empresários se poderia admitir que a inclusão de cláusulas gerais resultasse de uma conduta concludente tanto do lado do proponente com do lado do aderente, desde que este tenha possibilidade de tomar conhecimento das cláusulas (30).

Sendo frequente a inclusão de uma cláusula de designação do Direito aplicável no clausulado geral do banco, não há razão para a cláusula passar despercebida ao cliente, a menos que a epígrafe ou a apresentação gráfica da cláusula possam induzir o cliente em erro (31).

Se a cláusula for de difícil compreensão ou ambígua, o cliente pode solicitar esclarecimento ao banco. Em qualquer caso, na dúvida prevalece o sentido mais favorável ao aderente (art. 11.º/2 da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais). No que toca à cláusula de designação do Direito aplicável parece que na dúvida sobre a lei designada se deverá recorrer à conexão supletiva (i.e., à lei aplicável na falta de escolha).

A desigualdade em que tipicamente se encontra o cliente consumidor relativamente ao banco leva-o normalmente a aceitar a estipulação do Direito do banco, Direito que pode desconhecer e não ter possibilidade de conhecer com normal diligência. A necessidade de protecção do consumidor é contemplada, ao nível conflitual, pelo regime especial contido no art. 5.º da Convenção de Roma. Este regime, adiante referido (III), limita a eficácia da designação do Direito aplicável feita pelas partes.

Já nas relações entre bancos e clientes empresariais não se justifica qualquer limitação à eficácia da designação do Direito aplicável feita pelas partes.

De resto, a Convenção de Roma não é compatível com qualquer controlo do conteúdo da cláusula de designação do Direito aplicável, mesmo que se trate de uma cláusula geral. Andou bem o legislador português quando no DL n.º 220/95 suprimiu a al. h) do art. 19.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais que proibia, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas gerais que remetessem para o Direito estrangeiro, quando os inconvenientes causados a uma das partes não fossem compensados por interesses sérios e objectivos da outra. Uma aplicação analógica da actual al. g) do art. 19.º às cláusulas de escolha de lei seria contrária à intenção expressa pelo legislador no preâmbulo do DL n.º 220/95 e, em qualquer caso, incompatível com a Convenção de Roma (32).

O art. 3.º da Convenção de Roma não admite que as partes subtraiam o negócio a qualquer ordem jurídica ou escolham uma ordem jurídica não estadual. A exclusão da escolha de Direito não-estadual é criticável de iure condendo (33) e foi abandonada, pelo menos em parte, pela Proposta de Regulamento (art. 3.º/2).

Nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 3.º da Convenção de Roma, o consentimento das partes na designação do Direito aplicável pode ser manifestado expressa ou tacitamente. Quanto à designação tácita este preceito exige que a escolha resulte “de modo inequívoco das disposições do contrato ou das circunstâncias da causa”.

Nos contratos bancários que não contenham uma cláusula sobre o Direito aplicável a designação tácita do Direito do banco pode por vezes inferir-se da utilização de um modelo contratual que se baseia no sistema jurídico do Estado da sede ou estabelecimento do banco. Um outro indício importante de uma designação tácita do Direito do banco é a cláusula que atribua jurisdição aos tribunais do Estado da sede ou estabelecimento do banco (34). Caso a cláusula de jurisdição seja uma cláusula contratual geral, é de observar que só releva para a determinação de um escolha tácita do Direito aplicável a cláusula que for validamente estipulada (35).

A aplicabilidade da Convenção de Roma às operações bancárias complexas pode suscitar algumas dificuldades. Relativamente a algumas destas operações tem sido por vezes defendido que a operação deve ser globalmente submetida à mesma lei. Esta posição suscita desde logo duas reservas.

Primeiro, à face da Convenção de Roma as partes podem submeter partes separáveis do mesmo contrato a leis diferentes (art. 3.º/2/2.ª parte); por maioria de razão, podem submeter as diferentes relações contratuais integradas numa operação complexa a leis diferentes. A escolha de uma lei única para todas as relações contratuais numa operação complexa é conveniente, mas não é necessária. Por conseguinte, o problema da sujeição a um estatuto unitário só se coloca, na verdade, com respeito à conexão supletiva (infra II.C).

Segundo, a Convenção de Roma só se aplica a contratos obrigacionais. Relações jurídicas não contratuais inseridas em operações complexas poderão estar excluídas do âmbito de aplicação da Convenção (por exemplo, numa garantia bancária a relação valutária que resulte de um negócio jurídico unilateral). As obrigações voluntárias que estejam excluídas do âmbito de aplicação da Convenção de Roma ficam sujeitas às normas de conflitos dos arts. 41.º e 42.º CC (36). Em todo o caso, o crédito que resulte para um beneficiário de um contrato a favor de terceiro celebrado entre um cliente e um banco (que é o caso, segundo um entendimento, da garantia bancária autónoma) está submetido à lei reguladora do contrato (37).

II. OPERAÇÕES TIPICAMENTE REALIZADAS POR BANCOS - CRITÉRIO DA CONEXÃO MAIS ESTREITA

A) Considerações gerais

Na falta de válida designação pelas partes do Direito aplicável, este Direito tem de ser determinado com base num critério objectivo. O n.º 1 do art. 4.º da Convenção de Roma determina que o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresente uma conexão mais estreita. Consagra-se assim um critério geral de conexão, que carece de ser concretizado pelo órgão de aplicação do Direito mediante uma avaliação do conjunto das circunstâncias do caso concreto e com ponderação de todos os pontos de vista juridicamente relevantes.

Este critério geral da conexão mais estreita permite atender a laços de qualquer natureza, designadamente o lugar da residência, da sede ou do estabelecimento das partes, o lugar da execução do contrato, o idioma do contrato, a referência a disposições de uma determinada ordem jurídica ou o emprego de termos e expressões característicos desta ordem jurídica (que contudo não permitam inferir uma designação tácita) e o nexo funcional que o contrato estabeleça com outro contrato regido por certo Direito (38).

Nos termos do n.º 2 do art. 4.º da Convenção de Roma, “presume-se” que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país da residência habitual ou da sede da administração central do devedor da prestação característica. Se o contrato for celebrado no exercício da actividade económica ou profissional do devedor da prestação característica releva o país onde se situa o seu estabelecimento principal ou, se nos termos do contrato, a prestação deve ser fornecida por outro estabelecimento, o da situação deste estabelecimento.

Esta “presunção” deve ser entendida como uma directriz interpretativa que actua nos casos em que a determinação da conexão mais estreita suscita dúvidas. O n.º 5 do art. 4.º permite afastar esta “presunção” “sempre que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com outro país”.

A prestação característica é aquela que permite individualizar o contrato. Nos contratos que concernem à troca de bens e serviços por dinheiro, a prestação característica é a que consiste na entrega da coisa, na cessão do uso ou na prestação do serviço. Quer isto dizer, por exemplo, que o devedor da prestação característica é, no contrato de venda, o vendedor, no contrato de locação o locador e no contrato de prestação de serviço o prestador de serviço.

B) Operações simples

As regras gerais sobre a determinação da conexão supletiva, que acabo de enunciar, são aplicáveis aos contratos bancários.

Nos contratos entre bancos e clientes a prestação característica é geralmente a fornecida pelo banco, visto que é aquela que permite individualizar o contrato, ao passo que a contraprestação do cliente é normalmente uma prestação pecuniária (39). Contrariamente ao sugerido por alguns autores, porém, isto não significa que a lei aplicável seja sempre a do banco. Significa apenas que em caso de dúvida sobre a determinação da conexão mais estreita se recorre à lei do país em que banco está estabelecido.

Assim, por exemplo, se um banco sedeado e estabelecido em Portugal celebra um contrato de abertura de conta com um angolano residente em Angola, é aplicável a lei portuguesa. Neste caso não há dúvida que a conexão mais estreita se estabelece com Portugal (que é não só o país de estabelecimento do banco mas também aquele em que o contrato é essencialmente executado), razão por que a lei portuguesa é aplicável nos termos do n.º 1 do art. 4.º da Convenção de Roma.

Se um banco estabelecido em Portugal celebra um contrato de consultoria financeira com uma sociedade estabelecida em Espanha, devendo o serviço ser prestado em Angola, há uma dispersão dos elementos de conexão que dificulta a determinação da conexão mais estreita; neste caso, a lei portuguesa aplica-se por força da presunção do n.º 2 do art. 4.º (lei do devedor da prestação característica).

Já se um banco estabelecido em Portugal celebra um contrato de consultoria financeira com um angolano residente em Angola, devendo o serviço ser prestado em Angola, a conexão mais estreita estabelece-se inequivocamente com este país, razão por que se aplica a lei angolana.

Nos contratos de financiamento é frequente que a determinação da conexão mais estreita suscite dúvida. Poderia pensar-se que neste caso não é possível determinar a prestação característica e, por conseguinte, não funciona a directriz interpretativa estabelecida no n.º 2 do art. 4.º. No entanto, decorre do relatório GIULIANO/LAGARDE que ainda será possível considerar como característica uma prestação pecuniária, quando seja aquela por que o pagamento é devido. Afirma-se, neste relatório, que num contrato bancário é a lei do país do estabelecimento bancário com o qual a operação se efectua que regerá normalmente o contrato (40). Assim, mais em geral, entende-se que a prestação característica é a do financiador, razão por que, em caso de dúvida, é aplicável a lei do país em que o financiador tem o seu estabelecimento.

No caso de financiamento por consórcios de instituições financeiras releva, em princípio, o país em que o “chefe do consórcio” tem o seu estabelecimento (41).

Quando se trate de um crédito garantido por hipoteca, o laço existente com o país da situação do imóvel tem um grande peso na determinação da conexão mais estreita, que pode pesar no afastamento da “presunção” de conexão mais estreita com o país do estabelecimento do financiador.

Nos contratos interbancários não se pode dizer que a prestação característica é a fornecida pelo banco, visto que ambas as partes são bancos. Mas na maior parte dos contratos bancários um dos bancos é “mandatado” pelo outro banco para a prática de actos bancários ou para a prestação de outro serviço contra remuneração. Nestes casos a prestação característica é a fornecida pelo banco que presta o serviço (42).

Em alguns contratos bancários, porém, as prestações de ambos os bancos são idênticas. É o caso das operações de swap (troca de activos financeiros, nomeadamente valores mobiliários ou divisas) e da conta corrente recíproca. Neste caso a conexão mais estreita tem de se estabelecer sem o auxílio de qualquer “presunção” (art. 4.º/5). Tratando-se de contratos entre bancos de países diferentes a conexão mais estreita poderá resultar do lugar de execução, mas as dificuldades subsistirão na hipótese, frequente, de haver mais de um lugar de execução. No caso de a operação dizer respeito a um determinado mercado, um laço importante para estabelecer a conexão mais estreita é o que se estabelece com o país em que se situa o centro financeiro principal do mercado (43).

Não parece de acolher a ideia de fraccionar conflitualmente o contrato, aplicando distributivamente a lei de cada um dos bancos aos serviços prestados ao outro banco (44), pelas razões geralmente invocadas contra o fraccionamento subjectivo nos contratos sinalagmáticos: dificuldades de delimitação entre o estatuto de cada uma das partes e perda de coerência da regulação negocial (45). Deverá antes atender-se subsidiariamente a outros laços para determinar a lei reguladora do contrato, tais como o idioma do contrato, a referência a disposições de uma determinada ordem jurídica ou o emprego de termos e expressões característicos desta ordem jurídica e, em último caso, a moeda em que se realiza a operação.

C) Operações complexas

Foram anteriormente referidas algumas das operações complexas tipicamente realizadas por bancos: crédito documentário, garantias bancárias e transferências bancárias (supra I).

Será sem dúvida vantajoso submeter a operação complexa, na sua globalidade, a uma única lei. Isto pode ser conseguido através de uma escolha da mesma lei pelas partes dos diferentes contratos envolvidos; na prática será difícil conseguir esta uniformidade.

Na falta de escolha da lei aplicável, também são defendidas soluções unitárias que, com maior ou menor alcance, procuram submeter cada operação complexa a uma única lei (46); mas isto tem por consequência que determinadas relações, que apresentam uma conexão mais estreita com um país, sejam submetidas a uma lei remota, i.e., a lei de um país que não tem contacto com nenhum dos elementos da relação, e que é dificilmente determinável pelos seus sujeitos (47). Nestas operações é muito frequente que a relação entre o ordenante e o seu banco esteja localizada num país e que a relação entre o beneficiário e o banco correspondente esteja localizada noutro país. Aplicar a lei do banco ordenante à relação entre o banco correspondente e o beneficiário é tão-pouco adequado como aplicar a lei do banco correspondente à relação entre o ordenante e o seu banco. Ainda menos aceitável seria aplicar a lei reguladora do contrato entre o ordenante e o beneficiário, visto que pode não ter qualquer conexão com as outras relações em que se desdobra a operação.

Por esta razão, creio que o ponto de partida deve ser o inverso: determinar a lei aplicável a cada uma das relações jurídicas em que se desdobram (48). O nexo funcional entre duas ou mais relações contratuais constitui apenas um indício a ter em conta no estabelecimento da conexão mais estreita com cada uma delas que por si não é decisivo. Como resultado desta determinação tanto pode suceder que o conjunto da operação esteja submetida a uma única lei como haver diversos segmentos da operação submetidos a diferentes leis.

Vimos que o crédito documentário comporta um esquema triangular ou quadrangular de relações jurídicas: relação entre o ordenante e o beneficiário, que é geralmente um contrato de venda (relação subjacente ou valutária); relação entre o ordenante e o banco emitente (contrato de abertura de crédito documentário); relação entre o banco emitente e o beneficiário; eventualmente, relação entre o banco emitente e o banco correspondente; e, eventualmente, relação entre o banco correspondente e o beneficiário. A determinação da lei aplicável à relação subjacente, designadamente ao contrato de venda, segue as regras gerais. Com respeito às outras relações, o problema da determinação do Direito aplicável não assume tanta importância prática, porque perante os principais sistemas impera nesta matéria a autonomia negocial, as Regras e Usos Uniformes Relativos aos Créditos Documentários (supra Introdução II) são geralmente incorporadas nos contratos e estas regras resolvem a maior parte dos problemas de regulação jurídica. Em todo o caso, a determinação do Direito aplicável é necessária caso vigorem normas imperativas ou se suscitem problemas de interpretação ou de integração das regras uniformes (art. 10.º/1/a da Convenção de Roma e, caso esta porventura não seja aplicável, art. 35.º/1 CC, que submetem a interpretação à lei aplicável à substância do negócio).

A determinação do Direito aplicável ao contrato de abertura de crédito documentário deve basear-se nas regras gerais da Convenção de Roma: é característica a prestação do banco, mas geralmente não é necessário recorrer à “presunção” porque o contrato apresenta uma inequívoca conexão mais estreita com o país em que comprador e o seu banco estão estabelecidos.

A natureza da relação entre o banco emitente (bem como, sendo o caso, o banco confirmador) e o beneficiário é, como vimos, controversa. Para quem entenda que se trata de um contrato aplicam-se as regras da Convenção de Roma e é característica a prestação do banco (49). Como o banco confirmador e beneficiário estão normalmente estabelecidos no mesmo país, a sua relação contratual apresenta geralmente uma inequívoca conexão mais estreita com este país. Caso se qualifique a obrigação do banco como resultando de um negócio unilateral, são aplicáveis os arts. 41.º e 42.º/1 CC que, na falta de escolha da lei aplicável, nos conduzem à lei da sede do banco (por analogia com a residência habitual das pessoas singulares).

A relação entre o banco emitente e o banco correspondente (notificador ou confirmador) configura um contrato de mandato oneroso. Na falta de escolha da lei aplicável, é frequentemente necessário recorrer à “presunção” de conexão mais estreita com o país do devedor da prestação característica. É o banco mandatado o que fornece a prestação característica (50).

Foi anteriormente assinalado que as modalidades mais simples de garantia bancária se traduzem num esquema triangular de relações: relação ordenante/beneficiário (relação subjacente ou valutária); relação ordenante/garante (relação de cobertura); e relação garante/beneficiário (relação de garantia). Noutras garantias bancárias intervém um segundo banco, dando origem a um esquema quadrangular (supra I). A garantia pode ser acessória (designadamente a fiança) ou autónoma (designadamente a garantia autónoma à primeira solicitação) relativamente à obrigação principal, caso em que o garante não pode invocar perante o beneficiário meios de defesa resultantes da relação subjacente.

As soluções atrás defendidas com respeito ao crédito documentário podem ser transpostas até certo ponto para as garantias bancárias autónomas (51). Assim, designadamente, nas relações entre o banco garante, por um lado, e, por outro, o ordenante e o beneficiário, a prestação característica é a do garante (52). No entanto, há duas diferenças importantes que passo a examinar.

Por um lado, perante alguns sistemas, entende-se que nas garantias “indirectas” (em que só o segundo banco assume a obrigação de pagamento perante o beneficiário prestando o primeiro banco uma contragarantia a favor do segundo banco) as relações entre o banco do ordenante e o banco correspondente configuram dois contratos distintos: o contrato de mandato oneroso e o contrato de contragarantia. A prestação característica seria no contrato de mandato a do banco correspondente e no contrato de contragarantia a do banco do ordenante (53). Alguns autores defendem uma conexão única para estes contratos ou entendem que a independência entre as obrigações assumidas no mandato e na contragarantia é limitada e, por isso, se trata de uma relação una e indivisível (54).

Independentemente das razões certamente legítimas para, em face de determinados sistemas jurídicos, separar uma relação economicamente unitária em dois contratos distintos, parece de reconhecer que perante a Convenção de Roma a unidade desta relação deve em princípio ser respeitada. Daí que me pareça defensável que, na falta de escolha da lei aplicável, se deve determinar a conexão mais estreita com a relação interbancária globalmente considerada. Tendo em atenção que a prestação do banco correspondente é a mais complexa, talvez seja possível considerá-la como a prestação característica nesta relação (55). Excepcionalmente, se razões ponderosas o impuserem, poderá admitir-se um fraccionamento da relação nos termos do art. 4.º/1/2.ª parte da Convenção de Roma.

Por outro lado, também neste caso é discutida a natureza da relação entre o garante (banco do ordenante e, sendo o caso, também o banco confirmador) e o beneficiário (supra I). Para quem entenda que se trata de um contrato aplicam-se as regras da Convenção de Roma nos termos atrás expostos relativamente ao crédito documentário. Caso se siga a tese segundo a qual o contrato de garantia seria um contrato a favor de terceiro (o beneficiário) o crédito do beneficiário é regido pela mesma lei que rege o contrato entre o ordenante e o seu banco e, sendo o caso, a lei que rege o contrato entre o banco do ordenante e o banco confirmador.

Importa ainda referir que a excepção de solicitação abusiva da garantia se determina, quanto à sua existência e pressupostos, segundo a lei designada para reger o contrato de garantia. Se esta lei conhece a excepção de abuso do direito, o tribunal tem de averiguar que o beneficiário é titular de um direito, perante o ordenante, resultante do contrato subjacente e que a garantia tem por fim garantir o beneficiário contra o risco de inexecução. Isto determina-se segundo o Direito que rege o contrato subjacente (56).

Também com respeito às transferências bancárias se deve tomar como ponto de partida que as diferentes relações são autonomamente conectadas. Isto é pacífico quanto à relação entre o ordenante e o beneficiário. Já quanto às relações entre o ordenante e o seu banco, entre o banco receptor e o beneficiário e às relações interbancárias são defendidas soluções unitárias, muitas vezes tendentes à aplicação da lei do banco receptor (57). Mas, como foi atrás assinalado, estas soluções podem levar à aplicação de uma lei remota a relações que apresentam uma conexão manifestamente mais estreita com outra lei e/ou que se inserem numa relação mais ampla entre os mesmos sujeitos submetida, em princípio, a outra lei.

Assim, na medida em que a ordem seja dada no quadro do contrato de abertura de conta, a relação entre o ordenante e o seu banco é regida pela lei reguladora deste contrato. O mesmo se diga da relação entre o beneficiário e o banco receptor. À relação entre o banco do ordenante e o banco receptor, bem como às relações com bancos intermediários, aplica-se a lei reguladora do contrato-quadro em que a operação se insira. Na falta deste contrato, as relações interbancárias são reguladas pela lei do país que apresentar a conexão mais estreita com a relação, “presumindo-se” a conexão mais estreita com o país do banco “mandatado” para depositar os fundos na sua conta ou para os transferir para outro banco (58).

Faça-se ainda uma breve referência à cessão financeira. A cessão financeira é o contrato pelo qual o cliente cede ao cessionário (ou factor) os seus créditos sobre um terceiro (devedor) mediante uma remuneração (comissão). Trata-se geralmente de um contrato-quadro que regula uma pluralidade de cessões de créditos. O contrato de cessão financeira é regulado pelas regras de conflitos atrás referidas. Segundo uma doutrina, é característica a prestação do factor (59). Em minha opinião, tem de se distinguir a cessão financeira própria, em que o risco do incumprimento do devedor se transfere para o factor, da imprópria, em que isso não sucede. A cessão financeira própria tem a natureza de uma venda de créditos e, por isso, a prestação característica é a do cliente. A cessão financeira imprópria, quando o factor realize o pagamento antes da satisfação dos créditos, tem a natureza de um mútuo, razão por que é característica a prestação do factor que actua como um mutuante (60).

De resto, aplica-se à cessão de créditos o disposto no art. 12.º da Convenção de Roma. Nos termos do n.º 2 deste artigo a “lei que regula o crédito cedido determina a natureza cedível deste, as relações entre o cessionário e o devedor, as condições de oponibilidade da cessão ao devedor e a natureza liberatória da prestação feita pelo devedor.”

No que toca à fiança, a natureza materialmente acessória poderia sugerir uma conexão acessória com a lei reguladora da obrigação principal. A doutrina dominante, porém, entende que a fiança é objecto de conexão autónoma, aplicando-se as regras gerais da Convenção de Roma (61). O nexo funcional entre a fiança e o contrato subjacente deve ser tido em conta na determinação da conexão mais estreita mas, tratando-se uma fiança prestada por um banco, não se pode “presumir” uma conexão mais estreita com o país que apresenta a conexão mais estreita com o contrato subjacente (62). Neste caso, “presume-se” que a fiança tem a conexão mais estreita com o país do banco fiador (63).

III. OPERAÇÕES TIPICAMENTE REALIZADAS POR BANCOS - REGRAS ESPECIAIS APLICÁVEIS A CERTOS CONTRATOS BANCÁRIOS CELEBRADOS COM CONSUMIDORES

O art. 5.º da Convenção de Roma contém regras especiais sobre certos contratos “celebrados por consumidores” que visam a protecção da parte contratual mais fraca (64).

Entende-se por “contratos celebrados por consumidores” aqueles que tenham por objecto o fornecimento de bens móveis corpóreos ou de serviços a uma pessoa para uma finalidade que possa considerar-se estranha à sua actividade profissional, bem como os contratos destinados ao financiamento desse fornecimento. Esta definição corresponde à empregue no art. 13.º da Convenção de Bruxelas Relativa à Competência Judiciária e Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, e deve ser interpretada do mesmo modo, à luz da finalidade de protecção da parte mais fraca (65).

O conceito de fornecimento de serviços deve ser entendido em sentido amplo (66), abrangendo a actividade não subordinada de qualquer natureza, incluindo a actividade realizada no interesse de outrem.

Só os indivíduos podem ser considerados consumidores (67). Isto decorre do elemento de conexão utilizado pelas regras de conflitos especiais do art. 5.º (residência habitual) e da sua finalidade.

A maior parte dos contratos celebrados por bancos com clientes individuais pode ser subsumida na categoria dos “contratos celebrados por consumidores”. Embora o ponto seja controverso, devem considerar-se como contratos tendo por objecto o fornecimento de serviços não só, por exemplo, os contratos de guarda ou gestão de carteiras de valores mobiliários, mas também os contratos de abertura de conta, de depósito bancário, de giro bancário e de garantia bancária (68). Por outro lado, também se consideram contratos celebrados por consumidores os de financiamento da aquisição de bens móveis corpóreos ou da obtenção de serviços. Já não são directamente abrangidos, por exemplo, os contratos de crédito à habitação, mas não parece excluída uma aplicação analógica do art. 5.º aos contratos em que se justifique a mesma finalidade de protecção.

O n.º 2 do art. 5.º estabelece um limite ao princípio da autonomia da vontade na designação do Direito aplicável ao contrato. Com efeito, este preceito determina que a escolha pelas partes da lei aplicável não pode ter como consequência privar o consumidor da protecção que lhe garantem as disposições imperativas da lei do país em que tenha a sua residência habitual.

Na falta de escolha pelas partes da lei aplicável, o n.º 3 do art. 5.º consagra um desvio à cláusula geral de conexão mais estreita. Esta cláusula geral conduz frequentemente à aplicação da lei do país em que o fornecedor de bens ou serviços tem o seu estabelecimento, em virtude da “presunção” estabelecida pelo n.º 2 do art. 4.º. Por força do n.º 3 do art. 5.º, o contrato será regulado pela lei do país em que o consumidor tenha a sua residência habitual.

Estas regras especiais só se aplicam desde que se verifiquem certas conexões com o Estado da residência habitual (69). Das três hipóteses previstas apenas duas têm aplicação aos contratos bancários.

Primeiro, ter a celebração do contrato sido precedida, no país da residência habitual do consumidor, de uma proposta que lhe foi especialmente dirigida ou de anúncio publicitário. Para que exista uma proposta dirigida ao consumidor, no sentido deste preceito, basta que o consumidor seja convidado a apresentar uma proposta (convite a contratar) (70).

Exige-se ainda que o consumidor tenha executado no país da residência habitual todos os actos necessários à celebração do contrato (71). Por actos necessários entende-se aqui, por exemplo, a assinatura dos documentos que tenham sido apresentados ao consumidor ou o envio da sua encomenda ao fornecedor.

O regime especial dos contratos com consumidores também se aplica se a outra parte ou o respectivo representante tiver recebido o pedido do consumidor no país da residência habitual deste (72). São aqui visadas, em primeira linha, as situações em que o consumidor se dirige a um estabelecimento de uma sociedade “estrangeira” ou a um posto de vendas desta sociedade numa feira ou exposição no país da sua residência habitual, mesmo que a sociedade não tenha feito publicidade neste país (73). De resto a interpretação deste preceito deve ser autónoma relativamente aos sistemas dos Estados contratantes.

O regime especial dos n.os 2 e 3 do art. 5.º não é aplicável ao contrato de transporte nem ao contrato de prestação de serviço, quando o serviço devido ao consumidor deva ser prestado exclusivamente num país diferente daquele em que o consumidor tiver a sua residência habitual (art. 5.º/4). Esta exclusão restringe significativamente os casos em que contratos bancários internacionais com clientes individuais podem ser abrangidos pelo regime especial dos contratos celebrados por consumidores.

IV. OPERAÇÕES TIPICAMENTE REALIZADAS POR BANCOS - OUTRAS CONEXÕES ESPECIAIS PARA NORMAS IMPERATIVAS

A determinação do Direito aplicável às operações bancárias internacionais não se esgota com o chamamento de uma lei a reger uma operação simples ou cada uma das relações inseridas numa operação complexa. Além das regras especiais estabelecidas para certos contratos com consumidores, o Direito positivo consagra uma série de conexões especiais para as leis imperativas que regulam certos aspectos das operações bancárias ou que, como sucede frequentemente com o Direito público da economia, têm incidência sobre estas operações. Na nossa doutrina tem-se falado a este respeito de “normas de aplicação imediata” que se sobrepõem à lei normalmente competente (74), mas trata-se essencialmente de uma diferença de perspectiva: o que conduz à sobreposição de certas normas imperativas é, em princípio, a vigência de uma norma de conflitos especial expressa ou implícita (75).

Estas normas de conflitos especiais são frequentemente unilaterais (limitam-se a determinar o âmbito de aplicação no espaço de uma lei do Estado do foro) mas também podem ser bilaterais (chamando tanto a lei do foro como a lei estrangeira). Neste segundo caso, as normas de conflitos podem ser de fonte interna ou de fonte supraestadual, como sucede, em matéria de operações cambiais, com a norma consagrada na al. b) da secção 2 do art. VIII do Acordo Relativo ao Fundo Monetário Internacional (76). Segundo este preceito, os “contratos cambiais que envolvam a moeda de qualquer membro e que sejam contrários à regulamentação cambial que esse membro mantenha ou introduza, em conformidade com o presente Acordo, não serão executórios nos territórios de nenhum membro” (77).

Dentro do âmbito de aplicação da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, a sobreposição das normas susceptíveis de aplicação necessária do Estado do foro à lei primariamente competente é permitida pelo art. 7.º/2. O n.º 1 do art. 7.º da Convenção de Roma dispõe sobre a relevância de normas susceptíveis de aplicação necessária de terceiros Estados, mas não vigora na ordem jurídica portuguesa, porque Portugal fez a reserva prevista na al. a) do n.º 1 do art. 22.º da Convenção (78).

Sem pretensões de exaustividade, podemos referir algumas conexões especiais estabelecidas por normas de fonte interna, distinguindo conforme se trata de Direito privado e de Direito público da economia.

No âmbito do Direito privado, podemos referir os regimes das cláusulas contratuais gerais nos contratos celebrados por consumidores finais, dos contratos de crédito ao consumo, dos contratos à distância relativos a serviços financeiros e das transferências transfronteiras.

No que se refere à proibição de certas cláusulas contratuais gerais nos contratos celebrados com consumidores finais, o art. 23.º/1 do DL n.º 446/85, de 25/10 (com a redacção dada pelo DL n.º 249/99, de 7/7), determina a aplicabilidade das normas contidas nos arts. 20.º e segs. daquele diploma, independentemente da lei que as partes hajam escolhido para reger o contrato, sempre que o mesmo apresente uma conexão estreita com o território português. Nos termos do n.º 2, “No caso de o contrato apresentar uma conexão estreita com o território de outro Estado membro da Comunidade Europeia aplicam-se as disposições correspondentes desse país na medida em que este determine a sua aplicação” (79).

Quanto ao regime dos contratos de crédito ao consumo, o art. 20.º do DL n.º 359/91, de 21/9, determina a aplicação deste diploma quando o consumidor tenha residência habitual em Portugal desde que a celebração do contrato tenha sido precedida de uma oferta ou de publicidade feita em Portugal e o consumidor tenha emitido no país a sua declaração negocial.

Em matéria de contratos celebrados à distância relativos a serviços financeiros, o art. 40.º do DL n.º 95/2006, de 29/5, estabelece que a “escolha pelas partes da lei de um Estado não comunitário como lei aplicável ao contrato não priva o consumidor da protecção que lhe garantem as disposições do presente decreto-lei”.

Enfim, no que toca às transferências internas e transfronteiras realizadas nas moedas dos Estados integrantes do Espaço Económico Europeu, o DL n.º 41/2000, de 17/3, contém algumas normas materiais especiais sobre transferências internacionais, que aparentemente se aplicam às transferências transfronteiras dentro do Espaço Económico Europeu executadas por uma instituição ou por uma sucursal situada em Portugal (80).

No âmbito do Direito público da economia com incidência sobre operações bancárias internacionais, os exemplos de escola são as regras sobre circulação de capitais e sobre operações cambiais. Entre nós, porém, a circulação de capitais e as operações cambiais foram liberalizadas. A matéria é hoje regulada pelo DL n.º 295/2003, de 21/11, que só por razões políticas graves e em situações de urgência admite que, de acordo com as normas internacionais vinculativas do Estado Português, possam ser impostas restrições temporárias à realização por residentes de operações económicas e financeiras e cambiais com pessoas singulares ou colectivas nacionais ou residentes em Estados que não sejam membros da Comunidade Europeia (art. 21.º).

Também o regime de acesso e exercício das actividades financeiras contém algumas normas que podem ter incidência nas operações bancárias internacionais. Nesta matéria vigora principalmente o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31/12, com diversas alterações, aplicável à actividade de instituições de crédito com sede em Portugal (arts. 14.º e 36.º e segs.) e que também contém normas sobre a actividade em Portugal de instituições de crédito com sede no estrangeiro, sem prejuízo da competência da lei do país de origem (arts. 18.º, 44.º e segs., 61.º-62.º e 188.º e segs.).

V. OPERAÇÕES NOS MERCADOS DE INSTRUMENTOS FINANCEIROS

A) Preliminares

Entendo por operações nos mercados de instrumentos financeiros os negócios que são realizados em sistemas que permitem o encontro entre a oferta e a procura de instrumentos financeiros. São instrumentos financeiros, designadamente, não só as acções, obrigações, títulos de participação, unidades de participação em instituições de investimento colectivo e warrants autónomos (que são entre nós considerados valores mobiliários) (81), mas também opções, futuros e swaps relativos a valores mobiliários, a mercadorias ou a estatísticas económicas oficiais (que são entre nós considerados instrumentos financeiros derivados que não são valores mobiliários) (82).

As operações nos mercados de instrumentos financeiros podem consistir, em primeiro lugar, nas transacções de valores mobiliários que sejam imediatamente executadas e que visem uma transmissão imediata dos valores pelo registo na conta do adquirente (no caso dos valores escriturais e titulados integrados em sistema centralizado), pela entrega do título (no caso dos valores titulados ao portador não integrados em sistema centralizado) e pela declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto do intermediário financeiro que o represente (no caso dos valores titulados nominativos não integrados em sistema centralizado).

As operações nos mercados de instrumentos financeiros podem consistir também em operações a prazo, i.e., na celebração de contratos de execução diferida. Uma modalidade especialmente importante de operações a prazo são os derivados, que têm uma função de garantia contra o risco da oscilação de preços ou cotações [hedging] ou de obtenção de lucros diferenciais resultantes da oscilação de preços ou cotações [trading].

As operações nos mercados de instrumentos financeiros apresentam frequentemente contactos relevantes com mais de um Estado soberano (83). Por exemplo, um contrato de corretagem entre uma pessoa residente num Estado e uma sociedade de corretagem estabelecida no mesmo Estado com vista à negociação de valores mobiliários num mercado estrangeiro. O mesmo contrato entre partes localizadas em Estados diferentes com vista à negociação de valores mobiliários no mercado do país em que o intermediário financeiro está estabelecido. Uma oferta pública de venda de acções de uma sociedade localizada num Estado dirigida a pessoas com residência ou estabelecimento em vários Estados. A negociação de acções de uma sociedade localizada num Estado num mercado estrangeiro. A comercialização em vários países de unidades de participação num fundo de investimento organizado num deles.

Os bancos intervêm assiduamente nas operações nos mercados de instrumentos financeiros como emitentes de valores mobiliários, como ordenantes ou como intermediários financeiros (84).

Relativamente à determinação do Direito aplicável importa assinalar, em primeiro lugar, que as operações nos mercados de instrumentos financeiros estão em princípio submetidas às regras gerais de Direito de Conflitos, designadamente às contidas na Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais em matéria de contratos obrigacionais. O art. 1.º/2/c desta Convenção exclui do seu âmbito as obrigações decorrentes de títulos negociáveis, na medida em que revistam carácter negociável. Parte dos instrumentos financeiros podem ser considerados títulos negociáveis, mas esta exclusão não abrange os contratos que tenham por objecto títulos negociáveis, mas apenas as obrigações decorrentes do carácter negociável destes títulos (85).

Para além disso, porém, há um conjunto de conexões especiais estabelecidas para certos regimes privativos das operações nos mercados de instrumentos financeiros. Nuns casos trata-se de regimes de Direito privado que visam, designadamente, a protecção dos investidores; noutros de regimes de Direito público da economia que constituem instrumentos de ordenação e intervenção nos mercados de capitais e que, embora não regulem directamente as operações jurídico-privadas, podem ter incidência sobre estas operações; noutros casos ainda, encontramos uma combinação de elementos públicos e de elementos privados que torna difícil a distinção entre regras de Direito privado e regras de Direito público (86).

Os negócios nos mercados regulamentados são feitos por intermediários financeiros, designadamente bancos, que podem actuar por conta dos ordenantes (como corretores/brokers) em nome dos ordenantes (enquanto representantes) ou, como é mais frequente, em nome próprio (enquanto comissários). Por vezes os intermediários intervêm por conta própria, adquirindo valores dos seus clientes ou vendendo aos seus clientes os valores detidos em carteira própria [dealers]. Alguns intermediários financeiros também adquirem acções e obrigações com vista à sua colocação em ofertas públicas de distribuição [underwriters] (87).

B) Direito aplicável à emissão de valores mobiliários

Os emitentes de valores mobiliários podem proceder à sua distribuição através de intermediários financeiros, designadamente bancos, ou facultar a sua subscrição em bloco a intermediários financeiros que procedem à sua distribuição nos mercados de instrumentos financeiros [underwriting]. Isto corresponde, até certo ponto, na lei portuguesa, ao contrato de colocação (art. 338.º C. Val. Mob.) e ao contrato de tomada firme (art. 339.º C. Val. Mob.) (88).

No caso de os emitentes procederem à distribuição através de intermediários financeiros, estes podem actuar como representantes dos emitentes, colocando os valores mobiliários em nome dos emitentes, ou como comissários dos emitentes, colocando os valores mobiliários em seu próprio nome mas por conta dos emitentes. Mesmo nesta última hipótese o risco da colocação fica com o emitente a menos que o intermediário assuma o risco de colocação, nos mesmos termos que um underwriter (garantia de colocação nos termos do art. 340.º C. Val. Mob.) (89).

Quando o banco actua como representante do emitente estamos em presença de um contrato de mandato com representação que é regulado pelas regras gerais dos arts. 3.º e 4.º da Convenção de Roma, atrás examinadas (I e II.A e B) (90). O devedor da prestação característica é o banco/mandatário. À representação do emitente pelo banco aplica-se, por outro lado, o disposto no art. 39.º/3 CC: é competente a lei do domicílio profissional do banco, i.e., a lei do lugar em que se situa o estabelecimento relevante do banco (91).

As regras dos arts. 3.º e 4.º da Convenção de Roma são também aplicáveis ao contrato de comissão para colocação de valores mobiliários celebrado entre um emitente e um banco (92). O devedor da prestação característica é o banco/comissário.

A Convenção da Haia Sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação não se aplica ao banco que actua como intermediário financeiro, porquanto, como já foi atrás assinalado (Introdução III), Portugal reservou o direito de não a aplicar à representação exercida por um banco ou grupo de bancos em matéria de operações bancárias (art. 18.º) (93).

A determinação do Direito aplicável ao contrato de tomada firme também se rege pelas normas gerais da Convenção de Roma, mas a aplicação destas normas oferece mais dúvidas neste caso. Neste contrato ocorre uma aquisição pelo intermediário dos valores mobiliários oferecidos para subscrição pelo emitente, que tem como contrapartida uma prestação pecuniária (o que permitiria pensar que é o emitente o devedor da prestação característica); mas, do ponto vista funcional, também há uma prestação de serviço ao emitente (94).

É comummente aceite que neste caso é especialmente recomendável a escolha pelas partes do Direito aplicável. Na falta de escolha pelas partes, a correcta interpretação do art. 4.º da Convenção de Roma conduz à indagação do país com que o contrato apresenta a conexão mais estreita. A conexão mais estreita pode resultar designadamente da localização dos estabelecimentos de ambas as partes no mesmo país ou, na falta de estabelecimento comum no mesmo país, da localização do mercado regulamentado em que os valores mobiliários devam ser colocados. Nas hipóteses residuais em que a determinação da conexão mais estreita ofereça dúvida parece que uma análise funcional permite concluir que é o intermediário, enquanto prestador de serviço, o devedor da prestação característica.

Relativamente a certos aspectos da emissão, importa ter em conta as normas de conflitos especiais contidas no C. Val. Mob. Assim, a lei pessoal do emitente é aplicável à capacidade para a emissão (95) e à forma de representação (art. 39.º). Relativamente ao registo da emissão, o C. Val. Mob. estabelece uma norma de conflitos unilateral: as normas sobre o registo aplicam-se aos valores mobiliários emitidos por entidade cuja lei pessoal seja a lei portuguesa (art. 43.º/2).

C) Direito aplicável aos negócios celebrados nos mercados regulamentados

Nos mercados regulamentados, os intermediários financeiros realizam transacções de valores mobiliários, também designadas negócios internos de bolsa [Börseninnengeschäfte], que frequentemente constituem negócios de execução das ordens recebidas dos investidores e são realizados através de sistemas de negociação colectiva. A qualificação destas transacções suscita diversas questões jurídico-materiais complexas que não cabe examinar aqui. São no entanto necessárias algumas observações.

Por um lado, embora os intermediários actuem as mais das vezes em nome próprio, existe, abstraindo dos condicionamentos estabelecidos por sistemas estaduais singularmente considerados, a possibilidade de os intermediários actuarem como representantes dos investidores; neste segundo caso, são os investidores, e não os intermediários, os sujeitos das relações estabelecidas nestas transacções.

Por outro lado, dependendo do sistema jurídico aplicável, cada uma destas transacções pode conduzir a uma relação jurídica entre os intermediários financeiros envolvidos (ou entre os investidores representados pelos intermediários) ou a duas relações jurídicas, entre cada um dos intermediários financeiros (ou dos investidores por eles representados) e a entidade gestora (96). Acresce que é questionado o carácter contratual dos negócios celebrados na bolsa pelos intermediários financeiros (97).

Apesar destas dificuldades, é geralmente aceite que os negócios celebrados por intermediários financeiros nos mercados regulamentados estão sujeitos às regras gerais dos arts. 3.º e 4.º da Convenção de Roma, atrás examinadas (I e II.A e B) (98). Mesmo para quem negue o carácter contratual destes negócios não parece de excluir a aplicação analógica dessas regras gerais na medida em que a analogia o justifique.

Por conseguinte, as partes podem escolher o Direito aplicável e a utilização do modelo contratual predisposto pela entidade gestora pode constituir um indício importante de uma vontade tacitamente manifestada de escolher o Direito do país em que funciona o mercado (99). Na falta de escolha, aplica-se o Direito que apresenta a conexão mais estreita com a relação que é, geralmente, o Direito do país em que funciona o mercado, visto que este é não só o país de execução do contrato mas também aquele em que, normalmente, estão estabelecidas as partes (os intermediários financeiros, quando actuem como em nome próprio) (100).

Em caso de dúvida na determinação da conexão mais estreita, importa distinguir. Nas relações que porventura se estabeleçam entre um intermediário e a entidade gestora, pode entender-se que o devedor da prestação característica é a parte que alienar os valores mobiliários (101). Numa perspectiva funcional, porém, a prestação da entidade gestora é a mais complexa e causaria grande perturbação ao sistema de negociação colectiva a sujeição a uma pluralidade de leis (as leis dos intermediários em causa). Por isso, parece de entender que é sempre a entidade gestora a devedora da prestação característica. Nas relações entre investidores (ou entre intermediários que intervenham na qualidade de representantes dos investidores), pode presumir-se a conexão mais estreita com o país do estabelecimento do vendedor, enquanto devedor da prestação característica. O intermediário que revenda os valores mobiliários por conta própria também pode ser considerado como sendo o devedor da prestação característica.

Já nas relações entre intermediários financeiros, em que a venda seja realizada por um intermediário enquanto comissário do vendedor, o recurso à “presunção” a favor da lei do devedor da prestação característica parece excluído, porque ambos os intermediários realizam uma prestação idêntica (execução das ordens dadas pelos clientes) (102).

D) Direito aplicável aos negócios entre investidores e intermediários financeiros

Os investidores celebram com os intermediários financeiros contratos (designadamente contratos de corretagem), também designados negócios externos da bolsa [Börsenaußengeschäfte], que são dirigidos à celebração de negócios internos da bolsa. Entre estes operadores económicos podem ser ainda celebrados, nomeadamente, contratos de gestão de carteira de valores mobiliários e contratos de consultoria para investimento.

No que diz respeito aos contratos celebrados por investidores com bancos que actuem na qualidade de intermediários financeiros, não há dúvida que são aplicáveis as regras gerais da Convenção de Roma à determinação do estatuto do negócio, havendo a considerar não só as regras de conflitos dos arts. 3.º e 4.º mas também, em certos casos, o regime especial dos contratos com consumidores (art. 5.º).

Relativamente aos contratos submetidos exclusivamente às regras de conflitos dos arts. 3.º e 4.º da Convenção de Roma, as partes podem escolher a lei aplicável e, na falta de escolha, aplica-se a lei do país que apresenta a conexão mais estreita com o contrato. Nos contratos entre partes estabelecidas no mesmo país a conexão mais estreita estabelece-se com este país. Nos contratos entre partes estabelecidas em países diferentes com vista à negociação de valores mobiliários num determinado mercado a conexão mais estreita estabelece-se, em princípio, com o país em que funciona o mercado. Em caso de dúvida sobre a conexão mais estreita, a prestação característica é a do intermediário financeiro, visto que consiste numa prestação de serviço contra remuneração (103). Isto é sobretudo concebível nos casos em que não seja previsível o mercado em que os valores mobiliários devem ser negociados ou em que seja prevista a negociação em vários mercados.

A generalidade destes contratos entre investidores e bancos actuando na qualidade de intermediários financeiros pode ser considerada como tendo por objecto o “fornecimento de serviços” nos termos do art. 5.º da Convenção de Roma (104). Isto inclui os contratos para a obtenção de operações a prazo em mercados de instrumentos financeiros (105). Por conseguinte, desde que a finalidade prosseguida pelo investidor possa considerar-se estranha à sua actividade profissional, estes contratos devem ser subsumidos na categoria dos “contratos celebrados por consumidores”. É defendido que o elemento prestação de serviço é normalmente preponderante mesmo que a relação entre o investidor e o intermediário seja configurada como uma venda de valores mobiliários, visto que, do ponto de vista substancial, o intermediário presta um serviço de registo ou depósito dos valores e de realização de transacções no mercado (106).

Já os negócios internos da bolsa celebrados entre intermediários financeiros, tendo por objecto valores mobiliários ou derivados, não podem ser considerados contratos com consumidores, mesmo que sejam celebrados em representação de investidores que não actuam profissionalmente (107). A possibilidade de uma aplicação analógica do art. 5.º da Convenção de Roma permanece uma questão em aberto (108).

O regime especial dos contratos celebrados por consumidores foi atrás examinado (III). Foi então assinalado que a aplicação deste regime depende da verificação de certas conexões com o Estado da residência habitual com o consumidor e que é excluída quando o serviço devido ao consumidor deva ser prestado exclusivamente num país diferente daquele em que o consumidor tiver a sua residência habitual (art. 5.º/4). O serviço não é prestado exclusivamente num país diferente quando for prestado através da internet (em linha ou por correio electrónico) (109) ou quando o investidor for aconselhado no país da residência habitual através do telefone ou de telefaxe. Em contrapartida, o recebimento de comissões de guarda dos títulos ou o pagamento de dividendos no país de residência habitual do consumidor não parece suficiente para excluir que o serviço se considere exclusivamente prestado fora deste país (110).

O art. 7.º/2 da Convenção de Roma permite a sobreposição das normas imperativas protectoras do consumidor que reclamem aplicação qualquer que seja a lei reguladora do contrato, contidas na lei do Estado do foro, mesmo que não se verifiquem os pressupostos de actuação do regime especial contido no art. 5.º (111). É o caso, nos contratos com investidores não qualificados (art. 321.º/1 C. Val. Mob.), das regras que proíbem certas cláusulas nas relações com consumidores finais sempre que o mesmo apresente uma conexão estreita com o território português (supra IV). É também o caso das regras protectoras dos investidores não qualificados que celebrem contratos de intermediação para a execução de operações em Portugal sobre informação, conflito de interesses e segregação patrimonial (arts. 304.º e segs.) e das contidas nos arts. 321.º a 345.º C. Val. Mob., por força da norma de conflitos unilateral contida no art. 321.º/3 C. Val. Mob. (112).

E) Estatuto dos valores mobiliários

O estatuto do negócio não abrange todos os aspectos das operações financeiras internacionais que implicam a transmissão de valores mobiliários. Além das conexões especiais, atrás referidas, há questões que estão submetidas ao estatuto dos valores mobiliários.

Deve entender-se que a qualificação de um documento como valor mobiliário depende da ordem jurídica reguladora do direito representado (designadamente, quanto às acções e aos outros valores titulados emitidos por sociedades, a lei pessoal da sociedade). Quando perante esta ordem jurídica o direito seja representado por um valor mobiliário e a transmissão do direito dependa da transmissão do valor mobiliário, os requisitos e efeitos desta transmissão são controlados pela lei reguladora do valor mobiliário (113), embora se deva procurar transpor para os quadros desta lei os efeitos que os contratos de venda tenham vocação a produzir à face da lex contractus (114).

A doutrina tradicional tende a aplicar a lei da situação do título às questões suscitadas pela sua transmissão (115); no caso das acções (116), ou pelo menos das acções nominativas (117), também é defendida a competência da lei pessoal da sociedade.

A regra da competência da lei da situação do título (lex cartae sitae), para além das fraquezas que sempre encerrou, encontra-se desajustada da realidade actual. Os valores mobiliários tendem a ser representados por registos em conta (valores escriturais) e não por documentos em papel (desmaterialização dos valores mobi- liários).

O apelo a uma “localização jurídica” também encerra o risco de se procurar uma analogia com a lex cartae sitae. O que importa é encontrar o ou os elementos de conexão mais adequados para a determinação do Direito aplicável aos diferentes tipos de valor mobiliário (elementos de conexão que não se traduzem necessariamente em laços objectivos de carácter espacial) (118).

Para fazer face ao processo de desmaterialização dos valores mobiliários, foi proposta a aplicação do Direito do lugar em que o registo é mantido aos valores mobiliários escriturais (119). Nesta linha, o art. 9.º/2 da Dir. 98/26/CE, de 19/5, Relativa ao Carácter Definitivo da Liquidação nos Sistemas de Pagamentos e de Liquidação de Valores Mobiliários, manda aplicar a lei do Estado-Membro em que se situa o registo, conta ou sistema de depósito centralizado à determinação dos direitos dos titulares de garantias sobre valores mobiliários aí inscritos (esta regra encontra-se transposta no art. 284.º/4 C. Val. Mob.) (120). Também o art. 9.º da Dir. 2002/47/CE, de 6/6, Relativa aos Acordos de Garantia Financeira, determina a aplicação da lei do país em que a conta de referência está localizada às garantias “sob a forma de títulos escriturais” (esta regra encontra-se transposta no art. 21.º do DL n.º 105/2004, de 8/5).

No entanto, esta regra é insuficiente perante a frequente interposição de mais de um intermediário e, por conseguinte, a existência de mais de um registo. Com a evolução para um sistema de detenção indirecta, a titularidade e a transmissão dos valores mobiliários deixa de depender de um registo nos livros do emitente e passa a ser determinada pela inscrição em contas de valores mobiliários mantidas por intermediários, podendo haver um ou mais intermediários entre o emitente e o investidor (121).

Para fazer face a esta limitação, uma doutrina veio defender a aplicação do Direito do lugar em que o intermediário relevante (o que mantém a conta em que o direito está inscrito) administra a conta ou se situa o estabelecimento que administra esta conta (Place of the Relevant Intermediary Approach — PRIMA). Esta solução tem a vantagem de submeter a uma mesma lei todos os direitos sobre valores mobiliários do titular da conta, mesmo que os emitentes, registos, títulos ou intermediários de nível mais elevado estejam situados em diferentes países (122).

Esta solução, porém, também depara com dificuldades. Tem sido feito valer que não há um critério geralmente reconhecido para, na vasta maioria das transacções, determinar precisa e inequivocamente a localização de uma conta de valores mobiliários ou do estabelecimento de um intermediário que mantém essa conta (123). Isto conduziu a uma versão modificada desta solução que confere um certo relevo à autonomia da vontade na determinação do Direito aplicável. Foi o caminho seguido, nos EUA, pelo Uniform Commercial Code (art. 8-110 (b) e (e)), e a nível internacional, pela Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável a Certos Direitos Respeitantes a Valores Mobiliários Detidos por um Intermediário (2006). Assim, a Convenção da Haia vem admitir uma liberdade de designação do Direito aplicável (na convenção de conta) limitada ao Direito dos Estados em que o intermediário relevante exerça uma actividade significativa de manutenção de contas de valores mobiliários (124).

Estas soluções não prejudicam a competência da lei pessoal da sociedade para reger as relações entre o titular do valor mobiliário emitido por uma sociedade e a emitente (125).

Vejamos agora até que ponto o C. Val. Mob. acompanhou esta evolução.
A lei pessoal do emitente é aplicável ao conteúdo dos valores mobiliários (art. 40.º), mas com duas especialidades (126). Primeiro, quanto a obrigações e a outros valores mobiliários representativos de dívida pode designar-se outro Direito no registo da emissão (art. 40.º/1/2.ª parte). Segundo, ao conteúdo dos valores mobiliários que confiram o direito à subscrição, à aquisição ou à alienação de outros valores mobiliários aplica-se cumulativamente a lei pessoal do emitente destes (art. 40.º/2).

Quanto à lei aplicável aos requisitos e aos efeitos da transmissão de direitos e à constituição de garantias sobre valores mobiliários, a lei pessoal do emitente só é aplicável aos valores mobiliários não registados nem depositados (art. 41.º/c). No que toca aos valores mobiliários integrados num sistema centralizado, aplica-se o Direito do Estado onde se situa o estabelecimento da entidade gestora desse sistema (art. 41.º/a). Relativamente aos valores mobiliários registados ou depositados não integrados em sistema centralizado aplica-se o Direito do Estado em que se situa o estabelecimento onde estão registados ou depositados (art. 41.º/b) (127).

F) Conexões especiais para certos aspectos das operações nos mercados de instrumentos financeiros

Passo agora a referir, sem pretensões de exaustividade, as principais conexões especiais estabelecidas para certos aspectos das operações em mercados de instrumentos financeiros.

As normas sobre os mercados permitidos e a admissão de valores mobiliários à negociação num mercado regulamentado têm geralmente uma esfera de aplicação territorial, i.e., aplicam-se aos mercados que funcionam no Estado que as edita.

Em alguns sistemas isto é visto como decorrência da natureza jurídico-pública destas normas (128). Entre nós, a mesma ilação se impõe com respeito às normas sobre mercados permitidos. Já suscita dúvidas a natureza das normas sobre a admissão de valores mobiliários (129). Mesmo quem entenda que estas normas são de Direito privado não negará que prosseguem, pelo menos em parte, finalidades públicas que justificam uma esfera de aplicação territorial.

Assim, está, em princípio, excluída a aplicação de Direito estrangeiro à permissão de mercados que funcionem em Portugal ou à admissão de valores mobiliários à negociação num mercado que funcione em Portugal (130). Mas isto não exclui que se possa aplicar o Direito público estrangeiro quando esteja em causa num tribunal português a validade de uma operação sobre valores mobiliários realizada num mercado que funciona no estrangeiro (131).

As normas sobre ofertas públicas são objecto de uma norma de conflitos unilateral contida no art. 108.º/1 C. Val. Mob.; aplicam-se às ofertas públicas dirigidas especificamente a pessoas com residência ou estabelecimento em Portugal. Mas nesta matéria vigoram também diversas normas especiais.

Uma destas regras é a que decorre do art. 17.º da Directiva sobre o prospecto (132): o prospecto aprovado no Estado-Membro de origem é válido e eficaz relativamente a uma oferta pública ou a uma admissão à negociação em qualquer dos Estados-Membros de acolhimento, desde que a autoridade competente de cada Estado-Membro de acolhimento seja notificada em conformidade com o artigo 18.º. Consagra-se aqui o princípio do país de origem quanto à competência para a aprovação do prospecto e quanto à lei aplicável aos requisitos do prospecto. O Estado-Membro de origem é, em princípio, o Estado-Membro em que o emitente tem a sua sede estatutária (art. 2.º/1/m da Directiva) (133). Estas normas comunitárias foram transpostas para os arts. 145.º, 146.º e 147.º-A C. Val. Mob. A Directiva contém ainda indicações sobre as informações mínimas que devem constar do prospecto (art. 7.º) que foram regulamentadas pelo Reg. (CE) n. ° 809/2004, de 29/4.

Vigoram também regras especiais sobre as ofertas públicas de aquisição. Nesta matéria há que ter em conta a Directiva sobre ofertas públicas de aquisição que se aplica às ofertas de valores mobiliários de sociedades sujeitas à legislação dos Estados-Membros quando estes valores estejam admitidos à negociação num mercado regulamento em um ou vários Estados-Membros (art. 1.º/1) (134).

O art. 4.º desta Directiva, sob a epígrafe “Autoridade de supervisão e direito aplicável”, contém normas expressas de competência para a supervisão das ofertas. É competente, em primeira linha, a autoridade do Estado-Membro em que se situa a sede social da sociedade visada (art. 4.º/2/a). O art. 4.º estabelece regras especiais para o caso de os valores mobiliários da sociedade visada não estarem admitidos à negociação num mercado regulamentado do Estado-Membro em que se situa a sede social ou de estarem admitidos à negociação em mercados regulamentados de mais de um Estado-Membro. No primeiro caso, é competente a autoridade do Estado-Membro em cujo mercado regulamentado estejam admitidos à negociação os valores mobiliários dessa sociedade (art. 4.º/2/b/1.º §). No segundo caso, vale o princípio da prioridade: é competente a autoridade do Estado-Membro em cujo mercado regulamentado os valores mobiliários dessa sociedade tenham sido admitidos à negociação em primeiro lugar (art. 4.º/2/b/2.º §) (135). Estas regras foram transpostas para o art. 145.º-A C. Val. Mob.

Está implícita uma norma de conflitos unilateral segundo a qual a autoridade competente aplica o Direito do foro (136).

A Directiva parece basear-se no pressuposto de que a sociedade visada pela OPA está submetida à lei da sua sede. Dada a divergência entre os sistemas que adoptam a teoria da constituição e os que adoptam a teoria da sede (da administração) este pressuposto leva-nos a entender que o conceito relevante de sede social depende da teoria adoptada pelo Estado-Membro em causa (137). Será a sede estatutária nos países que adoptam a teoria da constituição (visto que normalmente as sociedade têm sede estatutária no país em que se constituem) e a sede da administração nos países que adoptam a teoria da sede.

Nos casos em que os valores mobiliários da sociedade visada estão admitidos à negociação, no todo ou em parte, num mercado regulamentado que não é o do Estado da sede social, suscita-se um problema de delimitação entre as questões abrangidas pelo estatuto da OPA e as questões abrangidas pelo estatuto da sociedade (138). O art. 4.º procura resolver estas dificuldades, enumerando questões que estão submetidas ao Direito da autoridade competente e questões que estão submetidas ao Direito da sede sociedade (n.º 2/e). Este preceito foi transposto para o art. 108.º/2 C. Val. Mob.

As relações contratuais de venda de valores mobiliários que se estabeleçam mediante a aceitação de ofertas públicas estão submetidas às regras da Convenção de Roma (139).

Geralmente a proposta conterá uma designação do Direito aplicável. No que se refere às ofertas públicas de aquisição, o art. 138.º/1/n C. Val. Mob. impõe mesmo a menção da “legislação nacional que será aplicável aos contratos celebrados entre o oferente e os titulares de valores mobiliários da sociedade visada, na sequência da aceitação da oferta, bem como os tribunais competentes para dirimir os litígios daqueles emergentes”.

Nos casos raros em que não haja designação do Direito aplicável, a doutrina diverge quanto à determinação da conexão mais estreita com respeito a relações estabelecidas na sequência de ofertas públicas de aquisição (140). Parece defensável que a conexão mais estreita conduza frequentemente à aplicação da mesma lei que define o estatuto da OPA, caso em que não se justifica, portanto, o recurso à “presunção” a favor da lei do devedor da prestação característica (que é o vendedor) (141).

Foi anteriormente referido que, em matéria de contratos celebrados à distância relativos a serviços financeiros, o art. 40.º do DL n.º 95/2006, de 29/5, estabelece que a “escolha pelas partes da lei de um Estado não comunitário como lei aplicável ao contrato não priva o consumidor da protecção que lhe garantem as disposições do presente decreto-lei”. Este regime é aplicável aos contratos entre investidores e intermediários financeiros relativos a instrumentos financeiros (cf. art. 2.º/b e d) (142).

Além destas conexões especiais, na ordem jurídica portuguesa há ainda que ter em conta o art. 3.º C. Val. Mob. que, quando for competente uma lei estrangeira, permite a sobreposição das normas imperativas do Código com respeito às situações, actividades e actos que tenham uma conexão relevante com o território português. O n.º 2 deste artigo contém uma enumeração não exaustiva das conexões relevantes com o território português. O art. 3.º tem como epígrafe “normas de aplicação imediata”, mas esta expressão não corresponde a uma categoria de normas definida por um critério material (143). Trata-se, por conseguinte, de uma modalidade de cláusula geral que autoriza o intérprete a aplicar qualquer das normas imperativas do Código sempre que entenda que há uma conexão suficiente com o território português (144).

Esta cláusula geral é indesejável. Aquilo que se espera do legislador, sobretudo numa área de Direito dos negócios em que os operadores necessitam da máxima certeza jurídica e da máxima previsibilidade possíveis, é que determine claramente as normas imperativas que são susceptíveis de sobreposição ao Direito estrangeiro competente e que delimite com precisão o seu âmbito de aplicação no espaço. Casos-limite, em que haja razões ponderosas e excepcionais para aplicar determinada norma imperativa na falta de previsão legal, deixam-se resolver adequadamente com base na teoria das lacunas da lei (145).

Autorizar o intérprete a proceder a valorações conflituais casuísticas é algo que compromete as exigências de certeza e previsibilidade jurídicas e que contribui para uma maximização do âmbito de aplicação no espaço do Direito interno. A maximização do âmbito de aplicação do Direito interno aumenta o risco de concorrência de pretensões de regulação com outros Estados e, com isso, conduz ao cúmulo de normas imperativas que restringe excessivamente a autonomia da vontade e gera conflitos de deveres para os operadores dos mercados de instrumentos financeiros.

Enquanto o art. 3.º C. Val. Mob. vigorar na ordem jurídica portuguesa, a consideração dos valores fundamentais e dos princípios gerais do sistema português de Direito de Conflitos justifica uma interpretação restritiva da regra nele contida (146).




Notas:

(*) O presente trabalho foi elaborado com vista aos Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Martim de Albuquerque. Agradeço ao Mestre PAULO CÂMARA os comentários e sugestões que teve a gentileza de fazer com respeito ao ponto V.

(**) Professor Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa.

(1) Ver, relativamente aos contratos comerciais internacionais em geral, Luís de LIMA PINHEIRO — Direito Comercial Internacional, Coimbra, 2005, 67 e segs., e Eduardo SANTOS JÚNIOR — “Sobre o conceito de contrato internacional”, in Est. Marques dos Santos, vol. I, 161-192, Coimbra, 2005.

(2) Ver Luís de LIMA PINHEIRO — Direito Internacional Privado, vol. I — Introdução e Direito de Conflitos/Parte Geral, Coimbra, 2001, 57 e segs.

(3) Ver Rui PINTO DUARTE — “A Convenção do UNIDROIT sobre locação financeira internacional — tradução e notas”, DDC/BMJ 35/36 (1988) 274-307; Daniel GIRSBERGER — Grenzüberschreitendes Finanzierungsleasing. Internationales Vertrags-, Sachen- und Insolvenzrecht. Ein rechtsvergleichende Untersuchung, Tubinga, 1997; e Mariani PAOLA — Il Leasing finanziario internazionale tra diritto uniforme e diritto internazionale privato, Pádua, 2004.

(4) Ver Jürgen BASEDOW — “Internationale Factoring zwischen Kollisionsrecht und Unidroit — Convention”, ZEuP 5 (1997) 615; Maria HELENA BRITO — O “factoring” internacional e a Convenção do Unidroit, Lisboa, 1998; e Luís de MENEZES LEITÃO — Cessão de Créditos, Coimbra, 2005, 254 e segs.

(5) Ver Omaia ELWAN — “La loi applicable à la garantie bancaire à la première demande”, RCADI 275 (1997) 9-218, 104 e segs.; Irmtraud LIENESCH — Internationale Bankgarantien und die UN-Konvention über unabhängige Garantien und Stand-by Lettrers of Credit, Berlim e Nova Iorque, 1999.

(6) Ver MENEZES LEITÃO (n. 4) 258 e segs.; Harry SIGMAN, Francisco GARCIMARTÍN e Heredia CERVANTES — “The United Nations Convention on the Assignment of Receivables in International Trade: A Comparative Analysis from Spanish and United States Perspectives”, ZEuP (2/2006) 236; Claudia RUDOLF — Einheitsrecht für internationale Forderungsabtretungen, Tubinga, 2006.

(7) Como instrumentos de harmonização há ainda a referir a Lei-Modelo da CNUDCI sobre Transferências Internacionais de Crédito (1992). Sobre este modelo de regulação, ver Catarina GENTIL ANASTÁCIO — A Transferência Bancária, Coimbra, 2004, 281 e segs.

(8) Ver Luís de LIMA PINHEIRO — Arbitragem Transnacional. A Determinação do Estatuto da Arbitragem, Coimbra, 2005, 23 e segs.

(9) Ver LIMA PINHEIRO (n. 8) 502 e segs., com mais referências.

(10) Ver LIMA PINHEIRO (n. 8) 234 e segs.

(11) Ver LIMA PINHEIRO (n. 1) 179 e segs. e (n. 8) 383 e segs.

(12) Ver Clive SCHMITTHOFF — “The Unification or Harmonisation of Law by Means of Standard Contracts and General Conditions”, Int. Comp. L. Q. 17 (1968) 551-570; Michael BONELL — “Lex mercatoria”, in Dig. priv. comm., vol. IX, 1993, n.º 4; e Kurt SIEHR — Internationales Privatrecht. Deutsches und europäisches Kollisionsrecht für Studium und Praxis, Heidelberga, 328.

(13) Ver António MENEZES CORDEIRO — Manual de Direito Bancário, 3.ª ed., Coimbra, 2006, 127 e segs. Relativamente aos mercados de instrumentos financeiros, ver Jan DALHUISEN — Dalhuisen on International Commercial, Financial and Trade Law, Oxford e Portland (Oregon), 2004, 741 e segs.

(14) A última revisão foi feita em 2006 com entrada em vigor em 1/7/2007. Cf. Dieter MARTINY in Internationales Vertragsrecht, org. por Christoph REITHMANN e Dieter MARTINY, 6.ª ed., Colónia, 2004, n.º 1225. Claus-Wilhelm CANARIS — Bankvertragsrecht, 3.ª ed., 1988, Berlim e Nova Iorque, 640 e seg., nega que se trate globalmente de uma codificação de usos mas admite a possibilidade de parte destas regras traduzir usos do comércio.

(15) Cf. SIEHR (n. 12) 328. Ver também António MARQUES DOS SANTOS — “A Convenção de Roma e as operações bancárias”, in Est. Raúl Ventura, 45-69, Coimbra, 2003, 60.

(16) Ver LIMA PINHEIRO (n. 8) 29 e segs. e 234 e segs., com mais referências.

(17) COM(2005) 650 final.

(18) Ver I. KARSTEN — “Explanatory Report”, in Conférence de La Haye de droit international privé. Actes et documents, tomo IV, 1979; H. VERHAGEN — Agency in Private International Law, A Haia, Boston e Londres, 1995; Maria HELENA BRITO — A Representação nos Contratos Internacionais, Coimbra, 1999, 385 e segs.; LIMA PINHEIRO — Direito Internacional Privado, vol. II — Direito de Conflitos/Parte Especial, 2.ª ed., Coimbra, 2002, 170 e segs.

(19) Cf. Av. n.º 239/97, de 29/7. Sobre o alcance desta reserva, ver KARSTEN (n. 18) n.º 232. Mas cp. H. VERHAGEN — Agency in Private International Law, A Haia, Boston e Londres, 1995, 163 e seg.

(20) Ver MENEZES CORDEIRO (n. 13) 411 e segs.; José SIMÕES PATRÍCIO — Direito Bancário Privado, Lisboa, 2004, 139 e segs.

(21) Ver, designadamente, CANARIS (n. 14) 639 e 681. Cp. SIMÕES PATRÍCIO (n. 20) 313, entendendo que o banco emitente assume uma obrigação unilateral perante o vendedor.

(22) Cf. CANARIS (n. 14) 750 e 759 e segs. Ver também ELWAN (n. 5) 47 e segs., com mais referências. Cp., no sentido de a garantia autónoma ser, no essencial, um contrato celebrado entre o ordenante e o garante a favor de um terceiro (o garantido ou beneficiário), MENEZES CORDEIRO (n. 13) 642.

(23) Ver GENTIL ANASTÁCIO (n. 7) 93 e segs.

(24) Ver desenvolvimento em Mario GIULIANO e Paul LAGARDE — “Rapport concernant la convention sur la loi applicable aux obligations contractuelles”, JOCE C 282, 31/10/1980, 15 e segs.; António FERRER CORREIA — “Algumas considerações acerca da Convenção de Roma de 19 de Junho de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais”, RLJ (1990) n.os 3787 a 3789 ; Rui MOURA RAMOS — Da Lei Aplicável ao Contrato de Trabalho Internacional, Coimbra, 1991, 466 e segs.; LIMA PINHEIRO (n. 1) 99 e segs.

(25) Cf. Luca RADICATI DI BROZOLO — “La legge regolatrice delle operazioni bancarie secondo la Convenzione comunitaria del 19 giugno 1980”, Riv. dir. comm. 80 (1982) 329-356, 331.

(26) Cf. Marco FRIGESSI DI RATTALMA — “I contratti bancari internazionali alla luce della convenzioni di Roma”, in La Convenzione di Roma sull diritto applicabile ai contratti internazionali, org. por G. Sacerdoti e M. Frigo, 151-167, 2.ª ed., Milão, 1994, 151; Maria HELENA BRITO — “Os contratos bancários e a convenção de Roma de 19 de Junho de 1980 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais”, Rev. da Banca 28 (1993) 75-124, 94 e seg.; e, relativamente ao contrato de garantia à primeira solicitação, ELWAN (n. 5) 141.

(27) Cf. Christian VON BAR — Internationales Privatrecht, vol. II, Munique, 1991, 350 e seg., e Jürgen BASEDOW — “Gesetz zur Regelung des Rechts der Allgemeinen Geschäftsbedingungen (AGB-Gesetz)”, in Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, vol. I, 4.ª ed., Munique, 2001, § 12 AGBG n.º 29. Ver, com mais desenvolvimento, ANTÓNIO DE SOUSA — Conflito de Clausulados e Consenso nos Contratos Internacionais, Porto, 1999, 245 e segs.

(28) Ver, com mais desenvolvimento, António MENEZES CORDEIRO — Tratado de Direito Civil Português, vol. I — Parte Geral, tomo I, 3.ª ed., Coimbra, 2005, 618 e segs.

(29) Ver Karl LARENZ e Manfred WOLF — Allgemeiner Teil des Bürgerlichen Rechts, 9.ª ed., Munique, 2004, 776 e segs.

(30) O art. 5.º da Resolução do Instituto de Direito Internacional sobre a autonomia da vontade das partes nos contratos internacionais entre particulares, aprovada na sessão de Basileia (1991), após admitir, no seu n.º 1, que a “lei aplicável pode ser designada por cláusulas contratuais gerais desde que as partes tenham nelas consentido”, acrescenta, no seu n.º 2, uma regra material, segundo a qual este “consentimento deve ser expresso por escrito, ou de uma maneira conforme aos hábitos estabelecidos entre as partes, ou segundo os usos profissionais de que elas têm conhecimento”. Esta solução inspira-se na jurisprudência do TCE relativamente à cláusula de jurisdição inserida no formulário proposto por uma das partes — cf. Erik JAYME — “L’autonomie de la volonté des parties dans les contrats internationaux entre personnes privées. Rapport définitif”, Ann. Inst. dr. int. 64-I (1991) 62-76, 72 e segs.

(31) Ver ainda, quanto à contratação através da internet, LIMA PINHEIRO — “Direito aplicável aos contratos celebrados através da internet”, ROA 66 (2006) 131-190, 141 e segs., e, especificamente com respeito às operações bancárias electrónicas, Herbert KRONKE — “Applicable Law and Jurisdiction in Electronic Banking Transactions”, in Legal Issues in Electronic Banking, org. por N. Horn, 73-87, A Haia, 2002, 75 e segs.

(32) Cp. MENEZES CORDEIRO (n. 28) 636.

(33) Ver LIMA PINHEIRO (n. 1) 103 e segs.

(34) Ver RADICATI DI BROZOLO (n. 25) 333 e FRIGESSI DI RATTALMA (n. 26) 153, com mais referências.

(35) Ver, sobre os pressupostos e requisitos dos pactos de jurisdição, LIMA PINHEIRO — Direito Internacional Privado, vol. III — Competência Internacional e Reconhecimento de Decisões Estrangeiras, Almedina, Coimbra, 2002, 131 e segs. e 211 e segs.

(36) Ver LIMA PINHEIRO (n. 1) 125 e segs.

(37) Ver considerações convergentes de MARTINY (n. 14) n.º 373.

(38) Ver, com mais desenvolvimento, GIULIANO/LAGARDE (n. 24) 18 e segs.; Dieter MARTINY — “Vor Art. 27-Art. 30”, in Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, vol. X — EGBGB, 4.ª ed., Munique, 2006, Art. 28 n.os 10 e segs.; LIMA PINHEIRO (n. 1) 112 e segs. Relativamente aos contratos celebrados através da internet, ver LIMA PINHEIRO (n. 31) 144 e segs.

(39) Cf. GIULIANO/LAGARDE (n. 24) 20 e seg.; RADICATI DI BROZOLO (n. 25) 336 ; FRIGESSI DI RATTALMA (n. 26) 158; Dicey and Morris on the Conflict of Laws, org. por Lawrence COLLINS, 13.ª ed., Londres, 2000, 1423; HELENA BRITO (n. 26) 104 e segs.; EUGÉNIA GALVÃO TELES — “A prestação característica: um novo conceito para determinar a lei subsidiariamente aplicável aos contratos internacionais. O artigo 4.º da Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais”, O Direito 127 (1995) 71-183, 162 e seg.; Id. — “Determinação do Direito material aplicável aos contratos internacionais. A cláusula geral da conexão mais estreita”, in Estudos de Direito Comercial Internacional, vol. I, org. por LIMA PINHEIRO, 63-141, Coimbra, 2004, 91; Ulrich MAGNUS — “Art 27-37 EGBGB”, in J. von Staudingers Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, 12.ª ed., Berlim, 1998, n.º 526; MARQUES DOS SANTOS (n. 15) 55. Sobre as excepções a esta regra, ver Bernd VON HOFFMANN — “Schuldrecht (Art 27-38)”, in Soergel Kommentar zum Bürgerlichen Gesetzbuch, vol. X — Einführungsgesetz, 12. ed., Estugarda, Berlim e Colónia, 1996, Art. 28 n.º 316 e 318.

(40) (N. 39) 20 e seg. Ver também Dicey and Morris (n. 39) 1424; EUGÉNIA GALVÃO TELES (n. 39 [1995]) 162 e seg., e (n. 39 [2004] 90 e seg.); e Staudinger/MAGNUS (n. 39) n.os 234 e segs.

(41) Cf. MARTINY (n. 14) n.º 1165, Dicey and Morris (n. 39) 1424 e seg.; Soergel/VON HOFFMANN (n. 39) Art. 28 n.º 321; e Staudinger/MAGNUS (n. 39) n.º 237. Mas ver ainda Luca RADICATI DI BROZOLO — Operazioni bancarie internazionale e conflitti di leggi, Milão, 1984, 203 e seg.

(42) Cf. MARTINY (n. 14) n.º 1216; Staudinger/MAGNUS (n. 39) n.º 527; e Gerhard KEGEL e Klaus SCHURIG — Internationales Privatrecht, 9.ª ed., Munique, 2004, 662. Em sentido próximo, BONELLI apud FRIGESSI DI RATTALMA (n. 26) 159, RADICATI DI BROZOLO (n. 25) 352 e seg., HELENA BRITO (n. 26) 107 e MARQUES DOS SANTOS (n. 15) 60 distinguem conforme um dos bancos intervém na sua qualidade própria — por exemplo, concedendo uma linha de crédito a outro banco ou administrando valores mobiliários de outro banco — estabelecendo uma relação em tudo semelhante à que estabelece com os clientes ou ambos os bancos intervêm nessa qualidade — por exemplo, conta corrente recíproca, operação de swap (troca de valores mobiliários) e operações sobre divisas. Só no primeiro caso é que seria possível determinar a prestação característica.

(43) Cf. RADICATI DI BROZOLO (n. 25) 354 e segs.], FRIGESSI DI RATTALMA (n. 26) 159 e HELENA BRITO (n. 26) 108.

(44) Com sugerem HELENA BRITO (n. 26) 108 e MARQUES DOS SANTOS (n. 15) 60.

(45) Ver ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO — Da Compra e Venda em Direito Internacional Privado, Aspectos Fundamentais, vol. I (Diss. Doutoramento), Lisboa, 1954, 125 e segs., e LIMA PINHEIRO (n. 1) 110 e segs.

(46) Ver A. GIARDINA e U. VILLANI — Garanzie bancaria, commercio interanzionale e diritto internazionale privato, Pádua, 1984, 116 e segs., defendendo, com respeito às garantias bancárias, que, em princípio, todos os contratos devem ser submetidos à lei rege o contrato de base; Erik JAYME — Kollisionsrecht und Bankgeschäfte mit Auslandsberühung, Berlim, 1977, 34 e segs., defendendo, com respeito ao crédito documentário, uma conexão acessória do contrato entre o ordenante e o seu banco à lei reguladora do contrato entre o banco ordenante e o banco confirmador que é a lei deste banco; Michel PELICHET — “Garanties bancaires et conflits de lois”, RDAI/IBLJ n.º 3 (1990) 335-355, 345 e segs., sustentando que a aplicação da lei que apresenta a conexão mais estreita com o conjunto da operação se pode basear no art. 4.º/5 da Convenção de Roma; HELENA BRITO (n. 26) 112 e seg.

(47) Ver ainda RADICATI DI BROZOLO (n. 41) 184 e segs. e ELWAN (n. 5) 165 e segs.

(48) Ver também RADICATI DI BROZOLO (n. 25) 346 e segs.; Id. (n. 41) 182 e segs., com mais referências; FRIGESSI DI RATTALMA (n. 26) 160 e seg.; Dicey and Morris (n. 39) 1425 e segs.; Soergel/VON HOFFMANN (n. 39) Art. 28 n.os 298 e 347-349; e Frank VISCHER, Lucius HUBER e David OSER — Internationales Vertragsrecht, 2.ª ed., Berna, 2000, n.os 500 e segs. e 529 e segs.

(49) Cf. MARTINY (n. 14) n.º 1226; Dicey and Morris (n. 39) 1426 e seg., mas admitindo que a lei do banco emitente possa ser afastada em favor da lei do país em que o pagamento ao beneficiário deve ser feito (que é normalmente a lei do banco confirmador) com base no art. 4.º/5 da Convenção de Roma; Soergel/VON HOFFMANN (n. 39) Art. 28 n.os 345 e 348; Staudinger/MAGNUS (n. 39) n.º 557 e seg.; e VISCHER/HUBER/OSER (n. 48) n.º 502.

(50) Cf. MARTINY (n. 14) n.º 1226; RADICATI DI BROZOLO (n. 41) 191; Dicey and Morris (n. 39) 1426; Soergel/VON HOFFMANN (n. 39) Art. 28 n.º 352; Staudinger/MAGNUS (n. 39) n.º 563; e VISCHER/HUBER/OSER (n. 48) n.º 504.

(51) Ver MARTINY (n. 14) n.º 1195 e segs., RADICATI DI BROZOLO (n. 41) 192 e VISCHER/HUBER/OSER (n. 48) n.º 540 e seg.

(52) Cf. art. 117.º/3/e da Lei federal suíça de Direito Internacional Privado; Adolf SCHNITZER — “Les contrats en droit international privé suisse”, RCADI 123 (1968) 541-636, 615 e seg., mas admitindo um desvio quando a garantia é parte integrante de um conjunto que apresenta uma conexão mais estreita com outra lei; Frank VISCHER e Andreas VON PLANTA — Internationales Privatrecht, 2.ª ed., Basileia e Francoforte-sobre-o-Meno, 1982, 182 e seg.; MARTINY (n. 14) n.os 1195 e 1205; RADICATI DI BROZOLO (n. 41) 147; FRIGESSI DI RATTALMA (n. 26) 82; Soergel/VON HOFFMANN (n. 39) Art. 28 n.º 301; Staudinger/MAGNUS (n. 39) n.º 506; VISCHER/HUBER/OSER (n. 48) n.º 540; Jan KROPHOLLER — Internationales Privatrecht, 5.ª ed., Tubinga, 2004, 464; HELENA BRITO (n. 26) 110 e seg.

(53) Ver CANARIS (n. 14) 756 e segs.; MARTINY (n. 14) n.º 1206 e seg.; Soergel/VON HOFFMANN (n. 39) Art. 28 n.º 306; ELWAN (n. 5) 147 e seg., com mais referências; e VISCHER/HUBER/OSER (n. 48) n.os 504 e 541.

(54) Ver, no primeiro sentido, Christoph VON DER SEIPEN — Akzessorische Anknüpfung und engste Verbindung im Kollisionsrecht der komplexen Vertragsverhältnisse, Heidelberga, 1989, 283 e segs.; no segundo sentido, Roeland BERTRAMS — Bank Guarantees in International Trade, 2.ª ed., A Haia, Londres e Boston, 1996, 137 e segs. e 351, e Dicey and Morris (n. 39) 1428 e seg.

(55) Cf. BERTRAMS (n. 54) 351. Em sentido convergente, Dicey and Morris (n. 39) 1428 e seg. defendem que a lei do devedor da prestação característica pode ser afastada em favor da lei do banco correspondente com base no art. 4.º/5 da Convenção de Roma.

(56) Ver ELWAN (n. 5) 146 e seg.

(57) Ver art. Y/1 sugerido pela CNUDCI em conexão com a Lei-Modelo sobre Transferências Internacionais de Crédito. Ver também PAULO CÂMARA — Transferência Bancária Internacional (relatório de mestrado policopiado.), Lisboa, 1993, 49 e segs., a favor da aplicação da lei do Estado em que o banco do beneficiário tem o estabelecimento relevante; GENTIL ANASTÁCIO (n. 7) 326 e segs. a favor da aplicação da lei do país que apresenta a conexão mais estreita com a operação, tendencialmente identificada com a lei do banco do ordenante.

(58) Neste sentido, MARTINY (n. 14) n.º 1219.

(59) Ver, designadamente, Staudinger/MAGNUS (n. 39) n.º 536 e SIEHR (n. 12) 210.

(60) Cf. Soergel/VON HOFFMANN (n. 39) Art. 28 n.º 328. A natureza da cessão financeira é controversa. A posição assumida no texto corresponde à doutrina alemã maioritária — cf., designadamente, KARSTEN SCHMIDT — Handelsrecht, Colónia et al., 1999, 1020, com mais referências. Cp., entre nós, MENEZES CORDEIRO (n. 13) 585 e segs., e MENEZES LEITÃO (n. 4) 534 e segs., com mais referências.

(61) Cf. SCHNITZER (n. 51) 615; Henri BATIFFOL e Paul LAGARDE — Droit international privé, 7.ª ed., Paris, 1983, 337; MARTINY (n. 14) n.º 1183 e seg.; KEGEL/SCHURIG (n. 42) 665; KROPHOLLER (n. 51) 464; Bernard AUDIT — Droit international privé, 4.ª ed., Paris, 2006, 659 e seg.; e VISCHER/HUBER/OSER (n. 48) n.º 532.

(62) Cf. BATIFFOL/LAGARDE (n. 61) 338 e Pierre MAYER e Vincent HEUZÉ — Droit international privé, 8.ª ed., 2004, 530 e seg.

(63) Cf. art. 117.º/3/e da Lei federal suíça de Direito Internacional Privado; SCHNITZER (n. 51) 615; VISCHER/VON PLANTA (n. 51) 182; MARTINY (n. 14) n.º 1183; Staudinger/MAGNUS (n. 39) n.º 497; VISCHER/HUBER/OSER (n. 48) n.º 532; e KROPHOLLER (n. 51) 464.

(64) Ver LIMA PINHEIRO — “Direito aplicável aos contratos com consumidores”, ROA 61 (2001) 155-170 (=in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol. I, 93-106, Coimbra, 2002) e (n. 18) 198 e segs. Relativamente aos contratos celebrados através da internet, ver LIMA PINHEIRO (n. 31) 150 e segs. e, especificamente com respeito às operações bancárias electrónicas, KRONKE (n. 31) 78 e segs.

(65) Cf. GIULIANO/LAGARDE (n. 24) 23. Sobre a interpretação do art. 13.º da Convenção de Bruxelas, ver Jan KROPHOLLER — Europäisches Zivilprozeßrecht. Kommentar, 8.ª ed., Francoforte-sobre-o-Meno, Art. 15 n.os 4 e segs.; Hélène GAUDEMET-TALLON — Compétence et exécution des jugements en Europe, 3.ª ed., Paris, 2002, 225 e segs; LIMA PINHEIRO (n. 35) 105 e segs.

(66) Cf. MARTINY (n. 38) Art. 29 n.º 17 e Paul LAGARDE — “Le nouveau droit international privé des contrats après l’entrée en vigueur de la Convention de Rome du 19 juin 1980”, R. crit. 80 (1991) 287-340, 314.

(67) Cf. LAGARDE (n. 66) 315.

(68) Cf. MARTINY (n. 14) n.º 1217, que inclui ainda aqui os contratos de financiamento.

(69) Para uma análise desenvolvida e crítica ver EUGÉNIA GALVÃO TELES — A protecção do consumidor nos contratos internacionais (diss. mestrado policopiada), 1997, 368 e segs. e 396 e segs. Ver ainda Id. — “A lei aplicável aos contratos de consumo no ‘labirinto comunitário’, in Est. Inocêncio Galvão Telles, vol. I, 683-751, Coimbra, 2002, 696 e segs.

(70) Cf. MünchKomm./MARTINY (n. 38) Art. 29 n.º 34.

(71) Ver também o art. 20.º do DL n.º 359/91, de 21/9, sobre os contratos de crédito ao consumo.

(72) Sobre este conceito de “pedido” ver EUGÉNIA GALVÃO TELES (n. 69 [2002]) 698.

(73) Cf. GIULIANO/LAGARDE (n. 24) 24.

(74) Ver, com respeito às operações bancárias, HELENA BRITO (n. 26) 118 e segs. e MARQUES DOS SANTOS (n. 15) 63 e segs.; em geral, MOURA RAMOS (n. 24) 659 e segs., e Dário MOURA VICENTE — Da Responsabilidade Pré-Contratual em Direito Internacional Privado, Coimbra, 2001, 625 e segs.

(75) Ver, com mais desenvolvimento e referências, LIMA PINHEIRO (n. 2) 193 e segs.

(76) O Acordo foi aprovado para adesão pelo DL n.º 43 338, de 21/11/60; a segunda emenda ao acordo do Fundo Monetário Internacional, entrada em vigor em 28/7/69, e que introduziu certas modificações na tradução portuguesa, foi aprovada, para adesão, pela L n.º 3/78, de 20/1.

(77) Ver as observações de Ole LANDO — “The Conflict of Laws of Contracts. General Principles”, RCADI 189 (1984) 223-447, 398, e MOURA RAMOS (n. 24) 706 e seg. n. 702.

(78) Sobre este problema ver MOURA RAMOS (n. 24) 691 e segs., LIMA PINHEIRO (n. 2) 212 e segs., e MOURA VICENTE (n. 74) 660 e segs.

(79) Ver LIMA PINHEIRO (n. 18) 223 e segs., com mais referências.

(80) Isto à luz do art. 2.º/a e f da Dir. 97/5/CE, Relativa às Transferências Transfronteiras, que o diploma visou transpor, e do art. 2.º/b do diploma.

(81) Ver, sobre o conceito de valor mobiliário, José de OLIVEIRA ASCENSÃO — “O actual conceito de valor mobiliário”, ROA 61 (2001) 5-32.

(82) Ver anexo C do Anexo I da Dir. 2004/39/CE Relativa aos Mercados de Instrumentos Financeiros.

(83) Ver, designadamente, Detlev VAGTS — “Securities Regulation — An Introduction”, in IECL, vol. XIII/cap. 10, Dordrecht, Boston e Lancaster, 2000, n.º 22.

(84) Ver VAGTS (n. 83) n.º 13. Na lei portuguesa, os bancos são considerados investidores qualificados (art. 30.º/1/a C. Val. Mob.) e podem actuar como intermediários financeiros em valores mobiliários (art. 293.º/1/a C. Val. Mob.).

(85) Cf. GIULIANO/LAGARDE (n. 24) 11.

(86) Ver Anton SCHNYDER — “Internationales Kapitalmarktrecht”, in Münchener Kommentar zum Bürgerlichen Gestzbuch, vol. XI, 4.ª ed., Munique, 2006, n.os 31 e segs. e 38 e segs.

(87) Cf. VAGTS (n. 83) n.º 12. Ver também AMADEU FERREIRA — Direito dos Valores Mobiliários, Lisboa, 1997, 319 e segs., e José de OLIVEIRA ASCENSÃO — A Celebração de Negócios em Bolsa, Lisboa, 1999, 6 e seg.

(88) AMADEU FERREIRA (n. 87) 329 entende que, no contrato de tomada firme, o intermediário financeiro que subscreve os valores nem sempre adquire a sua titularidade.

(89) Ver Herbert KRONKE e Jens HAUBOLD — “Börsen- und Kapitalmarkrecht”, in Handbuch Internationales Wirtschaftsrecht, Colónia, 2005, n.os 71 e segs.

(90) Ver também KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.º 71. Ver ainda FLORBELA PIRES — Emissão de Valores Mobiliários, Lisboa, 1999, 59 e segs. e 77 e segs.

(91) Em sentido diferente, FLORBELA PIRES (n. 90) 78 defende a aplicação à relação entre o emitente e o intermediário financeiro, bem como às relações entre intermediários financeiros, de uma lei única que seria a do lugar onde ocorra a emissão dos valores a que o contrato se refere. Cp., as considerações formuladas anteriormente (II C) sobre a sujeição das operações bancárias complexas a um estatuto unitário.

(92) Ver também KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.os 72 e 114.

(93) Ver também VERHAGEN (n. 19) 163.

(94) Segundo KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.os 74 e segs., haveria que distinguir conforme o contrato tem por objecto acções pré-existentes ou acções recém-emitidas. No primeiro caso, tratar-se-ia de um contrato misto de venda e de mandato que, na falta de designação pelas partes do Direito aplicável deveria ser fraccionado, aplicando-se ao primeiro aspecto o Direito do vendedor (emitente) e ao segundo aspecto o Direito do banco, sem prejuízo de se poder estabelecer uma conexão mais estreita do conjunto do contrato com o país em que o banco tem o estabelecimento relevante. No segundo caso, estaríamos perante um contrato de cooperação que, na falta de designação do Direito aplicável, devido à conexão com a constituição da sociedade ou com o aumento do capital, deveria ser submetido à lei pessoal da sociedade.

(95) Ver também arts. 227.º/1 e 231.º/1 C. Val. Mob. Em geral, sobre as normas de conflitos contidas no C. Val. Mob. nesta matéria, ver Maria HELENA BRITO — “Sobre a Aplicação no Espaço do Novo Código dos Valores Mobiliários”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários 7 (2000) 49-73, 61 e segs.

(96) Ver KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.º 116.

(97) Ver PAULA COSTA E SILVA — “Compra, venda e troca de valores mobiliários”, in Direito dos Valores Mobiliários, 243-266, Lisboa, 1997, 250 e segs.; OLIVEIRA ASCENSÃO (n. 87) 16 e segs. defendendo que as transacções em bolsa resultam da sobreposição de declarações unilaterais que são sujeitas a um sistema de compensação colectiva.

(98) Cf. PETER MANKOWSKI —“Börsen—und Finanztermingeschäfte”, in Internationales Vertragsrecht, org. por CHRISTOPH REITHMANN e DIETER MARTINY, 6.a ed., Colónia, 2004, n.os 1258 e segs., KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.º 117 e seg. e SCHNYDER (n. 86) n.º 58.

(99) Cf. Soergel/VON HOFFMANN (n. 39) Art. 28 n.º 366 e KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.º 117.

(100) Cf. Hanno MERKT in Internationales Vertragsrecht, org. por Christoph REITHMANN e Dieter MARTINY, 6.ª ed., Colónia, 2004, n.os 861 e 863, referindo a importância dos usos da bolsa; MARTINY (n. 38) n.º 377 e seg. KRONKE/HAUBOLD (n. 89 n.os 117 e seg. Ver também Staudinger/MAGNUS (n. 39) Art. 28 n.º 184. Cp. MANKOWSKI (n. 98) n.º 1262.

(101) Cf. KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.º 116 e n. 4, com referência a posição divergente.

(102) Cp. MANKOWSKI (n. 98) n.os 1254, 1256 e seg. e 1260, e KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.º 118, que se pronunciam no sentido de considerar o alienante como o devedor da prestação característica. Sobre o Direito aplicável às operações à prazo (derivados) celebrados fora de mercados regulamentados, ver SCHNYDER (n. 86) n.º 60. Em geral, sobre o Direito aplicável às operações a prazo, ver também Staudinger/MAGNUS (n. 39) n.º 583 e KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.º 341. Ver ainda PAULO CÂMARA — “A oferta de valores mobiliários realizada através da Internet”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários 1 (1997) 11-51, 39 e segs.

(103) Cf. MANKOWSKI (n. 98) n.os 1245-1247, KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.os 71 e 114, e SCHNYDER (n. 86) n.º 60.

(104) Cf. MANKOWSKI (n. 98) n.º 1241, KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.º 115 e SCHNYDER (n. 86) n.º 62. Quanto aos contratos celebrados entre investidores e intermediários financeiros que não sejam bancos, parece que será aplicável a já referida Convenção da Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e à Representação (1978) (Introdução III) que, na falta de escolha da lei aplicável, não conduz necessariamente aos mesmos resultados que a Convenção de Roma e que não contém um regime especial de protecção dos consumidores. Com efeito, com base no princípio lex specialis derogat legi generali deve entender-se que a Convenção da Haia prevalece sobre a Convenção de Roma — cf. VERHAGEN (n. 18) 135, HELENA BRITO (n. 18) 444 e segs. e LIMA PINHEIRO (n. 18) 174. A exclusão relativa às operações bancárias não se aplica neste caso — cf. KARSTEN (n. 18) 431 e VERHAGEN (n. 18) 165. Cp. HELENA BRITO (n. 95) 69 e seg.

(105) Cf. SCHNYDER (n. 86) n.º 368.

(106) Cf. MANKOWSKI (n. 98) n.º 1241 e SCHNYDER (n. 86) n.º 62. Cp. MARTINY (n. 36) n.º 1217, afirmando que o art. 5.º da Convenção de Roma não é aplicável à venda de valores mobiliários, visto que não se trata de bens corpóreos. O autor considera esta exclusão criticável visto que os pequenos investidores não são merecedores de menos protecção que o titular de uma poupança ou tomador de crédito.

(107) Cf. MANKOWSKI (n. 98) n.os 1255 e 1259, mas só relativamente às operações a prazo sobre divisas e à venda de acções, e SCHNYDER (n. 86) n.º 369, relativamente aos negócios sobre derivados.

(108) MANKOWSKI (n. 98) n.º 1259 considera esta possibilidade metodologicamente duvidosa.

(109) Cf. LIMA PINHEIRO (n. 31) 155, com mais referências.

(110) Cp. MANKOWSKI (n. 98) n.º 1243, e SCHNYDER (n. 86) n.º 66.

(111) Cf. LIMA PINHEIRO (n. 64) 164 e segs., com mais referências, a que se deve juntar MOURA VICENTE (n. 74) 661 e seg.

(112) Norma que, segundo os critérios gerais, se deve considerar bilateralizável — ver LIMA PINHEIRO (n. 2) 221.

(113) Cf. KEGEL/SCHURIG (n. 42) 769 e SCHNYDER (n. 86) n.º 260.

(114) Ver, sobre a transposição, LIMA PINHEIRO (n. 2) 444 e segs.

(115) Ver KEGEL/SCHURIG (n. 42) 769; Tito BALLARINO — Diritto internazionale privato, 3.ª ed., Pádua, 1999, 754 e 756, distinguindo entre a lei reguladora do título (a lei do lugar da emissão nos termos do art. 59.º/3 da Lei italiana de Direito Internacional Privado) e a lei aplicável aos “direitos reais” sobre o título; MERKT (n. 100) n.º 871. Ver ainda, relativamente aos títulos ao portador, BATIFFOL/LAGARDE (n. 61) 230. Cp., no sentido de uma diferenciação, Dicey and Morris (n. 39) 931.

(116) Cf. MANKOWSKI (n. 98) n.º 1258. Cp. art. 58.º da Lei romena sobre a Regulamentação das Relações de Direito Internacional Privado (1992).

(117) Cf. BATIFFOL/LAGARDE (n. 61) 222 e seg. e Dicey and Morris (n. 39) 932.

(118) Para uma panorâmica das soluções possíveis, ver DALHUISEN (n. 13) 739 e segs.

(119) Ver Dicey and Morris (n. 39) 932, relativamente às acções e ressalvada a competência condicionante da lei pessoal da sociedade; mais em geral, KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.º 171.

(120) Segundo DALHUISEN (n. 13) 740 e seg., esta solução já fora anteriormente adoptada pelas leis da Bélgica e do Luxemburgo com respeito aos sistemas centralizados de depósito internacionais Euroclear e Clearstream.

(121) Ver Roy GOODE, Hideka KANDA e Karl KREUZER — Hague Securities Convention. Explanatory Report, com a colaboração de Christophe BERNASCONI, A Haia, 2005, 8 e segs. Ver ainda DALHUISEN (n. 13) 739-740.

(122) Ver GOODE/KANDA/KREUZER (n. 121) 19. Ver, com mais desenvolvimento e dados de Direito material comparado, KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.os 191 e segs. Cp. as observações críticas de DALHUISEN (n. 13) 741 e segs.

(123) Cf. GOODE/KANDA/KREUZER (n. 121) 19. Ver ainda DALHUISEN (n. 13) 742 e seg., relacionando a relevância da autonomia da vontade com a relevância da lex merca-toria.

(124) Ver GOODE/KANDA/KREUZER (n. 121) 23 e segs; Hanno MERKT e Oliver ROSSBACH — “Das ‘Übereinkommen über das auf bestimmte Rechte in Bezug auf einem Zwischenverwahrer sammelverwahrte Effekten anzuwendende Recht’ der Haager Konferenz für Internationale Privatrecht”, ZVglRWiss 102 (2003) 33; Maria HELENA BRITO — “A Convenção da Haia Sobre a Lei Aplicável a Certos Direitos Respeitantes a Valores Mobiliários Depositados num Intermediário”, in Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra, 2004, 114 e segs.; Michel GERMAIN e Catherine KESSEDJIAN — “La loi applicable à certains droits sur les titres détenus auprès d’un intermédiaire. Le projet de convention de La Haye de décembre 2002”, R. crit. (2004/1) 49-81; Pascale BLOCH e Hubert DE VAUPLANE — “Loi applicable et critères de localisation des titres multi-intermédiés dans la Convention de La Haye du 13 décembre 2002”, Clunet 132 (2005) 3-40.

(125) Cf. BATIFFOL/LAGARDE (n. 61) 222. Ver ainda FLORBELA PIRES (n. 90) 193 e segs. e 204 e seg. Ver também art. 2.º/3/c da referida Convenção da Haia.

(126) Ver FLORBELA PIRES — Direitos e Organização dos Obrigacionistas em Obrigações Internacionais, Lisboa, 2001, 203 e segs.

(127) Ver, sobre estes preceitos, HELENA BRITO (n. 104) 64 e segs. e (n. 124) 120 e segs.

(128) Ver SCHNYDER (n. 86) n.os 47 e seg.

(129) PAULO CÂMARA — “O governo das bolsas”, in Direito dos Valores Mobiliários, vol. VI, 187-228, Coimbra, 2006, § 3.º VI, aponta no sentido da natureza jurídico-privada destas normas.

(130) Mas cp. também art. 231.º/3 C. Val. Mob.

(131) Cp. SCHNYDER (n. 86) n.º 55.

(132) Dir. 2003/71/CE, de 4/11, Relativa ao Prospecto a Publicar em Caso de Oferta Pública de Valores Mobiliários ou da Sua Admissão à Negociação e que Altera a Directiva 2001/34/CE. Sobre esta directiva, e a sua transposição para a ordem jurídica interna, ver designadamente PAULO CÂMARA — “A Directiva dos Prospectos: contexto, conteúdo e confronto com o Direito positivo nacional”, in Est. Marques dos Santos, vol. I, 1083-1114, Coimbra, 2005. Ver ainda PAULO OTERO — “Normas administrativas de conflitos: as situações jurídico-administrativas transnacionais”, in Est. Marques dos Santos, vol. II, 781-790, Coimbra, 2005, 784 e segs.

(133) Ver ainda art. 2.º/1/m/ii e, no caso de emitentes cuja sede estatutária se situe em país terceiro, arts. 20.º e 2.º/1/m/iii.

(134) Dir. 2004/25/CE, de 12/4, Relativa às Ofertas Públicas de Aquisição.

(135) Ver ainda art. 4.º/2/c.

(136) Cf. SCHNYDER (n. 86) n.º 229. Ver também Dário MOURA VICENTE — “Ofertas públicas de aquisição internacionais”, in Estudios sobre contratación internacional, org. por Alfonso Luis Calvo Caravaca e Javier Carrascosa González, 373-391, Madrid, 2006, 385 e segs.

(137) Sobre estas divergência ver LIMA PINHEIRO (n. 18) 79 e segs.

(138) Ver SCHNYDER (n. 86) n.os 234 e seg.

(139) Cf. KRONKE/HAUBOLD (n. 89) n.º 424 e SCHNYDER (n. 86) n.os 244 e segs. Ver também MOURA VICENTE (n. 74) 670 e seg. e (n. 136) 385 e seg.

(140) Ver SCHNYDER (n. 86) n.os 247 e seg.

(141) Ver, em sentido convergente, MERKT (n. 100) n.º 862, SCHNYDER (n. 86) n.º 248 e MOURA VICENTE (n. 136) 386.

(142) Ver também MANKOWSKI (n. 98) n.os 1250 e seg.

(143) Ver LIMA PINHEIRO (n. 2) 193-195.

(144) Cp. HELENA BRITO (n. 104) 71 e segs. e MOURA VICENTE (n. 136) 388 e seg.

(145) Ver LIMA PINHEIRO (n. 2) 198 e segs.

(146) Sobre os valores e os princípios do sistema português de Direito de Conflitos, ver LIMA PINHEIRO (n. 2) 229 e segs., com mais referências.

14/01/2025 20:13:51